sexta-feira, 27 de maio de 2016

IMPRÓPRIA PARA MAIORES DE 50 ANOS


O jovem desolado, mãos nos bolsos, caminha tenso pela calçada vazia de uma noite que ficou para trás.

Sua rebeldia acumulada luta para escapar do peito e transformada em gritou assustar a fauna noturna que já dorme nos becos.

A repressão dos tempos negros daquela época em que qualquer tipo de comportamento rebelde era perigoso para saúde estava sempre atenta a gritos fugitivos que se escondiam nos becos.

Eram tempos em que, quem não suportava as injustiças e as ordens opressoras não tinha para quem apelar, a não ser, para seus próprios deuses imaginários. E esses deuses eram seus únicos amigos confiáveis, naqueles tempos.

Dia haverá de chegar, pensava ele, em que todos os ouvidos estarão abertos aos apelos dos perseguidos.

Não há madrugada que não acabe, pensava ele enquanto chutava uma lata, sempre haverá um novo amanhecer.

Muitos anos depois o jovem já não é mais jovem, embora seus sonhos esqueçam disso e insistam em ter as mesmas cores de antigamente.

E para sua imensa surpresa ele se pega novamente chutando lata.

Novos gritos se recusam às masmorras da ordem estabelecida.

A repressão dessa vez, não tem a face suja de sangue como antigamente, mas tem nos olhos aparência mais sinistra, talvez, devido aos comerciais.

A quem apelar em pleno estado de direito, se são os juízes que escolhem o que ouvir, a quem julgar, que listas devem ser apuradas ou esquecidas?

A quem pedir justiça se ela foi privatizada e agora tem dono?

Nos tempos antigos os perseguidos eram listados por organismos cujas siglas tornaram-se sinônimas de terror: DOPS, OBAN, SNI e tantas outras.

Nos tempos novos os perseguidos são selecionados em gabinetes refrigerados, por equipes profissionais que escolhem as notícias e as versões que serão impostas ao povo.

São nos estúdios e editoras que se traçam destinos e se praticam torturas.

Se antes os profissionais se envergonhavam, de sua própria brutalidade escondendo da própria família sua “rotina de trabalho” hoje, os profissionais da mentira vestem roupas limpas, ganham bons salários e se orgulham do que fazem.

Antes o inimigo era bem definido, usava farda. Agora, é invisível, ou melhor, é bem trajado e maquiado.

Dia virá em que tudo isso será reescrito e redefinido.

Dia virá... bolas, mas até lá, como esconder tanta patifaria e canalhice?

A geração mais velha prefere a luta direta do que a farsa de uma democracia prostituída.

Essa é uma ditadura imprópria para maiores de 50 anos.

Muito difícil jogar um jogo de cartas marcadas. Melhor mesmo a fria bala do fuzil.

É mais dura, porém mais sincera.



Prof. Péricles

quarta-feira, 25 de maio de 2016

AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO

Por MARCELO ZERO

Após o golpe, tudo volta ao normal. Tudo volta ao que manda a tradição. As instituições funcionam.

O poder voltou para seus detentores tradicionais: homens brancos, ricos e conservadores. Homens de religiosidade rígida e moral flexível. Homens de contas suíças e política hondurenha, como manda a tradição. As mulheres voltam ao lar e os negros à senzala, como impõe a tradição.

Para conciliar a nação e unir o país, iniciou-se à caça às bruxas contra petistas, progressistas, “bolivarianos”, defensores dos direitos humanos, gays, “abortistas”, “artistas vagabundos” e toda essa fauna que nunca deveria ter chegado perto do poder. Estão fora, como sempre foi na nossa normalidade democrática. Talvez sejam presos, talvez torturados, como reza nossa mais bela tradição.

Na Esplanada, os ministros, na falta de ideias e propostas, dedicam-se a “rever tudo o que foi feito”. Não fazem; reveem o que foi feito. Editam e reeditam a mesma medida provisória várias vezes. Fazem e desfazem ao mesmo tempo, num confuso ioiô cultural. Desfazem até o que eles mesmos fizeram. Esse governo não governa. Esse governo desgoverna. Como era a tradição. Como era normal.

Fazer, mesmo, só o déficit monumental. Deram a si mesmos um enorme cheque em branco para evitar as acusações que eles mesmos utilizaram. À população darão os tradicionais e sombrios pacotes de maldades. Tudo como esperado.

No Senado, prepara-se o rito sumário do julgamento de cartas marcadas iniciado por Eduardo Cunha por vingança política. Segue-se escrupulosamente o rito, faz-se a inescrupulosa condenação sem crime. Sem mérito, mas com muitas formalidades e salamaleques. Como manda a tradição.

Na Câmara, o chefão acusado por um cruel, malvado e anônimotrust suíço continua a mandar no país, mediante seus subordinados no Planalto. Tudo certo.

A mídia plutocrática, antes o maior partido de oposição, volta a ser um diligente partido da situação, defendendo os verdadeiros donos do poder. Como determinam a tradição e a normalidade.

Após cumprir o cívico papel de criminalizar o PT, as gavetas das instituições de controle voltarão a se encher com processos incômodos. Como era a tradição.

As ruas voltam a ficar vazias e as bandeiras do Brasil regressam aos baús cínicos da indignação seletiva. Como sempre foi. As panelas tornam a silenciar em homenagem à normalidade restaurada.

O Itamaraty, que fez silêncio obsequioso ante o atentado à democracia, agora dirige decibéis grosseiros contra potências imperialistas como Nicarágua e El Salvador, que ameaçam a soberania e a imagem do golpe. Volta-se a falar grosso com a perigosa Bolívia. Promete-se, no entanto, mansidão de trato com países pacíficos e modestos, como os EUA. Volta-se ao normal.

Os pobres, que haviam entrado de modo solerte no Orçamento, preparam-se para dele sair. A pinguela para o passado prepara os cortes no Bolsa Família, no Minha Casa Minha Vida, na saúde pública, no Prouni, no Fies, no Pronatec, nos institutos federais, nas universidades. Afinal, a constituição cidadã e os pobres não cabem no Orçamento. Nele cabem apenas rentistas e ricos. Como reza a nossa gloriosa tradição de exclusão.

Os médicos estrangeiros sairão do país, os negros e pobres sairão das universidades, as crianças do Bolsa Família sairão das escolas. Os sem casa voltarão às ruas, as crianças retornarão aos sinais, pobres e negros voltarão às favelas e às filas do desemprego. Gays e transexuais voltarão á marginalidade. Mulheres regressarão ao seu lugar. Trabalhadores deixarão a proteção legal da CLT e voltarão à precariedade e ao subemprego. Quem foi à classe média retornará à pobreza.

Toda essa “herança maldita” de igualdade será revista, seguindo nossos sólidos cânones históricos, que sempre privilegiaram os privilegiados. Como deve ser.

Os aeroportos serão, de novo, apenas dos abastados e o poder será somente de quem pode. Tudo voltará ao normal. Reza a tradição que o Brasil é para poucos.

Quem entrou na Casa Grande, voltará à Senzala. Como sempre foi, como deve ser.

Não se preocupem. No Brasil, as instituições estão funcionando.



MARCELO ZERO é Sociólogo, especialista em relações internacionais e assessor da Liderança do PT no Senado








sábado, 21 de maio de 2016

PEDALADAS DO AMOR


Transformar o ódio em diálogo e a intolerância em arte.


Os caminhos da paz são mais suaves do que os da guerra.


A Praça Salvador, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro sempre foi uma espécie de local de encontro de militantes onde debates espontâneos sobre a triste conjuntura atual brasileira é discutida.


Ali nasceu o coletivo “A Esquerda da Praça.


Muitas vezes, de seus encontros surgiram planos de mobilização e resistência contra o vergonhoso golpe impetrado no Brasil.


Todas as atividades sempre foram pacíficas e ordeiras, tendo, inclusive o apoio dos moradores locais.


Dia 18 desse mês de maio, os estabelecimentos comerciais daquela região amanheceram pichados com mensagens de intolerância e homofobia típicas do fascismo, com apologia ao ódio aos partidos de esquerda.


A indignação da militância esquerdista, no entanto, lançou um outro olhar sobre como reagir às agressões fascistas.


Seu Luiz, dono de uma papelaria que teve suas portas pichadas adorou a ideia da meninada de, por cima das inscrições beligerantes permitir que artistas de rua criassem uma obra em grafite (foto).


Outros comerciantes invejaram seu Luiz e pediram também uma obra em seus estabelecimentos.


Alguns artistas grafiteiros, mesmo não participando do coletivo “’A Esquerda da Praça”, compareceram voluntariamente para ajudar nos trabalhos.


Ideia interessante e feliz.


Das agressões visuais surgiu uma Praça mais bela e humana.


Seria uma benção ao nosso povo se fosse possível transformar toda agressão em arte, toda intolerância em aproximação.


A arte acalma as feras e agrada ao coração.


Dizem que Hitler tornava-se dócil como criança ouvindo Wagner.


Talvez o melhor mesmo seja implantar outras “Praça Salvador” ao longo de nossas ruas e cidades.


Que se produza arte ao sabor da paz, como foi “Pedaladas do Amor” o trabalho em grafite na papelaria do seu Luiz.




Prof. Péricles

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O HOMEM QUE SE APAIXONOU POR UMA PAINEIRA



Por Moisés Mendes

Contei ao biólogo Flávio Barcelos Oliveira que uma figueira da Avenida Juca Batista, na zona sul de Porto Alegre, é a minha árvore preferida. Flávio é funcionário da Secretaria do Meio Ambiente (Smam) e quem mais conhece as árvores de Porto Alegre.

Quando falei da figueira, ele me disse: eu sei qual é. E sabia. A figueira está perto da rótula da Serraria e foi mantida sobre a calçada quando alargaram a avenida, há mais de 10 anos. É uma árvore vulnerável.

Se um dia o progresso alargar de novo a Juca Batista, a figueira será ameaçada, mesmo que todos os Flávios da Smam tentem protegê-la. Durante a semana, passo pelo menos duas vezes por dia pela figueira e penso se em algum momento ela não será um estorvo para os carros.

Flávio me ouve e depois me conta a história da sua árvore preferida. É uma das mais belas histórias de árvore que já ouvi. Começa em 1978, quando ele, aos 23 anos, é técnico agrícola da Smam.

Determinam que Flávio examine as copas das árvores da Avenida João Pessoa, para implantação do corredor de ônibus. Sobre a calçada, passando a esquina com a Princesa Isabel, do lado esquerdo de quem vai para o centro, ele e um colega veem uma muda de paineira de um metro de altura.

A árvore iria crescer e as raízes poderiam estourar a calçada. Decidem cavar e retirar a paineira. No lugar, colocam uma muda de jacarandá. É quando um homem grita da janela do prédio em frente:

— Parem, seus ladrões de mudas. Essa paineira é minha.

O homem desce. Eles argumentam que a Smam cuida do espaço público e que a paineira estaria bem em outro lugar. O homem não aceita. A paineira é dele. Vencidos, os dois retiram o jacarandá, recolocam a paineira no buraco e recomendam que o homem faça uma espécie de proteção com leivas, para que as raízes se acomodem ali.

Seis anos depois, o homem aparece, ao acaso, na sala de Flávio na Smam. Diz que uma paineira está estourando a calçada. O agora biólogo percebe que o dono da paineira não o reconhece e então se apresenta:

— Eu era o ladrão de mudas lá de 1978. Mas agora é tarde demais.

O homem vai embora. Mas volta à Smam mais duas vezes para tentar remover a paineira. Os vizinhos viam as raízes como ameaça. A árvore chegara aos oito metros. Flávio resiste e vence. A paineira sobrevive. As raízes se esparramaram e hoje quase tomam conta da calçada.

O biólogo vai se aposentar no dia 18 de agosto, no exato dia em que completará 42 anos de Smam. Essa é a história que mais emociona o protetor das árvores de Porto Alegre. Flávio me disse:

— Depois da tempestade, a primeira coisa que fiz foi ver como ela estava. Está bem. É a paineira mais bonita da cidade. Podem até dizer que não é, mas eu me apaixonei por ela.



Moisés Mendes era jornalista do jornal golpista Zero Hora de Porto Alegre/RS.
Por ser voz solitária em defesa da democracia foi desvinculado do jornal no mês de março.
Ao Moisés Mendes nosso respeito e nossa solidariedade. 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

BRASIL LILIPUT















Por Mino Carta



O afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara estava escrito no script da conspirata. Ele paga o pato (obviamente, não o da Fiesp) para que Michel Temer e outros não paguem por coisa alguma.

Passo seguinte: a devolução das investigações a respeito de Luiz Inácio Lula da Silva à sanha de Sergio Moro. Ousada demais a previsão da condenação final do ex-presidente da República, último e principal objetivo de caudalosa manobra?

Como disse Massimo D’Alema, a prisão de Lula acentuaria o sabor do golpe e abriria a perspectiva de “um confronto lacerante”. Mas não seria a detenção de Lula a última passagem do script? O impeachment de Dilma Rousseff não passa de uma etapa do golpe, outras hão de vir.

Nunca aos meus olhos foi tão evidente a prepotência dos eternos donos do poder, prontos a aproveitar o momento de fragilidade de um país, por eles mesmos condenado a não passar de exportador de commodities, para desferir um golpe de feitio inédito.

Os conspiradores vitoriosos não hesitam em se apresentar como patriotas quando nada fizeram por sua terra ao satisfazer apenas e tão somente a sua ganância.

Elite da pior qualidade, incapaz até de entender as vantagens que o capitalismo tem condições de oferecer à nação em peso pelos caminhos que em outros tempos Antonio Gramsci definiu como fordismo.

Devemos à dita elite nativa a permanência da senzala, a educação precária do povo, a saúde mais ainda. Mas os próprios autores da desgraça não primam pela sabedoria, pela cultura, pela visão profunda das coisas da vida e do mundo. Em geral, toscos até a medula, embora arrogantes.

De certa forma criaram o país que lhes convém, e tragaram na esteira dos seus comportamentos quem haveria de resistir e apontar a direção certa. Aludo inclusive ao PT. Imaginou ter atingido o estágio senhorial e se portou no poder como os demais pretensos partidos.

Na tentativa de imaginar o que virá, é fácil antever o futuro. O loteamento dos bens brasileiros, o distanciamento dos BRICS para a alegria de Tio Sam, Alca em lugar de Mercosul. Etc. etc. Antes ainda, a punição do trabalho, e aqui a alegria será da Fiesp e quejandos. Antes de tudo, a punição do Brasil e da maioria abandonada ao seu destino, em boa parte incapaz de perceber e avaliar a imponência da tragédia.

O que espanta é a profusão de bandeiras desfraldadas, a enfeitarem fachadas e carros, ou envolverem cidadãos ignaros. Celebra-se, igual à conquista de uma Taça do Mundo, o enterro do Estado de Direito. O espetáculo é assustador sem deixar de ser patético, reação parva, para não dizer demente, à fatal prepotência cometida contra qualquer propósito democrático. Se quiserem, contra quem se embandeira.

Suponho que, se Gulliver decidisse hoje partir na rota de Lilliput, não teria maiores dificuldades ao aportar no Brasil.

sábado, 14 de maio de 2016

O MAIS TRISTE


Deixando de lado o discurso político e as palavras doces, e definindo as coisas pelo seu nome popular, tudo isso que vimos acontecer na política brasileira deve ser definido como golpe, imoralidade, mas, acima de tudo, como algo muito triste.

Mas, de todas as tristezas, qual foi a mais dolorosa?

O fato de 54 milhões de votos serem desconsiderados é chocante, claro.

Assistir ao vivo uma rede de televisão, a maior do país, despir-se do manto da neutralidade e atuar mais do que qualquer partido político. Destacar pessoas e falas e omitir outras, é assustador.

E sem dúvida, que ver a Polícia Federal, que por coerência em suas funções sempre foi discreta, aparecer todos os dias na televisão, ou juízes incorporando bocejos de celebridade, foi de lascar.

E o STF, nossa suprema corte, sempre a última esperança, o bastião da neutralidade? Como doeu ver a suprema corte tomando partido pelo golpe.

De todos os fatos absurdos dois, provavelmente, serão sempre lembrados sem muito esforço: o caso de um ex-presidente ser levado coercitivamente a depor sem nunca ter sido chamado antes e o fato de um processo que pedia a exclusão do presidente da Câmara dos Deputados ter ficado cinco longos meses engavetado no STF e desengavetado depois que tudo já tinha se decidido.

O golpe impetrado pela maioria do parlamento, tido como pior já eleito no Brasil, teve a parceria vital da mídia e do sistema jurídico do Brasil.

Homens como Tche Guevara alegavam que a revolução armada era necessária pois, nas regras da democracia burguesa jamais um governo popular seria eleito e se fosse não teria governabilidade e se tivesse seria derrubado.

Vendo o que aconteceu no Brasil somos obrigados a concordar com ele.

Mas, o que foi mais triste nessa sujeira histórica praticada do Brasil, ainda não foi nada disso.

A maior de todas as tristezas foi ver parcela majoritária da classe média despejar seu ódio contra qualquer avanço das classes mais pobres.

No golpe nazista na Alemanha utilizou-se o anti-sionismo como combustível na fogueira do ódio. No Brasil o fascismo usou o antipetismo.

Mas, o petismo não é uma etnia, nem uma ideologia, muito menos uma religião.

O petismo, no caso, representava políticas sociais que alavancaram os mais infelizes do Brasil do pior estado de miséria para uma situação remediada.

Por isso o antipetismo é, na verdade, anti-pobre, anti-melhorias sociais, anti-negro na faculdade.

O que mais dói é perceber como nosso povo é anti.

É perceber, sem direito a qualquer ilusão, o quanto é medíocre o pensamento do dito, brasileiro médio.

O mais triste de tudo isso é perceber que ainda estamos longe de ser uma nação e como estamos próximos das mais mesquinhas sensações, moralmente indigentes e egoístas.



Prof. Péricles