Nasci numa noite fria, sem lua.
Feio e repulsivo.
Minha própria mãe, Dríope, me abandonou ao ver
meu rosto.
Meu pai, Hermes, foi zombado de tal forma pela
minha aparência que me proibiu de chama-lo de pai por toda a eternidade.
Na terra dos deuses belos e conquistadores,
nasci com pés de bode, chifres e uma barba espessa e áspera.
Desde criança convivi com as galhofas e zombarias.
Com o olhar divertido dos fanfarrões reconhecidamente belos.
Só me restava a solidão.
Passei a viver nos campos e nas matas.
Conversava com o sussurrar dos ventos nas
folhas mortas, e agradecia a neblina alta que escondia meu rosto dos
desavisados.
Minha dor sempre foi imensa e ela contagiou
todo o meu reino, dos pastos aos picos mais altos, das matas verdejantes até a
restingas e dunas.
Passei
a ser temido por todos os viajantes que tinham que atravessar as florestas à
noite, pois na solidão da travessia, quando só ouviam as batidas do próprio
coração era comum serem contaminados por minha melancolia e por um medo
inexplicável de estar sozinho.
As ninfas zombavam de mim sem a menor piedade.
Por isso, jurei nunca me apaixonar.
Mas fui traído pelo desejo duas vezes.
Na primeira vez me apaixonei por Syrinx que
como eu, amava a solidão apesar de bela e encantadora.
Mas, ela preferiu a solidão eterna dos caniços
a se entregar a uma entidade bizarra como eu.
Na segunda vez foi pela ninfa Pítis, que era
tão bondosa e tinha o coração tão doce que conseguiu ver em mim mais do que a
forma deprimente.
Mas Pítis era amada por Bóreas, o maligno
vento do Norte que, num acesso de ciúmes soprou com tamanha impetuosidade que
jogou minha amada ninfa num precipício sem fim.
Pítis foi transformada por Zeus numa árvore
consagrada a mim (Pitis, pinheiro em grego).
Cada vez mais sofrido e isolado fiz uma flauta
com sete tubos.
Meu irmão Cupido à abençoou e me disse que
seus sons mágicos deixariam enfeitiçadas as mais belas, apaixonadas pela doce
música de minha flauta.
Cupido me disse que o coração da mulher,
quando enfeitiçado pela paixão, pode achar a beleza na alma de um homem e no
seu talento, mesmo que dele nem mesmo o próprio homem suspeite.
Assim passei a jogar no ar os sons de minha
dor misturados com a harmonia das saudades de Pítias.
As ninfas dançavam ao meu redor e me seguiam.
Mas, o amor enfeitiçado não é amor verdadeiro
e mantive minha jura de nunca mais amar ninguém.
Quem eu sou?
Eu sou Pã, a divindade protetora dos rebanhos.
Deus dos bosques e dos pastos. Protetor dos pastores.
Mas também sou o deus dos rejeitados, o senhor
da solidão e mestre do amor perdido.
Quando se sentir só, apure seus ouvidos nas
janelas de seu quarto.
Se tiver o coração enfeitiçado ouviras minha
música no gemido enlouquecido do vento, que como eu, nunca será de ninguém.
Prof. Péricles
Nenhum comentário:
Postar um comentário