quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ILUSÕES DA VELHA MÍDIA


Imaginemos alguém que só lesse, escutasse ou visse a velha mídia. Que visão teria do Brasil e do mundo?

Em primeiro lugar, não poderia entender por que um “governo – corrupto, incompetente, com a economia à deriva, nomeando ministros como troca-troca eleitoral, que cobra muitos impostos, que está atrasado na entrega de todos as obras, do PAC, do Mundial e das Olimpíadas, que tem política exterior aventureira etc, etc” – tem 75% de apoio do povo.

Não entenderia como um líder como o Lula – que tem 80% de referências negativas na mídia – consegue que 69,8% dos brasileiros queiram que ele volte a ser o presidente do Brasil em 2014.

Não poderiam entender como o PT – “partido corrupto, protagonista do maior escândalo da historia do Brasil” – sai fortalecido das eleições municipais, eleja mais prefeitos e mais vereadores e tire dos tucanos a prefeitura mais importante do Brasil, a de São Paulo – “tão bem administrada pela competência dos tucanos”[sic].

Não saberiam por que a economia brasileira não naufraga, se lêem todos os dias que “tudo vai mal, que o governo faz tudo errado, que a economia não cresce”. Por que “o governo continua a estender as políticas sociais, sem os recursos que a economia deveria lhe dar”.

Não entende por que o FHC dá seu apoio e participa da campanha do candidato tucano no Rio – junto com o Aécio e o Álvaro Dias -, mas o candidato tem apenas 2,47% dos votos. Como os tucanos e o DEM perderam 332 prefeituras, sendo “os mais preparados para governar” [sic].

Lêem, numa revista semanal, que a Argentina é “governada por autoridades cada vez mais repressoras”, que “bloqueiam as liberdades individuais, como o acesso à livre informação, a bens de consumo e ao capital”. Que o governo “já tem o controle autoritário de 80% (sic) dos canais de radio e TV do país”. Que “na ilha de Cristina, os cidadãos só lêem o que ela quer”. Que as grifes “Escada, Armani e Yves Saint-Laurent fecharam suas lojas no país”, assim como a Vuitton e a Cartier. Que a “Avenida Alvear está com ares de fim de feira”. Que “na ilha de Cristina os investidores são tratados como piratas”.

E, no entanto, a Cristina é reeleita no primeira turno. Como entender isso, vendo a velha mídia?

Como entender que “a Venezuela está se desfazendo, entre a ineficiência da sua economia, a corrupção e a violência”, mas o Hugo Chavez é reeleito para um quarto mandato?

Que a América Latina vai bem enquanto os EUA e a Europa vão mal?

Tudo parece de cabeça pra baixo, o mundo parece absurdo, incompreensível, para quem depende da velha mídia, dos seus jornais, das suas revistas, dos rádios e da suas TVs.

Por Emir Sader

domingo, 28 de outubro de 2012

FENÍCIOS, O POVO DO MAR



Eles descendiam dos Semitas. Eram, portanto, irmãos dos hebreus e Assírios.

Primeiro se fixaram na região da Palestina, mais exatamente, onde hoje, é o Líbano.

Mas uma paixão os chamava para além das terras do Oriente.

O chamado era do mar.

No tempo em que a agricultura fincava o homem na terra, eles se espalharam por vales e montanhas, percorreram litorais e mergulharam no desconhecido.

Povo marinheiro. Povo sem dono e que seguia os ventos.

Seu governo único entre os povos é denominado de Talassocracia, ou seja, comandado por homens ligados ao mar.

Sua escrita estava muito a frente de seu tempo.

Num tempo em que a escrita era pictográfica, onde as letras representavam imagens e por isso eram numerosas (a escrita hieroglífica possuía mais de 3000 símbolos) a deles era fonética, ou seja, a primeira escrita cujas letras reproduziam sons (conseqüentemente suas idéias) e não imagens. Mais simples e perfeita possuía apenas 23 símbolos e depois de imitada por séculos deu origem ao nosso alfabeto atual.

Seus navios aparentemente frágeis eram de uma iluminada engenharia visto que podiam, literalmente, serem desmontados, e depois de transportados por carretas, remontados, graças à simplicidade da codificação de suas letras que apontavam um encaixe perfeito e impossível para a escrita de outros povos.

O mar os fez viajantes destemidos. Foram pioneiros nos quatro cantos do planeta. Provavelmente estiveram na América, a mais de 2.500 anos.

Estranhas inscrições fenícias na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, suscitam dúvidas e espanto até hoje (foto).

Em 1963 o arqueólogo e professor Bernardo A. Silva traduziu as inscrições: LAABHTEJ BAR RIZDAB NAISINEOF RUZT que lido de trás para a frente TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL significa, em linguagem fenícia: Badezir primogênito de Jethbaal.

Badezir foi um jovem que assumiu o trono dos fenícios no ano de 856 a.C. quando morreu seu pai e sobre sua vida e morte, pouco se sabe. Seria a Pedra da Gávea um túmulo fenício? Local de repouso de um rei viajante?

Sítios fenícios foram encontrados em outros pontos do Brasil, aparentemente confirmam que eles estiveram por aqui.

Foram eles que inventaram as lendas sobre monstros que destruíam navios que ainda eram crenças na época dos descobrimentos de Colombo.

Ser viajantes os fez comerciantes.

Andarilhos e vendedores precisavam descansar das longas jornadas e por isso criaram colônias que sobreviveram ao tempo como cidades-estados.
Tiro, Sidon, Biblos, e a extraordinária Cártago, no norte da África, que um dia seria o maior desafio dos romanos.

Aliás, foram com eles que os romanos descobriram a funcionalidade do dinheiro, além de aprender as técnicas comerciais que enriqueceriam o Império dos latinos. Diziam os latinos que os fenícios haviam sido os inventores do dinheiro.

Sua religião possuía divindades que incentivavam os prazeres do sexo, da alegria, da música e da dança. Baal era o deus principal, associado ao sol e às chuvas. Aliyan, seu filho, era a divindade das fontes. Astarteia, muito popular, era uma deusa vinculada à riqueza e à fecundidade.

Andarilhos do mar, os fenícios deixaram uma herança que, ainda hoje, o próprio ocidente desconhece.

Que Baal os tenha em boas ondas e em águas calmas!


Prof. Péricles

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A PATALOGIA DOS TRIBUNAIS



Tribunais, uma invenção humana, também ficam doentes. Nas últimas décadas, vários tribunais se perderam, cometeram barbaridades e passaram a se meter com políticas atrasadas. Uma verdadeira patologia, contrária ao espírito das leis e aos anseios de justiça neutra e cega. Uma vez doente, o tribunal dificilmente consegue cura.

Eis algumas doenças que afetam os tribunais.

Tribunal espetáculo

Stalin mandava prender a pessoa sob acusações falsas, e a enviava a um tribunal de juízes sectários. Achem o acusado, dizia ele, que acharei o parágrafo. Do pódio, três juízes perguntavam coisas triviais- você fala bem o russo? Já conversou com estrangeiro? Está contente com seu chefe? As respostas, quaisquer que fossem, eram apresentadas como prova contra o réu. Se fala bem o russo, porque se meteu com…? Se não fala bem o russo, porque se meteu com…? A cada tentativa de se explicar o apavorado réu se enredava mais. Chamados de show-trial em inglês, os tribunais eram transmitidos por radio para toda a União Soviética, justamente para amedrontar o povo. Não era tribunal justo, era o terror sob o manto de juízes. Algumas dezenas de milhares morreram.

Os tribunais da Alemanha dos anos 30 faziam o mesmo, com um toque de arapongagem, denúncia anônima, delação de vizinho. Juízes lenientes inquiriam, Salomão, você foi à sinagoga? Se sim, você deve ser judeu e não é bom cidadão do III Reich. Se não, você está mentindo e não é bom cidadão do III Reich. O réu era sempre condenado, sob microfones de radio e câmeras de filme que tudo mostravam em vinhetas antes das sessões de cinema. Hollywood ainda não se cansou de contar essa história.

O tribunal do faz-de-conta

Mock trial em inglês, acontece quando o juiz entra em sala com a decisão já tomada e deixa de fora provas essenciais ao processo. Caso famoso foi o Monkey trial, um bisonho tribunal que, ha um século, condenou um professor que explicava a evolução das espécies em escola primaria de uma região atrasada dos Estados Unidos. O juiz, cristão radical, condenou o professor mas, antes, rejeitou o testemunho de geólogos, arqueólogos, botânicos, médicos, historiadores, porém acatou o de fazendeiros que afirmaram haver sido a Terra criada há quatro mil anos, às nove horas da manhã. Foi também um dos mais divertidos shows de rádio do país. Próxima atração: o filme “O Vento Será Tua Herança”.

No Brasil, os tribunais da época da ditadura condenaram centenas de réus por atos políticos que sequer eram crimes.

Circo da mídia

O julgamento de O J Simpson durou meses sob holofotes das TVs dos Estados Unidos e por isso foi chamado de media circus; esse tipo de tribunal roda como espetáculo, muda o horário das próprias sessões para atender ao noticiário nacional das TVs, repete a cada meia hora as imagens dos advogados em cena. A injustiça é cometida quando a mídia, sob o imperativo de não parar o espetáculo, acaba influenciando as testemunhas, as provas, os peritos, os jurados e os próprios juízes. No caso Simpson, o juiz fez plástica facial para aparecer bem, perante as câmeras.

Tribunal abortado

Um tribunal aborta quando o juiz erra tudo, não define claramente qual é o verdadeiro crime, vacilando entre alegações, especulações, suspeitas e indícios sem prova. Caso famoso, hoje no currículo de alguns cursos de direito, foi o dos Irmãos Nave, acontecido em Minas Gerais dos anos 40. Acusados de haver assassinado um homem, os irmãos Nave foram torturados até confessarem. O juiz sequer perguntou se alguém havia visto o cadáver, mas, mesmo assim, os condenou. Da cadeia os Naves só saíram muitos anos depois, quando o homem reapareceu na cidade. Ele havia fugido sem avisar a ninguém.

Outro exemplo de aborto de justiça foi a condenação de Nelson Mandela à prisão perpetua por tribunal racista do apartheid, em cuja sala negros não entravam.

Os tribunais, constituídos de seres humanos, às vezes ficam doentes. Como estamos no Brasil?

por Milton Nogueira

domingo, 21 de outubro de 2012

A LOUCURA DE TODOS NÓS



Alonso Quijano era chamado pelos vizinhos de “O Bom”. Dono de pequena propriedade, já com idade avançada, levava uma vida pacata e sem aventuras.

Esperava a morte como quem não tem nada mais importante para fazer.

Tinha verdadeira adoração por leitura e terminava seus dias, invariavelmente, debruçado sobre seus livros.

Mas, não eram livros quaisquer. Eram livros de aventuras.

Histórias de heroísmo e de nobreza repletas de cores, as mesmas cores que lhe faltavam na sua vida em preto e branco.

Cavaleiros de espadas sagradas. Donzelas ameaçadas por perversos. A religião agredida por bárbaros. Que mundo violento meu Deus!

Era tamanho seu encantamento que, um belo dia, ninguém sabe exatamente quando, ele viajou para dentro de suas ilusões. Pulou de sua vida miserável mergulhando de cabeça no seu mundo de sonhos.

Para muitos. Alonso enlouqueceu. Para ele próprio, era um despertar.

Assim começa “Dom Quixote de La Mancha” obra imortal do espanhol Miguel de Cervantes, publicada pela primeira vez, em Madri, no ano de 1605.

No livro D. Quixote (nome fictício criado pelo próprio Alonso Quijano) acompanhado pelo vistoso cavalo Rocinante (um pobre e acabado pangaré) e por Sancho Panza, um amigo companheiro de todas as suas aventuras, enfrenta gigantes imaginários investindo contra moinhos, combate um exército inteiro de infiéis (um rebanho de ovelhas) e busca, em todos os momentos, encontrar sua donzela, Dulcinea Del Topozo, jovem “dona” de seu coração.

Enquanto D. Quixote salta de ilusão em ilusão Sancho Panza o acompanha, sendo o lado seguro da realidade, buscando salvar o amigo das enrascadas que se mete.

Sonho e realidade. Ilusão e pé no chão.

No final, momentos antes de morrer e novamente em suas perfeitas faculdades mentais, Alonso Quijano pergunta ao amigo Sancho, afinal, qual deles dois é o mais realista. Se aquele que vive a dura realidade da vida ou o que busca nos sonhos um novo sentido e um novo destino transformando a própria realidade.

Com certeza, todos nós temos em nosso íntimo um D. Quixote. E um Sancho.

E nosso D. Quixote também enfrenta moinhos e exércitos de ovelhas.

O problema é que, cada vez mais querem sonhar em nosso lugar e nos vender até os sonhos.

Sonhos que geralmente acabam quando começa um novo dia, e nosso Sancho Panza atento ao despertar, pula da cama para mais uma jornada de trabalho, de tédio e de toda a previsibilidade que a sociedade nos exige.

Se ousarmos enxergar no bêbado um aliado ferido, nos que sofrem sem teto e sem trabalho um reflexo de nós e de nossa incapacidade de criar uma sociedade mais justa, seremos classificados como loucos.

Se demonstrarmos incerteza, se dermos flores sem que seja aniversário de alguém, se amarmos só por amar sem querer ser proprietário da pessoa amada, nos chamarão de doidos.

Talvez só reste mesmo à esperança de que, em algum lugar, nos espere a nossa Dulcinéia, de braços abertos, olhos cúmplices e repletos de desejos.

Se desapareceram os gigantes, infiéis sanguinários e nobre de coração negro ainda existe o poder surreal da mídia, o neoliberalismo e a ganância para serem combatidos.

Quando próximo da morte, os amigos de D. Quixote queimaram todos os seus livros por considera-los culpados de sua loucura. Queimaram os livros, mas, não acabaram com os sonhos.

De Miguel de Cervantes “D. Quixote de La Mancha”. Obra imortal da Literatura Renascentista.

Leia. Você não perderá seu tempo e talvez encontre nos protagonistas muitas respostas para perguntas balbuciadas na embriagues das festas.


Prof. Péricles

terça-feira, 16 de outubro de 2012

QUEM COM FERRO FERE


A violenta miséria, o abando do poder público e os desmandos dos latifundiários criaram o cangaço, e a figura do cangaceiro varreu o sertão num misto de banditismo e heroísmo na memória nacional.

É a velha Lei da violência que gera violência.

Na década de 70, em determinado momento, sentindo-se à vontade na “guerra” que empreendia contra as organizações de luta armada, a Ditadura Militar resolveu que os presos políticos deveriam ficar detidos junto com os presos autores de crimes comuns. Julgavam que, dessa forma estariam impondo uma certa humilhação ao inimigo, acabando com qualquer “privilégio”.

Conforme declaração dos fundadores do Comando Vermelho foi a partir daí que nasceu o crime organizado no Brasil. Não que os prisioneiros políticos tivessem dado a idéia e feito cursinho, mas pela observação e imitação que eles, ditos criminosos comuns, fizeram da organização e da inteligência dos grupos políticos.

Diz o dito popular que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Dentro dessa lógica, tentando humilhar a Ditadura criou um monstro.

Mas, parece que o Estado demora a aprender com seus erros, ou não se importa.

Vinte anos depois do massacre do Carandiru (outubro/1992), especialistas no assunto ouvidos pela BBC Brasil concluíram que foi essa tragédia humana inominável que resultou na morte de 111 homens sob a tutela do estado, um dos mais importantes nascedouros do PCC (Primeiro Comando da Capital) a mais estruturada facção criminosa de São Paulo.

O PCC foi criado por um grupo de presos em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté pouco menos de um ano depois do massacre do Carandiru.

Os principais objetivos da facção eram combater os maus tratos no sistema prisional e evitar novos massacres como o de 1992, segundo o jornalista Josmar Jozino, autor de três livros sobre o PCC, entre eles “Xeque-mate, o Tribunal do Crime e os Letais Boinas Pretas” (Ed. Letras do Brasil).

Cobrando mensalidades de seus “associados”, a organização criou uma rede de apoio aos criminosos, que inclui contratação de advogados e apoio financeiro às suas famílias.

A facção também expandiu suas ações para fora dos presídios. Passou a controlar parte do tráfico de drogas em São Paulo, fazer parcerias com facções de outros Estados, alugar armas para ações criminosas e até assumiu o controle de rotas internacionais de entrada de entorpecentes no país.

No momento em que a violência urbana assusta a todos e, em que sobre a temática se debruça a sociedade civil buscando soluções, seria interessante a reflexão sobre a ação e a reação, sobre o ferir com o ferro e por ele ser ferido.

Parece evidente que o preço de uma sociedade mais humana e menos violenta seja ações do poder público mais humanas e menos violentas, que inclui o entendimento da violência como um fenômeno social inserido no elenco das consequências das desigualdades e das várias formas de violência contra a cidadania.

Enquanto isso não acontecer e as autoridades entenderem que a violência se resolve com violência, continuaremos reféns do crime e vivendo como assustados sobreviventes, cada vez mais protegidos sobre grades, no lugar dos criminosos. As empresas de segurança privada continuarão faturando alto e os meio de comunicação tendo farto material para as suas indignações diárias.


Prof. Péricles

domingo, 14 de outubro de 2012

O LUGAR DE GENOÍNO


Nossos crocodilos ficaram sentimentais. Em toda parte vejo lágrimas que acompanham os votos que condenam José Genoino.

Na imprensa, em conversas com amigos, ouço o comentário, em tom de solidariedade. Parece consciência pesada, em alguns casos.

Não estamos diante de um melodrama, mas de uma tragédia.

Genoino está sendo condenado num julgamento marcado por incongruências, denuncias incompletas e presunções de culpa que começam a incomodar estudiosos e acadêmicos.

Foi isso que explicou Margarida Lacombe, professora de Direito da UFRJ, em comentário na Globo News. Sem perder suavidade na voz, a professora falou sobre necessidade de provas contundentes quando se pretende privar a liberdade de uma pessoa. Não falou de casos concretos, não criticou. Fez o melhor: informou. Lembrou como esse ponto – a liberdade – é importante.
O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas.”

É o mesmo STF que, em tempos muito mais recentes, impediu que o país apurasse, investigasse e punisse a tortura ocorrida no regime militar.

Então ficamos assim. José Genoino, vítima da tortura que o STF impediu que fosse apurada, será condenado por corrupção, ao contrário de Fernando Collor.

Não há provas materiais contra Genoino e tudo que se pode alegar contra ele é menos consistente do que se poderia alegar contra Collor. Mas as provas da tortura são abundantes. Estão nos arquivos do Brasil Nunca Mais e em outros trabalhos. Foram arrancadas na dor, no sofrimento, na porrada, no sangue e, algumas vezes, na morte.

Em plena ditadura, 1918 vítimas da tortura deixaram registros dessa violência nos arquivos da Justiça Militar. Nenhuma foi apurada e, se depender da decisão do STF, nunca será.

Collor foi beneficiado porque provas muito contundentes contra ele foram anuladas. Considerou-se, na época, que a privacidade do tesoureiro PC Farias havia sido violada quando a Polícia Federal quebrou o sigilo de um computador que servia ao esquema. Essa decisão – em nome da privacidade — salvou Collor.

Você pode dizer que os tempos eram outros e que agora não se aceita mais tanta impunidade. Aceita-se. Basta lembrar que, na mesma época, o mensalão do PSDB-MG virou fumaça na Justiça Comum. E quando Márcio Thomaz Bastos tentou mudar o julgamento do mensalão federal, alegou-se que era no STF que os crimes graves são punidos.

Genoino está sendo condenado porque “não é plausível” que não soubesse do esquema. “Plausível”, informa o Houaiss, é sinônimo de aceitável, razoável. Olha o tamanho da subjetividade, da incerteza.

Isso porque ele assinou o pedido de empréstimo de R$ 3,5 milhões para o Banco Rural e por dez vezes refez o pedido. Não é plausível imaginar que um presidente do PT fizesse tudo isso sem saber de nada, acreditam três ministros do Supremo.

Mas fatos que são líquidos e certos não comoveram a acusação com a mesma clareza.

O empresário Daniel Dantas deu R$ 3,5 milhões para amolecer Delúbio Soares e Marcos Valério e cair nas graças do esquema. Não foram R$ 3,5 milhões subjetivos mas inteiramente objetivos.

Um pouco mais tarde, seu braço direito Carla Cicco assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério para transformar a turma do PT em geléia. Chegaram tarde. Depois de pagar a primeira prestação, a casa caiu e eles suspenderam o pagamento.

O esquema privado do mensalão, informa a CPMI, chegou a R$ 200 milhões. Quantos empresários foram lá, dar explicações? Nenhum.

Alguém acha plausível, aceitável, razoável, que fossem inocentados por antecipação?
Não há nada “plausível” que se possa fazer com R$ 200 milhões?

Só a Telemig, que pertencia ao grupo Opportunity, de Daniel Dantas, entregou mais dinheiro às agências de Valério do que o Visanet, que jogou o petista Henrique Pizzolato na vala dos condenados logo nos primeiros dias.

O que é plausível, neste caso?

Nós sabemos – e ninguém duvida disso – que Genoino fazia política o tempo inteiro. Fez isso a vida toda, com tamanha inquietação que, numa fase andou pela guerrilha do Araguaia e, em outra, ficou tão moderado que parecia que ia preencher ficha de ingresso no PSDB.

Chegou a liderar um partido revolucionário à esquerda do PC do B e depois integrou as correntes mais à direita do PT.

Então vamos lá. É plausível imaginar que Genoino tenha ido atrás de recursos de campanha? Sim. É plausível e até natural. Basta deixar de ser hipócrita para compreender. Política se faz com quadros, imprensa, propaganda, funcionários. Isso custa dinheiro.

Isso fez dele um dirigente que subornava adversários para convencê-los a mudar de lado, como quer a acusação? Não.

Eu não acho plausível, nem aceitável nem razoável. Duvido inteiramente, aliás.
E se eu tiver errado, quero que me provem – de forma clara, contundente. Sem essas suposições, sem um quebra-cabeças que joga com a liberdade humana.

Sem fogueira de tantas vaidades.


Alegou-se que a tortura não poderia ser apurada para preservar a transicão democrática.

A democracia avançou, as conquistas foram imensas. Mas os perseguidos, no fundo, bem no fundo, são os mesmos.

Não é um melodrama. É uma tragédia.

por Paulo Moreira Leite

sábado, 13 de outubro de 2012

NÚMEROS DA ELEIÇÃO MUNICIPAL 2012


Os analistas têm o hábito de considerar que as eleições locais são uma ante-sala das presidenciais. Em função desse cacoete, olham os resultados como se fossem o primeiro round da disputa pelo Palácio do Planalto em 2014.

Trata-se de um equívoco, como mostram as evidências. Desde a redemocratização, não houve sequer uma eleição presidencial que tivesse sido “antecipada” pelo ocorrido na disputa pelas prefeituras.

O que acontece nela pode ter efeito na sucessão dos governos de alguns estados, especialmente os menores e aqueles onde a capital tem grande proeminência na estrutura urbana. Nesses casos, a eleição dos prefeitos costuma fornecer um bom indício do que vai acontecer dois anos depois e estabelece de imediato o vencedor na capital como concorrente de peso.

Na verdade, para a política nacional, as eleições municipais são relevantes muito mais por suas consequências na composição do Congresso, especialmente da Câmara. Na vida política dos estados, por seu impacto nas Assembléias.

Quem leu o que nossa grande imprensa andou falando nas últimas semanas terá tomado um susto com o que aconteceu domingo.

Jornalistas e comentaristas são livres, como qualquer cidadão, para ter opiniões e preferências políticas. É perfeitamente natural que gostem mais de um partido que de outro.

Também são compreensíveis as implicâncias que têm com algumas lideranças.

Costuma-se, no entanto, cobrar de todos o compromisso com a informação. Que evitem deixar que seus sentimentos os impeçam de fornecer a leitores e espectadores a notícia correta.

Se houve um tema predominante na cobertura das eleições deste ano foi a “queda do PT”. Quase diariamente, saíam matérias ressaltando o mau desempenho que o partido teria em todo o País e, em particular, nas capitais.

Misturando análise apressada das pesquisas com muita torcida, a tese central era que o julgamento do “mensalão” prejudicaria os candidatos petistas e dos partidos da base do governo. Prenunciava-se, de acordo com essa suposição, um quadro de diminuição do PT e crescimento dos partidos de oposição.

Para quem acreditou nisso, o resultado das eleições deve ter sido uma surpresa.

Considerando os cinco partidos que mais venceram em 2008, o PT foi o único que aumentou o número de prefeituras ganhas. PMDB, PSDB, PP e DEM encolheram - os tucanos em seus principais redutos, São Paulo, Minas Gerais e Ceará.

Em queda semelhante à que aconteceu em 2010 nas eleições para o Legislativo, as três principais legendas oposicionistas - PSDB, DEM e PPS - diminuíram em 25% o total de prefeituras conquistadas, indo de 1418 para 1077 (sem considerar as cidades onde haverá segundo turno).

Faz sentido dizer que o PSB é a estrela em ascensão?

Cresceu como o PT, indo de 314 para 435 prefeituras. A grande vitória no Recife compensou a inesperada derrota em Curitiba. Manteve Belo Horizonte. Disputa algumas capitais importantes no segundo turno.

A eleição foi certamente positiva para o partido. Daí, no entanto, a imaginar que é o “grande vitorioso” vai uma vasta distância.

Por estranho que pareça a algumas pessoas, o partido que mais cresceu em número de prefeitos e vereadores, que melhor performance teve nas cidades médias, que está mais bem posicionado nas capitais, é o PT.

Pode-se gostar ou não disso. Mas é um fato.

por Marcos Coimbra

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A CAUSA DO PT


De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa, pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares.

Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados, mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas. A primeira tem a ver com uma questão de classe social.

Sabidamente temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhe pertence”.

Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos se propõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.

A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do ervo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a auto-estima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não se deixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência.

Essa utopia mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.


Por Leonardo Boff - teólogo e escritor.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

NUNCA FALTARÃO ARGUMENTOS


Poderíamos dizer que a sociedade se divide em 3 grupos: A - os ricos, muito ricos e quase ricos; B – os medianos pra cima, os medianos pra baixo e os que se acham medianos e C – os pobres e miseráveis.

Já os partidos se dividem em 1 – Os que representam declaradamente os da A; 2 – Os que representam os da A, mas não assumem, adotando discurso do “momento político” e os ouvidos a atingir e 3 – os que desejam, realmente, representar os pobres e miseráveis, do seu jeito.

Claro que existem variações, pois “a política é dinâmica” e nada impede que um partido que comece sendo da categoria 3 sofra uma metamorfose e jogue o jogo do pessoal da categoria 2. Isso, aliás, é bem comum.

Mas, dentro desse jogo político e social as coisas decorrem de certa forma, muito simples. Assim:

- Os partidos ideológicos, aqueles, dos mais pobres já foram fortes em nosso país, mas suas lideranças foram assassinadas, desaparecidas e dizimadas. Hoje são chamados de nanico e são mesmo. Ninguém lembra que eles foram fortes, entusiasmaram e acalentaram os sonhos de milhões de pessoas porque isso nunca foi ensinado nas escolas, nunca apareceu em novelas e nenhum “formador de opinião” fala disso. Dessa forma, os jovens acham que isso nunca aconteceu e os velhos escondem essas memórias entre os seus fantasmas trancados no armário. Quando esses partidos não aceitam alianças com os partidos grandes, são chamados de sectários, radicais e que jamais terão governabilidade, pois, ninguém poderá governar sozinho. Quando eles fazem alianças são chamados de traidores, caricatos e que perderam a “pureza ideológica” e, na verdade, perdem mesmo.

- Os partidos maiores se dividem em siglas que afirmam representar todos a mesma coisa que na verdade é coisa nenhuma que não seja manter seus privilégios, seja como membro do andar de cima, seja como aliado dos interesses do pessoal do andar de cima de outros países, ditos, imperialistas.
O mais interessante é quando surge uma idéia nova, uma proposta mais popular.
Os medianos, por um dever moral, quase religioso, já que juram se preocupar com os pobres (coitadinhos, tão famintos), no início aceitam a idéia. Alguns até se entusiasmam e compram bandeiras e usam bótum e se filiam ao partido. É tão bonito ver a classe média com ares de pobre, com fotos de Tche, que, aliás, são chiquérrimas.

O problema é quando essas idéias ganham forma e pior, quando ganham espaços na vida política.

Quando os medianos vêem os pobres e miseráveis serem prioridade bate um arrepio em suas espinhas sociais. Longe de querer subir o que o mediano quer mesmo, como projeto oculto de vida, é não descer e se o pessoal de baixo sobe, isso de certa forma, acontece.

Então o desconforto origina as mais variadas justificativas para abandonar os "planos progressistas" e uma guinada para o conservadorismo.

Há os que dizem que eram daquele partido de esquerda e agora não são porque se decepcionaram (?) com suas alianças (e esse discurso é dos bons porque deixa no ar uma idéia de que é o verdadeiro revolucionário)ou então com suas lideranças. Mas tem também aqueles que só esperavam a oportunidade para bradar sua extraordinária cultura política dizendo que jamais foram enganados e que nunca caíram naquele conto do vigário porque, eles, logicamente, são mais inteligentes do que a maioria, ou são mais velhos e experientes e inclusive votaram no Jânios Quadros, pra tu ver como são avançados.

E, claro, tem os indignados que consideram toda vantagem aos miseráveis, uma medida populista e eleitoreira.

Escondem de si mesmo que ver pobre tendo um carro ou fazendo plano privado de saúde os ofende como uma bofetada.

Pergunte a uma mãe que dá sopa de papelão a seu filho faminto o que ela acha do populismo.

Pergunte a um pai que agora pode comprar remédios pra sua prole quando necessário e antes mendigava com a receita na mão, o que ele acha das medidas populistas.

Se era tão simples e tão barato cooptar o apoio dessa gente por que eles não o fizeram quando estavam no poder? Por que combater a miséria é medida demagógica? Mas que extraordinário senso de moral tem nossa gente!

Furar fila é malandragem, não observar leis de trânsito básicas é ser esperto, desobedecer regras de civilidade é jeitinho, tudo isso pode. Criar Bolsa Família não pode. É imoral.

Chaves, na Venezuela que alterou a Constituição do seu país forçando um investimento direto dos lucros da exportação do petróleo em atenção aos mais pobres, como construção da casa própria é chamado de populista.

Lula e seus programas sociais são populistas.

O conceito é falso, mas faz bem. Porque justifica a injustificável contrariedade dos medianos à algo que eles não conseguem assumir, o seu egoísmo.

Por que não se buscam justificativas para o fato de que, no país do 8º PIB do mundo, 10% da população concentre 48% da riqueza? Não será essa a maior imoralidade?

Quer saber, viva a demagogia e o populismo se ela secar uma só lágrima dos abandonados desse país!

Quem tem fome tem pressa.

Já, os medianos precisam de argumentos para humanizar seus preconceitos.

Diante de uma criança de barriga inchada ser contra o Fome Zero não é politicamente correto.

Sobre os olhos de quem nunca teve esperança, num país onde educação sempre foi para as elites, ser contra o Bolsa Escola exige argumentos.

Mas, que fiquem tranqüilos os medianos.

No mundo do capital que divide as criaturas em classes, nesse mundo que ter é mais importante que ser, nunca faltarão famintos, nem espoliados, mas também, jamais faltarão argumentos.

Até porque os críticos escrevem muito bem, e os conceitos, tal qual roupas elegantes e da moda, podem ser adaptados a qualquer necessidade.

Podemos dormir em paz com nossas consciências.

Prof. Péricles

domingo, 7 de outubro de 2012

ELEIÇÕES E DEMOCRACIA


As pessoas costumam confundir margarina com manteiga, amor com paixão, e por que não eleições com democracia?
Ainda mais sendo incentivados à confusão pela nossa competente e criativa mídia.
Sem dúvida, eleições fazem parte do processo da democracia, mas, isoladamente, elas não são a democracia.

Democracia é muito mais.

Democracia exige, por exemplo, que todos os que participam do processo eleitoral, tenham toda a informação necessária para formar um juízo de valor e a partir disso, e só a partir disso, votar livremente.

Algum tempo atrás achei interessante um comunicador de televisão (desses talentosos que ocupam todos os espaços eletrônicos) após uma cena mostrando o vai-e-vem das pessoas no feriado eleitoral, concluir com um demagógico “como está sólida a democracia brasileira”.

Sim, tão sólida como palanque em banhado.

Num país em que a quantidade de analfabetos ainda se conta em milhões e onde jovens que iniciam o ensino médio o concluem, onde está a consolidação da democracia?

No Brasil ainda existem milhões de sem terra de sem teto e de sem nada que votam em Partidos políticos que apresentam em seu programa de governo idéias conservadoras e reacionárias, claramente contrárias aos seus interesses.

É tipo ovelha votando em lobo pra cuidar do rebanho.

Mas, por que fazem isso? Por que votam em partidos que não representam seus interesses?

Porque, como diria o animado jornalista, “nossa sólida democracia” ainda é uma mentira da qual todos são obrigados a participar.

Enquanto meios externos como a televisão e sua programação de lobotomia continuarem dominando as mentes, não dá pra falar em democracia.

Enquanto uma só criança ainda estiver carente de atenção, de pão ou de tudo, não se pode falar em democracia.

Enquanto partidos políticos continuarem livremente afirmando defende o que não defendem e nem consta em seus programas, nossa democracia continuará no palanque armado no banhado.

E pra falar a verdade, Democracia nunca se consolida porque é feita todos os dias pela participação das pessoas.

Enquanto o exercício do voto for obrigatório e dentro das condições postas no nosso país, eleição continuará sendo um capítulo incompleto, que se lê de má vontade.

Participe se essa for sua vontade. Vote, até porque é obrigatório, mas não se iluda.
O caminho para a democracia no Brasil está apenas em seu início.

Não se iluda nem confunda funda com profunda assim como a simples prática do voto não representa o exercício da democracia.


Prof. Péricles

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O PODER ABSOLUTISTA DOS PAPAS


A crise da Igreja-instituicão-hierarquia se radica na absoluta concentração de poder na pessoa do papa, poder exercido de forma absolutista e distanciado de qualquer participação dos cristãos e criando obstáculos praticamente intransponíveis para o diálogo ecumênico com as outras Igrejas.

Não foi assim no começo.

A Igreja era uma comunidade fraternal. Não havia ainda a figura do papa. Quem comandava na Igreja era o imperador, pois ele era o sumo pontífice (ponntifex maximus) e não o bispo de Roma ou de Constantinopla, as duas capitais do Império.

Assim o imperador Constantino convocou o primeiro concílio ecumênico, em Nicéia (325), para decidir a questão da divindade de Cristo. Ainda no século 6 o imperador Justiniano, que refez a união das duas partes do império, a do Ocidente e a do Oriente, reclamou para si o primado de direito e não o do bispo de Roma. No entanto, pelo fato de em Roma estarem as sepulturas de Pedro e de Paulo, a Igreja romana gozava de especial prestígio, bem como o seu bispo, que diante dos outros tinha a “presidência no amor” e o “exercia a serviço de Pedro” — o de “confirmar na fé” e não a supremacia de Pedro no mando.

Tudo mudou com o papa Leão I (440-461), grande jurista e homem de Estado. Ele copiou a forma romana de poder, que é o absolutismo e o autoritarismo do imperador. Começou a interpretar em termos estritamente jurídicos os três textos do Novo Testamento atinentes a Pedro — Pedro como pedra sobre a qual se construiria a Igreja (Mt 16,18), Pedro, o confirmador da fé (Lc 22,32) e Pedro como pastor que deve tomar conta das ovelhas (Jo 21,15). O sentido bíblico e jesuânico vai numa linha totalmente contrária: do amor, do serviço e da renúncia a toda honraria. Mas predominou a leitura do direito romano absolutista. Conseqüentemente, Leão I assumiu o título de sumo pontífice e de papa em sentido próprio. Logo após, os demais papas começaram a usar as insígnias e a indumentária imperial (a púrpura), a mitra, o trono dourado, o báculo, as estolas, o pálio, a cobertura de ombros (mozeta), a formação dos palácios com sua corte e a introdução de hábitos palacianos, que perduram até os dias de hoje nos cardeais e nos bispos, coisa que escandaliza não poucos cristãos que lêem nos Evangelhos que Jesus era um operário pobre e sem aparato. Então, começou a ficar claro que os hierarcas estão mais próximos do palácio de Herodes do que da gruta de Belém.

Mas há um fenômeno para nós de difícil compreensão: no afã de legitimar esta transformação e de garantir o poder absoluto do papa, forjou-se uma série de documentos falsos. Primeiro, uma pretensa carta do papa Clemente (+96), sucessor de Pedro em Roma, dirigida a Tiago, irmão do Senhor, o grande pastor de Jerusalém, na qual ele dizia que Pedro, antes de morrer, determinara que ele, Clemente, seria o único e legítimo sucessor. E evidentemente os demais que viriam depois. Falsificação maior foi ainda a famosa Doação de Constantino, um documento forjado na época de Leão I, segundo o qual Constantino teria dado ao papa de Roma como doação todo o império romano. Mais tarde, nas disputas com os reis francos, se criou outra grande falsificação: as Pseudodecretais de Isidoro, que reuniam falsos documentos e cartas como se viessem dos primeiros séculos que reforçavam o primado jurídico do papa de Roma. E tudo culminou com o Código de Graciano, no século 13, tido como base do direito canônico, mas que se embasava em falsificações de leis e normas que reforçavam o poder central de Roma, além de cânones verdadeiros que circulavam pelas igrejas. Logicamente, tudo isso foi desmascarado mais tarde, sem qualquer modificação no absolutismo dos papas. Mas é lamentável, e um cristão adulto deve saber os ardis usados e forjados para gestar um poder que está na contramão dos ideais de Jesus e que obscurece o fascínio pela mensagem cristã, portadora de um novo tipo de exercício do poder, serviçal e participativo.

Verificou-se posteriormente um crescendo no poder dos papas: Gregório VII (+1085), em seu Dictatus papae (“a ditadura do papa”), se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo; Inocêncio III (+1216) se anunciou como vigário representante de Cristo e, por fim, Inocêncio IV(+1254) se arvorou em representante de Deus. Como tal, sob Pio IX, em 1870, o papa foi proclamado infalível em campo de doutrina e moral.

Curiosamente, nunca nenhum destes excessos foi retratado e corrigido pela Igreja hierárquica. Esses excessos continuam valendo para escândalo dos que ainda crêem no Nazareno pobre, humilde artesão e camponês mediterrâneo, perseguido, executado na cruz e ressuscitado para se insurgir contra toda busca de poder e mais poder, mesmo dentro da Igreja.

Essa compreensão comete um esquecimento imperdoável: os verdadeiros vigários representantes de Cristo, segundo o Evangelho (Mt 25,45), são os pobres, os sedentos e os famintos.



*Leonardo Boff, teólogo, é filósofo e escritor

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

NOTÍCIA MUITO TRISTE


LONDRES - Eric Hobsbawm, considerado um dos mais maiores historiadores do século XX, morreu aos 95 anos de idade, informou a filha Julia Hobsbawm nesta segunda-feira. Segundo Julia, seu pai morreu durante a noite em um hospital de Londres. Ele vinha sofrendo de pneumonia.

O intelectual marxista é considerado um dos maiores historiadores do século XX e escreveu "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios", "Era dos Extremos", "História Social do Jazz", entre outras obras.

Hobsbawm nasceu em uma família judia, na Alexandria, no Egito, em 1917, mas cresceu em Viena e em Berlim, mudando-se para Londres em 1933, ano em que o nazista Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha. Sua experiência como um estudante na Alemanha na década de 1930 consolidou suas visões de esquerda. Ele entrou para o Partido Comunista, na Inglaterra, em 1936 e foi membro por décadas, até 1989, e manteve a militância apesar da invasão soviética na Hungria, em 1956, e de sua desilusão com a URSS.

- Tínhamos a ilusão de que inclusive o sistema brutal, experimental (soviético) ia ser melhor que o ocidental, que era isto ou nada - disse uma vez o intelectual, afirmando que nunca quis minimizar os abusos da antiga União Soviética.

Considerado um dos maiores intelectuais do século XX, Hobsbawm se tornou o historiador mais respeitado do Reino Unido, admirado pela esquerda e pela direita e um dos poucos a desfrutar de reconhecimento nacional e internacional.

Crítico árduo do Partido Trabalhista, Hobsbawm foi determinante na reformulação da legenda, apesar de mais tarde ter revelado em público sua decepção com o ex-premier britânico Tony Blair.

Em 1962, Hobsbawm publicou o primeiro de três volumes cobrindo o "longo século XIX", que abrange o período 1789-1914. Um volume mais tarde, "Era dos Extremos", cobriu o período até 1991. Seu último livro, "Como Mudar o Mundo", lançado em 2011, é uma defesa do uso das ideias marxistas para analisar a crise atual do mundo.

Ele estudou na Escola de Gramática de Marylebone e em Kings College, em Cambridge, antes de ser nomeado, em 1947, professor na Universidade de Birkbeckem, de onde virou reitor mais tarde. Em 1978, entrou para a Academia Britânica. O historiador deixa a mulher, três filhos, sete netos e um bisneto.

domingo, 30 de setembro de 2012

O PAÍS TRAÍDO


Leio: uma residência particular é assaltada a cada hora, o roubo de carros multiplica-se nos estacionamentos dos shopping centers em São Paulo. Entre parênteses, recantos deslumbrantes, alguns são os mais imponentes e ricos do mundo. Que se curva. Um jornalão, na prática samaritana do serviço aos leitores, fornece um receituário destinado a abrandar o risco. Reforce as fechaduras, instale um sistema de alarme etc. etc.

Em vão esperemos por algo mais, a reflexão séria de algum órgão midiático, ou de um solitário editorialista, colunista, articulista, a respeito das enésimas provas da inexorável progressão da criminalidade. Diga-se que uma análise honesta não exige esforço desumano, muito pelo contrário.

Enquanto as metrópoles nacionais figuram entre as mais violentas do mundo, acima de 50 mil brasileiros são assassinados anualmente, e um relatório divulgado esta semana pelas Nações Unidas coloca o Brasil em quarto lugar na classificação dos mais desiguais da América Latina, precedido por Guatemala, Honduras e Colômbia. O documento informa que 28% da população brasileira mora em favelas, sem contar quem vive nos inúmeros grotões do País.

Vale acrescentar que mais de 60% do nosso território não é alcançado pelo saneamento básico. Ou sublinhar a precariedade da saúde pública e do nosso ensino em geral. Dispomos de uma cornucópia maligna de dados terrificantes. Em contrapartida, capitais brasileiros refugiados em paraísos fiscais somam uma extravasante importância que coloca os graúdos nativos em quarto lugar entre os maiores evasores globais.

É do conhecimento até do mundo mineral que o desequilíbrio social é o maior problema do País. Dele decorrem os demais. Entrave fatal para o exercício de um capitalismo razoavelmente saudável. E evitemos tocar na tecla do desenvolvimento democrático. Mas quantos não se conformam? Não serão, decerto, os ricos em bilhões, e a turma dos aspirantes, cada vez mais ostensivos na exibição de seu poder de compra e de seu mau gosto. Não serão os profissionais da política, sempre que não soe a hora da retórica. Não será a mídia, concentrada no ataque a tudo que se faça em odor de PT, ou em nome da igualdade e da justiça.

Exemplo recentíssimo. Há quem lamente os resultados relativamente medíocres dos atletas brasileiros nas Olimpíadas de Londres. Parece-me, porém, que ninguém se perguntou por que um povo tão miscigenado, a contar nas competições esportivas inclusive com a potência e a flexibilidade da fibra longa da raça negra, não consegue os mesmos resultados alcançados em primeiro lugar pelos Estados Unidos. Ou pela Jamaica. Responder a este por que é tão simples quanto a tudo o mais. O Brasil não é o que merece ser, e está muito longe de ser, por causa de tanto descaso, de tanto egoísmo, de tanta ferocidade. De tanta incompetência dos senhores da casa-grande. Carregamos a infelicidade da maioria como a bola de ferro atada aos pés do convicto.

Mesmo o remediado não se incomoda se um mercado persa se estabelece em cada esquina. Basta erguer os vidros do carro e travar as portas. Outros nem precisam disso, sua carruagem relampejante é blindada. Ou dispõem de helicóptero. Impávidos, levantam seus prédios como torres de castelos medievais e das alturas contemplam impassíveis os casebres dos servos da gleba espalhados abaixo. A dita classe média acostumou-se com os panoramas da miséria, com a inestimável contribuição da mídia e das suas invenções, omissões, mentiras. E silêncios.

Às vezes me ocorre a possibilidade, condescendente, de que a insensibilidade seja o fruto carnudo da burrice.


Mino Carta

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SELEÇÃO DE PRESIDENTES


Os alunos do Pré-vestibular estão sempre pedindo dicas e formas de lembrar pontos importantes do conteúdo de história.

Atendendo um desses pedidos, vamos fazer uma seleção de futebol, observando as características das funções de cada posição num time de futebol, seus estereótipos, e os presidentes do Brasil que poderiam “exercer essas funções”.

Goleiro: dizem que um bom goleiro tem que ser meio (ou bastante) louco. Ter algo de irresponsável e, geralmente, adorar aparecer. Nosso goleiro seria então, Jânio Quadros (1961). Um fenômeno eleitoral, eleito em cima de um carisma populista fantástico, mas que, no poder, entrou em contradição, governando com medidas conservadoras, mas com uma política externa progressista, chegando a condecorar o guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Se sentiu só, e renunciou sem nunca ter esclarecido os motivos da renúncia.

Zagueiros: devem ser pessoas sérias, de preferência mal humorados, que não tenham piedade e inspirem respeito aos atacantes. Hermes da Fonseca (1910-1914) que após eleito mostrou enorme disposição à vingança, perseguindo um a um os aliados que apoiaram a oposição e Prudente de Moraes (1894-1898) o homem que arrasou Canudos sem deixar sobreviventes, seriam nossos zagueiros cruéis.

Os laterais são jogadores que defendem e atacam com a mesma freqüência, mas que geralmente não estão no lugar certo porque estavam fazendo outra coisa. Ou seja, laterais deveriam ser atacantes, mas não são exatamente atacantes e defensores que não são exatamente defensores. Nossos laterais seriam Tancredo Neves (1985) e Rodrigues Alves (1918) dos presidentes eleitos que deveriam governar, mas jamais governaram, pois tiveram a péssima idéia de morrer; Rodrigues Alves de Gripe Espanhola e Tancredo de Diverticulite.

O volante, o clássico número 5, é o cara que defende todos os lados, substitui os zagueiros e marcam como cães de guarda, protegendo a grande área. Floriano Peixoto (1891-1894) o “marechal de Ferro” foi um obstinado que não deu importância nem mesmo para a elite do país, seria o nosso volante.

Os meias da nossa seleção, serão dois meias criativos e articuladores, o 8 e o 10 do nosso time. Devem ser jogadores que criem, que tragam mudanças, que tentem articular o ataque. Na nossa seleção seria Juscelino Kubtschek (1956-1960), o homem que prometeu 50 anos de desenvolvimento em 5 de governo e Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), trabalhista e defensor de políticas estatizantes e pioneiras (como a CSN e a Petrobras). Ambos foram criativos e adeptos de medidas inéditas em seu tempo.

O centro-avante é aquele cara imprevisível, que faz o inesperado, que surpreende até a quem não esperava nada. Tem que ter carisma (como o goleiro) e quase sempre ser polêmico. Nosso centro-avante será Lula (2003-2010). Certamente ninguém esperava que Lula conseguisse tirar tanta gente da pobreza e fazer crescer a classe média, assim como uma política externa tão atuante e criativa.

O ponteiro direito (sim, nosso time tem ponteiro) é o cara que cruza para o centro-avante e outros para marcar o gol. Embora seja fundamental no jogo às vezes desaparece ante o brilho do centro-avante. É cassado pela marcação e, mas impõem terror aos adversários. Nosso ponteiro-direito será João Goulart, o Jango (1961-1964) que cresceu a partir de Getúlio, foi vice e chegou inesperadamente à Presidência e foi tido a vida toda como comunista, sem ser.

O ponteiro esquerdo se junta ao meio de campo, faz um trabalho de formiguinha e quase sempre é esquecido na grande jogada, embora todo o mérito tenha sido seu. Nosso ponteiro-esquerto será Itamar Franco (1992-1994) autor do Plano Cruzado embora quase ninguém saiba disso, e pense que tenha sido FHC.

O banco de reservas será composto pelos generais militares. Aqueles que sempre sonharam com a titularidade e seriam capazes de virar a mesa para conquistá-la.

O treinador é sujeito que desejaria, na verdade, ser o jogador, mas que, por motivo de lesão nunca pode mostrar seu futebol. O treinador será Leonel Brizola, aquele que certamente seria presidente se não fosse a virada de mesa.

E aí, gostou da minha seleção?

Como toda seleção essa também causará descontentamentos e discussões, então, faça você a sua, talvez seja justamente o que precisa para resolver uma ou outra questão da prova.

Boa sorte.



Prof. Péricles






terça-feira, 25 de setembro de 2012

CARTA ABERTA À FHC


Meu caro Fernando,

Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960.

A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação. Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos, o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população.

(...) Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, Todas as economias do mundo apresentaram uma queda da inflação para menos de 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos.

(...) E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”.

O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

Segundo mito – Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade.

(...) Terceiro mito – Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID.
A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras.

(...) Gostaria de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha significativa. Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no plano educacional onde você não criou uma só universidade e entrou em choque com a maioria dos professores universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio profissional.

Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por um medíocre presidente.Lamento muito o destino do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas esta é a política. Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo.

Vocês vão ficar na nossa história com um episódio de reação contra o verdadeiro progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política progressista. E dessa política vocês estão fora. Apesar de tudo isto, me dá pena colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês (e tenho a melhor recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão a frequentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do poder.

Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.

Theotonio dos Santos

Theotonio dos Santos, economista, cientista político e um dos formuladores da Teoria da Dependência. Hoje é um dos principais expoentes da Teoria do Sistema Mundo. Mestre em Ciência Política pela UnB e doutor “notório saber” pela UFMG e pela UFF. Coordenador da cátedra e rede UNU-UNESCO de Economia Global e Desenvolvimento sustentável – REGGEN.

domingo, 23 de setembro de 2012

VERDADES E MENTIRAS



O estado não existe.

As fronteiras são mentiras criadas pela burguesia para racionalizar seus respectivos “mercados”. Pergunte a qualquer astronauta que já saiu de órbita se ele enxergou lá de cima, olhando a terra, os traçados das fronteiras...

Somos todos um só povo.

Os diferentes idiomas são riquezas a serem somadas e não empecilhos para a união.

Vivemos dentro de um grande sofisma que prega a diferença entre as nações e entre os povos como uma realidade.

Esse é o golpe de mestre, a obra-prima da sociedade burguesa. Fazer crer nas diferenças. Incentivar a divergência. Separar o trigo do trigo.

A mentira foi tão bem contada. O cantinela tão bem declamada, que ainda tem gente que acredita até que sua “raça” é superior.

Guerras se fizeram aos montes em nome dessa suposta superioridade.

E, apesar da genética colocar a última pá de cal sobre o conceito “raça” ainda persiste a xenofobia no mundo.

O estado moderno, o estado burguês nasceu de conceitos pré-concebidos que estabeleciam a demarcação de um território, uma pseudo unidade cultural e um governo que centralizasse a administração e aplicação das Leis.

A isso se chamou pátria e em seu nome foram cometidas as maiores atrocidades.

E se conceituou soberania e segurança nacional. E se armaram exércitos, mais e mais treinados para defendera a tal de pátria.

E o povo acreditou!

Acreditou porque precisava acreditar.

Acreditou porque aquelas vozes que sempre clamaram pela união de todos formando uma só nação, sempre foram sufocadas pela força da violência.

Acreditou porque sua antiga forma de organização, o feudalismo, estava superada pelas pestes, pelas guerras de seus senhores e pela fome, só que sua superação não deu lugar a uma organização mais justa.

O Estado burguês estimula a individualidade, a concorrência, o maior salário, o maior consumo.

Como aqueles cães que correm atrás de um filé estrategicamente colocado a frente para fazer correr, corremos em busca da mentira que é ficar “bem de vida” que é bem diferente de ficar “bem com a vida”.

De que vale a riqueza se não houver a miséria? De que vale a beleza se não houver a feiúra?

Nossa própria vida é uma contradição.

Assim como se constrói vencedores massifica-se “perdedores” porque os perdedores são necessários tanto quanto os vencedores.

O capitalismo, incentivando a individualidade construiu uma sociedade egoísta, endeusando a concorrência forjou uma sociedade de solitários e supervalorizando o consumo fez uma sociedade fria e desumana que despreza aquele que ficou no meio do caminho.

A evolução tecnológica é apontada como fruto da concorrência burguesa, mas quem pode garantir que essa mesma evolução não se daria numa sociedade mais fraterna?

Se hoje se investe milhões para a produção de novos antigripais, se investe de menos nas pesquisas para combater o Mal de Alzheimer, isso porque enquanto todos consomem antigripais, poucos gastam em medicação para uma camada quase rara portadora de senilidade, embora os males do Alzheimer sejam infinitamente mais dolorosos e degradantes do que os efeitos de uma gripe.

Se essa é a lógica do capital, não é a lógica da solidariedade.

Será mesmo que a evolução tecnológica não se daria se fosse menos contabilística?

O estado não existe. As fronteiras foram criadas. O vencedor é uma falácia. A compaixão uma fraqueza e a caridade só se implicar em isenção de impostos.

O ser humano fica esquecido na balança comercial.

Impossível não rir quando te chamam de utópico.

Quem afinal é mais utópico: os que acreditam numa sociedade humanizada, mesmo que distante ou os que acreditam e vivem sem questionar as mentiras criadas por cartéis?

Ando desconfiado que a utopia seja a realidade e a realidade existente uma mentira real.

Prof. Péricles

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O CHICOTE NO LOMBO DO CHICOTEADOR



Fiquei tão triste e furioso quanto qualquer norte-americano, quando ouvi sobre as bombas no Consulado dos EUA em Bengazi, Líbia. Também chorei a morte dos que morreram ali. O embaixador parecia ser alguém que realmente conhecia a região e se preocupava com os seres humanos que lá vivem. Americanos e líbios têm a chorar, mais essas mortes.

Mas não entendo o que todos ouvimos, pura retórica, da boca de Hillary Clinton, depois dos acontecimentos. Chegou ao ponto de dizer que os EUA “libertaram” Bengazi e que ajudamos o país a livrar-se do “ditador do mal” Muammar Gaddafi. Pelo que se vê, as bombas surpreenderam Clinton, que não esperava que pudessem acontecer, sobretudo no consulado dos EUA, localizado em tranquila área residencial.

Instalar o consulado naquela área residencial, mal protegido, foi terrível erro dos EUA. Sinal de arrogância. Se se vê a extensão do dano que a chamada revolução “democrática” causou à Líbia, se se vê a destruição que EUA e OTAN levaram à Líbia – EUA e OTAN ativamente armaram os chamados ‘revolucionários’ líbios, processo que implantou o caos em metade do país, quando a outra metade é governada por um conselho revolucionário que não governa – é bem fácil entender a ira, a fúria, que agora se vê entre os líbios, contra os EUA.

Por mais que a Líbia implicasse dificuldades para os EUA, jamais poderia ter sido destruída como foi, por EUA e OTAN. Gaddafi, por pior que talvez fosse, nunca poderia ter sido assassinado como foi, pelos ‘combatentes da liberdade’ que os EUA apoiavam. O insulto dos insultos foi a frase que Clinton usou quando chegou à Líbia: “Viemos, vimos e ele morreu”. Disse e riu!

Claro que muita gente não gostou. Claro que muitos líbios odeiam furiosamente a destruição que desabou sobre eles dos aviões da OTAN. Claro que há líbios que não apoiam nem aceitam o regime que substituiu o governo de Gaddafi e o caos que reina hoje em metade daquele grande país, transformado em zona de guerra que parece não ter fim.

Como é possível que não vissem que, para muitos, Gaddafi é o herói que deu à Líbia nível de vida superior a tudo que o norte da África algum dia conheceu?
Para muitos, a destruição da Líbia foi vista como show de arrogância e poder imposto lá pelas armas de europeus e norte-americanos. A OTAN foi instrumento de violenta ‘mudança de regime’. EUA e OTAN serviram-se do povo líbio, usaram a Líbia como exemplo para outros que tentassem desafiar as potências ocidentais.

Hoje, os EUA estão pesadamente comprometidos também com a destruição da Síria, outra nação que não se rende servilmente ao que ordenem as potências ocidentais.

Líbia e Síria eram governos seculares que trilhavam caminhos próprios e bem-sucedidos. Esse, sim, é o motivo pelo qual EUA e OTAN decidiram que não poderiam sobreviver. Que teriam de ser destruídos, até não restar pedra sobre pedra e Líbia e Síria estarem reduzidas a ruínas, como hoje estão.

O Dr. Paul Craig Roberts não se cansa de ensinar que, no Oriente Médio, os governos seculares conseguem que várias facções e diferentes religiões convivam em paz, lado a lado. Instalar ali governos de fundamentalistas sunitas sempre levará à destruição e fragmentará as populações e gerará lutas internas, em que diferentes facções combaterão umas contra as outras, o que gerará estados impotentes e sem lei. É o que EUA e OTAN desejam! Assim, desaparecem os obstáculos que os interesses ocidentais enfrentam naquela parte do mundo. E rachar em mil pedaços o governo líbio também foi visto como meio para impedir que os interesses chineses avançassem na região.

Depois do ataque ao consulado, Clinton falou como se não soubesse da destruição que EUA e OTAN levaram à Líbia. Quem, em pleno juízo, acreditaria que os líbios receberiam bem os norte-americanos? É inconcebível! Clinton parecia ‘ofendida’ por haver líbios dispostos a atacar instalações dos EUA, depois de os EUA terem ajudado a “libertar” Bengazi! Essa atitude ensandecida, só ontem, matou três cidadãos norte-americanos.

Se Hillary Clinton crê, de fato, que os líbios teriam alguma obrigação de receber os EUA de braços abertos, depois de os EUA os termos bombardeado até devolver um país próspero à idade da pedra lascada, Clinton errou. O que se viu na Líbia foi a volta do chicote no lombo do chicoteador.

É mais que hora de o Congresso dos EUA intervir e impor que as aventuras ensandecidas dos militares norte-americanos em outros países sejam votadas no Congresso, autorizadas ou impedidas por quem tem o dever de falar pelo povo norte-americano.
Isso se aplica à carnificina que os EUA estamos promovendo também na Síria.

É hora de os norte-americanos assumirmos o controle sobre nosso próprio governo e pormos fim ao envolvimento dos EUA nos conflitos internos de outros países. Se realmente sabemos respeitar o direito de autodeterminação das nações, temos de parar de interferir em outros países. Temos de parar de assumir posição, a favor de um lado ou de outro, em questões que não conhecemos.

Sempre que a OTAN ou os EUA (que, de fato, são a mesma coisa) tomam partido de um ou de outro lado em conflitos internos de outros países, não se trata de defender algum princípio de autodeterminação. Trata-se, isso sim, de os EUA determinarem quem vence e quem perde. Sempre que os EUA interferem nas lutas de outros povos, são as armas norte-americanas, não o povo das outras nações, quem decide.

No Oriente Médio, só isso explica porque tantos nos desprezam tanto. Não compete aos EUA determinar que caminho outros povos devam seguir. Quanto antes os EUA aprendermos essa lição, mais depressa conseguiremos ter relações normais com aqueles povos. Se Clinton vivesse no mundo real, teria protegido aquele consulado como a fortaleza que teria de ser, metida, como está em território inimigo. Clinton tem, mais uma vez, as mãos sujas de sangue.


Timothy V. Gatto
Tim Gatto é sargento aposentado do Exército e ex-presidente do Liberal Party of America, LPA [Partido ‘de esquerda’ da América].

terça-feira, 18 de setembro de 2012

ORAÇÃO PELOS LANCEIROS NEGROS



Cauê era um negro forte, robusto, afeito aos trabalhos mais duros da fazenda.

Desde que se conhecia por gente sonhava com a liberdade. Não lembrava de uma só noite que não tivesse sonhado ser um homem livre.

Foi com o coração pulando mais do que cavalo bravio que Cauê ouviu de seu patrão, a proposta para a luta. Segundo o caudilho, seu “proprietário”, estava engajado na luta dos sulistas contra o império e se vencedor, a república seria proclamada e a escravidão abolida. Queria lutar pela causa?

Cauê nem mesmo ouviu o fim da frase e já erguera a mão com toda altivez.

Nenhuma outra coisa o faria mais feliz do que a oportunidade de lutar sem amarras.

Tinha medo de morrer? Não. Tinha era medo de ser escravo pelo resto da vida.

Aceitava o desafio? Sem dúvida, agora mesmo.

Assim como Cauê, centenas de outros escravos, fortes e destemidos pegaram em armas para lutar na Revolução Farroupilha.

Exímio cavaleiro, Cauê lutou nos bravos “lanceiros negros” contingente cavalariano formado pelo Coronel Joaquim Pedro e comandado pelo Major Joaquim Teixeira Nunes e por Antonio de Sousa Neto.

Organizados em 8 companhias de 51 homens cada, totalizando 426 lanceiros, lutaram com a força do desespero pela sua vida e pela vida de seus irmãos.
Destaram-se de tal maneira em combate que, um dia, o revolucionário Giuseppe Garibaldi escreveria que nunca encontrou, em suas lutas intermináveis, homens tão valorosos e destemidos e que, com certeza, com uma tropa daquelas teria vencido todas as suas lutas em solo italiano.

A luta farroupilha foi dura e entusiasmada nos primeiros 5 anos, desgastante nos outros 3, enquanto seus dois últimos anos foram de negociações secretas entre os dois lados, farroupilhas e federais. Como terminar o conflito de forma digna e sem seqüelas, visto que, o Imperador precisaria desses militares para breve, para enfrentar as questões do Prata que levariam o Brasil a mais devastadora das guerras sul-americanas, a Guerra do Paraguai?

O maior entrave era, justamente, o que fazer com os negros a quem fora prometida a liberdade? Enquanto os gaúchos não aceitavam o simples retorno à condição de escravidão, os federais não podiam admitir uma abolição em separada do restante do país.

A solução parece ter sido favorecida na localidade de Porongos, hoje parte do município de Pinheiro Machado, em 14 de novembro de 1844. Naquela noite o General David Canabarro anuncia que por força de negociações correntes e para ganhar tempo com montarias mais leves, todos os lanceiros negros deveriam entregar suas armas ao comandante, devendo recebê-las de volta ao raiar do dia. Pela madrugada forças imperiais atacaram o acampamento e os lanceiros, desarmados, foram mortos em mais de uma centena.

Foi uma traição?

A solução final se daria com o acordo selado entre Canabarro e Caxias determinando que os lanceiros negros fossem retirados do Rio Grande, sendo incorporados ao exército imperial do Rio de Janeiro, mas não fugindo da condição de escravos.
Quanto aos demais escravos o retorno à rotina da escravidão.

Cauê foi um dos últimos a fechar os olhos para sempre, em Porongos.

Antes, porém, compreendeu como a traição pode ser pintada com as cores do heroísmo e como a história pode ser mentirosa.

No aniversário da Revolução Farroupilha não custa nada aos que cultivam essa data, um olhar para o céu e um pedido silencioso de desculpas a Cauê e às centenas de negros que lutaram pela República Rio-Grandense.

Nos campos do céu, os lanceiros negros ainda galopam rebeldes e libertos.
Um oração? Sim, pode ser proferia na imensidão das serras e dos planaltos e coxilhas do Rio Grande em nome de seus verdadeiros heróis e de todos aqueles que amam a liberdade.

Prof. Péricles

domingo, 16 de setembro de 2012

AFEGANISTÃO: O POÇO SEM FUNDO





Os EUA declararam o Afeganistão como o seu “mais importante aliado fora da OTAN”, estatuto idêntico ao de Israel. A ocupação imperialista do Afeganistão, plataforma estratégica para outras aventuras ainda mais perigosas, não é apenas um pântano para o qual não encontram saída. É um poço sem fundo de recursos todos os dias consumidos pela máquina de guerra.

«É maravilhoso ouvir os pássaros saudar com o seu canto este belo dia aqui em Cabul». Estas foram as palavras cheias de romantismo com que Hillary Clinton abriu a cerimónia oficial, no meio das árvores do blindado palácio presidencial na capital afegã. Enquanto falava, outros pássaros com listras e estrelas na cauda voavam no céu afegão: os caças F/A 18 que, depois de descolar do porta-aviões Stennis no Mar Arábico sobrevoavam o Afeganistão.

Uma vez escolhida a sua presa, atacam com misseis e bombas teleguiadas por laser e metralham com o seu canhão de 20mm, que dispara em cada rajada 200 projécteis de urânio empobrecido. Estes aviões, e outros cujo preço ultrapassa os 100 milhões de dólares, custam 20 mil dólares por cada hora de voo: cada missão dura à volta de oito horas, o que significa um custo de 150.000 dólares, a que há que acrescentar ainda o custo das armas utilizadas. O ano passado, de acordo com dados oficiais, os aviões EUA/NATO efectuaram 35 mil missões de ataque sobre o Afeganistão. Não é surpreendente que os Estados Unidos, só eles,
tenham gastado nesta guerra, até agora, 550 mil milhões de dólares. Um poço sem fundo que continuará a delapidar milhões e milhões de dólares e de euros.

Em Cabul, Clinton anunciou uma boa notícia: «Tenho o prazer de anunciar que o presidente Obama designou oficialmente o Afeganistão como o mais importante aliado dos Estados Unidos fora da OTAN». O que quer dizer que este país conseguiu o estatuto que têm Israel e que, na base do «Acordo de Cooperação Estratégica», os Estados Unidos se comprometem a garantir a sua «segurança».

O «mais importante aliado fora da OTAN» receberá desta organização uma ajuda militar de mais de 4 mil milhões de dólares anuais. A Itália, que se comprometeu a pagar 120
milhões anuais, continuará a proporcionar, segundo as palavras do ministro da Defesa Di Paola, «assistência e apoio às forças de segurança afegãs».

Além disso, o governo afegão receberá, como ficou decidido na conferência de «doadores» de Tóquio, 4 mil milhões anuais mais para «exigências civis». E também nesse campo, «a Itália cumprirá com a sua parte», declarou Terzi, o ministro das Relações Exteriores. Pela experiência real, cada dólar e cada euro gasto oficialmente em fins civis será utilizado para reforçar o domínio militar dos EUA/OTAN nesse país. País cuja posição geográfica é de primeira importância estratégica para as potências ocidentais e os seus grupos multinacionais, que avançam cada vez mais para Este, desafiando a Rússia e a China.

Para convencer os cidadãos estadunidenses e europeus, muito sensíveis pelos cortes nos gastos sociais, que convém tirar uns tantos milhões de dólares e de euros dos tesouros públicos para os destinar ao Afeganistão, dizem que servem para melhorar as condições de vida do povo afegão, particularmente das mulheres e crianças. Esta é a fábula que Hillary Clinton explicou, acompanhada pelo trinar dos pequenos passaritos de Cabul e pelo coro de todos os que se aproveitam desta magnanimidade.




Manlio Dinucci
Este texto foi publicado em www.lahaine.org
Tradução de José Paulo Gascão

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ESPELHO, ESPELHO MEU


Dizem os entendidos da mente humana que, nós temos uma especial antipatia por pessoas que tenham os mesmos trejeitos e manias que nós próprios temos.

Aquele rapaz que bate insistentemente com o lápis na mesa é capaz de ficar furioso ao encontrar alguém que faça o mesmo. A moça que sopra os cabelos quando estes caem sobre seus olhos odeia aquela outra que faz a mesma coisa e assim por diante.

Ao que parece, não só os salamaleques incomodam, mas, também, os aspectos físicos. Talvez não haja alguém mais cruel com o menino gordinho do que o gordão da outra turma.

Talvez seja o fenômeno “espelho da rainha má” aquela da Branca de Neve que, apesar de ser linda não se via no reflexo, mas sim, a Branquinha, que era mais linda que ela.

O reflexo do “espelho da rainha má” nos agride quando nos mostra nossos piores ângulos, nossas piores imagens, aquelas, que gostaríamos de esquecer.

Essa aversão ao que é nosso poderia explicar algumas coisas difíceis de entender no Brasil .

Por que nosso povo odeia tanto os corruptos, mas sistematicamente, vota neles?

Por que Lula, um político de muita liderança e de belos resultados, citado como grande estadista no resto do mundo é odiado com a força do fanatismo por outros milhares de pessoas de pouca educação formal e que baseiam nisso sua maior crítica?

Será que continuamos amando o senhor da Casa Grande e odiamos o escravo que se destaca?

Por que a reforma agrária, tão necessária ao desenvolvimento do país, é combatida e execrada, justamente por quem nunca teve um só centímetro quadrado de terras?

Por que os eleitores dos partidos tradicionais se dizem tão chocados pelo PT fazer justamente o que seus tradicionais partidos sempre fizeram: alianças espúrias, pacto para manter o poder e, ao que parece, planos corruptos de caixa 2 para comprar aliados?

Por que mulheres, tradicionalmente tão sacrificadas pela tradição machista e pela falta de liberdade, num estado conservador, como Minas Gerais, foram, justamente elas, que organizaram com mais alegria a “Marcha com Deus, pela Família e a Liberdade” praticamente implorando que os militares desse um golpe contra... a liberdade?

E por que será que nosso povo corrupto, que fura fila, compra artigos piratas, engana e se julga malandro, odeia tanto a corrupção que é, afinal das contas, a “malandragem” nas mais altas cúpulas?

Talvez porque possamos enganar as pessoas com nossas firulas e nossas interpretações pela vida a fora, mas não possamos enganar a nós mesmo que conhecemos bem o que guardamos no porão de nossas almas.

Talvez a construção de uma sociedade mais justa, mais ética, mais solidária, passe pelo quebrar esse espelho da alma, para enfrentar de cara limpa os nossos fantasmas.

Enquanto isso não acontece, tenhamos a coragem de perguntar antes de criticar, ou de se indignar: “Espelho, espelho meu... existe alguém mais corrupto que eu?”


Prof. Péricles

domingo, 9 de setembro de 2012

VELHINHOS ASSASSINOS



Na semana passada, ao ler no site da Folha a notícia “Justiça determina abertura de ação penal contra militares por crimes na ditadura”, atravessou o meu espírito uma reprovação. Já no primeiro parágrafo se anunciava: “Militares que atuaram na repressão durante o regime militar (1964-85) responderão a ação penal por supostos crimes cometidos durante a ditadura”.

Por que e como supostos crimes? Não bastam as seguidas e cumulativas provas, de testemunhas, de documentos, e até entrevistas de réus confessos, para retirar o véu da dúvida? Mas continuava a notícia: “A Justiça Federal em Marabá (685 km de Belém) aceitou denúncia do Ministério Público Federal e determinou a abertura de ação penal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió (foto acima) , 77, e contra o tenente-coronel da reserva Lício Maciel, 82”.

Depois disso, atravessaram o espírito dois espantos. O primeiro foi ver o quanto o assunto justiça e ditadura havia sido o mais comentado e enviado no site em 30 de agosto. O segundo foi conhecer o gênero e grau de comentários que sob a reportagem se abrigavam, dos raivosos defensores do golpe de 64 aos mais complacentes e pacifistas, sempre na velha fórmula: para quê tanta confusão, se tudo é morto e passado?

Não vem ao caso aqui mostrar o paradoxo de quem argumenta que, por um lado, a história da ditadura é ultrapassada, e por outro, manter a feroz defesa do regime que não mais existe, como se os anos da guerra fria estivessem em uma geladeira. Do necrotério de 1970, talvez. Importa mais agora, entre os comentários cordatos, um apelo que li dirigido aos brasileiros de bons corações, nesta esperta frase:
“Um deles tem 77 anos, o outro tem 82. Não adianta ficar prendendo ex-coronel que fez crimes na ditadura civil-militar. Nossa ditadura foi a mais branda da América Latina, não que eu esteja tentando justificá-la, mas ficar revogando a lei da Anistia pra prender velhinhos é no mínimo covardia. Não sabia que a esquerda queria se vingar de vovôs”.

Vovós,poderia ser dito, para ser mais forte a fragilidade dos velhos coitadinhos. Ora, tenho junto a mim um precioso depoimento de uma senhora que teve a sorte de morar no mesmo edifício do coronel Vilocq, quando ele estava velhinho. Quando ele não mais era uma fortaleza de abuso e violência. Os mais jovens não sabem, mas Vilocq arrastou Gregório Bezerra por uma corda, espancou o bravo comunista sob cano de ferro, e esteve a ponto de enforcá-lo em praça pública em 1964. Quanta força contra um homem rendido e desarmado. Pois bem, assim me contou a privilegiada: Muitas vezes, viu a conversarem, em voz amena e agradável, lado a lado, em suas cadeiras de rodas, Darcy Vilocq e Wandenkolk Wanderley, que moravam no mesmo edifício e destino. Olhem que feliz coincidência, lado a lado, a ferocidade e o terror. Um, Wandenkolk, ex-delegado, que usava alicate para arrancar unhas de comunistas no Recife; outro, Vilocq, sobre quem Gregório fala em suas memórias. Pois ficavam os dois companheiros a cavaquear, pelas tardes, na paz do bucólico bairro de Casa Forte.

De Vilocq, a minha privilegiada amiga informa um pouco mais, neste brilho de ironia involuntária da cena brasileira: uma empregada doméstica, no prédio em que ele morava, dizia que Vilocq parecia um bebê, de tão inofensivo e pacífico na velhice. A ponto de ela brincar, muitas vezes com ele, dizendo: “eu vou te pegar, eu vou te pegar”. O bebêzinho, o velhinho sorria, já sem a força de espancar com ferro e obrigar um homem a pisar em pedrinhas, depois de lhe arrancar a pele dos pés a maçarico.

Para infelicidade geral, os dois bons velhinhos já não mais existem. O que gostava de unhas com pedaços de carne foi para o céu aos 90 anos, em 2002. O que tentou enfiar no ânus de Gregório Bezerra um cano seguiu para Deus aos 93, em março deste ano. Ficou um vazio nas tardes da história onde mora a minha amiga. Como poderá a justiça humana agora alcançá-los? Com quem brincará a boa moça, empregada doméstica?

Pensemos neles, por eles e para a justiça que não lhes chegou, quando olharmos os idosos e respeitáveis Carlos Alberto Brilhante Ustra, David dos Santos Araujo, Ariovaldo da Hora e Silva, Maurício Lopes Lima, Carlos Alberto Ponzi, Adriano Bessa Ferreira, José Armando Costa, Paulo Avelino Reis, Dulene Aleixo Garcez dos Reis. E outros velhos, muitos outros de Norte a Sul do país, que no tempo de poder foram o terror do Estado no Brasil.

Eles ficaram apenas mais velhos, os bons velhinhos assassinos.






Pedimos sinceras desculpas, pois por um descuido acabamos perdendo a autoria do texto. Porém, ele pode ser encontrado na íntegra no endereço eletrônico Cartaoberro@serverlinux.revistaoberro.com.br

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A MALDIÇÃO DE TIRESIAS


- Caraca véi, mulher não curte mais que a gente não. Pode ver com que freqüência tem dor de cabeça. Elas não curtem como a gente, mesmo.

- E a gritaria?

- Que gritaria Mané, aquilo tudo é atuação. Toda mulher é uma atriz ao natural, sabia não?

Sei não, acho que é uma atuação sim, mas por imposição do Diretor?

- Como assim?

O homem, tradicionalmente, quer acreditar que a mulher, pelo menos a sua mulher, não gosta tanto assim da coisa. Eles preferem acreditar que só quem gosta são as profissionais.

- Mesmo?

Claro. Na primeira metade do século XX a mulher não podia nem gemer porque...

- Nem gemer!?

Nem gemer. Gemidos e gritinhos era só pras meninas da profissão. Se uma mulher de boa moral e honrada gemesse, o “dono” dela já queria saber onde ela aprendera aquilo, e se bobear rolava tabefes. Então a mulher mantinha silêncio.

- Que sacanagem!

Sacanagem sim. Além de se apropriar dos meios de produção pra dominar a mulherada, os homens se apoderaram também de seu prazer. Só que por mais que queiram, eles na verdade, não dominam, são facilmente iludidos, são mais ligeiros do que gostariam e sabem disso. Deve ser a maldição de Tirésias...

- Ti... o que? Quem é esse cara?

Vou te contar. Segundo os gregos foi o seguinte:

Zeus era o senhor supremo do Olimpo, casado com sua irmã Hera. Os dois eram o casal divino por excelência. Mas, por ser ele um deus da fecundidade, transava com todas as mulheres mortais e imortais, ou seja: as deusas.

Eram incontáveis os seus filhos, um deles Hercules, Zeus teve que transar 3 dias com sua mãe Alcmena, para gerá-lo.

- Felizardo esse Zeus...

Enfim, essas infidelidades de Zeus acarretaram um ciúme doentio em Hera, ao ponto dela não mais suportá-las. Passou, então, a exigir o fim dessas aventuras extras conjugais. Ele, então, para se defender e justificar os seus atos argumentou que o prazer sexual da mulher era maior que o do homem, no que foi prontamente contraditado por Hera.

Para dirimir a questão, lembraram-se, então, de chamar o adivinho Tirésias, que já tinha sido mulher e, assim, pensavam eles, saberia dizer quem estava com a razão. Assim foi feito. Chamaram Tirésias e lhe perguntaram quem tinha mais prazer se o homem ou a mulher.

Tirésias respondeu, então: se o prazer fosse dividido em dez partes, nove caberiam a mulher e só uma ao homem.

Dizem que Hera ficou tão furiosa com a resposta que cegou Tirésias.

- Putz... ela deve ter ficado braba porque nunca mais poderia simular dor de cabeça.

Ou, talvez porque o maior prazer da mulher justificaria o maior número de parceiras de um homem.

- Quer saber. Gostei desse tal de Tirésias. Falou a real.

Então, um brinde a Tirésias...

- Um brinde ao prazer!


Prof. Péricles
Colaboração Hilton Goulart