segunda-feira, 2 de novembro de 2015

GUARDIÃO DE CABELOS AMARELOS


A figura de Sepé Tiarajú está fortemente relacionada ao imaginário do gaúcho.

Líder de um povo subjugado e inferiorizado militarmente teve a coragem de lutar pelo que considerava justo e erguer a voz com seu lendário: "Esta terra tem dono!".

Sepé foi brilhante como líder e como guerreiro em campo de batalha, sendo respeitado até pelos inimigos. Acredita-se que sua morte tenha sido premeditada para tira-lo da cena decisiva do conflito, a batalha de Caiboaté.

Como se dariam os fatos da tenebrosa batalha se houvesse a participação de Tiarajú? Jamais saberemos.

Ao longo do tempo, entretanto, a figura de Sepé foi sendo “europeizada” e “cristianizada” a ponto de ser visto como um santo popular dos católicos do Rio Grande.

Nas representações gráficas sua imagem abandonou o estereótipo guarani para adotar uma postura e rosto do “homem branco”.

Os Guaranis de hoje reclamam dessa “desindianização” do mito e alegam ser essa mais uma grande injustiça contra seu povo.

Como diz Werá Tupã (também chamado de Leonardo), tido como um dos mais destacados intelectuais indígenas do sul do país, “ninguém pode continuar pensando que perdemos a memória”.

Ele faz parte de um grupo de guaranis que vem pesquisando fatos históricos e episódios lendários com o objetivo de reapresentá-los ao povo brasileiro de um modo diferente daquele que se tornou predominante.

Um dos temas, cujo estudo demorou anos e ainda não está totalmente concluído, é a verdadeira história de Sepé Tiarajú.

Segundo Werá Tupã: Os homens da Igreja católica apossaram-se da figura heroica, metamorfoseando-a quase num branco que era índio por acaso.

Os livros falam que ele "abraçou a doutrina cristã" e foi "o mais ardoroso defensor da obra dos jesuítas"; que "seus mestres foram os padres"; que ele lutou "sugestionado pelos religiosos"; que "foi criado pelos jesuítas"; Werá Tupã discorda de tudo isso.

“Ele pertencia a um outro povo indígena que não conseguimos identificar. Ele foi adotado pelos guaranis e criado como um dos nossos".

Essa já é uma declaração bombástica de Leonardo, Sepé, era índio sim, mas não Guarani. E prossegue.

Quando ele tinha dois anos de idade, sua aldeia, que ficava no Rio Grande do Sul, foi atacada por portugueses ou espanhóis. Os guaranis correram para ajudar, mas o lugar já tinha sido invadido e quase todos tinham sido massacrados.

Os guaranis salvaram o menino e o levaram para uma aldeia nossa, perto da missão de São Miguel. Um casal adotou ele. O avô da família era um pajé muito poderoso e o menino adorava ele.

Uma coisa que quase ninguém sabe é que o nome certo dele não era Sepé Tiarajú. Esse era o jeito que os padres das missões entenderam e escreveram.

Seu nome era Djekupé A Djú, que significava "Guardião de Cabelo Amarelo".

"Guardião" porque era um guerreiro e "cabelo amarelo" porque não tinha o cabelo bem preto como os guaranis, era meio castanho. Mas era índio mesmo, não mestiço.

O destino de guerreiro (e não pajé como o avô adotivo) foi porque ele era revoltado com os brancos e tinha gratidão pelos guaranis. Queria lutar pelos guaranis. É que, na aldeia, nunca esconderam dele a sua história, tudo que tinha acontecido no ataque.

Os jesuítas não criaram ele, mas ia sempre nas missões porque aprendia tudo que pudesse com os padres. Foi assim que aprendeu a língua espanhola.

Sepé articulou uma espécie de Confederação Guaranítica, criando inovadoras táticas militares para a época, nas quais priorizava a guerrilha e evitava grandes batalhas. Chegou a idealizar e construir quatro peças de artilharia, confeccionadas com cana brava.

Foi assassinado numa emboscada, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, em 7 de fevereiro de 1756.

As pesquisas a respeito de Sepé baseiam-se na história oral, preservada na memória de índios centenários que viveram no Rio Grande do Sul.

Resgatar a memória de Sepé Tiarajú, em nada diminuí seu espaço na galeria de heróis da liberdade, e é fundamental para se fazer justiça histórica a esse mito que sobrevive ao tempo nas histórias contadas e recontadas em torno no fogo de chão.


Prof. Péricles

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