sábado, 25 de julho de 2015

FRANCO E MADALENA



Ela era filha e neta de espanhóis, mas nascida aqui na querência mais ao sul do Brasil.

Tinha os cabelos negros, pouco abaixo dos ombros e olhos graúdos numa face pálida e linda.

Deveria ser acompanhada por uma placa de trânsito: “curvas perigosas”.

Porque eram harmoniosas, generosas, sonhadoras, mas, extremamente sinuosas.

Na base de tudo isso, um par de pernas que, naqueles tempos de minissaia provocavam a imaginação do mais sem imaginação da turma.

Seu nome era Madalena, Mada para os amigos.

O macharedo parava tudo quando ela passava, e ficava aquele silêncio que fazem os predadores quando uma presa deliciosa aparece em seu território.

O alvo de desejo de 11 em cada 10 marmanjos.

Era difícil achar um defeito naquela filha de Afrodite, pois junto com a escultura brilhava um sorriso derretedor de pedras, um jeito de ajeitar os cabelos que provocava convulsões e espasmos de desejo.

Naturalmente, era também, o alvo do pensamento de seus colegas de turma na faculdade. Quase todos militantes de partidos e organizações de esquerda, proibidas naqueles duros tempos de ditadura e de repressão.

Simpática, simples e inteligente, era quase uma lenda na faculdade, o que, como sempre, provocava o ódio e a inveja do pessoal da engenharia.

Que injustiça, diziam eles, que negavam a nós os “comunistas”, qualquer direito à felicidade, uma mulher dessas fazendo o curso de história.

Mas, se é verdade que a perfeição não existe, também é verdade que nenhuma dor dói mais do que a decepção.

Mada, oh céus, era fã do odiado General Franco.

Francisco Franco, o generalíssimo que liderou os fascistas na Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939 e que destruiu a democracia socialista que florescia no país.

Franco, que apoiara Hitler e Mussolini na segunda guerra e que fora responsável por milhares de mortes, prisões e torturas nos longos anos em que governou a Espanha com mãos de ferro até sua morte em 1975.

Não, era insuportável ouvir Mada falando bem de Francisco (Franco).

Para aqueles militantes da esquerda a contradição entre a bela Mada e seu horrendo discurso lembrava Médici fazendo balõezinhos com uma bola e se fazendo de bom moço.

Era uma missão estratégica traze-la para os domínios da razão e às verdades da democracia.

Como ela olhava com um pouco mais de atenção um dos nossos bravos heróis da resistência, formulou-se uma missão de guerra.

Claro que nosso companheiro de lutas que era olhado um pouco mais devagar pelos olhos límpidos de Mada, era a peça chave no nosso plano.

Nosso herói deveria penetrar no território inimigo e após efetivar a conquista, resgatar Mada para “nosso lado”. Muito simples.

Freneticamente, o plano foi elaborado e posto em ação.

Todos passaram a falar maravilhas do nosso combatente fazendo com que as maravilhas chegassem as lindas orelhinhas de nosso alvo.

Nas cervejadas depois das aulas, todas as amigas dela (incluindo algumas detestáveis infiltradas) eram convidadas para ter certeza que ela compareceria.

A cadeira ao lado dela, claro, era estrategicamente reservada ao nosso herói.

E assim as coisas foram indo. Tudo era feito para deixa-los juntos.

Para a felicidade do alto-comando tudo estava dando certo, e a primeira vez que os vimos de mãos dadas comemoramos com abraços emocionados.

E quando soubemos que, aquela noite seria a primeira entre os dois, preparamos nosso íntimo para a vitória certa.

No dia seguinte, todos nós reunidos na faculdade esperávamos pelo nosso guerreiro.

Já imaginávamos Madalena com a camiseta do Tche. Ficaria muito mais linda.

Ele chegou sorridente e acompanhado e ao se aproximar do grupo sentimos um inevitável arrepio ao ver que Mada vestia uma camisa escrito “Viva Franco”.

Passaram por nós de mãos dadas, e antes de dobrar o corredor ainda disse “Até la vista Compañeros”.

Havíamos perdido nosso agente em combate. Para sempre...

Aprendemos que o amor é maior, bem maior, que a ideologia.

Maldito Franco!



Prof. Péricles

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