Era
uma vez um jovem chamado Píramo. Era o mais garboso, o mais belo e agradável
jovem de toda a Babilônia.
Píramo
amava loucamente a jovem Tisbe, a mais bela virgem (sim, já houve), a mais encantadora, a mais simpática, enfim, a mais tudo.
Eram
vizinhos, separados apenas por uma parede comum a casa de ambos e cresceram
fazendo juras de amor, beijando e se enroscando na mesma parede, cada um do seu
lado.
Por
motivos desconhecidos, os pais de Píramo e de Tisbe não gostavam dessa relação
endoidecida e proibiram o namoro entre os pombinhos.
Oh
crueldade! Queriam muito ser um do outro, casar, ter filhos e uma casinha de
cerquinha branca, mas a intransigência dos velhos era total.
Mas
nada pode segurar o amor, muito menos uma paredezinha de nada.
Havia,
sim havia uma pequena fenda na maldita parede, quase imperceptível e conhecida
apenas pelos dois, e por aquela estreita fenda seus hálitos se cruzavam e suas
juras de amor tornavam-se incandescentes e cada vez mais rebeldes.
Todas
as noites despediam-se beijando a parede e agradecendo a pequena e única fenda
pela qual por instantes se sentiam mais próximos.
Até
que um dia os hormônios em ebulição assumiram o comando.
Combinaram
fugir.
Naquela noite, protegidos pelas sombras da
falta de lua, se encontrariam num point da gurizada apaixonada chamado “o
Túmulo do Nilo”.
A
ideia era enlaçarem-se apaixonados e felizes, próximos a uma fonte e sob uma
grande árvore, uma amoreira cheia de frutos maduros e brancos como a neve (sim,
naquela época as amoras eram brancas).
Então,
sem parede para atrapalhar, iriam se amar loucamente e depois partir em busca
de outros ares já que os dali ficariam pesados com a fúria de seus pais.
Aquele
dia pareceu interminável para os jovens apaixonados, mas, finalmente caiu a
noite e a hora chegou.
Tisbe,
mais apressadinha, chegou primeiro ao lugar combinado, cheia de medo e de
desejos.
Sozinha
na mais completa escuridão, ela ficou encolhida, à espera do amado.
De
repente, porém, com a visão já acostumada ao escuro, percebeu o vulto de um
animal selvagem que se aproximava com o andar típico dos predadores noturnos. Era
uma leoa e já que tinha acabado de matar uma presa, chegava com as mandíbulas
ensanguentadas.
Tisbe
percebeu que, de barriga cheia, a fera não iria se esforçar para alcança-la e
correu em busca de um abrigo na floresta ali próxima. Ao correr, desajeitada
diante do perigo, deixou cair a capa que lhe protegia os ombros.
A
enorme predadora deixou Tisbe se ir e após alguns minutos de descanso retornou
para as profundezas das matas virgens de onde viera. Antes, porém, atraída pelo
movimento da capa empurrada pelo vento, abocanhou-a e a fez em pedaços.
Minutos
depois, nosso herói Píramo chegava para o encontro marcado e a cena que
encontrou foi a seguinte: a capa que bem sabia ser de sua amada, toda rasgada e
cheia de sangue (o bicho estava com a mandíbula ensanguentada, lembra?) e por
toda volta as pegadas inconfundíveis de uma leoa.
O
que foi que ele pensou?
Como
fui estúpido. Demorei demais comendo a sobremesa que minha mãe fez e permiti
que ela ficasse aqui sozinha. Céus, enquanto eu devorava o pudim a leoa
devorava minha amada. Como fui marcar um encontro num lugar tão perigoso? A
culpa é minha, sou um retardado, um imbecil, eu a matei.
Desesperado,
abraçado aos trapos da capa de Tisbe, foi para debaixo da amoreira, e, entre
soluços, zaz, enfiou sua espada no coração.
O
sangue explodiu em borbotões atingindo as amoras que se tingiram de
vermelho-escuro.
Mais
tarde, apesar de apavorada com a leoa, mas, querendo muito encontrar seu amado,
Tisbe retornou ao “Túmulo do Nilo”.
E encontrou o pobre rapaz agonizante.
Desesperada abraçou o corpo moribundo
de Píramo que ao sentir seu calor abriu os olhos pela última vez (deve ter
pensado “sou uma besta mesmo” que é que fui fazer) para em seguida morrer.
Enlouquecida
de dor, Tisbe pegou a espada encharcada com o sangue de Píramo e, também zaz, a
cravou no coração, morrendo instantaneamente.
Arrependidos
os pais babacas incineraram os corpos de seus filhos e guardaram a cinza de
ambos numa mesma urna para dizer que nem a morte iria os separar.
Até os deuses, normalmente insensíveis, se tocaram com o drama dos jovens e desde então os frutos das amoreiras são vermelhos para lembrar esse louco e infeliz amor.
Esta história era
contada, mais ou menos assim, por Ovidio, poeta latino do século I.
Prof. Péricles
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