sábado, 14 de junho de 2014
A IGNORÂNCIA DA ELITE É UM ESPANTO, UM ESPANTO!
José Eugênio Soares, ou, simplesmente, Jô Soares, foi um humorista que criou personagens inesquecíveis para os de minha geração.
Com um humor inteligente e geralmente satírico, esses personagens pronunciavam bordões, aquelas frases que enfatizam a piada, que entraram para a história de todos nós, daquela época.
Um desses personagens era um professor cínico, que aparecia, geralmente num encontro social, em que muitas pessoas conversavam animadamente. Um pequeno grupo de gente mais velha, logo identificados como seus ex-alunos, aproximava-se do professor e estabelecia um diálogo, sempre criticando a juventude e sua propalada ignorância.
O professor demonstrava concordar que a juventude era ignorante e relatava um caso em que seus alunos afirmavam determinada coisa, supostamente errada. Os mais, ao redor, velhos davam risada e lamentavam tanta burrice, mas logo ficavam sem graça quando o professor parava de rir e dizia que aquilo era verdade e os alunos tinham razão.
Todos ficavam sem jeito por rir de algo que estava certo e o quadro terminava com o professor pronunciando o bordão “realmente, a ignorância da juventude é um espanto, um espanto!”
Lembrei desse quadro do Jô Soares ao assistir as vaias para a presidenta Dilma Roussef na abertura da Copa do Mundo.
Um dos momentos de maior deleite da classe média brasileira, supostamente esclarecida e bem informada, é curtir os erros de expressão dos mais pobres que, de acordo com seus critérios de hierarquia, demonstram inferioridade.
Esquecendo-se que nem todos nesse país governado pelas elites puderam estudar, apontam erros gramaticais e erros de concordância como atestado de ignorância e de incapacidade.
O próprio presidente Lula, um ex-metalúrgico, vindo do nordeste identificado como terra do atraso é personagem central de piadas grotescas nesse sentido.
São preconceitos típicos de mentalidades conservadoras que preferem um presidente sociólogo, ou filho da burguesia, que fale bonito e escreva bem.
Na quinta-feira, dia 12, na abertura da Copa do Mundo, na Arena do Corinthians, o estádio estava repleto desses luminares esclarecidos.
Filhos das elites e da classe média, identificados de alguma forma com a Coca-cola, Liberty Seguros, Adidas, Hyndai, Kia, Emirates, Sony, Visa, Budweiser, Castrol, Johnson e Johnson, McDonalds e outros patrocinadores do evento que distribuíram cerca de 70% dos ingressos, ocupavam os espaços, generosamente oferecidos.
Pela dificuldade de aquisição e pelo preço, as classes de menor poder aquisitivo estavam impedidas de comparecer.
Pois, eis que, dessa massa de boa gente, branca, católica e bem alimentada. Bons filhos, bons profissionais, esclarecidos, que falam bonito e conjugam bem os verbos, ergueram-se apupos tão intensos dirigidos à presidente da República que, longe de ser qualquer tipo de protesto civilizado tornaram-se ofensas pessoais, grosseiras e de tão baixo nível que nem podem ser reproduzidas aqui.
Com certeza gente que fala bonito. Sem grandes erros de concordância. Alguns até escrevem em colunas sociais proferindo palavrões típicos de suas piadas mais sórdidas quando se referem aos menos cultos.
Comovente exemplo a não ser seguido pelos que falam errado.
Com certeza o professor do Jô Soares não estava no estádio, inacessível ao trabalhador.
Mas, junto a 1 bilhão e meio de pessoas de todo o mundo que acompanhavam a cerimônia pela televisão, deve ter feito aquela cara tão conhecida por nós quando ironizava a suposta ilustração e dito “realmente, a ignorância dos bem nascidos brasileiros é um espanto, um espanto!”.
Resta-nos recordar o presidente Juscelino Kubitschek, que um dia, vítima de uma armação de Ademar de Barros, após ser terrivelmente vaiado em uma universidade, disse, na saída “Feliz do país que tem estudantes que podem vaiar seu presidente”.
Prof. Péricles
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