sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

AS DUAS FACES DE AFRODITE


Responda ligeiro, você homem experiente ou menino.

Diga sem medo, homem de todas as idades, nacionalidades e matizes.

Quantas mulheres existem numa só mulher?

Quantos amores ela é capaz de guardar dentro do peito e emoções conflitantes é capaz de equilibrar?

Qual seria a mulher mais perfeita?

Quantas mulheres uma só mulher carrega ao longo do dia, todos os dias de todas as vidas, nossas vidas de simples mortais?
Para os gregos, o segredo estava posto diante dos olhos e da mente através do exemplo onde se assomavam todas as virtudes, paixões e defeitos femininos – Afrodite.

Afrodite significa "espuma do mar", nasceu da espuma abundante provocada pela queda no oceano do sangue e esperma de Urano, castrado por Cronos.

Assim que nasceu, Afrodite foi levada pelo vento Zéfiro para Citera e em seguida para Chipre, aquela ilha ao sul da Grécia.
A humanidade quer entender a tudo e quando não entende, teme, ama e inventa algo que lhe dê, a aparente sensação de controle.

O homem pretensioso buscou entender a mulher incompreensível em seus caracteres através de Afrodite.

Como entender Afrodite com a cabeça machista do capitalismo onde mulheres se classificam de acordo com a estética de seu tempo?

Para o capital, mulher bonita é produto de lucro, na venda ou na especulação. Como algo que se cobiça ou tesouro que se guarda escondido em casa, mas nem tanto, pois o tesouro precisa causar inveja, ou não é tesouro.

Foi no capitalismo que o homem passou a chamar a esposa de “minha mulher” como se mulher fosse objeto de posse.

Afrodite só é compreensível na cabeça do homem da Grécia Clássica.

Para esses, a beleza feminina não era produto, não era meio. Era o fim, o próprio objetivo de uma vida bem vivida que se desprende do fundo da alma, se expande pela derme, forma as curvas de um corpo que nada mais é do que o reflexo do próprio eu.
Onde também as curvas das rugas guardam seus mistérios.

Afrodite nasceu da própria decadência do macho que é mutilado em seu diferencial de poder e de força sobre a beleza.

Mistura-se às ondas do mar a mais bela criação divina, por ondas crispadas que simbolizam dedos imaginários que acariciam eternamente a todos os corpos que lhe penetram em seu interior e se dissolvem sem revelar seus mistérios.

O mar não tem sexo, pois é o fim e não o meio, enquanto o sexo é o gatilho para disparos de sonhos levados aos pontos mais distantes da terra pelo vento Zéfiro que carrega todas as emoções humanas e as multiplica para retornar as origens.

A adoração por Afrodite na Helade (como os gregos chamam o seu mundo) era tão diversa quanto intensa.

Por isso ela recebia importantes epítetos.

Há “Afrodite Urânia” que designa a deusa celeste da fertilidade, inspiradora do amor etéreo e superior, que se desliga da beleza corporal atingindo a beleza em si e que participa do eterno, mas também há “Afrodite Pandemos” inspiradora dos amores comuns, vulgares, carnais e dominados pelo prazer mais humano do sexo.

É a Afrodite Pandemos, “a vulgar” que era adorada pelo povo e fazia dela a mais amada entre os gregos.

Porque são vulgares nossos amores e não divinos. Porque somos movidos pela busca do prazer intenso e inexplicável, sem origem ou propósito superior. Somos humanos que buscamos no próximo o seu oposto, a alegria que se acredita ter fugido de dentro de si, para se esconder no outro, e queremos nossa alegria de volta.

Se somos divinos em essência, somos vulgares na vivência.

Então, não fuja da resposta que não precisa ser ligeira, você homem experiente ou menino.

Diga sem medo, homem de todas as idades, nacionalidades e matizes.

Quantas afrodites você amou?


Encontrou em sua amada a face de Urânia? Ou seu coração chegou ao êxtase no amor de uma Pandemos.
Não... não se desculpe, todo o amor é grande e vale à pena.

Perceba que assim como as espumas do mar foram berço para Afrodite, a mais linda entre todas as lindas, nosso coração deveria ser o berço eterno do amor que não precisa de explicação.

E se ainda não amou nenhuma, chore a vontade, mas não se esqueça de pedir a Zéfiro que lhe traga uma estrela, aquela Dalva, que os gregos identificavam como se fosse a deusa, para iluminar seus dias.

Prof. Péricles

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

QUANDO "NÃO SEI" É A MELHOR RESPOSTA


Por ironia da vida, embora Marx destacasse que os caminhos da história fossem dirigidos por processos de lutas sociais e não por individualidades, foram as personalidades dos protagonistas que determinaram o futuro da primeira experiência socialista da história.

Vladimir Ilitch Lênin foi o mais brilhante de uma geração de pensadores geniais. Do alto de sua sabedoria, não se limitou a aplicar as idéias de Marx, mas, foi além disso, adaptando essas idéias às especificidades russas.

Mesmo exilado, fazia oposição ao Czar, o soberano absolutista Nicolau II.

Intelectual de intensa produção literária, não acreditava estar vivendo o momento ideal para a revolução comunista. Entendia que a imensa maioria dos russos submetidos a situações quase servis de trabalho e com alto grau de analfabetismo deveria antes, se politizar para assumir o poder.

Lênin não considerava que ele e meia dúzia de iluminados do Partido Operário Social-Democrata Russo legitimasse o poder da maioria e foi contra a própria ascensão ao poder após a renúncia do Czar em fevereiro de 1917.

Ao retornar para casa e ser recebido por uma multidão carregando bandeiras vermelhas, Lênin fez, na Estação Finlândia, em Petrogrado, um discurso em que apoiava o governo nas mãos dos Mencheviques (facção reformista, portanto, não revolucionária) como um estágio necessário na criação da nova ordem.

A um amigo próximo Lênin teria confessado seu pesar, pois queria muito ver seu povo vivendo uma sociedade comunista, mas pensava que duraria menos do que o tempo necessário para que as massas estivessem preparadas.

Porém, Lênin foi atropelado pelos acontecimentos. O Governo provisório não tirou a Rússia da Guerra (I Guerra Mundial), a fome e a revolta popular aumentaram e, mesmo contra suas previsões, em outubro, o povo praticamente o impôs no poder.

Começava assim, o primeiro governo socialista da história.

Uma pergunta crucial atormentava o novo governo russo. Uma pergunta que exigia resposta e coragem. Algo que fazia tremer os que esperavam que aquela “aventura” tivesse um final feliz. A pergunta era – se a economia capitalista se baseia na busca do lucro e na competição dentro de “leis” de mercado, onde todo investidor procura ter vantagens e se dar bem e por isso o estado tende a se dar bem, como se faria a economia socialista se a maior parte dos bens de produção (que geram lucros) e as terras produtivas foram socializadas? Quem iria competir com quem? Não havendo competição o que irá impulsionar os investimentos?

A essa pergunta decisiva sobre todos os aspectos, visto que a sociedade política não sobrevive sem uma economia que funcione, Lênin respondeu criando a NEP (Nova política Econômica) onde alguns elementos de mercados eram preservados numa espécie de hibrido de passagem do capitalismo para o socialismo. Um pouco confusa a NEP tinha o grande mérito do “não sei, vamos dar um tempo pra ver como fica”.

Parecia que tudo estava dando certo. Um governante sem adoração ao próprio ego, sábio e consciente de seu momento, líder máximo de um processo que parecia enveredar por uma nova democracia popular, sendo guinado por uma economia prudente e consciente de seus desafios.

Foi então que o imponderável se fez presente e interferiu na grande revolução vermelha.

Lênin sofreu o primeiro AVC (como se denomina hoje) em 26 de maio de 1922. O segundo em 16 de dezembro de 1922 o deixou extremamente debilitado. O terceiro em 10 de março de 1923, se revelaria fatal.

Morreu em 21 de janeiro de 1924, aos 54 anos.

Com sua morte os rumos da revolução sofreriam uma guinada rumo ao mais cruel autoritarismo e uma das mais sangrentas ditaduras da história, o Stalinismo.


Prof. Péricles












segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

SOCIALISMO, COMUNISMO E OUTROS SONHOS


As origens do socialismo são belas. Nasceram do desejo de justiça e liberdade aos menos favorecidos.

As primeiras propostas foram dos chamados “socialistas utópicos”. Pensadores que defendiam a criação de um modelo social menos desumano, porém, sem saber bem como construir uma sociedade assim, suas propostas esbarravam no impraticável, tornando suas idéias algo como que sonhadoras.

O “capitalismo bonzinho” não poderia mesmo ser ponto de partida para nada mais concreto.

Os anarquistas, cujos pensamentos geraram uma infinidade de variáveis teóricas, apregoavam, basicamente, um estado sem poder central, enraizado na fraternidade e no respeito ao direito do próximo. Como promover a fraternidade, eles não sabiam bem.

Porém, valores burgueses como propriedade privada, exército, nacionalismo, lei e religião, eram tão questionados pelos anarquistas que estes não foram vistos apenas como sonhadores e, contra eles, levantaram-se os ódios mais profundos do capital.

A dupla Marx e Engels difere-se dos utópicos exatamente porque basearam suas conclusões na observação histórica da formação das sociedades.

Partindo da premissa que o mundo em que viviam (o século XIX) não era justo e no desejo de demonstrar como seria uma sociedade igualitária, indicaram o que, consideravam ser, o caminho para a construção de um mundo melhor.

Primeiro Marx desmontou a forma clássica de interpretação da história, demonstrando que o que move as civilizações para frente não era a vontade iluminada de soberanos, os desejos particulares ou a bondade da busca do bem maior, mas, sim, a luta de classes entre os que habitam o andar de cima do prédio social contra os interesses dos que habitam andares inferiores, tão violenta quanto silenciosa.

Nesse contexto, proprietário e escravo, patrício e plebeu, senhores e servos, eram atores do mesmo espetáculo interpretado inúmeras vezes na história.

Num trabalho imortal do intelecto humano, Marx comparou a sociedade a um prédio e explicou o que era a infraestrutura (os pilares da obra do prédio), redefinindo o que seria salário, trabalho, capital, propriedade. Também demonstrou quais eram as superestruturas sociais (o acabamento do prédio) e quais suas funções na manutenção da ordem burguesa o papel da religião, do patriotismo, da guerra, de nacionalismo.

Marx e Engels demonstraram que, apesar de moraram no mesmo prédio, as pessoas não eram iguais e demonstraram sociológicamente, o que as tornavam diferente.

Especialmente interessante na visão marxista é o papel e a representatividade do governo e da própria democracia, sendo o governo muito mais um comitê que representa os interesses dos poderosos do que um órgão representativo do todo e a democracia uma fumaça que confunde o foco dos mais pobres.

Depois, especialmente em “O Manifesto Comunista” editado pela primeira vez em 1848, o historiador e sociólogo Karl Marx aponta (não prevê no imensurável) criticamente, historicamente, quais seriam os passos futuros da humanidade.

Para ele, sendo a mola propulsora do mundo o modo dialético onde uma situação, um tese, inexoravelmente se esgota dando lugar a uma antítese, uma nova situação, o capitalismo, pela própria criação da miséria que lhe é inerente seria desafiado num futuro próximo, donde ocorreria uma das seguintes situações – o proletário organizado em um partido operário forte e consciente, por ser esmagadora maioria, chegaria ao poder de forma revolucionária, jamais pela democracia burguesa (desconstruindo o velho e criando o novo), gerando a ordem proletária de organização social, ou, os capitalistas se reorganizariam em novas ordens gerando reformas (mantendo o velho e mudando apenas a roupagem).

Se tudo desse certo e os proletários organizados e politizados chegassem ao poder, o que teríamos primeiramente seria uma sociedade em que boa parte da propriedade seria estatizada atingindo de morte a propriedade burguesa, e a sociedade seria governada por esse partido representativo das massas.

A Ditadura do proletário, na verdade, significaria o poder da maioria sobre o estado, e não o contrário, o estado acima de todos, como apregoam os menos informados.

A existência de governo e de estado, e nisso marxistas e anarquistas concordavam, ainda seria a manutenção das estruturas arcaicas de poder, por isso, num segundo estágio, com a ampliação da igualdade, da responsabilidade compartilhada e do entendimento que todos, no mundo inteiro são iguais, assistiríamos o nascimento da sociedade comunista, o paraíso na terra, segundo Marx, onde não haveriam governos, fronteiras, nacionalidades e exércitos.

A teoria assustou, como não poderia deixar de ser, os donos do capital. Mas, por algum tempo permaneceu apenas uma teoria.
O que mudaria o mundo, para sempre, seria o dia que a teoria, pela primeira vez seria posta em prática.

Isso aconteceu a partir de outubro de 1917, na Rússia, mas já é outro assunto.

Prof. Péricles

domingo, 28 de dezembro de 2014

MÁSCARA NEGRA


“Quanto riso, oh, quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando
pelo amor da Colombina,
No meio da multidão”

Na marchinha do Carnaval de 1967 de autoria de Ké Kéti e Pereira Matos, Máscara Negra refere-se aos disfarces de carnaval, as máscaras que escondem sentimentos e que caem no final da grande festa.

Pois o ano de 2014 que está se encerrando funcionou, de certa forma, como um grande baile em que, ao final, muitas máscaras que compõem a mitologia que o brasileiro faz de si mesmo, se dissolveram.

A começar pelo mito do brasileiro patriota, que ama sua terra acima de qualquer coisa.

Foi ano de Copa do Mundo de futebol no Brasil e muitos desses “brasileiros patriotas” foram vistos torcendo contra a Copa do Mundo, que, por ser um evento internacional, representaria um enorme fiasco para a nação tupiniquim. Pior, muitos desses torceram contra uma das mais sagradas instituições do imaginário patriótico, a seleção canarinho, já que, imaginavam que a conquista do hexa favoreceria a reeleição do governo atual.

Outra máscara miseravelmente espezinhada foi a do sujeito liberal, sem preconceitos. “No Brasil”, dizem os hipócritas, “não existe racismo nem homofobia”.

Em busca de seus direitos políticos os grupos homoafetivos, negros, indígenas e quilombolas, entre outros, foram à luta e tiveram contra si candente e às vezes, grosseira manifestação reacionária. Alguns políticos no exercício de cargo eletivo e outros na condição de candidatos manifestaram sua reprovação à igualdade entre gêneros, o menosprezo a negros, índios, quilombolas, mulheres de pouca roupa ou ainda a oposição ferrenha às cotas raciais. Como que incentivados pelo despudor de seus representantes, muitos abandonaram o discurso politicamente correto e adotaram como canto de guerra as expressões mais chulas do ódio.

No grande baile de 2014, a galera que torceu contra a Copa e a que assumiu a postura do preconceito se juntou a outras legiões que foram desmascaradas, como a turma que apóia à ditadura militar e tudo aquilo que ela representa como seqüestro, estupro, torturas e mortes patrocinadas pelo estado.

Outro duro revés no nacionalismo foi a turma dos puxa-saco dos Estados Unidos que desde 1953 odeiam a Petrobras e entendem que quem sabe mesmo explorar nossas riquezas e ganhar dinheiro com elas são os norte-americanos, um povo que não conhece corrupção e que usa a “saudável” pena de morte contra bandido.

É claro que as máscaras nunca esconderam suficientemente esses sentimentos. A medonha face do reacionário sempre foi bem conhecida, mas, não deixou de ser um carnaval assistir a queda das máscaras negras.

2014, um ano para ficar na história como o ano das máscaras perdidas.

“Foi bom te ver outra vez
Está fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô,
Que te abraçou e te beijou meu amor”

Prof. Péricles

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A HISTÓRIA DO ÓDIO NO BRASIL


Por Fred Di Giacomo

"Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas”. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal.

A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil.

Nós odiamos e amamos com a mesma facilidade. Dizemos que “gostaríamos de morar num país civilizado como a Alemanha ou os Estados Unidos, mas que aqui no Brasil não dá para ser sério.” Queremos resolver tudo num passe de mágica.

Se o político é corrupto devemos tirar ele do poder à força, mas se vamos para rua e “fazemos balbúrdia” devemos ser espancados e se somos espancados indevidamente, o policial deve ser morto e assim seguimos nossa espiral de ódio e de comportamentos irracionais, pedindo que “cortem a cabeça dele, cortem a cabeça dele”, como a rainha louca de Alice no País das Maravilhas.

Ninguém para 5 segundos para pensar no que fala ou no que comenta na internet.

Grita-se muito alto e depois volta-se para a sala para comer o jantar. Pede-se para matar o menor infrator e depois gargalha-se com o humorístico da televisão. Não gostamos de refletir, não gostamos de lembrar em quem votamos na última eleição e não gostamos de procurar a saída que vai demorar mais tempo, mas será mais eficiente.

Somos uma grande família, onde todos se amam. Ou não?

Leandro Karnal diz que os livros de história brasileiros nunca usam o termo guerra civil em suas páginas. Preferimos dizer que guerras que duraram 10 anos (como a Farroupilha) foram revoltas. Foram “insurreições”. O termo “guerra civil” nos parece muito “exagerado”, muito “violento” para um povo tão “pacífico”.

A verdade é que nunca fomos pacíficos. A história do Brasil é marcada sempre por violência, torturas e conflitos. As decapitações que chocam nos presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi. As cabeças dos bandidos de Lampião ficaram expostas em museu por anos.

Em 30 anos, tivemos um crescimento de cerca de 502% na taxa de homicídios no Brasil. Só em 2012 os homicídios cresceram 8%. A maior parte dos comentários raivosos que se lê e se ouve prega que para resolver esse problema devemos empregar mais violência. Se você não concorda “deve adotar um bandido”.

Não existe a possibilidade de ser contra o bandido e contra a violência ao mesmo tempo. Na minha opinião, primeiro devemos entender a violência e depois vomitar quais seriam suas soluções.

Por exemplo, você sabia que ocorrem mais estupros do que homicídios no Brasil? E que existem mais mortes causadas pelo trânsito do Brasil do que por armas de fogo? Sim, nosso trânsito mata mais que um país em guerra. Isso não costuma gerar protestos revoltados na internet.

Mas tampouco alivia as mortes por arma de fogo que também tem crescido ano a ano e se equiparam, entre 2004 e 2007, ao número de mortes em TODOS conflitos armados dos últimos anos.

E quem está morrendo? 93% dos mortos por armas de fogo no Brasil são homens e 67% são jovens. Aliás, morte por arma de fogo é a principal causa de mortalidade entre os jovens brasileiros.

Quanto à questão racial, morrem 133% mais negros do que brancos no Brasil. E mais: o número de brancos mortos entre 2002 e 2010 diminuiu 25%, ao contrário do número de negros que cresceu 35%.

É importante entender, no entanto, que essas mortes não são causadas apenas por bandidos em ações cotidianas. Um dado expressivo: no estado de São Paulo ocorreram 344 mortes por latrocínio (roubo seguido de morte) no ano de 2012. No mesmo ano, foram mortos 546 pessoas em confronto com a PM.

Esses números são altos, mas temos índices ainda mais altos de mortes por motivos fúteis (brigas de trânsito, conflitos amorosos, desentendimentos entre vizinhos, violências domésticas, brigas de rua, etc.). Entre 2011 e 2012, 80% dos homicídios do Estado de São Paulo teriam sido causados por esses motivos que não envolvem ação criminosa. Mortes que poderiam ter sido evitadas com menos ódio.

É importante lembrar que vivemos numa sociedade em que “quem não reage, rasteja”, mas geralmente a reação deve ser violenta. Se “mexeram com sua mina” você deve encher o cara de porrada, se xingaram seu filho na escola “ele deve aprender a se defender”, se falaram alto com você na briga de trânsito, você deve colocar “o babaca no seu lugar”. Quem não age violentamente é fraco, frouxo, otário. Legal é ser ou Zé Pequeno ou Capitão Nascimento.

Nossos heróis são viris e “esculacham”

Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”.

O discurso de ódio invade todos os lares e todos os segmentos. Agora que o gigante acordou e o Brasil resolveu deixar de ser “alienado” todo mundo odeia tudo.

O colunista da Veja odeia o âncora da Record que odeia o policial que odeia o manifestante que odeia o político que odeia o pastor que odeia o “marxista” que odeia o senhor “de bem” que fica em casa odiando o mundo inteiro em seus comentários nos portais da internet.

O discurso de ódio invade todos os lares e todos os segmentos.

Precisamos parar para respirar e pensar o que queremos e como queremos. Dialogar. Entender as vontades do outro. O Brasil vive um momento de efervescência, vamos usar essa energia para melhorar as coisas ou ficar nos matando com rojões, balas e bombas? Ou ficar prendendo trombadinhas no poste, torturando pedreiros e chacinando pessoas na periferia? Ou ficar pedindo bala na cabeça de políticos? Ficar desejando um novo câncer para o Reinaldo Azevedo ou para o Lula? Exigir a volta da ditadura? Ameaçar de morte quem faz uma piada que não gostamos?

Se a gente escutasse o que temos gritado, escrito e falado, perceberíamos como temos descido em direção às trevas interiores dos brasileiros às quais Nélson Rodrigues avisava que era melhor “não provocá-las. Ninguém sabe o que existe lá dentro.”

Será que não precisamos de mais inteligência e informação e menos ódio?

Quando vamos sair dessa infantilidade de “papai bate nele porque ele é mau” e vamos começar a agir como adultos? Quando vamos começar a assumir que, sim, somos um povo violento e que estamos cansados da violência? Que queremos sofrer menos violência e provocar menos violência?

Somos um povo tão religioso e cristão, mas que ignora intencionalmente diversos ensinamentos de Jesus Cristo. Não amamos ao nosso inimigo, não damos a outra face, não deixamos de apedrejar os pecadores. Esquecemos que a ira é um dos sete pecados capitais.

Gostamos de ficar presos na fantasia de que vivemos numa ilha de gente de bem cercada de violência e barbárie e que a única solução para nossos problemas é exterminar todos os outros que nos cercam e nos amedrontam.

Mas quando tudo for só pó e solidão, quem iremos culpar pelo ódio que ainda carregaremos dentro de nós.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

PAPAI NOEL E A COCA-COLA


Em meados do século IV, quando a Igreja começava a ficar realmente poderosa, uma coisa irritava profundamente seus líderes. A teimosia do povo em não abandonar as sacrílegas festas pagãs. Logo a Igreja percebeu que não adiantava nadar contra a maré. O povo curtia suas festas e ponto final. Era algo como o governo hoje querer acabar com o carnaval.

Foi então que os homens da Igreja tiveram uma idéia. Ao invés de combater as festas mundanas por que não trazê-las para a própria Igreja, alterando suas tendências heréticas e dessa forma, controlar melhor o alarido do populacho?

Alguém teve a idéia de aproveitar a farra do “Natalis Solis Invicti”.

“O Nascimento do Sol Invencível” era uma festa animada, em que se comemorava desde tempos imemoriais a chegada do solstício de inverno no hemisfério norte. Muito popular caía sempre entre os dias 21 a 25 de dezembro.

O evento escolhido pela Igreja para ser comemorado nessa época foi o nascimento de Jesus, e o dia, que deveria ser fixo, o 25 de dezembro.

Pronto, nascia assim o natal, que se transformaria com o tempo na maior festa religiosa cristã.

O primeiro natal foi comemorado no ano 354 em Roma.

Cinco séculos depois os alemães introduziram a árvore natalina como uma das atrações do natal. Já o hábito da troca de cartões de natal nasceu na Inglaterra por volta do século XIX.

Já a lenda do Papai Noel, teve origem na Turquia, no mesmo século da introdução da festa em Roma. Nessa cidade vivia um homem da fé cristã, Nicolau Taumaturgo, que, pelo que diz a lenda, costumava doar parte de sua fortuna pessoal aos necessitados, geralmente, de forma anônima. Para a Igreja Católica, um santo, São Nicolau.

Papai Noel, você sabe, vive no Pólo Norte com Mamãe Noel. Fabrica brinquedos o ano todo em sua fábrica mágica auxiliado por inúmeros elfos e na noite de natal sobrevoa o mundo num trenó voador puxado por renas fantásticas.

Mas, a lenda não surgiu pronta. Ela foi se transformando com o tempo e muito do Papai Noel de hoje em dia devemos a Coca-Cola.

Antigamente, Papai Noel era representado com um semblante triste, mas propício a um santo do que aquele velhinho alegre que ri “ho-ho-ho”. Suas vestes eram escuras, próprias para alguém que vive na neve, geralmente verde-escuro.

Quem teve a idéia, pela primeira vez de um Papai Noel mais light e sorridente foi um cartunista alemão chamado Nast que, em 1886 desenhou papai Noel vestindo roupas vermelhas com detalhes brancos, cinta e botas pretas.

Pois, em 1931 a Coca-Cola utilizou a coincidência das cores do Papai Noel com sua própria logomarca e espalhou cartazes e outdoors com Papai Noel de Vermelho e tomando Coca-cola. Foi um enorme sucesso que atravessou fronteiras e mudaria para sempre a imagem do bom velhinho.

Até hoje Papai Noel anda por aí fantasiado de Coca-Cola.

Ainda hoje as crianças se encantam com a lenda. Adultos se esforçam para mante-la viva, todos se recordam de seu tempo, e poucos recordam daquele que, teoricamente deveria ser o mais lembrado, Jesus.

Talvez o marketing da Coca-Cola seja mais forte que o marketing da figura meiga de Jesus, afinal, em tempos de consumo onde faturar é lei, Papai Noel vende, Jesus não vende.

Provavelmente haveria espaço para a alegria infantil e para a reflexão necessária se houvesse entre as pessoas, essa vontade.

Refletir sobre a imortal filosofia de Jesus e sua moral revolucionária.

Não, ninguém quer estragar seus festejos, justos e merecidos que coroam um ano de trabalho que se encerra.

Nem se quer que entre o consumo de perus e castanhas se recorde que 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no Brasil, antes dos 5 anos de idade. Nem que 40% da população mundial vivem em situação de extrema pobreza e que 9% das crianças do mundo inteiro morrem de fome ou de doenças ligadas a miséria.

Isso talvez faça mal à digestão.

Mas, lembrando aquele aquém a festa deveria ser oferecida, reserve um espaço, um cantinho que seja, do seu tempo, para pensar sobre os abandonados da sorte, os entulhos do capitalismo.

Não se resolverá o problema das injustiças sociais e da miséria, mas, combatendo o “nem to aí” e domando seu egoísmo comprometendo-se a um ano de 2015 mais fraterno e comprometido, sua ceia ficará, com certeza, mais gostosa.

Não existe, nem existirá, tempero mais gostoso do que a solidariedade.

FELIZ NATAL!


Prof. Péricles