sábado, 28 de novembro de 2015

OLHAI AS ONDAS DO MAR


Muitos admiradores da mitologia da cultura clássica desconhecem a mitologia brasileira. E isso realmente é lamentável.

Quando os africanos vieram cativos para o Brasil, trouxeram consigo sua fé, esperança e seus mitos.

Aqui, submetidos aos trabalhos forçados mais cruéis da história, foram impelidos a abdicar de suas crenças ancestrais e adotar a religião dos seus senhores.

Apesar de negro não ter alma, conforme a igreja, era preciso combater o paganismo.

Entretanto, a criatividade inata desse povo, ousou criar uma nova concepção religiosa que cresceu entre as frestas de liberdade permitindo, de alguma forma, continuar cultuando seus deuses.

O segredo era “botar uma roupagem” de homem branco em seus deuses e em suas crenças.

Essa mescla de culturas que dá origem a uma outra cultura, chamamos de sincretismo. E é devido ao sincretismo religioso que encontramos tantos elementos cristãos, como incenso, sinos e estatuetas de santos como São Jorge, São Jerônimo, Santa Bárbara e outros, nos terreiros dos cultos afro-brasileiros.

Nos cultos afro-brasileiros os orixás são elementos da natureza e suas relações com o mundo, entre eles e com a humanidade, explica uma série de segredos insondáveis pela razão.

Entre os orixás mais populares encontra-se Iemanjá, a rainha do mar.

Ao contrário dos gregos e latinos que imaginavam uma divindade homem assustadora (Posseidon ou Netuno) como o senhor dos sete mares, os africanos adoravam a figura meiga de uma mulher.

Em vez do homem de tridentes ameaçador, uma mulher, serenamente bela.

Em oposição ao temor, o amor de mãe.

O mar, caminho dos padecimentos desse povo e estrada natural entre seu passado de liberdade que findava com sua travessia e o mundo do cativeiro que o esperava, do outro lado, tinha tudo para representar o que mais doloroso se poderia carregar na alma, e a divindade dominante sobre as águas tinha tudo para ser tenebrosa e cruel.

Entretanto, Iemanjá é bela. É bondosa. É mãe amorosa de todos os seus filhos.

O mar, de onde saiu o primeiro aminoácido que daria origem à primeira célula, é mulher.

Como explicar visão tão sublime diante do caos?

Iemanjá não é a separação de um povo de seu passado, mas o elo que os une.

A estrela do mar, a rainha, a personificação da mãe, travestida de Nossa Senhora da Conceição, da Glória ou dos Navegantes nos cultos cristãos.

Ainda chamada em Angola de Kianda, rege todas as uniões, os aniversários além de todas as comemorações familiares e festas porque Iemanjá é alegria, é esperança, é compreensão, sem tridentes e sem ameaças.

Nos tempos em que os membros de uma mesma família eram separados pelos interesses comerciais de compra e venda, era a Iemanjá a geradora do sentimento de amor entre os entes queridos, dando sentimento e personalidade ao grupo formado por pai, mãe e filhos.

Enquanto os gregos viam no senhor dos mares o poder e a força que utiliza suas filhas, as sereias para encantar e levar os homens à morte, os africanos percebem tiveram uma visão mais humana na harmonia das ondas, a beleza das curvas e a eternidades dos seres

Em Cuba, também veste as cores azul e branca e é negra. Rainha negra do mar.

O mar se completa com a personificação feminina visto que nenhum outro lugar do planeta é tão fecundo.

Sabem os negros que no mar não existem senhores e diante de sua fúria não existem privilégios, por isso, todos sofrem do mesmo medo e suplicam do mesmo jeito por suas vidas.

Iemanjá tudo vê e a todos os seus filhos protege, não só aqui, mas lá na dimensão dos oceanos infinitos, onde a liberdade não se negocia pois está expressa em cada uma de suas gotas.

Haverá no universo mais segredos do que no mar e no coração de uma mulher?




Prof. Péricles