quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

ANÁLISE 2013: MOVIMENTO DE JUNHO NÃO TEM DONO



O ano de 2013 destruiu velhos conceitos conservados com o vinagre do mau humor acerca do comportamento do brasileiro, especialmente dos jovens, que seria marcado pela apatia, sendo, por isso mesmo, um povo (uma juventude) alienado e facilmente manipulável.

Pois, o grande fato do Brasil, em 2013, foi justamente, o povo, a partir de sua juventude, nas ruas.

Ao que parece (a falta de certezas é característico no que aconteceu) tudo começou com um movimento de protesto em relação ao preço do transportes urbanos. Surgiu até uma organização, mais ou menos organizada, denominada de MPL – Movimento pelo Passe Livre, que buscou capitanear as ações iniciais.

Mas, o movimento engrossou, e, de repente, em suas fileiras surgem novos elementos e novas reivindicações, ao que tudo indica, sem uma pauta previamente delineada.

Contra a corrupção em geral, contra a PEC 37, contra a Cura Gay, contra a Copa do Mundo no Brasil, contra a mídia oficialista, contra a violência, etc.

Iniciando em São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis, Manaus, Belo Horizonte e sendo, reprimidas com violência pela polícia, as Marchas espalharam-se por todo território nacional provocando a perplexidade das autoridades que hesitam entre reprimir e consentir.

Tudo ocorreu de forma muito ligeira e, aparentemente, espontânea, tanto que, tapou de ridículo muitos pseudo-intelectuais que tentaram definir e reduzir o movimento a algo que fosse mais apetecível aos seus “profundos conhecimentos e arraigadas certezas”.

Teve até “comentarista” de tele-jornal virando celebridade internacional por sua estupidez, sendo mostrado criticando tudo aquilo de forma jocosa e com desdém num dia e sendo obrigado a pedir desculpas no dia seguinte.

Os movimentos de rua de junho no Brasil destruíram convicções e conceitos. Quanto mais se tentava defini-lo, mais indefinições eles apresentavam.

Além de expor estúpidos que se acham intelectuais expôs intelectuais de conceitos estúpidos. Numa velocidade acima do que as idéias podiam compor apresentou novos atores e caminhos.

Acima de tudo, os movimentos de rua de junho de 2013 não tiveram dono. Alguns tentaram assumir a paternidade e utilizá-la como instrumento partidário de oposição ao governo federal, mas a jogada gorou.

Foram movimentos de esquerda, nos moldes anarquistas de questionar a ordem burguesa constituída, onde os Black Bloc (encapuzados que partiam para o conflito e o quebra-quebra) eram a ponta, ou movimentos de direita, nos moldes fascistas onde os Black Bloc representavam o extremismo em busca da violência gratuita?

Houve alguma ligação externa com outros movimentos do tipo “Primavera Árabe”, “Protestos da Turquia” (que foram na mesma época), “Occupy Wall Street”?

Se tudo isso beneficiará opositores do atual governo, o quanto pesará nas próximas eleições e se haverá movimentos similares, teremos que aguardar 2014 para fazer qualquer análise.

Ainda para serem respondidas essas e outras perguntas, fica a certeza de que, os movimentos populares de junho, com manifestações em quase 500 cidades brasileiras, incluindo todas as capitais e que moveu milhões de brasileiros, foi o grande fato político do ano.


Prof. Péricles







domingo, 5 de janeiro de 2014

DAI A CESAR O QUE É DE CESAR



Um fato marcou tanto os Evangelistas que acabou sendo relatado, não por um, mas por três deles (Mateus 22:15-22, Marcos 12:13-17 e Lucas 20:20-26) dá conta que, certo dia, a banda que fazia oposição a Jesus, não tendo nenhum candidato capaz de ameaçar sua credibilidade, teve uma ideia genial para deixa-lo na maior saia justa.

Naquela época havia um ódio surdo dos judeus contra o Império Romano, que após conquistar toda a região da Palestina cobrava, como era de praxe de todos as suas províncias, impostos considerados extorsivos. A maracutaia do pessoal da mídia foi o seguinte: no meio de intensa atividade, com Jesus cercado de ouvintes por todos os lados, vigiado até pelo STF dos fariseus, lançaram a seguinte indagação (antes elogiaram Jesus uma barbaridade como é comum nos canalhas): mestre, Roma nos cobra impostos diariamente. Alegam que isso é necessário para a o pagamento da dívida externa do Império, perguntamos ó mestre, é justo que nosso povo sofrido, pague esses tributos sendo que nosso impostômetro já anda pelos dez dígitos?

Veja só que obra-prima de hipocrisia, coisa até parece articulada pelo Dem (não, não o Partido, mas o demônio). Se Jesus diz “Não, de jeito nenhum, o imposto é um abuso” ele seria dedurado como esquerdista, subversivo (ou terrorista, expressões que essa turma adorava) e que estaria preparando uma guerrilha urbana para expulsar os bons romanos da terra santa e Guerrilha urbana, todos sabem, é coisa de comunista. Jesus, provavelmente seria preso.

No entanto, se ele dissesse que era justo, que o imposto voltaria como investimentos sociais do governo, a turma do DEM o chamaria de populista, defensor de vagabundos e de Bolsa Invasor e, ainda por cima o taxariam de traidor de seu próprio povo.
E agora pensaram os apóstolos... game-over?

A multidão se calou. Segundo Marcos dava pra ouvir uma mosca voando.

Jesus, mestre sereno e sábio estende a mão e pede uma moeda. Após examina-la pergunta “de quem é essa cara retratada nessa moeda?” Oh é de Cesar mestre, responderam todos, oposição e situação, e então, complementa o nazareno “pois daí a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.

Bingo! Perfeito! Ferrou a galera lazarenta do Dem e de outros pássaros.

Numa só frase Jesus destruiu o plano macabro e a pergunta, aparentemente irrespondível, foi amplamente respondida.

O Brasil é um país soberano que não sofre cobrança de tributos de qualquer povo invasor.

Mas temos muitos fariseus em nosso meio. Não só ao pé do monte e sobre as margens dos lagos, mas por todos os lados e em todos os canais.

Esses fariseus já governaram o Brasil em várias outras situações e nunca conseguiram construir nada parecido com uma sociedade mais justa, como apregoava Jesus.
Mas adoram dar palpites e criar situações negativas.

Aqui 10% da população detém 49% da renda (segundo o IBGE).

Temos não apenas gente que é contra o Bolsa Família como também quer o que é de César, de Paulo, de Maria e de João. O que é meu e o que é de todos.

Gente que quer tudo, concentrar a posse da terra e do capital, comandar as oportunidades e que odeia pagar impostos. Imposto, aliás, segundo os neoliberais, que são os novos fariseus, deveria ser pago apenas por pobres para pagar ações de filantropia.

“Investimentos sociais são intervenções indevidas no estado na economia” dizem, e “para que existe o Criança Esperança?” especulam.

Talvez fosse a hora de alguém pegar nossa moeda, que retrata imagens de nossos animais nacionais, nossa natureza e ecossistemas e lançasse ao ar a indagação: “Afinal, a quem pertence esses tesouros”?

Prof. Péricles



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

ANÁLISE 2013:O XEQUE-MATE DO ANO


O fato marcante na política externa em 2013, pelas suas potencialidades de definição dos tempos futuros foi a surpreendente reversão de expectativas na Síria, ameaçada de ataque pelos Estados Unidos e OTAN, dados como certos e inevitáveis por comentaristas de política externa de nossa mídia.

A Síria acabou não apenas não sendo atacada, como saí fortalecida dos acontecimentos.

Antes, alguns fatos devem ser relembrados:

- o Oriente Médio é a região de maior produção de petróleo no mundo. Acreditam os especialistas que ainda exista petróleo para até o final desse século e, embora muito se tenha investido em fontes alternativas, o petróleo continua e continuará sendo a matriz preferida de produção;

- até por isso, a região tem sido área de intensas disputas políticas e militares onde os Estados Unidos possuem três históricos aliados: Israel, Arábia Saudita e o Kwait. Também tem peso e importância auxiliar o apoio do Iraque, da Turquia e do Egito.

- Rússia e China, potências militares e políticas, possuem penetração menos alicerçada, porém constante, com o apoio do Irã e, e muito especialmente, da Síria.

- os ataques de 11 de setembro de 2001 desencadearam uma reação militarista e beligerante dos Estados Unidos na região. Foram acionadas ações de monta, com ataques pontuais e que, em seu somatório, deveria levar ao controle político e estratégico total do Oriente Médio, como podemos ver:


1. Em 07 de outubro de 2001, os Estados Unidos bombardeiam e invadem o Afeganistão, derrubando os Talibãs, uma quadrilha de sanguinários, do poder. Os talibãs eram aliados, mas não eram completamente confiáveis aos ianques e a desculpa oficial é a procura por Osama Bin Laden. Mas o Afeganistão torna-se um atoleiro em que todos os dias morrem soldados americanos atacados por fantasmas, tornando impossível a retirada do país.

2. Em 20 de março de 2003 os Estados Unidos invadem o Iraque derrubando seu histórico aliado Saddam Husseim (que havia se tornado inimigo ao invadir o intocável Kwait em 1990). Este posto já era seu e a queda de Saddam, além de não acrescentar nada abre uma luta interna que pode levar a maioria xiita que era contida por Saddam, ao poder. Foi, na verdade, um gol contra de George Bush.

3. Em 11 de fevereiro de 2011, nas águas de uma tsuname chamada de Primavera Árabe, os Estados Unidos não conseguem evitar a queda de seu aliado Hosni Mubarak, eterno presidente do Egito. Mas, em 22 de agosto do mesmo ano, usando velhos acordos militares com os aliados ocidentais, conseguem derrubar o antigo inimigo Muamar Kadafi, da Líbia. Embora Kadafi esteja velho e seja um cão (como foi apelidado no passado) que não morde mais, os EUA aproveitam para colocar no poder, aliados que lhe serão úteis numa cartada mais decisiva, a Síria.

Assim chegamos ao ponto. A questão da Síria e as novidades nesse jogo de xadrez.

Embora o governo de Bashar AL-Assad não seja nenhum primor de democracia, possui apoio da maioria da população e representa na região os interesses contrários à Israel e aos Estados Unidos. Assad tem mantido a Síria em paz, num exercício incrível de tolerância, as vezes concedendo aos extremistas islâmicos determinadas demandas, outras aos cristãos, mantendo o controle sobre os xiitas e sunitas, abrigando milhares de refugiados palestinos e impedindo atrocidades.

Os rebeldes ao seu governo foram evidentemente armados e financiados pelo ocidente. O plano parecia óbvio: apoiando os rebeldes e derrubando Assad, mais ou menos como foi com Kadaffi na Líbia, a porta para o ataque final ao Irã (hoje a maior preocupação militar do ocidente) estaria aberta. Juntando-se o apoio territorial da Turquia seria fácil demais. Derrotando o Irã e impondo um governo aliado no lugar dos Aiatolás, o cerco estaria fechado. Game-over. Não haveria mais contestação ao império dos Estados Unidos.

Justamente nesse ponto, quando tudo marchava nesse sentido, Obama já tinha amordaçado o congresso e a opinião pública já estava bem abastecida de fatos que levavam a crer que a Síria é uma potência em armas químicas que matava sua própria gente, e Assad um novo Hitler, surge uma pedra no meio do caminho, chamada Vladimir Puttin.

O mandatário soviético, primeiro, ordenou que navios de guerra e porta-aviões estacionassem na região em evidente recado à Obama. Em seguida, apresentou uma proposta a Bashar AL-Assad (e ao mundo) que desconsertou os americanos. Sob vigilância de especialistas da ONU, o governo Puttin, diretamente, se responsabilizaria pelo desarmamentos sírio de qualquer armamento químico. A Síria aceitou, e o cachimbo de Obama caiu.

O governo americano que não convencera plenamente a opinião pública e nem mesmo os próprios militares da necessidade de um ataque, ficaram, literalmente, sem ação. Não havia como impor uma guerra nessas condições e foram obrigados a recuar.

As conseqüências prometem ser tanto surpreendentes, como radicais.

Arábia Saudita e Kuwait, que apoiavam publicamente um ataque a Síria se desgastaram muito no mundo árabe e perderam preciosos pontos de força e credibilidade.

A Rússia volta a ter um peso respeitável nesse jogo que a China promete acompanhar o movimento.

Uma das surpresas de tudo isso é a incrível reaproximação dos Estados Unidos com o Irã, de governo novo, menos beligerante e mais negociador. Isso implicará no enfraquecimento de Israel e na necessidade desse país de buscar negociações diretas com os palestinos para recuperar espaços.

A política internacional é versátil e no Oriente Médio muda, muitas vezes, com uma velocidade alucinante. O ano de 2014 promete apresentar novidades na região mais conflagrada do globo. Talvez começamos apenas a assistir o desmonte da grande máquina de guerra que os americanos montavam e uma reviravolta no seu plano de dominar a produção de petróleo de forma quase monopolista.

Prof. Péricles

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MENSAGEM DE FIM DE ANO


Nosso trabalho visa acompanhar os fatos que compõem a nossa atualidade e, na medida do possível, buscar, juntos, compreender melhor o mundo que nos cerca.

Outro dos nossos objetivos é repensar os fatos históricos, tanto do mundo, como do Brasil, sob uma nova visão, ou, ao menos, numa visão mais humanista.

Todos os que tiveram o prazer de ter alguém na sua cabeceira dizendo “era uma vez...” sabem o quanto a forma de contar os fatos pode nos aproximar ou distanciar da narrativa. É de quem conta a função de não permitir que a história perca o seu fascínio, algo, infelizmente, muito comum em nossas escolas.

Em 2013 postamos 128 textos e tivemos a enorme satisfação de receber 16.200 acessos.
Para um blog modesto e sem patrocínio, é um número bem significativo, Tanto que o Google AdSense entrou em contato perguntando (na verdade, sugerindo) sobre interesse em incrementar o blog e fazê-lo gerar dinheiro.

Agradeci muito pelo inesperado contato, mas, preferimos ficar do mesmo jeito que estamos desde que começamos: um blog de amigos e para amigos, com muito prazer.

Bata-nos saber que não estamos sozinhos. Se somos lidos, existimos.

Conforme revelação deles que pudemos posteriormente comprovar, quando alguém seleciona um assunto em procura, o nosso blog é umas das primeiras ou a primeira opção que aparece (confiram).

Mas, essa mensagem não é para presepadas. Não, o orgulho fica lá fora. Essa mensagem é para agradecer.

Agradecer a todos que visitaram o blog, leram os textos, encaminharam comentários ou ampliaram a discussão em aula ou não.

Agradecer a todos os queridos amigos e amigas, primos, primas, alunos, colegas, enfim a todos os que prestigiaram o trabalho esse ano.

Um abraço especial no Marcos Santos por tudo que ele representa de apoio e estímulo. Sem ele o blog provavelmente já não existiria.

Também abraço especial nos queridos amigos Hilton, Luis Carlos, Eduardo, Helena, com suas sugestões de assuntos e discussões.

E um beijo e um abraço fraterno na mais linda família do sul do Brasil, a maluca e hiperativa família Rocha. Recebo todos os dias, as energias que vocês emanam de carinho, solidariedade e parceria.

Esperamos contar com vocês no ano que começa. Por favor, sua companhia nos deixou mal acostumados e não podemos mais escrever sem saber que estão aí.

Que a liberdade se fortaleça, que as transformações aconteçam dentro de nós, pois, quando mudamos as mentes, mudamos o universo!

Um brinde.

Feliz 2014 para todos nós!

Prof. péricles

domingo, 29 de dezembro de 2013

NÃO ESTOU VENDO FANTASMAS



Stuart Angel, militante do MR-8, foi assassinado sob tortura, amarrado com a boca presa ao cano de descarga de um automóvel. Sua mãe, Zuzu Angel, famosa estilista internacional, tornou-se conhecidíssima no Brasil e no exterior, ao procurar respostas sobre o que teria acontecido a seu filho, denunciando a Ditadura militar, até morrer em estranho acidente, até hoje não esclarecido.

Hildegard, a filha e irmã, teve um texto publicado aqui no Blog, “Carta de Hildegard Angel” em março/2012.

Na mensagem a seguir, na condição de sobrevivente e de quem perdeu as pessoas mais amadas, ela expõe seus temores de que um novo golpe seja dado no país. Ela “já viu esse filme antes”.

Costumo comentar com meus alunos que, um país que não pune seus ditadores, torturadores e lacaios do terror, e que permite que empresas e pessoas que não só apoiaram o golpe, como também conspiraram contra a democracia, continuem sem responder pelos seus atos criminosos pousando de moralistas, um país que confunde heróis com terroristas e dá nome de rua, pontes, etc., aos generais-presidentes, corre sim, sério risco de repetir os mesmos erros.

Que os brasileiros estejam atentos.

por Hildegard Angel

O fascismo se expande hoje nas mídias sociais, forte e feioso como um espinheiro contorcido, que vai se estendendo, engrossando o tronco, ampliando os ramos, envolvendo incautos, os jovens principalmente, e sufocando os argumentos que surgem, com seu modo truculento de ser.

Para isso, utiliza-se de falsas informações, distorções de fatos, episódios, números e estatísticas, da História recente e da remota, sem o menor pudor ou comprometimento com a verdade, a não ser com seu compromisso de dar conta de um Projeto.

Sim, um Projeto moldado na mesma forma que produziu 1964, que, os minimamente informados sabem, foi fruto de um bem urdido plano, levando uma fatia da população brasileira, a crédula classe média, a um processo de coletiva histeria, de programado pânico, no receio de que o país fosse invadido por malvados de um fictício Exército Vermelho, que lhes tomaria os bens e as casas, mataria suas criancinhas, lhes tiraria a liberdade de ir, vir e até a de escolher.

Assim, a chamada elite, que na época formava opinião sobre a classe média mais baixa e mantinha um “cabresto de opinião” sobre seus assalariados, foi às ruas com as marchas católicas engrossadas pelos seus serviçais ao lado das bem intencionadas madames.
Elas mais tarde muito se arrependeram, ao constatar o quanto contribuíram para mergulhar o país nos horrores de maldades medievais.

Agora, os mesmos coroados, arquitetos de tudo aquilo, voltam a agir da mesma forma e reescrevem aquele conto de horror, fazendo do mocinho bandido e do bandido mocinho, de seu jeito, pois a História, meus amores, é contada pelos vencedores. E eles venceram. Eles sempre vencem.

(...) Esse extemporâneo destemor teve uma irrefreável motivação: o medo maior do que o meu medo. Medo da Sombra de 64. Pânico superior àquele que me congelou durante uma década ou mais, que paralisou meu pensamento, bloqueou minha percepção, a inteligência até, cegou qualquer possibilidade de reação, em nome talvez de não deixar sequer uma fresta, passagem mínima de oxigênio que fosse à minha consciência, pois me custaria tal dor na alma, tal desespero, tamanha infelicidade, noção de impotência absoluta e desesperança, perceber a face verdadeira da Humanidade, o rosto real daqueles que aprendi a amar, a confiar…

Não, eu não suportaria respirar o mesmo ar, este ar não poderia invadir os meus pulmões, bombear o meu coração, chegar ao meu cérebro. Eu sucumbiria à dor de constatar que não era nada daquilo que sempre me foi dito pelos meus, minha família, que desde sempre me foi ensinado. O princípio e mandamento de que a gente pode neutralizar o mal com o bem. Eu acreditava tão intensamente e ingenuamente no encanto da bondade, que seguia como se flutuasse sobre a nojeira, sem percebê-la, sem pisar nela, como se pisasse em flores.

E aí, passadas as tragédias, vividas e sentidas todas elas em nossas carnes, histórias e mentes, porém não esquecidas, viradas as páginas, amenizado o tempo, quando testemunhei o início daquela operação midiática monumental, desproporcional, como se tanques de guerra, uma infantaria inteira, bateria de canhões, frotas aérea e marítima combatessem um único mortal, José Dirceu, tentando destrui-lo, eu percebi esgueirar-se sobre a nossa tão suada democracia a Sombra de 64!

Era o início do Projeto tramado para desqualificar a luta heróica daqueles jovens martirizados, trucidados e mortos por Eles, o establishment sem nomes e sem rostos, que lastreou a Ditadura, cuja conta os militares pagaram sozinhos. Mas eles não estiveram sozinhos.

Isso não podia ser, não fazia sentido assistir a esse massacre impassível. Decidi apoiar José Dirceu. Fiz um jantar de apoio a ele em casa, Chamei pessoas importantes, algumas que pouco conhecia. Cientistas políticos, jornalistas de Brasília, homens da esquerda, do centro, petistas, companheiros de Stuart do MR8, religiosos, artistas engajados. Muitos vieram, muitos declinaram. Foi uma reunião importante. A primeira em torno dele, uma das raras. Porém não a única. E disso muito me orgulho.

Um colunista amigo, muito importante, estupefato talvez com minha “audácia” (ou, quem sabe, penalizado), teve o cuidado de me telefonar na véspera, perguntando-me gentilmente se eu não me incomodava de ele publicar no jornal que eu faria o jantar. “Ao contrário – eu disse – faço questão”.

Ele sabia que, a partir daquele momento, eu estaria atravessando o meu Rubicão. Teria um preço a pagar por isso.

Lembrei-me de uma frase de minha mãe: “A gente nunca perde por ser legítima”. Ela se referia à moda que praticava. Adaptei a minha vida.

No início da campanha eleitoral Serra x Dilma, ao ler aqueles sórdidos emails baixaria que invadiam minha caixa, percebi com maior intensidade a Sombra de 64 se adensando sobre nosso país.

Rapidamente a Sombra ganhou corpo, se alastrou e, com eficiência, ampliou-se nestes anos, alcançando seu auge neste 2013, instaurando no país o clima inquisitorial daquela época passada, com jovens e velhos fundamentalistas assombrando o Facebook e o Twitter. Revivals da TFP, inspirando Ku Klux Klan, macartismo e todas as variações de fanatismo de direita.

É o Projeto do Mal de 64, de novo, ganhando corpo. O mesmo espinheiro das florestas de rainhas más, que enclausuram príncipes, princesas, duendes, robin hoods, elfos e anõezinhos.

Para alguns, imagens toscas de contos de fadas. Para mim, que vi meu pai americano sustentar orfanato de crianças brasileiras produzindo anõezinhos de Branca de Neve de jardim, e depois uma Bruxa Má, a Ditadura, vir e levar para sempre o nosso príncipe encantado, torturando-o em espinheiros e jamais devolvendo seu corpo esfolado, abandonado em paradeiro não sabido, trata-se de um conto trágico, eternamente real.

Como disse minha mãe, e escreveu a lápis em carta que entregou a Chico Buarque às vésperas de ser assassinada: “Estejam certos de que não estou vendo fantasmas”.

Feliz Ano Novo.

É o que desejo do fundo de meu coração.

sábado, 28 de dezembro de 2013

O MINOTAURO E NOSSOS LABIRINTOS




O grande Rei Minos teve que enfrentar seus irmãos para poder ter reconhecido seu direito sobre o trono de Creta. Mas, a briga foi feia, e num momento em que parecia que seria derrotado, prostrou-se ao solo e implorou ajuda ao deus Posseidon, o senhor dos mares.

O deus ouviu seu pedido e Minos venceu a guerra. Logo depois, numa noite de lua cheia, sai das entranhas do mar um touro, totalmente branco, extremamente belo, como ninguém jamais viu. A exigência de Posseidon à Minos, pela vitória, é que o rei sacrifique aquele touro de beleza indefinível em honra ao deus dos mares. Minos não consegue se libertar da admiração pelo touro branco e tenta enganar Posseidon sacrificando outro animal em seu lugar. Essa tentativa de ludibriar a divindade provocou profunda fúria do deus, como era próprio dos deuses gregos.

O castigo ao Reio Minos foi terrível. Posseidon pede ajuda à Afrodite, a deusa do amor, para que Pasífae, a esposa de Minos, se apaixone pelo touro vindo do mar e com ele tenha uma tórrida relação de amor. Para que isso fosse possível, a apaixonada Pasífae pede ao grande artesão Dédalo (pai de Ícaro, aquele que tentou voar até o sol), que lhe construa uma vaca de madeira, na qual ela se escondeu, para transar com o touro.

Dessa transa zooantropomórfica nasceu um monstrinho, com corpo de homem, porém, cabeça e cauda de touro, que será um dia chamado de Minotauro (o touro de Minos). Já o autor romano Ovídio, não tinha certeza de que partes eram humanas e quais eram de touro e no Renascimento, séculos depois, o Minotauro tem configuração inversa: corpo de touro e cabeça de homem.

Parsífae cuidou dele com todo o carinho de mãe durante a infância. Uma taça de vinho etrusca feita na primeira metade do século IV A.C.retrata cenas de uma terna mãe cuidando de seu filho aberração. Porém, com o natural crescimento ele foi se tornando cada vez mais feroz e assustador.

Sendo fruto de uma união sem similares, entre homem e animal selvagem, o Minotauro não tinha qualquer alimentação adequada na natureza, e, para sobreviver, era necessário devorar seres humanos para sobreviver.

Apavorado, Minos solicitou e Dédalos construiu, embaixo do palácio real, localizado na capital de Creta, Cnossos, um gigantesco labirinto para lá manter presa a fera.

O Labirinto de Cnossos sempre foi um dos objetivos mais procurados pela moderna arqueologia.

SegundoMichael Hogan, em seu livro“Cnossos, The Modern Antiquariun” de 2007, é possível identificar nas ruínas de Cnossos, mais de 1300 compartimentos dispostos semelhantes a um labirinto.

Pouco tempo depois Creta derrotou os atenienses, na época apenas em formação. Para estabelecer a paz o Rei de Creta exige que, todos os anos (segundo alguns relatos, a cada 9 anos), fossem enviados sete rapazes e sete moçasde Atenas (escolhidos por sorteio) para serem devorados pelo Minotauro.

Três anos após começarem os sacrifícios, Teseu, um jovem guerreiro, vai voluntariamente à Creta para matar o Minotauro. Ariadne, filha do Rei Minos apaixona-se perdidamente pelo jovem Teseu, e, para ajuda-lo entrega-lhe um novelo de lã na entrada do Labirinto. Teseu amarra uma ponta do novelo na parte interna da entrada e durante todo o caminho vai desenrolando o novelo. Sem esperar visitantes, o Minotauro é atacado por Teseu que usando a espada de seu pai, Egeu, assim, consegue matar a fera. O retorno para a saída será facilitado, bastando seguir o fio de novelo.

Infelizmente, pela demora de Teseu retornar, Egeu imagina que seu filho foi morto na luta e se suicida atirando-se ao mar que até hoje tem seu nome “Mar Egeu”.


Em outra versão, Teseu é filho não de Egeu, mas do próprio deus Posseidon e a Ariadne foi jogada no labirinto para ser devorada e para salva-la Teseu enfrenta e mata a fera. A ideia do novelo, entretanto, existe nas duas versões.

O mito do Minotauro foi um dos mais populares de todas as épocas da rica história grega e fascinava vivamente, especialmente os mais jovens.

A figura dos chifres sempre foram na antiguidade, e mesmo, na Idade M´dia, símbolo da virilidade masculina. O próprio demônio judaico-cristão tem chifres numa referência à sensualidade, ao apelo sexual que leva ao pecado e à queda do homem.

Em muitos relatos, a sedução e a virilidade masculina está representada com figuras com chifres como em alguns momentos o próprio Zeus em suas inumeráveis conquistas ou o deus Eolo ao cortejar Dejanira.

Em muitas imagens desse mito vemos, como sempre, a representação do próprio homem em seus desafios, medos e inseguranças, assim como em suas conquistas e vitórias.

O Minotauro é o “ser diferente” o excluído, aquele que não nasceu como os outros e muito menos foi amado e querido antes do nascimento.

Ainda hoje as sociedades humanas continuam discriminando suas crianças com síndrome de down, isolando hansenianos em leprosários apartados do convívio social e acorrentando seus loucos em manicômios de onde não se pode retornar e onde todas as esperanças são perdidas assim como os jovens condenados a serem devorados após percorrer um caminho sem fim e sem salvação.

Um Labirinto foi construído unicamente para exclui-lo, e continuamos hoje, construindo labirintos para outras exclusões.

Assim como foi com o Minotauro, esconde-se as misérias, os erros mais terríveis que assustam e lembram o quanto nosso mundo é frágil e a justiça um mito.

Ainda não houve uma sociedade humana sem seus minotauros.

Os Etruscos (povo que dominava a Península Itálica antes da ascensão de Roma) tinham uma visão bem mais humana do Minotauro, denotando até uma simpatia ao vê-lo, não como o touro aprisionado, mas como o homem rejeitado.

E, cada aspecto da vida humana e das opções que escolhemos para nossos procedimentos poderíamos incluir uma autocrítica sincera nos sentido de estabelecer se afinal, somos realmente humanos, ou se, ainda estamos mais próximos das feras.

Prof. Péricles