domingo, 6 de novembro de 2016

UMA MINISTRA SEM NOÇÃO


Por Luís Nassif


A Ministra Carmen Lúcia é fruto direto da espetacularização da Justiça que ocorreu a partir da AP 470. O jornalismo de celebridades abriu uma porta para Ministros com menor potencial analítico. De repente, se deram conta de que poderiam ganhar protagonismo explorando frases de efeito, mas, principalmente, obedecendo ao roteiro preconizado pelos grupos de mídia.

E, como o palanque da mídia não obedece a rituais, a procedimentos, a limites impostos pela própria Constituição, com suas declarações e decisões Carmen Lúcia vem extrapolando de forma temerária as atribuições do STF (Supremo Tribunal Federal), mostrando um amplo desconhecimento sobre as relações entre poderes.

Assumiu a posição de líder corporativa, atacando o presidente do Senado por críticas dirigidas a um juiz de primeira instância, mostrando – ela própria – um populismo e uma falta de decoro indesculpável nas relações com outro poder da República.

Agora, pretende colocar o STF no centro de uma política de segurança interna, inclusive com a convocação do Estado Maior das Forças Armadas, Ministérios da Justiça e da Defesa, para definir sabe-se lá o quê.

Sua falta de noção não tem limites. E o palco aberto pela mídia permite-lhe toda sorte de abusos verbais.

Carmen Lúcia, assim como Ayres Brito, surfou nas asas do lulismo, mas, de defensora de direitos humanos, foi se tornando, cada vez mais, uma avalista dos discursos de ódio e defensora da política mais temida pelos especialistas em direitos humanos: a militarização da segurança pública.

Dos blogs de esgoto, assimilou o chavão de que a única forma de censura é a do politicamente correto. Como se expressões como "negro bandido", "feminista sapatona", "viadinho" representassem o exercício da liberdade de expressão.

Ou então, o uso inexcedível da palavra canalha:

- Nós, brasileiros, precisamos assumir a ousadia que os canalhas têm

Assim como Ayres Brito, Carmen Lúcia vale-se do paradoxo do exibicionismo da simplicidade. Lembra o ex-ponta esquerda da seleção, Dirceuzinho: “Eu tenho uma humildade fora de série”.

Na sua posse, a descolada Carmen Lúcia aboliu os rituais e, com a simplicidade dos muito humildes, convocou um dos popstars brasileiros, Caetano Velloso, para cantar o Hino Nacional.

Se diz contra o uso da palavra “Corte” ou do tratamento de “Excelência” porque dotada de uma humildade fora de série. E tem especial predileção em recorrer à sabedoria caipira, banalizando uma das mais antigas e interessantes culturas do país.

Demonstra confundir ética pessoal com o conhecimento da ética:

- Não quero que alguém se forme em ética depois. Eu quero que quem concorra [nos concursos] tenha condições éticas.

Não explicou de que forma o candidato iria apresentar as “condições éticas”. Provavelmente através de atestado médico.

Ou então, esse primor do lirismo macabro, que superou o próprio Nelson Cavaquinho:

- Quando me encontrarem morta, ninguém vai me ver de braços cruzados, diante do que tem sido a minha luta para que a gente tenha um Brasil justo.

Nos postos de comando que exerceu, deixou mágoas em muitos funcionários por seu estilo brusco, autoritário, muito diferente da imagem pública da doce professorinha mineira.

Na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em pelo menos duas ocasiões cometeu erros graves e tentou jogar nas costas dos funcionários.

Um dos episódios foi na divulgação dos filmetes de educação eleitoral. A agência de publicidade preparou 14 prospects de filmetes. Carmen deveria aprovar a proposta, antes que fossem confeccionados. Demorou e só liberou 9.

Quando o TCU cobrou a não veiculação dos 15 filmes, quis jogar o funcionário na fogueira. Recuou apenas quando se deu conta de que ele estava bem documentado sobre os motivos da não veiculação dos 6 filmetes.

Outro episódio grave foi na entrega dos CPFs dos eleitores para a Serasa Experian. A autorização partiu de Carmen Lúcia. Quando o escândalo estourou, jogou a responsabilidade sobre uma funcionária do TSE.

Embora aprecie usar palavras-chave do gerencialismo – como transparência, eficiência, racionalidade - Carmen Lúcia deixou inúmeras dúvidas sobre sua capacidade na organização de processos.

No TSE, os juízes conversavam antes e os processos onde havia consenso eram apresentados e votados em bloco. Deixava-se para o plenário apenas aqueles nos quais os advogados solicitassem sustentação oral ou que não houvesse consenso entre os juízes.

Quando assumiu a presidência, Carmen Lúcia passou a colocar todos os processos em votação individual, com sessões que se estendiam muitas vezes até às 22 horas.

Mais que isso, ordenou a separação em grupos distintos os agravos regimentais e os recursos especiais. O agravo é feito justamente no âmbito de um recurso especial que não foi recebido. Separando ambos, provocou-se uma barafunda nos processos, mostrando falta de visão na organização do trabalho interno.

Defensora da celeridade da Justiça, suas gavetas guardam há anos processos complexos, que exigiriam um bom nível de discernimento.

Sua falta de discernimento ficou patente em uma ação que buscava reservas de vagas para deficientes na Polícia Federal. Uma ação individual pela vaga acabou transitando em julgado. Quando a ordem chegou para a PF, os delegados vieram em peso falar com Carmen Lúcia. Já tinha passado a fase de recurso. Mesmo assim, ela proferiu uma decisão de esclarecimento, figura esta que não existe no Código de Processo Civil. Numa sentença surreal, disse que a PF deveria fazer reserva, mas poderia dizer de antemão qual deficiência seria aceita ou não.

O Ministério Público Federal entrou com recurso mostrando as contradições da sentença, mas ela indeferiu alegando que a decisão já tinha transitado em julgado.

Hoje em dia, quem defende cotas na PF usa a sentença de Carmen Lúcia. E quem não aceita, usa também, mostrando sua dificuldade em decidir sobre temas complexos.

Em vez de clarear, confundiu mais ainda.

Desde 21 de abril 2013 dorme nas gavetas de Carmen Lúcia a ADIN 4234). Dispõe sobre a questão das patentes, o que seria novidade, o que seria domínio público e quais seriam passíveis de retroatividade. Dependendo da decisão, terá grande impacto no custo dos medicamentos.

Como é tema complexo, que não se resolve com uma frase de efeito, dorme em gaveta esplêndida, enquanto Carmen Lúcia se preocupa em reorganizar a segurança pública.





Luís Nassif, jornalista, foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de São Paulo, escrevendo por muitos anos sobre economia neste jornal.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A BRUXA ESTÁ SOLTA

Arco do Telles, hoje

Barbara Maria Joaquim nasceu em Portugal em 1770 e, com apenas 18 anos, veio para o Brasil com o marido.

Era extremamente bela, daquelas de parar o trânsito, se bem que naquela época não havia muito trânsito por aqui.

Bárbara se apaixonou por um rapaz mulato, cujo nome desconhecemos e, com ele, passou a trair o maridão lusitano.

Segundo algumas versões, o último a saber, acabou flagrando os dois e, na briga que se seguiu, ela, Bárbara, com agilidade e leveza no uso de uma faca, matou o esposo.

Alegando legítima defesa, escapou da prisão.

Passou a viver com seu amor moreno tropical, mas esse, logo se revelou ser um coisa ruim e quando ela percebeu, seu dinheiro e seus bens já tinham ido quase todos para o beleléu.

Outra vez mostrou destreza na faca e matou o amante latino e novamente alegando legítima defesa, se manteve livre.

Sozinha e pobre, a linda moça teve que lutar pela vida.

Naqueles tempos, ainda mais do que hoje, o mercado de trabalho era restrito para as mulheres. Mas Bárbara foi a luta, escolhendo o mercado em que, sem dúvida, sua beleza garantiria sucesso, a prostituição.

Assumiu o nome de Bárbara dos Prazeres e logo se tornou conhecidíssima na cidade.

Uma das mais belas entre as belas. Clientes que vinham de outras cidades e até mesmo de outras províncias, aproveitavam a ocasião para conhece-la.

Bastava procura-la, e torcer que ela pudesse atende-lo na Travessa do Comércio, Praça XV, muito conhecida pelo “Arco do Telles”, construído em 1743 para não atrapalhar o vai e vem dos transeuntes quando, naquela localidade, foram construídas inúmeras casas para aluguel residencial a mando de Antônio Telles Barreto de Menezes.

Era um lugar chic, mas que entrou em franca decadência quando um incêndio criminoso, em 20 de julho de 1790, que começou numa loja de objetos usados denominada curiosamente de "O Caga Negócios", destruiu o prédio deixando dezenas de feridos e dois mortos.

A partir desse incêndio, o pessoal chic preferiu morar em outros lugares e a região se tornou palco de boemia e prostituição.

Pois foi ali, no “Arco do Telles” que Bárbara dos Prazeres, reinaria por quase vinte anos, com a dignidade e a felicidade possível à sua situação.

Mas, o tempo, o maior inimigo de quem depende da beleza, é inclemente com todos e com todas e Bárbara viu surgir os primeiros sinais da decadência estética. Algumas rugas, várias estrias, e os cabelos ameaçavam embranquecer.

Além disso, havia contraído "doença ruim" ao atender o empresário Gomides D’Assado, o maior fornecedor de carne moída da cidade, e o mal ameaçava sair de controle e expor suas terríveis chagas.

Não se sabe exatamente como, mas Bárbara acabou convencida de que havia uma maneira de deter a velhice. Era uma receita complicada, cheia de ervas e alguns ingredientes difíceis de achar, mas, o mais chato mesmo era que tinha que ter sangue fresco de criança na mistura.

Barbarinha passou a sequestrar e matar crianças para obter o ingrediente vital.

Todo mundo sabe que no Brasil, de rua, filhos da miséria, não tiram o sono das autoridades que fingem não vê-los vivos nem reconhece-los mortos, e, por isso, espertamente, foi esse “manancial” que ela atacou primeiro.

Ela atraía essas crianças com doces, alguns brinquedos e atenção e os levava para casa sem ser notada. Lá, as crianças ingeriam sem saber ou forçadas pela faca, as ervas vindo a perder a consciência. Eram então penduradas de cabeça pra baixo e sangradas até morrer (Bárbara já tinha experiência no uso da faca). O sangue era recolhido num balde e levado a uma banheira onde rolava um banho ritualístico para manter a beleza e a eterna juventude.

Com o tempo, o surgimento crescente de corpos descartados pela cidade, deixou evidente que alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Bateu pavor. As mães trancavam seus filhos em casa antes de escurecer e até as crianças de rua passaram a andar em bandos para se proteger.

A Bruxa teve que mudar de “matéria-prima”, e passou a sequestrar e matar crianças de um nível sócial mais alto. Isso provocou investigações policiais, alarmismo na imprensa e crescente pânico na população. Um serial killer (o termo não existia na época, dizia-se assassino em massa) estava matando crianças cariocas.

Tudo isso complicou mais a vida de Bárbara dos Prazeres e sua particular fonte da Juventude. Então passou a buscar novas vítimas na “Roda dos Inocentes”.

Na Santa Casa da cidade, havia uma espécie de bandeja giratória num dos muros, onde mães sem condições de criar seus recém-nascidos, os abandonavam, na esperança deles serem acolhidos e levados para um orfanato. As enfermeiras, ao ouvirem o choro das crianças, giravam a roda e resgatavam os bebês sem nem falarem com as mamães.

A assassina passou a esconder-se perto desse local e quando alguma mulher deixava se filho e se afastava antes da roda ser girada ela ia lá e pah... pegava o baby.

Por algum tempo foi uma espécie de crime perfeito, até que um dia ela a sorte a abandonou.

Aparentemente, certa feita, a Roda girou quando a sequestradora ainda recolhia a criança. Seu braço ficou preso e ela foi descoberta, mas fugiu.

Com quase 60 anos de idade, Bárbara dos Prazeres se tornou a criminosa mais procurada do Brasil, mas, jamais foi encontrada e presa.

Consta que a expressão popular “a bruxa está solta” nasceu nesse momento.

Seu ponto no “Arco do Telles” foi vigiado dia e noite, mas, permaneceu vazio. Bárbara, agora denominada de bruxa, a mais bela prostituta do Rio de Janeiro, desapareceu.

Em 1830, um corpo de mulher apareceu boiando próximo ao Lago do Paço. Era impossível reconhecer a vítima já que o corpo apresentava adiantado estado de putrefação, mas a roupa (um casaco de oncinha), altura e algumas pulseiras levaram a polícia concluir que fosse a terrível feiticeira.

Bárbara foi dada como morta e o caso encerrado, embora, por muitos e muitos anos, a população acreditasse que, de alguma maneira ela ainda estivesse viva e à espreita de crianças pela cidade.

Em 23 de julho de 1993, data exata dos 200 anos em que Bárbara, pela primeira vez apareceu no "Arco do Telles", para fazer sua estréia na “profissão”, um terrível evento chocou o país e o mundo – a Chacina da Candelária, quando oito crianças sem-teto foram brutalmente assassinadas pela polícia. Era exatamente nessa região, próxima à Igreja da Candelária, que as primeiras vítimas (as crianças de rua) foram sequestradas e mortas.

Já, em 2016, quando se completam 200 anos em que ela iniciou sua carreira de sequestradora e homicida, a vítima, perseguida e sangrada, é a própria democracia do país. 

Uma frágil Constituição, de apenas 28 anos, foi sequestrada e violentada com a queda de uma presidenta legitimamente eleita pela vontade de milhões manifestada no voto.

Coincidências?

Ou a bruxa ainda está solta no Brasil?




Prof. Péricles





quarta-feira, 2 de novembro de 2016

CARTA ABERTA A LULA

Por Francisco Costa



E então, Lula, foram necessários mais de quarenta anos para você se tornar réu pela primeira vez, e isto, num país de políticos ladrões, é muita incompetência.

Todo mundo está ganhando de você, meu amigo.

Se você ganhou do Serra nas urnas, a forra está nos tribunais, ele está lhe ganhando de 18 processos a 1, que currículo é esse, o seu? Até ontem virgem como uma menina de convento, sem ser flagrado uma única vez com a mão na botija, digo no cofre público?

Você é um político apagado, sem destaque... Na Operação Zelotes você não está, nem na lista de Furnas... Não estava na Operação Satiagraha, Anões do Orçamento, Privataria Tucana, Trensalão, Banespa, nem merenda escolar você roubou... 

Porra, nem uma contazinha no HSBC suíço?

A sua incompetência é tão grande que até o mísero Eduardo Cunha lhe humilha: são 23 processos a 1, caramba.

O Temer, o que é que ele tem que você não tem? Também ganha de você, 4x1.

Você é um político miúdo, nunca empreendeu no exterior. FHC tem ofshore, Aécio tem ofshore, Serra tem ofshore, Cunha tem ofshore, só você é que não?* Que diabo é isso?

Aparece helicóptero com meia tonelada de cocaína e não é seu. Constroem dois aeroportos em fazendas da família, com dinheiro público, e a fazenda não é sua, mandam pensão, com dinheiro público, para filho no exterior e o filho não é seu... 

Vai ser incompetente assim no inferno!

Cunha bota a boca no trombone, que vai denunciar pelo menos 170 parlamentares e o Luis Inácio não está. Diz que vai queimar 7 ministros e você não é nenhum deles, que vai derrubar o segundo presidente, e o golpista não é você, diz que vai enterrar dois ministros do STF... 

Nem pra ser denunciado por roubo você serve?

E a sua postura? Ridícula! Você não é maçom, não é membro do Lions nem do Rotary, não vai aos banquetes da Fiesp, às reuniões da Febraban... Que pobreza!

Roube, Lula, pelo amor de Deus, roube.

Disseram que um apartamentinho de um milhão e oitocentos era seu e não é, você mostrou os documentos, a sua mulher está processando a incorporadora, porque o negócio foi desfeito e não pagaram a vocês.

Nem para comprar um apê de 44 milhões, em Paris, você serve? O FHC passou na sua frente.

Aí aquela história do sítio do Bumlai que dizem que é seu, que empreiteiro fez obra de graça. Mais um ponto pro FHC, ele não tem sítio, tem fazenda, com um aeroporto dentro, presente de uma empreiteira, você é péssimo pra fazer negócios, Lula.

Todo mundo tem iate, você tem canoa de lata, pode? E pedalinho, afff, pedalinho, eu não aguento.

E o que é que você tem feito pelos seus filhos, seu desnaturado?

A filha do Serra saiu da miséria para uma das cem maiores fortunas brasileiras em menos de um ano, agora é sócia do dono da Ambev, a maior fortuna individual do país. O filho do FHC é representante da Disney no Brasil. O Michelzinho já nasceu com dois milhões na conta, presente de papá... E você... Desnaturado!

E esse seu primeiro processo... É desmoralizante, Lula, obstrução da Justiça.

Você podendo roubar, afanar, surrupiar, dar golpe, governar o Paraná, São Paulo, Goiás... *E olha quem o indiciou, um juizeco que estava afastado, sabe por que?

Acusado de obstruir a justiça, igual a você, pode rir, ele era da Zelotes, o Supremo mandava as provas e ele não considerava, isentando todo mundo, mas também só tinha pobre: Itaú, Bradesco, Gerdau, Natura, Globo... Caridade, com certeza.

Encerro por aqui, Lula, com um conselho: roube, roube, roube, roube muito, roube tudo, colecione processos por roubo, corrompa para não ser indiciado, sendo, corrompa para ser absolvido.

Perdoe o amigo a minha preocupação.

Você quer ser presidente, eu o quero presidente, mas se você não começar a roubar os coxinhas não vão votar em você.*


Preocupadamente,



Francisco Costa, um simples cidadão brasileiro



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A AMEAÇA QUE VEM DO ALTAR


Em meados da década de 80, após a grande crise que pôs fim ao Império soviético, a grande onda geopolítica foi o neoliberalismo. Como fogo em mata seca parecia incontido e predominou no mundo inteiro. No Brasil, Fernando Color de Melo representava o “novo”, ou seja, o projeto neoliberal.

Na década seguinte, após a derrocada do neoliberalismo que, além de não trazer a prosperidade prometida ainda jogou a maior parte da população do planeta à uma situação de desespero, tivemos a “onda rosa”. Governos com uma visão mais à esquerda, ou, pelo menos, de uma visão econômica que defendia uma maior participação do estado na economia e na solução dos graves problemas sociais.

Essa onda que nunca deixou de ser rosa para ser vermelha, não radicalizou as ações para diminuir as distâncias entre os mais ricos e os imensamente mais pobres e também se desfez na areia.

Nos anos dois mil, governos de matizes mais populares e progressistas tornaram-se os principais protagonistas de uma nova geopolítica que colocou a direita nas cordas, principalmente após a crise política do império norte-americano que para se justificar passou por cima da ONU e atacou o Oriente Médio, e a crise econômica que começaria no setor imobiliário dos Estados Unidos.

Na América do Sul a chegada de Lula ao poder, a revolução bolivariana de Hugo Chaves na Venezuela e governos mais à esquerda na Argentina, Peru, Uruguai e Equador, são desse período.

O momento atual é de um retorno das ideias mais conservadores e o ressurgimento do neoliberalismo com novas cores.

Em alguns lugares esse retorno ocorreu graças as urnas, como a vitória dos Conservadores que derrotaram os Trabalhistas na Inglaterra. Em outros países onde as medidas sociais dos governos progressistas impediram a volta da direita por via eleitoral a própria democracia anda ameaçada.

Mas, as ameaças à democracia chegam com novidades, não de origem, mas, em protagonismos.

É o caso do Brasil do impeachment mais trapalhão e inusitado da história, da presidenta Dilma Rousseff, sem nenhum cometimento de ilícito, delineando um tipo de golpe jurídico-midiático-parlamentar até então desconhecido por nós.

Nesse contexto também se destaca a participação direta das Igrejas pentecostais e neopentecostais nas disputas político-eleitorais.

Crescendo de forma extraordinária o número de fiéis nesses cultos, muitos deles importados dos Estados Unidos e seus pastores eletrônicos, e valorizando a influência de seus líderes, bispos e pastores com seus discursos persuasivos, essas entidades desceram do púlpito para atuar diretamente na política nacional.

Em sua maioria esmagadora o pensamento defendido por esses novos agentes políticos é o velho discurso moralista e reacionário, com pitadas preocupantes de exclusão, sendo perceptível a forte tendência anticomunista, como uma autêntica volta ao passado.

Sua atuação se dá exatamente nos setores mais fragilizados e distantes do conhecimento formal, onde a mistura fé/política deixa de ser questionada e passa batida.

Dessa forma, vivemos dias loucos em que, qualquer um que não esteja comprometido com o pensamento fanatizado custa a acreditar no que vê, ouve e lê.

Com a cara mais deslavada do mundo um pastor de renome nacional aparece em vídeo orientando os fiéis que, ao descobrirem ilícitos praticados por seus pastores, não interfiram nem protestem e apenas mudem de pastor.

Outros, sem nenhum constrangimento utilizam apelos fortemente homofóbicos e incentivam atitudes de intolerância de seus fiéis, criando organismos claramente fascistas como uma tal “brigada do altar”.

E, em meio a tudo isso, o chamamento direitista radical e práticas de verdadeiros estelionatos morais e religiosos.

Exigem direito de expressão mas negam o mesmo direito aos seus fiéis e opositores.

Exigem o fim da corrupção, mas, alguns de seus líderes a praticam com uma desenvoltura assustadora.

A democracia brasileira está sim ameaçada, não apenas na forma, mas em seu conteúdo, em seus pilares, como o laicismo, garantido desde a primeira Constituição Republicana, em 1891.

Quem já contava com uma bancada no Legislativo agora elege seus representantes para cargos executivos, como é o caso da prefeitura do Rio de Janeiro, uma das mais importantes cidades brasileiras.

O Brasil marcha, cada vez mais, para a formação de uma espécie de “bolsão fundamentalista” que ameaça crescer e criar um abismo entre os que praticam esses cultos e os não praticantes.

Torna-se claro que não se trata de atos pontuais, mas de um novo ator político, cada vez mais definidor da realidade nacional e constituinte de uma nova era política.

Sem pessimismos, a história já mostrou onde isso vai parar, se não for enfrentado e detido, e não é nada bom para o país e para a imensa maioria das pessoas.





Prof. Péricles



sábado, 29 de outubro de 2016

A CIDADE E O VOTO


Prédios possuem personalidade própria. Observe bem e verá.

Os mais antigos estão carregados com aquela sabedoria dos anos que só quem os vive pode ter.

Já, os prédios mais jovens, adolescentes, com suas arquiteturas moderninhas, são belos, mas as vezes, muito esquisitos.

Árvores são divertidas.

Costumam rir dos homens sem que ninguém perceba e as vezes quando seus galhos se aproximam trocam confidências como grandes fofoqueiras, que não deixam de ser. Falam das últimas ventanias que levantaram as copas daquelas arvorezinhas mais jovens e distraídas.

Igrejas são arrogantes.

Não que eu implique com elas, nada disso, mas elas têm aquela coisa típica de quem se acha dono da verdade.

Todas elas.

Algumas ruas são mais divertidas do que as outras.

As lombas por exemplo, parecem sempre cansadas e por fazerem esforço a tanto tempo ficaram corcundas.

As avenidas são elegantes, mas se acham muito... prefiro as ruas mais calmas, especialmente as alamedas que falam com a gente. Você já ouviu, não é?

Tem lugares, entretanto, que a personalidade predomina sobre a paisagem.

Poucos lugares em Porto Alegre são mais frios e sisudos dos que os prédios da PUC.

Todos eles com jeito aristocrático e mesmo querendo ser populares a gente sabe que seus corações são de nobre linhagem.

A Redenção, nosso Parque no coração da cidade, já foi mais alegre.

Hoje, depois de assistir tantas violências e tantas vidas sendo queimadas ouvirando pó, ficou mais triste, mais sóbrio e mais velho.

O Arroio Dilúvio, antes imponente porta de entrada, hoje se queda completamente esquecido e abandonado. Ele até já pensou em participar de grupos de autoajuda, mas, parece que sua decadência é inevitável.

Não é culpa sua ser tão poluído, mas se sente desprezado e esquecido, logo ele que já viu até rebelde farroupilha se esgueirando entre suas sombras.

Com o tempo Porto Alegre se espreguiçou e algumas coisas saíram do lugar.

Alguns bairros nobres viraram bairros mais simples e alguns bairros simples viraram periferia.

A avenida independência uma baronesa agora se assusta com sua própria vulgaridade.

E tem os viadutos e seus grandes olhos que miram a todos e a tudo o tempo todo.

O Obirici, tão jovem, já traz nas costas quantidades inimagináveis de toneladas. Parece que ninguém se preocupa em lhe dar bom dia e em saber como vai sua saúde e suas vigas...

E o da Borges de Medeiros, um senhor quase caduco continua altivo, com a rua que lhe passa ao alto e o povo que o tempo todo lhe passa abaixo.

As cidades têm vida própria. E devemos respeita-las.

Talvez por isso, nos filmes de ficção de fim de mundo, o que mais nos assuste seja que elas não mais existam.

Fazemos amizade, trocamos confidências e todos nós temos um pedacinho de nossa cidade que gostamos de pensar que é só nosso.

Assim a eleição para prefeito é um momento especial para cada um.

Devemos pensar bem nosso voto e votar consciente naquele que se propõe a ser seu prefeito não por mero interesse carrerista, mas por amar verdadeiramente a cidade.

Vote bem e vote consciente e lembre-se que as vezes, o voto em branco pode ser uma declaração de amor.

Como tudo aquilo que amamos, não podemos entregar, nas mãos de qualquer um. 

Somos seres urbanos e com nossa cidade devemos agir com urbanidade e coerência.




Prof. Péricles



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

CUIDADO COM AS CONVICÇÕES


Por Mauro Santayana


Os países, como as pessoas, precisam tomar cuidado com as suas convicções.

Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.

Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, a convicção acima da razão.

Foi por ter a forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais, eram espécimes de diferentes raças sub-humanas, que os nazistas fizeram coisas extremamente "razoáveis", como guardar centenas, milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisoneiros em vidros de formol, esquartejar pessoas para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório, ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajours, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg.

De tanta mentira, distorção, hipocrisia, servidas - ou melhor, impostas, cotidianamente - à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado, paulatinamente, em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, que são absorvidos e disseminados como as mais sagradas verdades, e adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar, minimamente, sua veracidade ou sustentação.

Muitíssimas pessoas, no Brasil de hoje, têm convicção de que o PT quebrou o país.

Assim como têm convicção de que o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso foi um tremendo sucesso do ponto de vista econômico, certo?

Errado.

Os números oficiais do Banco Mundial provam que o PIB e a Renda per Capita em dólares recuaram no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco (de 534 para 504 bilhões e de 3.426 para 2.810 dólares), e aumentaram mais de 300% no governo do PT, de 504 bilhões para 2.4 trilhões de dólares, e de 2.810 para 11.208 dólares, entre 2002 e 2014; com o salário mínimo subindo também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período, de 88 para 308 dólares no ano passado, com um dólar nominal mais ou menos equivalente, que chegou a 4,00 reais tanto em 2002 como em 2015.

A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo.

A maioria das pessoas - incluídos ministros do atual governo, que exageram os problemas, para vender a sua "competência" e seus projetos, muitos deles ligados, direta e indiretamente à iniciativa privada - têm convicção que o Brasil está endividado até o pescoço, certo?

Errado.

Nona economia do mundo em 2016 - éramos a décima-quarta em 2002 - o Brasil ocupa, apenas, o quadragésimo lugar entre os países mais endividados do planeta.

Temos uma Dívida Pública Bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a que tinhamos em 2002 (80%).

Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção, no Brasil de hoje, de que o PT é um partido que é contra as Forças Armadas, bolivariano e comunista, certo?

Errado.

O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro, e apoiou - a ponto de estar sendo execrado por isso - as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro - expandindo para elas o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando a indústria automobilística, triplicando a produção e as vendas de caminhões, automóveis e equipamentos agrícolas, com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio injetando bilhões de reais no Plano Safra, duplicando, praticamente, a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.

E, na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando e bancando, por meio da adoção da Estratégia Nacional de Defesa, o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira.

Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos, como é o caso do programa de construção de 36 caças-bombardeios com a Suécia.

Ou o do submarino atômico - além de outros quatro, convencionais - como se está fazendo em Itaguaí, no Rio de Janeiro, com parceria francesa.

Ou o da construção de mais de mil blindados multipropósito Guarani, em um único contrato, com a IVECO, com design e projeto de engenheiros do Exército Brasileiro.

Ou o do maior avião já construído no Brasil, o KC-390 da EMBRAER, produzido para substituir os Hércules C-130 norte-americanos, capaz de realizar missões também múltiplas, como o transporte de paraquedistas e blindados e o reabastecimento de outras aeronaves em vôo.

Para não falar da família de radares SABER, dos novos mísseis da AVIBRAS, do programa Astros 2020, da nova família de rifles de assalto IA-2 da IMBEL, capaz de disparar 600 tiros por minuto, e de outros projetos como o do míssil ar-ar A-Darter desenvolvido por uma subsidiária da Odebrecht, com a Denel, sul-africana.

Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, que o PT é o partido mais corrupto do Brasil, certo?

Errado.

Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em 2012 - que, estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso - o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM.

Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só 6 nomes são do PT, e do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 20 são do Partido dos Trabalhadores.

Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção, no Brasil de hoje, só existe na proporção que ocorre, porque pertence e serve, como bandeira, desde o início - na tradição golpista da UDN - à direita e à extrema direita em nosso país.

É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado, por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que tem "convicção" de que o ex-presidente Lula é o Chefe Supremo, o "Capo di tutti capi" da corrupção nacional, neste Brasil "casto" e "ilibado", nunca dantes atingido - como diziam no Caso do "Mensalão", estão lembrados? - por semelhante tsunami antiético.

Ora, nos poupem.

Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores ou o Sr Luís Inácio Lula da Silva, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo - respeitada sua condição de réu primário - na mesma proporção de seus erros.

O que nos indigna e nos tira do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a caradurice, a hipocrisia institucionalizada, com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual "surto" de "convicções" brasileiro.

Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações que vão ridicularizar, pelo exagero, ausência de lógica, de proporcionalidade, razoabilidade e verossimilhança - como já mostram as matérias e editoriais dos jornais estrangeiros - o Ministério Público e o Judiciário brasileiros junto à opinião pública internacional.

Correndo o risco, seus "convictos" acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em uma espécie de símbolo, ou de herói, se for impedido de concorrer à presidência da República.

Ou em um mártir - caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão - para boa parte do planeta.