segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
CONSUMINDO SUA ALMA
Quando surgiu, o capitalismo representava esperança.
Depois deuma vida miserável que se contam aos séculos, os pobres do período feudal viram nas mudanças que o comércio poderia trazer a grande chance de uma vida melhor.
Junto com a esperança, entre os séculos XII e XIV o mundo passou pelas dores do parto de um novo mundo.
As Cruzadas e seus absurdos desumanos, as infindáveis guerras feudais. A Inquisição assassina. A peste Negra. A fome.
Às dores do parto seguiu-se a alegria da infância do capitalismo, representada pela volta do comércio a longa distância, o surgimento dos bancos e seguradoras. As Letras de câmbios. Os cheques. E o Renascimento.
Ah! O renascimento! A ideia de um mundo mais humano, feito por humanos, fazendo renascer a crença no homem e na possibilidade de construir o seu destino.
Tudo indicava estar o mundo trilhando novos caminhos de paz e de felicidade. O trabalho servil foi abolido, o Rei unificou o estado e centralizou a promessa de prover o bem comum. Martinho Lutero e outros homens notáveis repensaram os velhos paradigmas de uma igreja coberta de corrupção. E finalmente, o ápice da fé num mundo novo: As grandes Navegações.
O mundo “cresceu em tamanho” como nunca. Novas terras. Novos continentes, culturas... riquezas.
Não se sabe ao certo quando a esperança desapareceu. Talvez tenha sido numa caravela que afundou em alguma tempestade noturna. Ou morreu náufraga em uma ilha perdida. O certo é que a esperança deu lugar à cobiça. As novas culturas foram esmagadas pelos interesses de exploração econômica. O holocausto indígena nas Américas foi o maior suplício já perpetrado racionalmente pelo homem.
Num último suspiro, a esperança ainda tentou voltar através das luzes dos iluministas. Mas, definitivamente morreu na Revolução francesa que fez nascer, não o mundo dos iguais, mas o mundo dos burgueses, que, definitivamente, já não eram tão iguais assim, ao trabalhador.
Este, o trabalhador, perdeu não só a esperança, mas também as ferramentas e o conhecimento do que produzia a partir da revolução industrial, que desarmou o artífice e o transformou em uma massa disforme que só servia ao trabalho duro, sujo e desesperado, talvez mais desesperado que o trabalho servil.
E a fraternidade foi guilhotinada, como Graco Babeuf e sua “Conspiração dos Iguais”.
As classificações pessoais não mais se davam por nascimento e propriedade de terra, mas por classes sociais, onde o “ter”, muito mais do que o “ser” era balizador das diferenças.
Ao longo de 9 séculos o capitalismo trouxe promessas e forjou engodos.
O próprio conceito de democracia foi uma fraude, anunciando um governo de todos que jamais aconteceu, pois, na prática sempre representou os interesses econômicos dos poderosos, seus verdadeiros sócios no poder.
A independência misturada com livre iniciativa econômica. A igualdade social substituída pela concorrência. Liberdade confundida com liberal.
Se é verdade que foi a concorrência que impulsionou as transformações técnicas e científicas, não é menos verdade que ela se cristalizou nas almas das criaturas criando um mundo baseado na concorrência e nas aparências, pois no mundo onde ter vale mais do que ser, se representa e se vive de aparências.
O lucro tornou-se o Deus onipotente em todas as relações humanas e seu altar, algo etéreo definido como “mercado”, que pode ser uma rua ou mesmo o mundo inteiro. O Japão, ou teu próprio coração.
No gênese do capitalismo, a propriedade privada foi feita no primeiro dia e é o sopro de toda vida. Privatiza-se o lucro e socializa-se a dor.
E tudo se tornou consumo. O homem que a tudo consome e pelo consumo é consumido, gasta-se nos dias no trabalho árduo que não o enriquece, mas enriquece a quem detém os meios de produzir o lucro. E trabalhando não vê as pequenas coisas em sua volta que são grandes, como o sorriso do filho que não viu crescer porque estava trabalhando.
Todas as guerras se tornaram mercantis. Se antes se usava o nome de Deus para estimular os guerreiros à morte, agora se usa conceitos como pátria e nação.
O mundo progrediu materialmente como nunca antes na história humana.
A eletricidade iluminou o planeta. Os meios de transportes o tornaram menor. Os de comunicação nos aproximaram com a velocidade de um clic.
Somos hoje 7 bilhões de pessoas. Nunca fomos tão rapidamente informados. Nunca tivemos tantas ofertas tecnológicas.
Já fomos à lua, chegamos a Marte. Transplantamos órgãos e a expectativa da vida orgânica não para de crescer.
Mas a vida da alma não para de secar. E nunca, nem mesmo nos vazios desertos do período escravagista, ou nos perdidos feudos do senhor, nunca estivemos tão sós.
Mais de 15% da população mundial é dependente de alguma droga química. Mais de 20% sofre de depressão. Nunca o suicídio foi tão recorrente. Mas, no mundo do capital, tudo é produto, e tudo isso gera milhões em antidepressivos e em outras bengalas.
Guetos e favelas multiplicam-se, e a fome, a mais antiga das tragédias, ainda mata aos milhões.
Em vez de suprir as necessidades humanas, criam-se novas, todos os dias, porque a toda necessidade segue-se um produto a ser vendido e gerar lucros.
O capitalismo criou mercados. Diversificou produtos. Iluminou. Iludiu. Ruiu na crise de 1929 na Bolsa de Nova York mas se reergueu na Segunda Guerra Mundial, porque essa é sua lógica e seu segredo.
Lamenta-se as experiências de Mengele mas se usa o resultado de sua morbidez. Lamenta-se Yroshima e Nagasaki, mas graças a ela investiu-se milhões de bilhões em armamentos.
O capitalismo é o sistema que matou o feudalismo, prometeu paz e prosperidade, criou milagres, mas, em momento algum de nossa história foi capaz de criar uma sociedade justa.
E a quem duvida, basta abrir a janela, ou seus olhos, se necessário, o coração. Ouça as vozes dos miseráveis. Não se repugne com crianças remelentas debarriga inchada devermes e condenadas a morte, ou do corpo ou do espírito pelo abandono.
Não se assuste. Também se morre de solidão, talvez mais do que de câncer.
O capitalismo trouxe tudo, mas não trouxe nada.
E nós que consumimos tudo, nos consumimos aos poucos, perdemos tudo, ou perdemos nada, porque, na verdade, nunca tivemos.
Prof. Péricles
Para minha amiga Prof. Maria Alice
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