quinta-feira, 25 de setembro de 2014

TERRA DE NINGUÉM


O início da história do Rio Grande do Sul foi cheia de anomalias, abandonos e guerras. Nada por aqui lembrava nem mesmo a tênue civilidade do nordeste açucareiro. Tudo parecia disperso e mal resolvido.

Aqui nessa terra cortada por ventos personalistas que têm nomes próprios, as habitações eram tão poucas que as distâncias pareciam maiores. Espaços sem fim de gramíneas que gostam do clima frio e do terreno plano, de pequenas ondulações, era a própria materialização da solidão.

Os portugueses não investiam na região porque estava a oeste da linha imaginária de Tordesilhas o que, oficialmente a tornava espanhola. Os espanhóis não a povoavam porque não tinham gente e dinheiro suficiente pra povoar todas as suas terras da América e por isso concentravam-se apenas onde era mais interessante economicamente, como nas terras cheias de ouro do México e a prata do Peru, ou em áreas estratégicas como a entrada da Bacia do Prata, onde fundaram Buenos Aires e Montevideo.

Definitivamente, o “Continente do Rio Grande” não era uma prioridade.

No início do século XVII um grupo anômalo se interessa em vir pra cá. Os Jesuítas. Não aqueles jesuítas identificados com Anchieta e Manoel da Nóbrega, que falavam português e fundavam colégios. Não, eram jesuítas que falavam espanhol e que vinham do centro da América, da região onde hoje está o Paraguai. Apesar do idioma, não eram subalternos ao rei de Espanha e seus planos tão secretos que se perderam na história.

Aqui, nessa terra abandonada e sem dono iniciaram a construção de reduções, entraram em contato com os índios locais e propuseram a política do “aceite”. “Aceite (índio) a minha religião, minha fé e meu Deus e terá minha proteção.” Introduziram o gado e as pequenas culturas.

Foram atacados e expulsos por seus inimigos mortais, os bandeirantes, em 1637, mas retornaram em 1680 iniciando a construção das Missões, um notável conjunto arquitetônico de morada e defesa. Ao longo de 70 anos construíram 7 povoamentos missioneiros a leste do Rio Uruguai, os “Sete Povos” que se interligavam e se comunicavam entre si e com outras 30 espalhadas pelas terras que atualmente formam o norte da Argentina e o Paraguai.

Outros estranhos esbarravam-se com os jesuítas.

Bandeirantes paulistas, refugiados, aventureiros castelhanos, portugueses e bandidos e salteadores de outras línguas.

A terra era de ninguém, o Minuano soprava trazendo o frio dos Andes e viver aqui era verdadeira loucura. Quase não havia mulheres e quase não havia esperança.
Como nada é tão ruim que não possa ficar pior, em 1680 os portugueses resolvem que a Linha de Tordesilhas não existe mais, ultrapassam os limites e no coração do atual Uruguai fundam a Colônia de Sacramento.

Os espanhóis sentiram a fundação de uma colônia portuguesa no seu lado de Tordesilhas como um espinho encravado na carne e imediatamente deram início a guerras que se estenderiam por mais de 100 anos.
(Continua)


Prof. Péricles

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

MAUS MODOS



Por Luis Fernando Veríssimo


Se fossem os índios que tivessem desembarcado em Portugal e ficado, pode-se imaginar o que estaria acontecendo por lá hoje, 500 anos depois. A irritação dos portugueses com os visitantes teria chegado ao máximo, e ninguém disfarçaria seu descontentamento. “Mas esses gajos não vão embora?” Passados 500 anos, e não havendo mais dúvidas de que os visitantes não eram turistas, só a boa educação explicaria que a visita se prolongasse sem protestos, sem nenhuma indireta.

Foi a boa educação dos nativos daqui que permitiu aos portugueses e outros europeus se estabelecerem no Brasil. Houve revoltas esparsas, é verdade, mas foram exceções. Em geral, os índios foram amáveis com os visitantes. Gostaram dos brancos e até comeram alguns, no que podem ser descritas como provas de afeição extrema. É possível que a tolerância com os “descobridores” se devesse a, mais do que bons modos, um mal-entendido. Haveria a expectativa entre os nativos de que os portugueses cedo ou tarde iriam embora. Quem fica na terra dos outros durante tanto tempo sem ser convidado?

O mal-entendido e os bons modos atravessaram a história da conquista do Novo Mundo, que só era novo para os conquistadores, pois estava aqui, e habitado, há séculos. Roubo, genocídio, catequese forçada, tudo teria sido tolerado com o pressuposto de que era temporário. Afinal, por pior que uma visita se comporte em sua casa, existem os deveres da hospitalidade. Vá que a visita se sinta ofendida por alguma reação impensada e decida ficar ainda mais tempo.

Finalmente, 500 e tantos anos depois, não parece haver mais dúvida de que não era apenas uma visita e os invasores não eram turistas. Acabou o mal-entendido e acabaram os bons modos. A nova insubmissão às mentiras da História oficial é uma insubmissão a todas as versões oficiais de todas as histórias de subjugação e exploração neste lado do mundo e serve como padrão para a revolta contra qualquer tipo de “bullshit”, ou bosta de touro, vigente, como a da nossa velha e conveniente cordialidade e nossa harmonia racial.

Negros brasileiros – para pegar apenas um exemplo de maus modos – se revoltam contra antigos estereótipos, levantam a voz contra uma história decididamente malcontada e pedem justiça mesmo que tardia.

Já os índios, se pudessem, proporiam aos portugueses devolver os espelhinhos e as miçangas e receber de volta o Brasil. Mas isso seria, literalmente, pedir demais.


domingo, 21 de setembro de 2014

VOTO OBRIGATÓRIO



Muitos brasileiros associam democracia com eleições. Cidadania com direito ao voto.

Essa idéia extremamente inibidora do conceito de democracia não sobrevive a um raciocínio rápido sobre o que seja o voto e sua história no Brasil.

O voto obrigatório, por exemplo, é uma das heranças mais arcaicas do autoritarismo ainda em vigor no nosso país.

O voto obrigatório é uma bizarrice, mas não a única.

No período colonial quando o voto se restringia à escolha dos “homens bons” que formavam as câmaras municipais, o analfabeto, imensa maioria nessas terras votava através do “voto cochichado”, isso é, uma pessoa, geralmente funcionário do rei, ouvia em quem os que não sabiam escrever desejavam votar.

No período Monárquico, tivemos o voto censitário, definido na Constituição de 1824 e em vigor durante todo o período (1822-1889).
Esse tipo de voto só permitia que fosse eleitor aquele que comprovasse uma renda mínima anual (100 contos de réis).
Por incrível que pareça, o voto censitário era considerado democrático, pois, seus defensores argumentavam que era um estímulo ao trabalho e à riqueza do não eleitor que desejasse votar nas eleições seguintes.

Os analfabetos continuaram votando durante o Império, pois o “voto cochichado” sobreviveu, mas, em 1881 perderam esse direito graças a promulgação da Lei Saraiva (Decreto 3029 de 9 de janeiro de 1881) que instituiu o chamado “voto literário” proposto por Rui Barbosa que exigia que o eleitor soubesse ler e escrever corretamente.

Na primeira república brasileira, o voto foi definido pela Constituição de 1891. Não era mais censitário e sim universal.

Poderiam votar todos os cidadãos brasileiros, menos, e isso é muito importante, menos, mulheres, analfabetos e alguns postos religiosos e militares. Em outras palavras, era universal, mas excluía a maioria.

Além disso, o voto da República Velha, não era secreto, e sim, a descoberto, não havia justiça eleitoral e as eleições eram fiscalizadas pela Comissão Verificadora, um órgão do próprio governo.

Com a criação do Código Eleitoral e da Justiça Eleitoral no país em 1932, começa nova batalha dos analfabetos para reconquistar o exercício do voto. No entanto, sucederam-se governos e regimes, vieram novas Constituições (1937, 1946, 1967) e o voto permaneceu proibido às pessoas analfabetas.

O voto de nossa atualidade está estabelecido no seu artigo 14 “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Estabelece a obrigatoriedade do voto a partir dos 18 anos no inciso I do parágrafo primeiro, e facultativo para os maiores de 16 e menores de 18, e ainda para os acima de 70 anos no seu inciso II.

A reforma política proposta pela Presidenta Dilma através de uma constituinte específica, deverá, necessariamente discutir a obrigatoriedade do voto.

Afinal, se o voto por si mesmo define a democracia, indubitavelmente que melhor seria que ele fosse totalmente facultativo, visto que preserva o direito de quem não quer votar e ainda, permite que o índice de abstenção, seja reconhecido também, como a expressão do povo em relação à satisfação com os políticos que o representam.

Se temos hoje, muitas conquistas a comemorar, o voto obrigatório ainda é um atraso a ser superado.


Prof. Péricles

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

UM PAÍS DE MENTIRAS - 02





Após o fim da Monarquia nosso país continuou vocacionado às mentiras.

Para valorizar o preço do café, em 1906, o governo passou a comprar o próprio produto para retirá-lo do mercado diminuindo a oferta e forçando a valorização do produto no mercado internacional. Todos os brasileiros pagavam para manter a mentira do café valorizado (Convênio de Taubaté).

Fizemos em 1930, uma revolução que manteve as mesmas bases sociais anteriores, e, em 1932 São Paulo se puxou, produzindo um grande espetáculo mentiroso, a Revolução Constitucionalista Paulista, que não era revolução, bem pelo contrário, de certa forma era reacionária, não era Constitucionalista porque o presidente (Getúlio Vargas) já havia convocado uma constituinte, e não era apenas paulista devido ao dinheiro apoio de grupos do Rio Grande do Sul, inimigos de Vargas.

Foi o único país da América do Sul a enviar jovens pra lutar na Europa durante a segunda guerra mundial, numa guerra que não era sua, após torpedeamento de navios brasileiros por submarinos pretensamente alemães, mas, até hoje não identificados.

Após Getúlio Vargas vem um período em que as mentiras se multiplicam.

Um presidente que jurava desenvolver o país na proporção de cinquenta anos em cinco, Juscelino criou a imagem de um Brasil que se desenvolvia, mas isso era mentira, pois o desenvolvimento era financiado por empresas estrangeiras que encontravam no Brasil um verdadeiro Édem.

Outro Presidente jurou que iria varrer a corrupção do país e leva-lo ao desenvolvimento real. Em apenas oito meses de governo, antes de renunciar estupidamente, Jânio Quadros reatou relações diplomáticas com a Rússia e condecorou o herói revolucionário Ernesto Tche Guevara, enquanto, internamente, fortalecia as forças anticomunistas do país.

E teve ainda um presidente comunista que nunca foi comunista, João Goulart, derrubado por um golpe militar brasileiro, financiado e orquestrado pelos Estados Unidos.

No país que adora mentiras, a Ditadura Militar durou 20 anos, sendo que em metade desse período jurou não ser uma ditadura, manteve a Constituição embora governasse por Atos Institucionais e Decretos e permitia a existência de um Partido de Oposição, o MDB, desde que esse não fizesse oposição. A outra metade a ditadura usou para desmanchar a barraca e voltar para os quartéis, não sem antes outorgar uma Lei de Anistia que perdoava a si mesma, aos torturadores e aos falecidos torturados.

E o Brasil não teve eleições diretas ao fim da Ditadura, mas teve um presidente popular eleito por via indireta (Tancredo Neves) que morreu sem governar um só dia.

Um Plano econômico que congelou preços e salários em 1986, até o governo do PMDB vencer as eleições de 15 de novembro, acabando o Plano e subindo tudo junto com uma gigantesca inflação. Já, no dia 16.

Fomos por muitos anos o 8º PIB do mundo, mas sempre tivemos os pobres mais pobres do planeta.

Elegemos um presidente em cima de suas ideias, que pediu para esquecê-las assim que chegou ao poder, o mesmo que fumava maconha mas não tragava. Como confiar em alguém que fuma mas não traga?

O Brasil, um país que nega existir racismo, onde membros de igrejas evangélicas classificam homossexualismo como doença, mas não respondem por homofobia, onde se estigmatizou ser de um dos povos mais pacíficos do mundo e que, entretanto massacrou outro país até as raias do inimaginável (o Paraguai) é realmente um país vocacionado e fadado às mentiras.

De certa forma, a história do Brasil tem, por isso mesmo, um pouco de drama e um pouco de comédia.
E seu povo, um pouco de vítima e um pouco de cúmplice.


Prof. Péricles












domingo, 14 de setembro de 2014

REVOLUÇÃO FARROUPILHA, O MITO


O movimento farroupilha, como em todos os anos, sacode o estado do Rio Grande do Sul, em comemoração ao início das ações militares em 20 de setembro de 1835 (179 anos).

Envolto em lendas e mitos a Guerra dos Farrapos criou uma imagem aceita e defendida pela imensa maioria dos gaúchos. Por isso mesmo, é assunto espinhoso, já que algumas críticas necessárias para entender melhor o fato, provoca reações, no mínimo, de desconforto, inclusive, entre professores de história.

Segundo a imagem romanceada, a “Revolução Farroupilha” foi a luta e o sacrifício do povo gaúcho, unido contra o Império opressor que, sediado no Rio de Janeiro, era surdo às necessidades da Província. Uma luta inglória, do Rio Grande contra todos, em nome da liberdade, do fim da escravidão e por uma república independente.

Vamos analisar melhor esse manancial de mitos.

1. Começando pelo próprio nome. A “Revolução Farroupilha” jamais foi uma revolução. Revoluções são fenômenos transformadores, que não apenas reformam, mas, redefinem sistemas, economias, sociedades, etc. O movimento Farroupilha começou como mais uma das revoltas regenciais que se multiplicaram no período 1831-1840, tornou-se Guerra Civil com a Proclamação da República Rio-grandense, em 1836 e jamais foi vista além de uma rebelião pelo governo imperial. Além de não propor alterações sociais profundas o movimento era conservador, visto ser liderado totalmente por grandes estancieiros, a elite local, e seus aliados.

2. Sua causa principal foi o descaso com que o governo central tratava a concorrência sofrida por nossos produtos pelos produtos platinos, particularmente, o charque.

Na verdade, embora o governo dos regentes não primasse pela atenção das necessidades das elites estancieiras, o buraco era mais embaixo. A desvantagem do charque, por exemplo, devia-se ao fato de ser produzido por mão de obra assalariada no Uruguai e mão de obra escrava no Rio Grande do Sul. Na época, o trabalho escravo já não era rentável e perdia em produtividade para o trabalho assalariado, com o que, podemos concluir que, a maior responsabilidade pela desvantagem econômica era estrutural (a escravidão) e não comportamental, como sugeriam os líderes farroupilhas.

3. A guerra foi uma luta entre o Brasil contra os gaúchos.

Para essa afirmação fazer sentido, seria necessário o apoio unânime ou quase unânime da população gaúcha ao movimento. Isso jamais aconteceu. A maior parte da população do Rio Grande do Sul permaneceu fiel ao Império e indiferente aos apelos por uma união contra o Brasil. Porto Alegre, por exemplo, a capital da Província, sempre foi em sua quase totalidade inimiga dos farroupilhas. A “Bronze” (de onde vem a denominação de altos da bronze, no centro histórico), a mais famosa prostituta de Porto Alegre, era uma entusiasmada propagandista do império, e levava a defesa da manutenção da união do Rio Grande ao Brasil a todos os seus clientes.

4. O movimento era libertador, pois pretendia abolir a escravidão.

Embora alguns líderes como Antônio de Sousa Neto fossem abolicionistas convicto, o comando maior farroupilha sempre assistiu uma disputa em relação a essa idéia. No final do conflito os abolicionistas foram afastados do comando e gente como David Canabarro e Vicente da Fontoura, em segredo, negociaram de forma abominável um fim que mantivesse a escravidão na província mantendo, porém a farsa de que isso era uma exigência apenas dos imperiais. O criminoso ato de Porongos, quando os lanceiros negros, desarmados, foram dizimados, fala por si só.

5. A Guerra terminou com um tratado digno, o Tratado de Ponche Verde, em que o Império reconheceu a bravura dos farrapos e a dificuldade de vencê-los, não punindo suas lideranças e mantendo-os no exército, com a mesma patente que exercia nas forças farroupilhas.

O que aconteceu em Ponche Verde, não foi um tratado. Para se ter uma idéia, homens como Bento Gonçalves, Antônio de Sousa Neto e o próprio Duque de Caxias, jamais assinaram o documento, o que o caracteriza muito mais como um conchavo entre grupos do que um Tratado de Guerra. Além disso, o governo brasileiro sabia bem que os tempos muito próximos trariam conflitos armados com Argentina, Uruguai e Paraguai e por isso, precisava daqueles militares experientes e profundos conhecedores da região, sendo essa a causa real da manutenção da ordem militar.

O direito à tradição e as lendas é inalienável dos povos, mas, maior é o direito do conhecimento das verdades históricas dos fatos.


Prof. Péricles










UMA SEMANA PARA NÃO ESQUECER


por Saul Leblon

A semana termina com uma inflexão na disputa presidencial que devolve a reeleição da Presidência Dilma ao topo das apostas. A evidência mais óbvia está na convergência das pesquisas.

Mas são as decisões políticas que cavalgam os números. A elas devem ser creditadas as lições de uma semana para não esquecer --seja para orientar o passo seguinte da atual disputa, ou o futuro que vier depois dela.

Em sete dias, a candidatura progressista passou a ditar o ritmo do jogo: todos os levantamentos apontam na direção de uma vantagem ascendente de Dilma no 1º turno, com liquefação da liderança de Marina na fase final do pleito.

O empate técnico no 2º turno --43% a 42%, com Marina à frente, sinalizado pelo Ibope desta 6ª feira, deixa no ar um leve aroma de virada.

No início do mês, o Datafolha buzinava a hipótese de uma vitória esmagadora de Marina, que àquela altura abria uma vantagem de 10 pontos sobre Dilma no returno da eleição (50% x 40%).

Há uma semana, o Ibope indicava que a vantagem caíra para ainda apreciáveis sete pontos (46% a 39%).

As mudanças na superfície refletem correntezas que antecipam o rumo da marcha.

Por exemplo: a percepção positiva do governo melhorou.

Expressiva maioria dos brasileiros –cerca de 70% do eleitorado considera a administração Dilma entre regular (33%) e ótimo/bom (38%).

O percentual de ótimo e bom cresceu sete pontos desde junho.

A candidata Dilma ainda enfrenta elevada taxa de rejeição (42%). Mas a Presidenta vê sua aprovação crescer lentamente: ganhou sete pontos para somar agora robustos 48% (41% em junho).

O que falta para essa aprovação flutuante se traduzir em apoio efetivo à reeleição?

A pergunta é pertinente diante da mudança observada no humor do eleitorado, mas, sobretudo, das possibilidades abertas por novidades que vieram para ficar.

Os 11 minutos disponíveis pela coligação de Dilma no horário eleitoral abriram uma clareira em uma narrativa econômica articulada à especulação financeira, e determinada a materializar a profecia de um nação demolida, embora no limiar do pleno emprego.

O BC anunciou uma expansão do PIB de 1,5% em julho --a maior taxa dos últimos seis anos para o mês. No mesmo dia a Bovespa desabou.

O que explica o paradoxo de uma Bolsa que esfarela quando a economia se expande, e isso é reportado pelo colunismo isento como sintoma de uma economia em estado terminal?

Explica-o a perda de densidade da candidatura ostensivamente simbiótica com os interesses do mercado financeiro.

A segunda lição da semana não é estranha a essa, mas reveste-a de maior abrangência.

O fato é que a reordenação das intenções de voto em direção à Dilma dificilmente teria ocorrido não fosse a determinação política de usar essa janela de informação para transmitir uma mensagem clara ao eleitor.

Ela foi formatada, como registrou Carta Maior (leia ‘A arca de Marina e o dilúvio antipetista), depois que a direção do PT fez um balanço crítico da campanha no último dia 5, em São Paulo. Foi também quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso à militância, encarou a perplexidade petista diante da desabalada liderança de Marina nas pesquisas até então.

Em duas frases, Lula esquadrejou a areia movediça ao redor e identificou um pedaço de chão firme onde instalar a alavanca para uma reação: ‘Nós ficamos economicistas; não nos faltam obras, mas política’, diagnosticou para prescrever o antídoto: ‘Temos que demarcar o campo de classe dessa disputa: é preciso levar a política à propaganda’.

A partir de então a essência radicalmente neoliberal embutida no programa de Marina Silva passou a ser floculada do espumoso caudal de 241 páginas .

Na mesma chave narrativa, a Presidenta Dilma passou a dar nomes aos bois. E ao berrante, que alguns preferem chamar de educadora, embora funcione como um agregador da boiada e de tudo o mais que acompanha o tropel.

A eleição está longe de ser definida a favor do campo progressista. Há flancos preocupantes.

O Nordeste não é mais uma trincheira coesa; Dilma não terá palanques em estados onde candidatos a governo do PT estarão fora do 2º turno; a mídia e o dinheiro grosso não vão desperdiçar a chance real de vitória à bordo da desfrutável candidata que lhes oferece o carisma que nunca tiveram. Num 2º turno, a vantagem do tempo de televisão desaparece.

É tudo verdade. Mas quem relativiza o que aconteceu nos últimos cinco dias não entendeu o principal.

O PT e sua propaganda redescobriram que não se faz política sem definir o adversário, dizer o que ele representa, por que deve ser derrotado, as perdas e danos de se entregar o país ao seu corolário de poder.

Isso não é pouco.

Em dúvida, recomenda-se rever a sabatina de Dilma à equipe de colunistas do Globo, realizada na última sexta-feira.

Estava todos lá, as mais ostensivas cepas do conservadorismo midiático, em sua gordurosa peroração de sempre: o Brasil é uma cloaca entupida de corrupção e desgoverno.

Dilma deu-lhes um banho com o sabonete desfolhante da clareza técnica esfregada com a bucha da argúcia política.

Tirou o couro. E expôs a matéria bruta dos interesses por trás da santa inquisição, reduzida a um auditório gaguejante, diante da consistência e desenvoltura da entrevistada.

Confira abaixo. É o corolário encorajador de uma semana para não esquecer:

http://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/sabatinas-o-globo-com-os-candidatos-a-presidente-1.html