domingo, 25 de dezembro de 2016

O MUNDO DE HADES



No início da criação dos mundos, em determinado momento, os três filhos de Cronos, Poseidon, Zeus e Hades, viram-se diante de um dilema: que área infinita da manifestação divina cada um deles deveria governar?


Como nenhum deles teve uma ideia melhor, resolveram pelo simples e eficiente sorteio.


Juntaram três pequenos gravetos de tamanhos diferentes que foram escondidos na mão fechada de Zeus. Hades e Poseidon, escolheram aleatoriamente um gravetinho cada um, que, a mão fechada, não permitia ver o tamanho.


Segundo os gregos, o grande sortudo foi Zeus que, ficando com o graveto maior tornou-se governador da Terra e de todos os seres vivos que vivem nela. Seria o deus mais bajulado e querido, senhor de todos os homens e pai de muitos outros deuses.


Poseidon não se deu tão bem, mas não podia se queixar, afinal, seria o senhor de todos os mares e oceanos. Todas as criaturas vivas das águas marinhas lhe deveriam obediência e reinaria absoluto e incontestável no seu mundo.


Quem se deu mal mesmo foi Hades que, ao ficar com o graveto menor tornou-se deus do reino dos mortos, senhor dos infernos e de todas as criaturas danadas e das sombras. Os gregos detestavam a ideia da morte por isso Hades seria um Deus muito mais temido do que amado.


Se até mesmo para os seres supremos, imortais e infinitamente poderosos, a sorte é caprichosa e decisiva, podendo sorrir mais para uns do que para outros, imagine para nós, simples mortais.


Mas, nem sempre quem tem sorte percebe que a teve e os benefícios de certas escolhas ou situações só serão completamente conhecidos muito mais tarde, assim como a falta de sorte pode enganar muita gente.


Os golpistas não sortearam, mas ratearam de acordo com as conveniências, seus nacos de poder após o vergonhoso golpe que engendraram no Brasil.


Alguns deles pensaram ter muita sorte pela situação ter chegado ao que chegou no dia 31 de agosto desse ano, quando Dilma Roussef foi definitivamente afastada pelo senado.


O próprio vice que, jamais seria eleito presidente, deve ter se achado com muita sorte por ganhar dois anos inteirinhos e um país para brincar de presidente.


“Ganhei o Olimpo”, talvez tenha imaginado.


Mas, como já nos avisavam os gregos, o tempo é o senhor da razão.


Nem terminou ainda 2016 e já se percebe no ar que alguns não tiveram tanta sorte assim.


Toda ação provoca reação e achamos que sabemos como começam as vilanias, golpes e traições, mas ninguém sabe como acabam.


Muitos que se imaginavam seguros contra investigações inconvenientes foram surpreendidos na sequência inevitável dos incêndios criados para outros fins.


Alguns, percebendo que o caixa vazio é frio e sinistro, começam a duvidar da eficácia em seus negócios dos resultados de toda essa confusão criada ou apoiada por eles.


Provavelmente o vice-presidente diante das nuvens cada vez mais negras no horizonte e percebendo que apoios absolutos são momentâneos e podem sumir com a rapidez de uma crise provocada pelo dólar, esteja pensando que, achando ter conquistado o Olimpo esteja agora abraçado com o inferno, sendo muito mais temido do que amado.


E as similaridades não são poucas, entre homens e deuses.


Os senhores do Olimpo, dos oceanos e dos infernos, eram egoístas, arrogantes e autoritários.


Exigiam serem reconhecidos por seu poder e adoravam bajulação.


Dizem que muitos senhores hoje banhados pelas luzes da mídia generosa também mavegam nas mesmas emoções.


Os deuses, muitas vezes movidos pela paixão ou inebriados pela idolatria cometiam injustiças das quais até mesmo, se orgulhavam.


Parece que no nosso mundo, também.


Mas, tudo passa, e se até os deuses envelhecem, juízes e oráculos também perderão seu fulgor diante das dificuldades e mais uma vez será impossível cobrir o sol com a peneira para sempre.


Não se sabe se um dia o Brasil será algo parecido com o Olimpo de Zeus, mas, com certeza, atualmente, se parece muito com o traiçoeiro mundo de Hades.



Prof. Péricles

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

CONSPIRAÇÃO DO NATAL





Tudo bem, tudo bem... sabemos que quanto mais o tempo passa maior a tendência para o indefinido “ah meu tempo!”.

Podemos aceitar que na marcha dos anos vamos perdendo as ilusões. As cores ficam menos coloridas e a gente fala menos com amigos imaginários.

Dá pra acreditar que a maturidade nos dê aquele olhar enfadonho de quem acha que já viu tudo, mas, francamente, o que está acontecendo como natal?

Pelo menos em Porto Alegre quase não se vê mais, decorações natalinas nas ruas.

Para onde foram as luzinhas coloridas e piscantes? E a cara sorridente do papai Noel? Pior, por onde andam aquelas crianças que o amavam ou temiam?

Até daquelas musiquinhas irritantes e sempre as mesmas, sentimos falta.

Alguém tem que explicar o que aconteceu com a festa pré-natalina.

As coisas estão tão estranhas que temos até medo de desejar feliz natal para alguém e receber em resposta um “hã?”.

Nem precisa ser tanto quanto naquele ano em que foi promovido um concurso para a melhor decoração natalina e Porto Alegre inteira se tornou um imenso e lindo presépio. Realmente não precisa tanto, mas, que tenha algo.

O espírito de natal, que jamais esteve presente no comércio intenso de presentes, resistia nas luzinhas azuis, verdes, vermelhas, amarelas, que piscavam em torno de pinheiros, às vezes acompanhadas de bonequinhos representativos do nascimento de Jesus, estrela de Belém, etc.

Se a decoração de natal sumir corre-se o risco do próprio natal desaparecer.

Alguém tem que esclarecer o que está acontecendo.

Está tudo muito estranho, as cidades mais indiferentes e carrancudas.

Culpa do PT? Da Dilma? Lula?

Ou será uma conspiração dos americanos para nos deixar velhos antes do tempo?

Quem sabe?



Prof. Péricles

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

TEMER E OS INCAUTOS




Por Mário Augusto Jakobskind


O presidente golpista Michel Temer a cada dia que passa se supera em matéria de enganação e discursos que objetivam atemorizar quem não reza por sua cartilha e impor goela adentro do povo medidas que se voltam contra a maioria do próprio povo. Para isso agora ele conta no Senado com a colaboração de Romero Jucá como o líder deste governo usurpador e ilegítimo.


Temer fala para o mercado e prevê que a economia vai melhorar e já tenta mostrar atualmente com indicadores nesse sentido.


Temer de alguma forma faz lembrar o atual presidente argentino Maurício Macri, que no início de sua gestão falava mais ou menos a mesma coisa que Temer neste momento. O que previa Macri não está ocorrendo, muito pelo contrário, e alguns analistas receiam que possa acontecer a mesma coisa que sucedeu com o presidente Fernando de La Rua, que depois de quebrar a Argentina teve de fugir de helicóptero da sede do governo para não ser apanhado pelo povo enfurecido.


Temer neste momento ainda conta com o apoio irrestrito da maior parte dos jornalões e telejornalões, que fazem questão de apresentá-lo como uma espécie de “salvador da pátria”. Mas só que o tempo corre e o Brasil não está se “recuperando” como prevê Temer e seus seguidores, entre os quais Romero Jucá, que tenta de tudo para aprovação da PEC 55, conhecida também como PEC da morte, inclusive afirmando o absurdo que se trata de uma medida “para salvar o Brasil”.


Como se não bastassem todos esses discursos para enganar incautos, Temer ainda por cima investe contra os jovens estudantes que ocupam escolas para manifestar sua indignação contra as medidas adotadas pelo governo golpista. Temer revela inclusive desconhecimento total sobre os estudantes ao afirmar que “nem sabem o que é uma PEC” ou algo do gênero.


Temer imagina que está lidando com o seu rebanho peemedebista que o apoia em todas as circunstâncias. O presidente se considera um predestinado que tem uma missão a cumprir. E pelo que se pode depreender de sua “ponte para o futuro”, que tenta enfiar goela adentro do povo brasileiro, o seu projeto visa fortalecer os ricos para os tornarem ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres.


Está cada dia mais cristalino o papel que Temer está cumprindo, por enquanto com o apoio do PSDB, o mesmo partido que na gestão de FHC fez o que fez para o Brasil e foi derrotado nas urnas quatro vezes seguidas. Mas como no voto não conseguiram executaram outra estratégia para tomar o poder, não se importando com a forma para alcançar o objetivo.


O tempo agora vai dizer ao povo o que acontecerá ao Brasil se o projeto Temer-PMDB/PSDB conseguir ir até o fim. O PSDB pressiona Temer para fazer tudo ainda mais rápido e já chega a ameaçar que se não o fizer poderá perder o cargo por alguém indicado numa eleição indireta, a partir de janeiro para cumprir o resto do mandato até 1 de janeiro de 2019.


E por incrível que pareça já se começa a especular alguns nomes, entre os quais, o de Fernando Henrique Cardoso, o preferido da família Clinton. Mas se Cardoso por acaso der para trás podem convocar outro do gênero, inclusive já se cogitando o nome de Nelson Jobim, a figura patética que quando ocupava o cargo de Ministro da Defesa aparecida em público com a fantasia da farda militar.


Mesmo sendo do PMDB, Jobim em tempo algum se recusou a fazer sempre o jogo do PSDB. Por isso é um dos nomes já surgidos para seguir com rapidez a entrega do país às multinacionais, no mesmo diapasão feito por FHC nos anos 90 em suas duas gestões.



Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor. Seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla , lançados no Rio de Janeiro.

domingo, 18 de dezembro de 2016

A BANALIZAÇÃO DA MENTIRA


Leiam o que tem a dizer o deputado Jean Wyllis sobre a absurda campanha fascista no Congresso que tenta atingir seu mandato...




por Jean Wyllys


Eu poderia falar, como a Universidade de Oxford o fez, em "pós-verdade", conceito interessante quando se trata de política nas redes sociais. Contudo, para ser direto, prefiro falar de mentira. Porque disso se trata.


A família Bolsonaro usou, outra vez mais, uma mentira para me difamar; e seus aliados – o deputado Alberto Fraga e o ex-corregedor da Câmara, Carlos Manato, também aliados do agora preso Eduardo Cunha – a apresentaram como "prova" para representar contra mim no Conselho de Ética, pedindo a cassação ou suspensão do meu mandato.

Porém, dessa vez, a Polícia Civil desmascarou, por meio de perícia incontestável, a mentira.

Vou explicar brevemente a que mentira me refiro.

No dia da votação do impeachment da presidenta eleita, quando chegou a minha vez de votar, os deputados favoráveis ao golpe contra Dilma Rousseff (entre eles, os Bolsonaro) começaram a me vaiar e insultar com injúrias homofóbicas que ninguém merece ouvir, mas que eu, por ser homossexual assumido, estou acostumado a ouvir desde criança.

Ao longo dos últimos seis anos, ouvi os insultos homofóbicos de Bolsonaro dia após dia nos corredores, nas comissões e no plenário da Câmara dos Deputados, e nunca devolvi os insultos e nem agi com violência; jamais havia perdido a compostura por causa disso.

Naquele dia, porém, em meio à jornada mais tensa que vivi no parlamento desde que estou deputado, depois de ter ouvido Bolsonaro, minutos antes, homenagear o torturador Brilhante Ustra, as injúrias homofóbicas contra mim acabaram com a minha paciência e, numa reação humana, provocada pela indignação, cuspi em direção a ele.

Não neguei depois, como o fez o filho dele, que também me cuspiu, mas, depois, gravou um vídeo em que afirma jamais ter cuspido em alguém – porque não sabia que seu cuspe fora filmado. Eu não minto, eu sempre falo a verdade.

Se alguém tivesse me perguntado, uma semana antes, se eu seria capaz de cuspir em alguém, eu teria respondido que não. E não estaria mentindo. Não é assim que eu ajo; diferentemente do deputado Bolsonaro, que, além de mentir, já deu um soco no senador Randolfe; empurrou a deputada Maria do Rosário e disse que só não a estupraria porque, segundo ele, "é feia"; agrediu a senadora Marinor Brito; insultou uma jornalista do SBT durante uma entrevista; gritou para um grupo de jovens, numa audiência pública na Câmara, expressões como “teu pai está dando o cu e você gosta de dar o cu também”. 

Quase todos os dias recebo ameaças de morte vindas de seguidores desse deputado.

Diferentemente dessas pessoas e de seu mentor, a quem chamam de "Bolsomito", eu sou uma pessoa que faz política com conhecimentos, argumentos e ideias. Jamais agredi fisicamente outras pessoas (agredi verbalmente apenas como reação) e nunca me envolvi em brigas corporais. Porém, por ser humano, minha paciência tem limites. E, naquele dia, pela primeira vez, eu reagi. Espero que seja a última, porque espero que essa situação nunca mais se repita.

Foi isso que eu disse ao deputado Chico Alencar quando ele me perguntou o que tinha acontecido: "Eu cuspi na cara do Bolsonaro, Chico". A conversa foi filmada de longe, não dá para ouvir, mas a leitura labial permite entender. Eduardo Bolsonaro publicou uma versão deturpada desse vídeo com a legenda: "Eu vou cuspir", sugerindo que eu tinha premeditado o cuspe.

O vídeo deturpado foi apresentado pelo deputado Fraga e pelo ex-corregedor Manato como "prova" contra mim. O presidente da Casa, Rodrigo Maia, em que pese ser meu adversário político, foi honesto e republicano e quis arquivar a representação, mas Manato e os aliados de Cunha na mesa diretora derrotaram Maia numa votação e enviaram o caso com o vídeo falso para o Conselho de Ética.

Chico foi chamado para depor e disse que o vídeo era uma fraude. Eu fui chamado para depor e disse que o vídeo era uma fraude. Mas Jair Bolsonaro, o pai do falsificador, afirmou em seu depoimento que o vídeo era autêntico. Mentiu.

Agora, a Polícia Civil entregou ao Conselho de Ética uma perícia que prova sem sombra de dúvidas que o vídeo foi deturpado e que, na verdade, ele foi filmado depois da cusparada e a minha fala, exatamente como eu disse, foi: "Eu cuspi". Ficou provado que foi forjado um vídeo falso para me difamar para usá-lo contra mim no Conselho de Ética.

O que me assusta é a naturalidade com que convivemos com a mentira no parlamento e na política. Como se fosse normal. Agora que a Polícia Civil provou que o vídeo é falso, eu espero que o Conselho de Ética arquive essa absurda representação contra mim, mas, mesmo assim, quem me devolve o tempo perdido, a difamação sofrida, os danos, o sofrimento?

Outros homossexuais destacados em diferentes épocas foram vítimas desse expediente. Mentiras foram fabricadas contra eles para assassinar suas reputações, ou até para assassinar eles mesmos. Oscar Wilde, Alan Turing, Harvey Milk, Ângela Davis.

Não pretendo me comparar a eles, embora eles tenham sido inspiradores para mim no que diz respeito a lutar contra a opressão e pela justiça. Não pretendo ser nem ser visto como herói. Busco em meu cotidiano mostrar que sou um homem de hábitos comuns, ando nas ruas, vou ao supermercado, bares, frequento lugares de sociabilidade gay, como saunas e clubes, justamente para não criar em torno de mim uma área mítica.

Contudo, sou muito determinado em dar um sentido positivo à minha existência, em fazer, desta, um meio de defender a liberdade, a igualdade de oportunidade, a diversidade e a justiça.

sábado, 17 de dezembro de 2016

AFINAL, O QUE É O AUTISMO?


Por Gladstone Barbosa Alves



Autismo é uma diferença neurológica. Pessoas autistas podem apresentar comportamentos “atípicos” em três áreas e formas distintas: interação social, comunicação e interesses restritos ou comportamentos repetitivos.

Autistas se diferenciam de não autistas na maneira como experimentam o mundo e na maneira como aprendem e se desenvolvem a partir dessas experiências. Assim, o autismo pode resultar em diferenças mensuráveis na percepção, atenção, memória, inteligência, etc.

O desenvolvimento de uma criança autista difere do que é considerado padrão para não autistas.

O autismo também pode resultar na presença de habilidades pouco frequentes na população em geral. No entanto, o padrão de habilidades especiais e dificuldades que é característico do indivíduo autista pode conduzí-lo a diversos problemas, uma vez que suas necessidades e comportamentos atípicos distinguem-se do que a sociedade considera “normal” ou esperado.

O autismo não é uma doença, nem pode ser reduzido a um conjunto de comportamentos. 

A organização neurológica e o perfil cognitivo de um autista não é mais nem menos válido do que a organização neurológica e perfil cognitivo de um não autista. De fato, ambos são capazes de se desenvolver, aprender e alcançar objetivos, embora possivelmente o farão de formas distintas e recorrendo a tipos diferentes de auxílio ao longo do caminho.

Comparado a não autistas, um autista pode apresentar maior avanço ou facilidades em algumas áreas e maior atraso ou dificuldades em outras. Por exemplo, um não autista pode precisar de um nível significativo de apoio para desenvolver habilidades ou absorver conteúdos com os quais um autista encontra grande facilidade, e ter facilidade com conteúdos que o autista terá dificuldade para absorver.

Quando um indivíduo não autista consegue se desenvolver, com base na oferta dos recursos apropriados às suas necessidades típicas, nós não dizemos (para descrever a ele e à sua situação) que “o tratamento foi um sucesso” ou que ele se “recuperou” ou ainda que o seu não-autismo tornou-se “menos severo”. Do mesmo modo, ao descrever o desenvolvimento de um autista, devemos evitar o uso de expressões que sejam desinformadoras e prejudiciais a esse indivíduo.

Autistas são conscientes do que ocorre em seus entornos, ainda que nem sempre sejam capazes de demonstrar ou responder de forma típica. 

Em certas situações, o indivíduo pode até mesmo não conseguir, em absoluto, comunicar o que está sentindo ou pensando. No entanto, isso não reflete incapacidade ou indisposição para se comunicar.

Autistas querem se comunicar e podem fazer isso sempre que forem oferecidos contextos nos quais essa comunicação é de fato possível e existe disposição dos interlocutores para reagir a ela (assim como em qualquer outra situação, comunicação com um autista não é um monólogo de um ou de outro). Isso não difere das necessidades típicas de não autistas, exceto pelo fato de que a esses são oferecidos os contextos adequados em frequência muito maior.

Autistas tendem a ser distinguidos entre si de acordo com a “intensidade” aparente com que suas características se apresentam. No entanto, é importante notar como essas apresentações podem variar, para um mesmo indivíduo, às vezes ao longo de curtos períodos de tempo, influenciadas pelos diferentes contextos a que o autista é submetido ao longo de um dia, semana ou mês.

A intensidade com que uma característica autística se evidencia em uma criança não está relacionada à sua inteligência ou às suas potenciais realizações como pessoa adulta. No entanto, o preconceito que a sociedade direciona à essas características pode fazer com que indivíduos em que essas características são mais evidentes sejam (incorretamente) considerados incapazes de aprender, se comunicar e de tomar decisões sobre suas próprias vidas.



Gladstone Barbosa Alves, mestre em Engenharia Elétrica pela UFMG, é pai de um casal de crianças autistas e ele mesmo diagnosticado com autismo. É vice-presidente do Instituto Superação, uma organização sem fins lucrativos baseada em Belo Horizonte que trabalha com a promoção de políticas públicas voltados para indivíduos autistas.



quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

OS DEUSES AINDA VIVEM


A mitologia não é uma coleção de obras ficcionais, por mais bela que pareça.

A mitologia fala do próprio homem, enquanto espécie capaz de refletir sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca.

Quando os gregos narravam as aventuras de seus deuses e heróis, interpretavam ao próprio homem, sua história, seus medos, afetos, características.

Quem de nós não tem um pouco dos ciúmes de Hera? Ou dos desejos de Afrodite e mesmo, da ambição pelo poder de Zeus?

Quem de nós já não pretendeu entender a aparente insignificância da vida e o que vem depois da morte? Ou por que o amor sorri para alguns mas nega seu sorriso para outros?

Os deuses gregos, seus heróis, semideuses, ninfas, sereias e criaturas imaginárias de mil cabeças, mil amores, nada mais são do que a própria representação do homem, seus medos e esperanças.

Por isso, passada a perplexidade do primeiro contato e o riso irônico dos mais apressados, a mitologia clássica nos traz uma profunda admiração por sua forma de entender o mundo numa época em que a tecnologia apenas engatinhava no uso da metalurgia, a comunicação se dava na velocidade dos passos e o comércio não ia além dos espaços mais próximos.

Para os gregos o homem era a síntese do que havia de mais extraordinário e brilhante. O homem é deus pois os deuses são homens, em suas qualidades e defeitos.

Na dinâmica histórica, a mitologia clássica foi substituída por outras mitologias.

Só que, enquanto a mitologia clássica buscava entender a humanidade e sua essência principalmente em seus desejos de liberdade e de expressão, as demais mitologias que vieram substitui-la buscaram dominar esses desejos e justificar essa dominação e o predomínio de alguns homens sobre os demais homens, não na relação do merecimento pela bravura, mas, pela dominação econômica a partir da hegemonia dos privilegiados sobre as massas.

A mitologia judaico-cristã trouxe o mito do pecado, consequentemente do castigo (o inferno) e da eleição aos céus daqueles que fossem mais obedientes a um Deus único, que na verdade só era compreendido pela classe sacerdotal (a Igreja) e que, maleável nos Concílios que criaram o cristianismo e elegeu evangelhos aboliu a rebeldia privilegiando a vontade dos poderosos.

Um homem criativo, livre e capaz representado na mitologia clássica foi rotulado de pecador e restrito à mitologia pagã, execrada e destruída pelos novos mitos do Papa e sua hierarquia de bispos e anjos, e de um governo aliado a ela.

Já a mitologia da Revolução industrial, manteve o mito do homem perverso e danado que deve ser salvo pela obediência, e acrescentou o mito do trabalho como única forma de dignificar sua caminhada até o céu e a aceitação da miséria da maioria e da propriedade privada de alguns como qualidades inerentes aos eleitos.

A flauta de Pã foi substituída pelo apito da fábrica e a arte natural do ser humano transformada em mais uma mercadoria a ser embalada e vendida conforme são todos os outros valores também transformados em mercadoria.

Nesse sentido vivenciamos tempos de sub-mitologias em que, muito mais do que criações temos substituições. Tempos em que, por exemplo, o Oráculo de Delfos foi substituído pelas verdades televisivas, incontestáveis a um grande número de pessoas que repassaram à mídia o exercício tão estimulado pelos gregos de... pensar.

A mitologia moderna supervaloriza o poder tecnológico e da rapidez da informação, a competitividade entre os seres e o mito do homem realizado a partir das aquisições materiais que provém seu conforto e seu supérfluo.

É o mito do homem bem-sucedido e vitorioso, num mundo tão fictício como o dos titãs, em que todos teriam as mesmas condições de serem bem-sucedidos e vitoriosos, bastando para isso o talento do trabalho.

Porém, apesar dessas “virtudes” predominarem no imaginário do homem moderno, os valores preconizados pela mitologia clássica não foram totalmente destruídos, ao contrário, persistem vivendo em algum lugar da sua psique.

Paulatinamente o homem moderno foi descobrindo que a mitologia do consumo não o faz mais feliz, nem mais livre ou sonhador. A mitologia do consumo, na verdade, o faz mais obeso, deprimido, solitário e mentiroso para consigo mesmo.

O homem moderno sonha em se dar bem, mas algo nele ainda sonha em ser feliz e suspeita que a felicidade e se dar bem não sejam exatamente a mesma coisa e a mitologia clássica, sua ninfas, deuses e heróis ainda pulsa em algum lugar de sua alma.

Assim é que, apesar do desamor dos mitos atuais e da entrega de seu destino ao poder do supérfluo ainda existe dentro de cada um o desejo de ser livre, de ser criativo e de criar a própria arte, como um sopro da flauta de Pã.

Talvez fosse esse o destino histórico das ideias socializantes do marxismo e humanizantes do anarquismo, que se apresentaram como oposição ao individualismo do capital, mas foram abortadas pelo poder tacanho da cobiça humana de déspotas como Stalin, Hitler e presidentes Iankes.

Mas Zeus, Dionísio, Afrodite e todos os deuses e criaturas mitológicas ainda estão lá, dentro de cada um de nós, pois eles não morrem, simplesmente porque os mitos somos nós.

E isso, talvez seja apenas o que nos reste de esperança num mundo melhor e num homem verdadeiramente feliz, numa sociedade mais justa.

Em algum lugar do nosso tempo, que não se mede nas horas, Afrodite ainda seduz, Apolo fascina, Dionísio embriaga e Posseidon repousa seu olhar sobre a imensidão dos oceanos.


Prof. Péricles