segunda-feira, 25 de julho de 2016

COMO ASSIM, ESCOLA SEM IDEOLOGIA?




Por Marcelo Rubens Paiva


A escola sem um professor de história de esquerda é como uma escola sem
pátio, sem recreio, sem livros, sem lanchonete, sem ideias. É como um
professor de educação física sem uma quadra de esportes, ou uma quadra
sem redes, ou crianças sem bola.


O professor de história tem que ser de esquerda. Tem que contestar os regimes, o sistema, sugerir o novo, o diferente. Tem que expor injustiças sociais, procurar a indignação dos seus alunos, extrair a bondade humana, o altruísmo.

Como abordar o absolutismo, a escravidão, o colonialismo, a Revolução Industrial, os levantes operários do começo do século passado, Hitler e Mussolini, as Grandes Guerras, a Guerra Fria, o liberalismo econômico, sem a leitura da luta de classes, uma visão da esquerda?

A minha do colegial era a Zilda, inesquecível, que dava textos de Max Webber, do mundo segmentado do trabalho. Ela era sarcástica com a disparidade econômica e a concentração de renda do Brasil. Das quais nossas famílias, da elite paulistana, eram produtoras.

Em seguida veio o professor Beno (Benauro). Foi preso e torturado pelo DOI-Codi, na leva de repressão ao PCB de 1975, que matou Herzog e Manoel Fiel Filho. Benauro era do Partidão, como nosso professor Faro (José Salvador), também preso no colégio. Eu tinha 16 anos quando os vimos pelas janelas da escola, escoltados por agentes.

Outro professor, Luiz Roncari, de português, também fora preso. Não sei se era do PCB. Tinha um tique nos olhos. O chamávamos de Luiz Pisca-Pisca. Diziam que era sequela da tortura. Acho que era apenas um tique nervoso. Dava aulas sentado em cima da mesa. Um ato revolucionário.

Era muito bom ter professores ativistas e revolucionários me educando. Era libertador.

Não tem como fugir. O professor legal é o de esquerda, como o de biologia precisa ser divertido, darwinista e doidão, para manter sua turma ligada e ajudar a traçar um organograma genético da nossa família. A base do seu pensamento tem de ser a teoria da evolução. Ou vai dizer que Adão e Eva nos fizeram?

O de química precisa encontrar referências nos elementos que temos em
casa, provar que nossa cozinha é a extensão do seu laboratório, sugerir
fazer dos temperos, experiências.


O professor de física precisa explicar Newton e Einstein, o chuveiro elétrico e a teoria da relatividade e gravitacional, calcular nossas viagens de carro, trem e foguete, mostrar a insignificância humana diante do colossal universo, mostrar imagens do Hubble, buracos negros, supernovas, a relação energia e massa, o tempo curvo. Nosso professor de física tem que ser fã de Jornadas nas Estrelas.

Precisa indicar como autores obrigatório Arthur Clarke, Philip Dick, George Orwell. E dar os primeiros axiomas da mecânica quântica.

O professor de filosofia precisa ensinar Platão, Sócrates e Aristóteles, ao estilo socrático, caminhando até o pátio, instalando-se debaixo de uma árvore, sem deixar de passar pela poesia de Heráclito, a teoria de tudo de Parmênides, a dialética de Zenão. Pula para Hegel e Kant, atravessa o niilismo de Nietzsche e chega na vida sem sentido dos
existencialistas. Deixa Marx e Engels para o professor de história barbudo, de sandália, desleixado e apaixonante.

O professor de português precisa ser um poeta delirante, louco, que declama em grego e latim, Rimbaud e Joyce, Shakespeare e Cummings, que procura transmitir a emoção das palavras, o jogo do inconsciente com a leitura, a busca pela razão de ser, os conflitos humanos, que fala de alegria e dor, de morte e prazer, de beleza e sombra, de
invenção-fingimento.

O de geografia precisa falar de rios, penínsulas, lagos, mares, oceanos, polos, degelo, picos, trópicos, aquecimento, Equador, florestas, chuvas, tornados, furacões, terremotos, vulcões, ilhas, continentes, mas também de terras indígenas, garimpo ilegal, posseiros, imigração, geopolítica, fronteiras desenhadas pelos colonialistas, diferenças entre xiitas e
sunitas, mostrar rotas de transação de mercadorias e comerciais, guerra pelo ouro, pelo diamante, pelo petróleo, seca, fome, campos férteis, Civilização.

A missão deles é criar reflexões, comparações, provar contradições. Provocar. Espalhar as cartas de diferentes naipes ideológicos. Buscar pontos de vista.

O paradoxo do movimento Escola sem Partido está na justificativa e seu programa: "Diante dessa realidade - conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos -, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções."

Mas como nasceriam as convicções dos pais que se criariam num mundo de escolas sem ideologia? E que doutrina defenderiam gerações futuras?

A escola não cria o filho, dá instrumentos. O papel dela é mostrar os pensamentos discordantes que existem entre nós. O argumento de escola sem ideologia é uma anomalia de Estado Nação.

Uma escola precisa acompanhar os avanços teóricos mundiais, o futuro, melhorar, o que deve ser reformulado. Um professor conservador proporia manter as coisas como estão. Não sairíamos nunca, então, das cavernas.


Marcelo Rubens Paiva é escritor, dramaturgo e jornalista.

sábado, 23 de julho de 2016

ESCOLA SEM PARTIDO, DIREITA SEM VERGONHA


A primeira vez que frequentei uma sala de aula, era muito jovem, e ainda estava na faculdade. Estava eu no meio de professores mais velhos e experientes, encolhido num canto, nervoso diante dos minutos que antecediam minha primeira aula.

De repente um professor, que vim a me relacionar muito bem mais tarde, se aproxima de mim e me fala quase aos cochichos: vai embora guri, te manda antes que seja tarde.

Lógico que me assustei com aquilo, mas, o colega continuou: se realmente der a primeira aula, vais te apaixonar, vai querer que a segunda seja melhor que a primeira e nunca mais vai deixar de ser professor e mal pago. Te manda, vai fazer outra coisa e ganhar dinheiro.

Não ouvi seu bem-humorado conselho (sim, ele estava brincando) e dei a primeira aula, dei a segunda e estou lecionando até hoje, trinta anos depois.

De certa forma, ele tinha razão. Lecionar sobre a história da humanidade é viver uma paixão de tal forma que ela só cresce e um professor de história será sempre um professor de história.

Por mais conhecimento que tenha o professor, se não tiver paixão, jamais será um bom professor.

Como falar sobre o homem, sua produção, suas escolhas e suas heranças sem paixão?

Como relatar a história de povos que foram ricos em descobertas e conhecimentos, mas que já desapareceram, sem um toque de saudade e mistério?

De que forma podemos falar da arte humana de reproduzir a realidade em que vive sem imaginar os dedos do artista, seus pensamentos e receios diante da obra?

Impossível viajar pela mitologia dos povos sem imaginar sua personalidade, seus sonhos, esperanças e decepções sem sentir um pouco da emoção que sonhos esperanças e decepções emanam.

Seria possível falar da contradição de um animal que progrediu tanto ´tecnologicamente que já faz transplantes, mapeia genomas, viaja no cosmos e cria máquinas maravilhosas como o computador, mas que, jamais conseguiu criar uma sociedade minimamente justa, sem um misto de indignação e deslumbramento?

Somos sim inteligentes e temos consciência de nossa existência. Fazemos milagres com nossa imaginação e trabalho, mas, ainda permitimos que crianças morram de fome, velhos morram abandonados e a violência ainda dite as normas em vários pontos do planeta.

Falamos de coisas antigas, mas que estão tão presentes hoje como ontem como fanatismo religioso, homofobia, fascismo, guerras e outras degradações humanas.

Como falar da história do Brasil sem nos emocionarmos com as mesquinharias das elites que mantiveram a escravidão ao ponto da exaustão num mundo que não mais admitia o trabalho escravo?

Daria para falar do holocausto judeu sem lembrar o maior de todos os holocaustos praticados contra as populações indígenas das Américas?

Ou do egoísmo da República Velha e seus coronéis donos do poder e das Leis?

Poderíamos permitir a crítica ao totalitarismo europeu sem lembrar da comédia dos integralistas brasileiros apaixonados por Hitler e Mussolini?

Não, não peçam a um professor de história que ele dê aula sem partido, pois todo relato histórico já exige em sua essência que se tome um partido.

Um professor não é um narrador, uma leitura mecânica sem alteração no timbre de voz.

O que nos move não é o salário, é o brilho de indignação e curiosidade nos olhos de nossos alunos. É provocar a inquietação e a vontade de saber mais.

Por isso, meu colega tinha razão, os salários são baixos, mas não perdemos a vontade de continuar lecionando já que cada inquietação que provocamos é uma nova esperança em dias melhores.

Não queiram nos tirar a indignação que as vezes nos levam às lágrimas como nos relatos de perseguidos e torturados por ditaduras criminosas.

A neutralidade não foi feita para poetas nem para contadores de história.

Melhor seria uma mídia sem partido, mas a simples menção da ideia provoca clamores de interferência na liberdade de informação. Mas, o que o professor de história faz também não é direito de liberdade de informação?

Melhor seria judiciário sem partido, polícia federal sem partido, ministério público sem partido.

A interpretação e aplicação da Lei sim, exigem imparcialidade, neutralidade e, se possível, ausência de emoção.

O pedido de uma escola sem partido vem da direita, pois, reclamam, os professores são majoritariamente de esquerda.

Então seria de se questionar, se aqueles que estudam história com método e com afinco em sua imensa maioria são de esquerda, não estaria a verdade dos fatos com essa maneira de ver as coisas.

Por que são tão poucos professores de história de direita?

Então, pensam os deputados direitistas, das bancadas do boi, da Bala e da Bíblia, se não é possível mudar a história que se mude o jeito de conta-la.

O que se pretende fazer com a Lei da Escola sem Partido é o mais sórdido fascismo.

Nós, professores de história, somos percentualmente poucos para definir qualquer resultado de consulta popular. Dependemos da vontade e da luta da população brasileira. Dependemos que pais e cidadãos não aceitem que seus filhos recebam aulas de uma história morta e mentirosa.

Uma vez perguntaram a Heródoto, o primeiro historiador com método e por isso conhecido como “o pai da história” por que ele dedicava tanto tempo viajando aos locais de batalhas para apenas registra-las se as batalhas já tinham ocorrido a muito tempo e ele não poderia modifica-las. Heródoto suspirou e respondeu “para fazer justiça”.

A história contada pelos vencedores, nem sempre é a história real e cabe ao historiador, com o fôlego que só o tempo pode dar, fazer justiça também aos derrotados.

Uma escola sem partido terá partido sim, o partido dos vencedores.

Não tirem as estrelas dos poetas, nem a emoção dos historiadores.



Prof. Péricles











quinta-feira, 21 de julho de 2016

AINDA OS SEIOS DE DUÍLIA


Por Clement Rosas

O escritor Aníbal Machado, pai da teatróloga e mestra em ficção infantil Maria Clara Machado, e irmão de Cristiano Machado, candidato dos comunistas à presidência da república em 1950, constitui um caso raro na literatura: ganhou notoriedade com apenas um de seus contos. “Viagem aos Seios de Duília” é o seu título, e marca presença em todas as antologias até hoje editadas no país.


Nele, conta-se a história do seu Zé Maria, funcionário público solitário que, ao aposentar-se, sente a vida vazia, e não se satisfaz com os lazeres dos círculos de aposentados como ele. Em casa, no então bucólico bairro de Santa Tereza, no Rio, imerso em reflexões, evoca, de repente, episódio de sua adolescência, em remota cidade do interior de Minas Gerais.


A jovem Duília, que seguia uma procissão, sentindo-se observada por ele, tem um impulso de irreverência, e, fugindo às vistas dos demais acompanhantes, exibe-lhe, num relance, os seios nus: “Quer ver? Quer ver mais?”. E nada acontece na sequência, além daquele deslumbramento passageiro.


Seu Zé Maria, então, concebe o plano de retornar à sua terra de origem e rever a criatura que lhe havia proporcionado aquele êxtase momentâneo, na esperança de que isso lhe pudesse trazer de volta as emoções da juventude e o gosto pela vida. Parte sem plano de regresso, e, ao cabo de uma viagem que começa de trem e termina penosamente em lombo de burro, chega à cidadezinha e encontra a sua antiga musa.


Não mais a Duília, é claro, mas a Dona Dudu, professora aposentada, viúva e cheia de filhos, que não o reconhece. Ao apresentar-se e tentar rememorar a cena, da qual a Dona Dudu possivelmente não se lembraria, dá-se conta da ilusão em que mergulhara. Sente que o encanto do passado estava perdido, e nada teria a esperar do futuro. Chora, e é consolado pela velha professora, que, vislumbrando enfim a razão do seu desencanto, esconde as próprias lágrimas. E ele se retira, desaparecendo nas sombras da noite que cai sobre a pequena cidade, em cenário adequado ao epílogo.


Refletindo sobre a história do velho funcionário, ocorreu-me pensar se haveria registro, no meu passado, de episódio comparável de arrebatamento.


É certo que não configuro bem o caso do nosso personagem: tenho mulher, filhos e netos, além de irmãos e sobrinhos. Não sou, nesse sentido, um solitário, embora traga comigo aquela solidão radical, inerente à condição humana, de que fala Miguel Torga, o escritor português, e que carregamos desde que deixamos o “materno lago amniótico, onde boiavam nossos corpos, sem alegria e sem dores”. Mas a veleidade de reviver emoções da juventude lateja no peito de qualquer idoso.


Para minha surpresa, o momento de enlevo que me ressurge é bem mais sutil. A minha Duília era uma namoradinha de olhos amendoados, de quem a vida me separou, por outras seduções que já não vale a pena lembrar. Estávamos sentados, de mãos dadas, em um banco da lagoa do Parque Solon de Lucena, aprazível recanto no centro da cidade de João Pessoa, que pode causar inveja a qualquer capital nordestina. Era aquela hora fagueira da tarde, em que as sombras se alongam e o brilho do sol se faz mais dourado. Completando o cenário, uma lua prematura mostrava o rosto ainda na luz declinante do dia, lançando reflexos prateados nas águas da lagoa.


Assim embevecidos, fomos encontrados pelo poeta Vanildo Brito, companheiro de geração e de roda literária, que nos chamou a atenção para a magia do quadro.


Mas por que recordo isso agora? Talvez apenas porque a poesia, que nos chegou nas palavras daquele amigo, tem o dom de transfigurar a realidade, perenizar emoções, fixar memórias. Minha Duília, que, hoje casada e mãe, imagino feliz, talvez também não guarde lembrança daquele momento. 

Mas se o acaso a fizer ler estas linhas, espero que lhe sejam amenas, como o são para mim agora, ao escrevê-las.



Clemente Rosas Ribeiro atuou como consultor e executivo de empresas privadas e, a partir de 1979, assumiu cargos de confiança no Governo de Pernambuco, sendo o principal o de Superintendente do Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco (CONDEPE). Durante oito anos ocupou o posto de Procurador Geral da SUDENE, aposentando-se em 2001, com a extinção da autarquia.



terça-feira, 19 de julho de 2016

TERRORISMO, RETORNO À IDADE MÉDIA


Por Celso Lungaretti


Tenho ojeriza profunda aos fanáticos religiosos que exumaram e exacerbaram o terrorismo clássico. Vale a pena explicar os motivos.

Ao contrário de considerável parcela dos articulistas ditos de esquerda, li muito Marx, Engels, Lênin e Trotsky nos meus anos de formação política. E aprendi que a abolição do capital e o fim da sociedade de classes seriam o coroamento da marcha civilizatória, o final de uma longa caminhada das trevas para as luzes, do tacão da necessidade para a plenitude da liberdade.

Então, como os autores citados, só posso considerar patética a tentativa de fazer o relógio da História retroceder à Idade Média, quando os pastores de cabras aceitavam que a idiotia religiosa regesse cada esfera da vida social e da moral individual, e acreditavam que dizimar infiéis lhes abriria as portas do paraíso.

Desde o aiatolá Khomeini, sou totalmente contrário ao oportunismo da má parte da esquerda que, trocando o marxismo pela geopolítica, alinha-se com os inimigos da civilização, apenas porque, casualmente, estão na contramão de EUA, Israel, França ou qualquer outro vilão da vez.

Quem justificou a chacina do Charlie Hebdo é cúmplice moral da matança na cidade estadunidense de Orlando. Considero simplesmente aberrante a esquerda, filha do iluminismo, dar as mãos a quem quer anular o iluminismo e todas as suas consequências!

Também me irrita profundamente a forma como os terroristas de Alá ajudam a indústria cultural a incutir no cidadão comum a paranoia face aos diferentes. O que a indústria cultural insidiosamente incute nos seus públicos, martelando sem parar?

A sensação de que tudo vai bem na vidinha de todos até que surge qualquer ameaça externa, como assassinos seriais, zumbis ou… terroristas. Os papalvos devem prezar a normalidade e temer unicamente aquilo que a quebre. É onde se encaixam, como uma luva, as bestiais matanças perpetradas pelo Estado Islâmico.

Desconheço autoproclamados inimigos do sistema mais convenientes para o dito cujo do que os carniceiros de Alá. O ataque pirotécnico da Al Qaeda ao WTC deu pretexto a uma longa e terrível temporada internacional de estupro dos direitos humanos, da qual finalmente estávamos emergindo quando o EI entrou em cena para fornecer novos e valiosos trunfos propagandísticos para os trogloditas da direita.

Se depender dos jihadistas, a guerra ao terror nunca acabará.

Por último, os verdugos de Alá, com seus atentados covardes contra civis e suas repugnantes execuções de prisioneiros, agridem de tal forma a sensibilidade dos cidadãos equilibrados que facilitam a disseminação de preconceitos contra qualquer forma de resistência armada a governos totalitários.

A direita deita e rola nesse clima de rancor cego, que propicia a satanização dos combatentes que, em situação de extrema inferioridade de forças, desafiaram heroicamente o terrorismo de estado nos anos de chumbo; propiciou a satanização de Cesare Battisti, mediante a afixação de um rótulo que nem sequer fora utilizado no momento dos acontecimentos (a Justiça italiana não o acusou nem condenara como terrorista). Serviu para socar-nos goela adentro uma lei que permitirá enquadrar as mais inofensivas formas de protesto como crimes gravíssimos.

Sou veterano de uma organização armada que erigia como inimigos apenas os torturadores, assassinos e dirigentes da ditadura militar, fazendo tudo para evitar que civis e os inconscientes úteis apanhassem as sobras dos confrontos. Preferíamos sacrificarmo-nos do que sacrificar os inocentes. Então, é chocante ao extremo para mim constatar a falta de um mínimo resquício de solidariedade, de compaixão, de empatia com outros seres humanos, nesses autômatos de Alá.

Os atentados são típicos de nazistas, de psicopatas!

“…quando olho para o rosto dos terroristas, o que vejo é a felicidade da matança. Eles não matam apenas por uma religião (que mal estudaram) ou por razões geopolíticas (que nem sequer entendem).

Eles matam porque gostam de matar… A parte bestial do ser humano não pode ser abolida da nossa natureza… Quando provamos a loucura da guerra, emergimos como o primeiro homem, o homem das cavernas.

…embalados pelo conforto da paz, somos incapazes de entender, muito menos aceitar, a felicidade (…) de homens como nós que provaram e gostaram do sangue. E que exatamente por isso querem mais e mais e mais –até que a morte nos separe“.





Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária.

domingo, 17 de julho de 2016

A TURQUIA E SUAS MENTIRAS


Poucos lugares do mundo encarnam tão bem a mentira como a Turquia.

Há décadas um povo é massacrado dentro de suas fronteiras, os Curdos, mas como a Turquia é de importância estratégica vital para conter a Rússia, o ocidente “defensor dos direitos humanos” faz de conta que não sabe disso.

Desde 1952 a Turquia faz parte da aliança militar do ocidente, a OTAN, sendo sua participação considerada vital por especialistas, porém, não é aceita na União Europeia embora tente fazer parte do grupo a 20 anos.

Mas, apesar de não fazer parte da UE, recebeu dela apoio para deter pela força, a massa de imigrantes que tentava entrar na Europa pelo Bósforo.

Faz de conta que é um dos nossos só não entra no nosso clubinho restrito.

Ao mesmo tempo que Europeus bajulam a Turquia que serve de escudo contra Síria e Iraque, que fariam fronteira com a Europa se a Turquia não estivesse no meio, renegam sua maioria muçulmana.

Ângela Merkel por mais de uma vez já deixou claro que teme a islamização da Europa a partir da inserção da Turquia no dia a dia europeu.

As mentiras e os “faz de conta” preponderam em abundancia em qualquer questão que envolva a Turquia.

O governo de Recep Tayip Erdogan, por exemplo.

Há 14 anos ele e seu partido, o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) estão no poder com as bênçãos e sorrisos satisfeitos dos Estados Unidos.

Para os norte-americanos Erdogan representa a união possível entre democracia e Islã.

Isso parece uma maravilha num país que nos últimos 50 anos conheceu quatro golpes de estado. O governo do AKP pareceu estável até mesmo nos piores momentos da Primavera Árabe que abalou as estruturas de estados vizinhos.

Mas tudo começaria a mudar a partir da crise econômica de 2008.

As dificuldades financeiras expuseram um quadro grave de tensões sociais e descortinou uma paz apenas aparente.

Como bom aprendiz de feiticeiro, Erdogan agiu como costumam agir os chefes de estado do ocidente diante de uma bomba relógio prestes a explodir em sua casa... atacou a casa dos outros.

Mas, a participação da Turquia na destruída Síria foi totalmente desfavorável ao governo que apoiou a oposição moderada, esmagada entre o EI e o governo de Bashar al-Assad.

Tentando recuperar protagonismo, a aviação Turca derrubou, em novembro do ano passado, um avião militar russo, perto da fronteira entre Turquia e Síria. Putin se irritou, ameaçou apelar e o governo da Turquia teve que pedir desculpas oficiais.

A emenda saiu pior que o soneto.

Nas eleições do ano passado, um pequeno partido, o Partido Democrático Popular, de tendência de aproximação com os curdos, conquistou, pela primeira vez, uma ampla bancada no congresso.

Talvez seja essa a causa da tentativa de golpe militar iniciada na sexta-feira, o velho e ancestral ódio aos curdos e o medo de perder as mais importantes fontes de petróleo que se localizam, justamente, onde outrora os curdos tinham sua pátria.

O discurso de defender a democracia por parte dos golpistas não só é mentiroso como é calhorda.

Ou talvez seja outra mentira e o golpe seja patrocinado pelo próprio governo em busca de recuperar espaços e encurralar ospró-curdos.

Felizmente, as notícias de reação do povo turco contra o golpe militar, vem trazer esperança de um pouco de verdade diante de tantas mentiras.

Em tempos de golpes e de fascismos não deixa de ser um alento ver jovens, do outro lado do mundo defendendo a liberdade.

Pena que seja do outro lado do mundo.




Prof. Péricles

sábado, 16 de julho de 2016

É DE SUA NATUREZA

Sabe aquela história da mulher que tratava uma cobra jararaca como se fosse filha?

Dava ratinhos fresquinhos para ela devorar e toda atenção fofinha do mundo... um dia a cobra a mordeu e ela morreu. Culpa da cobra? Claro que não, cobra é cobra, é de sua natureza.

Igual a estória do escorpião que tanto insiste que acaba convencendo o sapo a lhe atravessar na lagoa carregando-o às costas. No meio da lagoa o escorpião picou o sapo que antes de morrer ainda perguntou “por que fez isso, iremos morrer nós dois” ao qual o escorpião respondeu “sinto muito, mas é da minha natureza”.

Ninguém foge de sua natureza assim como ninguém foge de sua biografia.

O fascismo é um conjunto político de natureza perversa.

O fascismo estava na essência do Franquismo que provocou milhares de mortes na Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939.

Estava nos genes dos regimes de Mussolini e de Hitler que atearam fogo ao mundo e mataram milhões antes, durante e depois da segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Estava na alma de todas as ditaduras do século XX como em Portugal de Salazar, no Chile de Pinochet, na Ditadura Militar Brasileira e todas as outras ditaduras.

O fascismo é mal não importa com que cara santa se apresente, seja nas embaixadinhas com uma bola de futebol de Médici, no sorriso de Pinochet ou nos afagos de Hitler às crianças arianas.

O fascismo é mal porque é de sua natureza a exclusão, o autoritarismo, o racismo, a xenofobia e a homofobia.

Podemos mudar os perseguidos de acordo com o momento histórico e a geografia, mas o fascismo é sempre perseguidor.

A natureza do fascismo é o radicalismo, o ultra, sem concessões.

Por isso provoca tanta inconformidade a forma mansa como os defensores da democracia brasileira trataram e tratam os fascistas de hoje.

Não se dá leitinho às cobras.

Ao evitar combater o monopólio de uma rede de telecomunicações sabidamente envolvida com golpismo no passado, os governistas brasileiros não foram democráticos como imaginavam... foram tolos.

Tratar com democracia quem odeia a democracia não é nobreza, é burrice.

Hoje apenas começam a aparecer os elementos que formataram o golpe parlamentar-midiático-jurídico no Brasil, que tirou do poder uma presidente legitimamente eleita sem cometimento de ilícito e já se sente o cheiro de enxofre, assim como se percebe pistas de interesses estrangeiros por trás de toda a trama.

Muito mais ainda será descoberto, espera-se que não só daqui a vinte anos.

Se considerarmos que a primeira função de um governo democrático é a defesa e a manutenção da democracia, esse foi o maior erro e o maior fracasso do governo que caiu apesar de eleito por mais de 54 milhões de votos.

O fascismo é mal, é coisa ruim, é criminoso, não importa o tom da gravata e o estilo elegante do paletó de seus defensores.

Porque é de sua natureza a intolerância e o autoritarismo.

E os fascistas não deveriam jamais ser tratados a pão-de-ló, mas extirpados como erva-daninha, como dizia o saudoso Leonel Brizola, esse sim, um campeão defensor da democracia.



Prof. Péricles