segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

ARACNE, FHC E A INVEJA


Ninguém propala sua inveja em relação a outro aos quatro cantos.

Ao contrário, com exceção dos ataques agudos de inveja, o invejoso disfarça como pode, pois, teme que sua inveja sirva como um atestado de inferioridade.

Por isso, o invejoso nega sua própria inveja.

Mas, algumas invejas são tão intensas que nem o porão mais escondido na alma consegue disfarçar.

É o caso da deusa Atena em relação à Aracne.

Aracne era uma tecelã talentosa. Todos admiravam sua habilidade.

Fiava com mãos mágicas e os elogios que recebia eram sempre intensos e verdadeiros.

Certo dia, ao buscar sua encomenda, um rico homem de negócios de passagem por aquelas bandas ficou tão encantado com o trabalho de Aracne que comentou “só Atena seria capaz de criar algo mais bonito que isso”.

Sabe como são as tecelãs... Aracne ficou indignada com a observação e disse que se pudesse desafiava Atena para um duelo de tecelagem para ver mesmo, ora bolas, quem era a melhor. 

Todos tentaram tirar isso da cabeça da guria, pois, as deusas gregas eram conhecidas pela sua irritabilidade e falta de espírito esportivo, quando perdiam, claro.

Mas, as palavras chegaram aos ouvidos da poderosa deusa que de repente, apareceu trazendo consigo dois teares para enfrentar o desafio.

Amigos de Aracne suaram frio, pois sabiam que aquilo não iria terminar bem. Mas Aracne, com a confiança que só a vaidade dá, permaneceu desafiadora.

As duas começaram a trabalhar dando o máximo possível no que faziam.

Muitas horas depois Atena olhou o que a rival fazia e teve que reconhecer que o talento da mortal era extraordinário e maior que o seu.

Mas, bem capaz que Atena aceitaria sair daquilo derrotada.

Mulheres... ou melhor, Deusas...

Bem, a esperta divindade passou a bajular a rival. Reconheceu que ela até tecia bem e poderia vir a ser muito boa mesmo.

“Amiga, tenho uma proposta pra te fazer”.

E propôs que as duas acabassem agora o desafio já que ela, Atena, era uma deusa muito ocupada e tinha compromissos urgentes no Olimpo, mas, que se a moça aceitasse deixar pra lá, no zero a zero, ela a transformaria na maior tecelã de todos os tempos, e que seria incomparável a qualquer outra.

Aracne, ingênua, aceitou e a temida deusa a transformou numa aranha (de onde vem aracnídeo).

É o caso também de FHC.

FHC que no tempo da ditadura era considerado uma estrela da esquerda, lá no conforto distante das lutas, e que sempre foi reconhecido como um intelectual, governou o Brasil por oito anos.

Seu governo foi frágil.

Seguindo a receita neoliberal, privatizou empresas públicas, e privatizou mal, sem nenhuma vantagem concreta ao país.

A inflação chegou a 70%, os salários congelaram (dos funcionários públicos literalmente congelaram) e a distância entre ricos e pobres só aumentou, como sabemos ser consequência das políticas neoliberais.

Não se criou nenhuma faculdade, nenhuma reforma estrutural no país em nenhum setor estratégico.

O pobre continuou pobre, e até mais pobre e essa população não guarda nenhuma saudade do “príncipe dos sociólogos”.

Quem elogia FHC e acredita nas suas explicações são seus correligionários e a mídia, mas FHC é vaidoso. O que ele queria mesmo era a admiração do povo.

Lula tem apenas o ensino fundamental.

Líder sindical sempre foi desdenhado por supostos erros de concordância e completa falta de lustro intelectual.

Lula também ficou oito anos no governo, mas, nesses oito anos promoveu políticas sociais de intensa repercussão entre os mais pobres.

O Fome Zero, o Bolsa Família, Luz Para Todos e os programas na área de ensino fazem de Lula um ídolo entre os miseráveis até de fora do Brasil.

FHC como bom invejoso não fala isso, nem jamais falará, mas lá dentro, caramba como deve doer a inveja!

Ele sabe quais serão os comentários nos livros futuros de história quando a mídia amiga não mais poder defende-lo. Sabe que, inevitavelmente os dois governos serão comparados. Ele sabe, e isso dói no intelectual vaidoso, mais até do que no político.

Se pudesse, ele faria como Atena, proporia pra Lula deixar pra lá as disputas e se tivesse poderes da grande deusa, transformaria Lula num sapo barbudo.

Mas, não pode.

Por isso, silenciosamente, está por trás de toda a sanha golpista dos últimos meses.

Não é por ideologia ou por motivos conceituais.

Porque assim como Atena, FHC também não sabe perder.

Pura inveja.



Prof. Péricles 

sábado, 12 de dezembro de 2015

ORFEU, NÃO OLHE PARA TRÁS

Orfeu e Eurídice



Era uma vez um jovem chamado Orfeu.

Filho da musa Calíope, inspiradora dos poetas e do rei Eagro da Trácia, numa versão, ou, do próprio deus Apolo, em outra versão.

Era músico e o maior e mais inspirado poeta que o mundo já conheceu.

Sua arte era tão poderosa que, foi capaz de silenciar as sereias usando apenas o seu próprio canto.


Diziam que quando Orfeu tocava sua lira, que ganhou de Apolo, silenciava até o murmúrio dos ventos, das águas e o canto dos pássaros.

Já Eurídice era uma ninfa. Linda. Maravilhosa. Quando era vista, nua ou quase nua por algum mortal, embasbacava o pobre coitado.

Era desejada por deuses e criaturas mágicas. Por homens e mulheres.

Orfeu conheceu e se apaixonou profundamente por Eurídice.

Por sua vez, Eurídice se apaixonou por aquele artista maravilhoso.

A relação entre eles era harmoniosa e sob a inspiração do poeta e de sua música faziam amor nos campos sem fim do mundo mitológico grego.

Himeneu, o deus das paixões e dos matrimônios abençoou os dois quando resolveram casar.

Porém, a tragédia iria se abater sobre o casal apaixonado.

Na véspera do casamento, outro filho de Apolo, Aristeu, tentou seduzir Eurídice.

Tentando fugir de suas armadilhas inconvenientes, a ninfa acabou pisando numa serpente venenosa que a picou, provocando sua morte.

Orfeu enlouqueceu de dor.

Sua poesia calou, seus dias escureceram e tudo em sua volta ficou mais triste.

Inconformado e cego de dor, levando apenas sua Lira, empreendeu uma perigosíssima viagem ao Mundo dos Mortos para trazer de volta sua amada.

Movido pelo amor e transtornado pela dor percorreu vales sombrios e campos inteiros sem nenhum sinal de vida.

Não havia flores e frutos nas árvores, nem peixes nos rios.

Mas, Orfeu não recuou obcecado para rever a mulher da sua vida, dona de seu coração.

Na solidão do mundo dos mortos Orfeu toca sua Lira e canta para espantar a dor.

E é seu canto mavioso que amolece o mais duro dos corações, o coração de Caronte, barqueiro condutor das almas pelo rio Estige, que a princípio negava-se a transportar vivos no reino dos mortos.

O som de sua Lira faz dormir Cérbero, o terrível cão de três cabeças que guardava os portões do reino dos mortos.

Além disso, enquanto avança, o som de sua música maravilhosa aliviava os tormentos e angústias das almas condenadas ao sofrimento.

E, finalmente, Orfeu se vê diante do trono de Hades, o deus dos mortos, tendo ao lado sua esposa, Perséfone.

O poeta não resiste ao acúmulo de suas dores e chora como criança pedindo clemência à Hades para que possa levar Eurídice para o reino dos vivos. Seu choro é pungente, vindo do fundo do coração e comove a todos em sua volta, menos a Hades.

Porém, Perséfone, sensibilizada, implora ao marido que dê uma chance a Orfeu.

O senhor dos mortos acaba cedendo, Eurídice poderia voltar com Orfeu ao mundo dos vivos, mas impõem uma condição: Orfeu não pode olhar pra sua amada até que a luz do sol atinja os dois.

Eufórico Orfeu agradece muito à Perséfone e parte de volta para casa. Vai na frente segurando Eurídice pela mão e sem voltar o rosto. Toca músicas de alegria, numa verdadeira euforia contagiante. Nunca o mundo dos mortos viveu momentos tão alegres.

Algum tempo depois, perto da saída, ocorre o que não poderia ocorrer.

Segundo alguns por não aguentar as saudades, por outros, pelo medo de ter sido enganado por Hades, não se sabe bem, mas a verdade é que Orfeu vira-se para olhar Eurídice.

Por alguns instantes ele a vê, mas em seguida sua imagem começa a desaparecer lentamente.

Ambos choram, Orfeu caí de joelhos, mas o desaparecimento não cessa e em pouco tempo ele se vê sozinho novamente, segurando sua lira e não contendo a dor em seu coração.

A triste história de Orfeu e Eurídice nos lembra de que tudo começa com um desejo, mas que todo desejo possuí suas condições, seus limites, facilmente ultrapassados pela nossa invigilância e impulsividade.

Muitas vezes o que mais ansiamos é ter uma nova oportunidade, mas, geralmente, não estamos preparados para ela, pois mantemos os hábitos mais antigos.

Temos que confiar que seguindo o caminho encontraremos as respostas que amenizem nossas dores apenas quando atingirmos a luz do sol da consciência.

Devemos confiar mais no futuro e não olhando para trás, para o que já passou.

O futuro, sem dúvida é mais radioso e iluminado, é só acreditar.

Quanto a Orfeu, diziam os gregos nas conversas de fim de noite, nunca mais recuperou a paz e a felicidade, tornando-se um artista preso à sua dor e a seu arrependimento.

Sua arte ficou triste, seu semblante nunca mais recuperou o brilho.

Passou a aconselhar as pessoas, especialmente nos assuntos de amor e isso deu origem à expressão “orfismo”, uma ação em que o conselheiro resolve os problemas de todos, menos os seus.

Orfeu nunca mais quis saber de outra mulher, embora fosse constantemente assediado, especialmente pelas Mênades (furiosas) que eram mulheres adoradoras do culto a Dionísio.

Lascivas, incoerentes, perigosas, faziam o sexo mais enlouquecido e descompromissado que se possa imaginar. Sedução, embriaguez, violência, ligadas as forças mais primitivas da natureza, as tornavam temidas até pelos deuses.

Desprezadas, coisa que não podiam suportar, faz Mênades, acabaram num surto de desejo reprimido, num contraste de amor e ódio, matando Orfeu.

As nove musas, incluindo sua mãe, Calíope, sepultaram seu corpo no Monte Olimpo.

As assassinas foram punidas sendo transformadas em silenciosos carvalhos.

Não há lágrimas para esse final, pois, segundo os gregos, finalmente, no mundo dos mortos, Orfeu e Eurídice puderam se reencontrar, que era o que mais queriam.




Prof. Péricles



quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

TRISTE APRENDIZAGEM



Nesses tempos complicados que estamos vivendo, de uma coisa a gente não pode se queixar: a falta de aprendizagem.

Poucos momentos foram tão pródigos em lições e descobertas.

Por exemplo, juro que não sabia que o cargo mais poderoso do Brasil fosse o de Presidente da Câmara de Deputados.

Imaginava que o Presidente fosse o agente político mais poderoso, ou o vice talvez, mas nunca imaginei que presidente da câmara fosse o único a manter os poderes absolutistas que eu até julgava que não existissem mais.

O presidente da câmara faz o que bem quer. Bota em votação, tira de votação, decide como se vota, quem vota, mexe na fila de espera, prende e arrebenta.

Grande surpresa! O presidente cheio de limitações aos seus poderes e o Presidente da Câmara dá as cartas e joga de mão.

Outra coisa que eu não imaginava: um processo de impeachment  pode ser aberto contra a autoridade sem nenhuma acusação real.

Eu sempre pensei que o presidente respondesse ao “impedimento” se houvesse indícios fortes e concretos de prática de algo ilícito ou improbo. Afinal, a CPI do PC Farias somente incluiu a figura do presidente Fernando Color quando apareceu um cheque que o ligava diretamente a um carro Fiat Elba envolvido em fato corrupto. Só aí, com o fato concreto, Color passou foi “impitchmado”.

Agora aprendemos que não precisa. Basta que o Presidente da Câmara, aquele cara mais poderoso do Brasil queira e pronto, está iniciado o processo.

Isso é assustador pois todos nós sabemos que o simples fato de responder a uma coisa dessas tráz desgaste à honra do acusado, independente de culpabilidade.

É como se eu ou você respondêssemos por roubo ou furto sem absolutamente nada indicar a nossa autoria. Mesmo inocentes o “peso” jamais sairá da nossa história.

Tudo bem, talvez eu seja mesmo ingênuo, mas também não imaginava que a mídia pudesse criar as notícias, ou, pelo menos, mascará-las dando ênfase a umas e ignorando outras.

Na minha santa ignorância eu acreditava que, por ser uma concessão, a mídia estivesse obrigada por algum código legal a transmitir todas as notícias.

Descobrimos que a mídia, que já foi chamada de “quarto poder”, no Brasil, é o primeiro poder.

Finalmente. Eu não sabia que dignidade e vergonha na cara pudessem ser “administradas” de acordo com as simpatias e interesses das pessoas.

Explico melhor. Eu não sabia que gente que se diz de bem e honrada pudesse apoiar um bandido, reconhecida e comprovadamente bandido, desde que ele ameace alguém que não é de sua simpatia. Tipo, apoiar o traficante do bairro se esse for inimigo do teu desafeto.

Onde será que essa gente de bem guarda sua ética.

Estúpido que eu sou. Acreditava nas gentes de bem.

Tempos tristes. Tempos tensos e de decepções.

Mas, definitivamente, tempos de descobertas.



Prof. Péricles

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A NOITE EM QUE O BRASIL SIFU



POR EQUIPE CORREIO DO BRASIL


“Em que momento o Peru tinha se f…?”, pergunta Mario Vargas Llosa na abertura de “Conversa na Catedral”. Talvez a indagação seja mais fácil de responder no caso do Brasil: foi em 25 de abril de 1984.

Era uma noite úmida e estávamos na Praça da Sé, esperando o País renascer. A Câmara Federal apreciava a Emenda Dante de Oliveira e um gigantesco placar fora erguido para permitir o acompanhamento voto a voto.

Antes, ouvimos discursos e mensagens augurando vitória. Depois, foi a derrota que se desenhou aos poucos, enquanto a garoa aumentava.

Por fim, o longo caminho de volta para casa. Uns poucos exaltados e querendo briga, os outros cabisbaixos, sem ânimo para mais nada.

Fazia 11 dias que minha primeira filha nascera. Não lhe legaria o Brasil de meus sonhos. As músicas, as passeatas, as concentrações-monstro na Sé e no Anhangabaú, o amarelo que usávamos nas roupas para simbolizar a adesão às diretas-já… tudo em vão. Algumas centenas de deputados haviam permanecido alheias à vontade nacional.

Sairíamos da ditadura pela porta dos fundos, como parece ser nossa sina. Do descobrimento do que já se sabia existir à independência para inglês ver, todos os momentos solenes da nossa História têm um quê de farsa e bufonaria. Mas, por Deus, daquela vez quase todos fizeram sua parte!

No rescaldo da derrota entraram em cena os profissionais — conforme anunciou Tancredo Neves, aludindo a si próprio e a seus iguais. E, se poucos votos faltaram para o restabelecimento imediato das eleições diretas, muitos apareceram para ungir, por via indireta, o candidato da Aliança Democrática.

É claro que, no primeiro caso, os congressistas eram convidados a abrir mão de seu próprio cacife; e a segunda ocasião significava a hora das recompensas. Que foram prodigamente distribuídas.

Não entrarei no mérito do Governo Sarney e da lenta agonia que consome até hoje a democracia brasileira, como se o nascimento espúrio tivesse lançado uma sombra sobre o seu futuro.

Mas, quero deixar registrada — mesmo que tanto tempo depois — minha indignação com o aborto de uma esperança.

São raros os momentos em que há real interesse da população em influir nos destinos do País. E, cada vez que se ensaia um tímido despertar, surgem profissionais para conduzir os acontecimentos no sentido de um eterno retorno.

Nossa elite é sui generis: incapaz de formular um projeto nacional e de se unir em torno dele, alcança invejável coesão quando se trata de resistir às pressões que vêm de baixo. De empresários a políticos, passando por sindicalistas e acadêmicos, todos têm em comum a obstinação em não deixar a peteca escapar-lhes das mãos.

Daí o desencanto e o nilismo que grassam entre nosso povo. Quem ouve a voz das ruas sabe que o cidadão comum não confia verdadeiramente em nenhuma força do espectro político. Nenhuma.

E isto se deve, dentre outros motivos, ao balde de água fria sempre atirado no ânimo da multidão, como a garoa a nos castigar naquela noite em que acompanhamos mais uma traição à promessa de um futuro altaneiro, e voltei para casa sem palavras de amor para minha mulher nem paciência para ninar a criancinha, pois trazia a certeza, e os eventos posteriores só viriam confirmá-lo, de que naquele momento o Brasil tinha se f…








domingo, 6 de dezembro de 2015

PORTA VELHA A GENTE TRANCA


A sede de nosso partido ficava no segundo andar de um velho casarão, bem no centro da cidade.

Estávamos no apagar das luzes da ditadura, mas sabíamos que ainda haviam forças que apostavam no retrocesso.

Uma caça às bruxas no velho estilo anticomunista era algo possível, embora não esperado, mas a bomba do Rio Centro também não era esperada, e, no entanto, aconteceu.

Por isso a palavra de ordem era discrição.

O partido ainda estava na ilegalidade e o melhor era manter uma rotina sóbria aguardando que os tempos de abertura removessem os últimos entulhos.

Numa noite estávamos somente cinco, no segundo andar arrumando panfletos a serem distribuídos numa manifestação do dia seguinte.

O andar debaixo era vazio, tinha a porta de entrada e a escada para o andar de cima.

O trinco era antigo, e o último que entrou esqueceu de passar a chave.

Lá em cima, nós cinco fazíamos as últimas arrumações movidos a cafezinho quando ouvimos um estouro.

Juro que nunca imaginei que em segundos se pudesse pensar em tantas coisas.

Uma bomba? Pé na porta? Polícia? Um tiro?

O medo é um sentimento mais veloz do que a luz, e flexível, podendo tomar várias formas.

Uma entrada excessiva de água na embarcação causa pânico.

Barulho no quintal em plena madrugada traz apreensão.

Nuvens carregadas e sombrias riscadas por relâmpagos podem aflorar verdadeiras fobias.

Medo é um sentimento que contagia, mas, por outro lado, relativamente fácil de extirpar.

O segredo? Combatê-lo. Enfrenta-lo em sua raiz não fugindo das consequências porque nenhuma consequência é pior do que cultivar o medo, viver com ele, tentar fingir que ele não existe.

No estouro do prédio do nosso partido, passado o primeiro impacto despencamos pelas escadas para ver o que era em vez de pular pela janela dos fundos, para descobrir que era apenas o vento e o estouro de uma velha porta pesada.

No caso da água da embarcação o melhor é saber de onde ela vem e se necessário preparar os recursos de emergência.

No barulho do quintal as luzes que se acendem acompanhadas de um bom sistema de alarme pode ser a solução.

E no caso das nuvens carregadas o melhor é buscar abrigo numa área protegida e esperar que a tempestade passe, porque, toda tempestade, não importa sua fúria, irá passar.

O medo é covarde pois ataca nossas fraquezas, mas, não resiste quando se ergue a cabeça para enfrenta-lo.

Hoje os que acreditam na democracia sentem um indisfarçável sinal de medo.

Temos confiança nas instituições, mas é inegável que os acordos de interesses, as traições e as alianças dos poderosos sempre nos causarão desconforto.

Ao ver a Polícia Federal o Judiciário agindo partidariamente mais preocupados com as luzes da ribalta de uma mídia comprometida do que com a verdade, como não ter medo?

Mas o medo não pode ser maior que a esperança, como diria o ex-presidente Lula.

É necessário enfrentar as ameaças à ordem democraticamente constituída.

Cada um de seu jeito, devemos lutar: levando informação aos mal informados, conhecimentos que a história nos dá a quem não a conhece.

Mensagens em redes sociais são importantes já que os inimigos da democracia controlam as mídias oficias e a desinformação se esparrama em toda a rede.

E, principalmente, temos que ir para a rua. Participar do esforço que será demonstrar aos que decidiam os próximos passos, que, no Brasil a democracia será defendida com unhas e dentes.

Ao que parece a guerra a recém se inicia.

Haverá tempo para a luta e por mais desgastante que ela seja temos que ter vivo em nossa mente que pior, muito pior, seria o conforto dos indignados se a presidente aceitasse a chantagem para manter a normalidade.

A presidente, guerreira de muitas batalhas optou pelo enfrentamento e era bem isso que esperava dela seus eleitores.

A nós, cidadão que prezamos a liberdade e as conquistas populares ao longo desses treze anos, cabe combater o medo, enfrenta-lo e dissipar as nuvens de ódio que escurecem os céus do Brasil.

Até porque, sabemos bem, por pior que seja a tempestade, ela passará, assim como porta velha a gente tranca.



Prof. Péricles

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

DÉDALO E ÍCARO, SONHAR É POSSÍVEL



Dédalo era um extraordinário artista e engenheiro da cidade de Atenas. Sua fama corria o mundo de tal forma que num determinado momento não tinha mais como atender todos os pedidos que lhe faziam.

Então convenceu o sobrinho Talo a ser seu aprendiz.

Talo revelou um talento até então insuspeito. Inventou o serrote observando a mandíbula de uma serpente. Inventou ainda o compasso e outros instrumentos úteis.

Em pouco tempo a popularidade de Talo magoou o ego de Dédalo de tal maneira, que o mestre resolveu assassinar o aprendiz, ou seja, o próprio sobrinho, e assim o fez, empurrando o pobre rapaz do alto do templo de Atena.

Quando tentou se livrar do corpo, Dédalo foi descoberto.

Talo, por sua vez recriou vida por vontade da deusa Atena, na forma de uma perdiz.

Por esse crime, o grande artista, agora desprezado por seu povo, foi condenado à morte.

Ele, porém, conseguiu fugir para Creta onde passou a ser protegido pelo rei Minos.

Em troca da segurança em Cnosos, capital da ilha, tornou-se funcionário do rei, atendendo a todos os trabalhos de engenharia, independente de sua própria vontade.

Uma das ordens de Minos para Dédalo foi à construção do Labirinto, onde foi presa a fera Minotauro (corpo de homem e cabeça de touro), na verdade, o resultado da traição de Pasífae, esposa do rei, apaixonada por um touro branco.

O rei exigiu do engenheiro que a prisão fosse inviolável, pois não queria que o povo soubesse da vergonha que passava.

O labirinto se tornou a maior obra de seu tempo, admirada por reis e engenheiros de todo o mundo.

Algumas virgens sacrificadas depois (só assim o Minotauro amainava sua fúria) o Labirinto acabou sendo invadido pelo herói Teseu que veio salvar sua amada Ariadne das garras do monstro.

Minos culpou Dédalo que havia garantido a impossibilidade de uma fuga ou invasão e o condenou juntamente com seu filho Ícaro à prisão perpétua no próprio labirinto.

Foi lá, sem esperança de recuperar a liberdade, que Dédalo teve a ideia de fugir pelo único caminho possível, o céu.

Passou a recolher todas as penas que caiam das aves que cruzavam o céu de onde estavam e juntar toda a cera disponível das colmeias de abelhas.

Unindo todas as asas uma a uma com fio de linho e colando-as ao corpo com cera, Dédalo deu origem a dois pares de asas.

Antes do voo o pai recomendou o jovem filho a voar numa altitude média.

Não muito baixa, pois poderia molhar as asas no mar nem e muito alta para que o sol não derretesse a cera.

E num certo dia de sol, alçaram voo da liberdade.

O plano de Dédalo tinha tudo para dar certo. As asas funcionaram perfeitamente, porém... Ícaro deixou-se inebriar pelas belezas profundas que viu. Céu e mar, terra, matas... Liberdade! Ícaro se embriaga de tanta liberdade, voa alto, e cada vez mais alto e mais alto onde nem as aves chegavam.

O sol faz derreter a cera e a queda é profunda e mortal.

Dédalo está só. Viverá ainda muitos anos, mas nunca conseguirá recuperar a alegria depois da perda do único filho.

Na história de Dédalo os gregos nos falam da necessária liberdade criadora do artista.

Quando recebeu a proteção do rei Minos após a condenação pelo assassinato do sobrinho, Dédalo perdeu essa liberdade passando a produzir aquilo que o Rei queria, e isso limita sua liberdade artística.

Dédalo escapou da prisão física, mas não da prisão de sua arte.

Os gregos ainda resvalam em algo muito presente em sua cultura, a bestialidade, que envolve o nascimento do minotauro, fruto da paixão entre uma mulher, a esposa de Minos e um animal, no caso, o touro branco, assim como Zeus fez para possuir Europa e na forma de um cisne para seduzir Leda.

Seu filho, Ícaro, é instruído ao meio termo “nem tão baixo que as águas do mar molhem suas asas, nem tão alto que o sol derreta a cera das asas”, mas, nós humanos, somos Ícaro e preferimos o sonho radical ao “meio termo”.

O sonho de voar está na essência da alma humana e seduzem como só os sonhos impossíveis podem seduzir.

Preferimos o mais profundo. Preferimos a loucura que engana o bom senso e o próprio medo, embora a consequência seja a queda, que se faz mais profundo quanto mais radical seja a ousadia do sonho sonhado.

Já com idade avançada Dédalo chegou a hora de sua morte e sua prolongada velhice nos faz questionar o que mais vale na existência humana: o sonho radical que nos ameaça com as quedas profundas, como o de Ícaro, ou a segurança do mediano que nos permite longa existência, muitas vezes cativa como a arte de Dédalo?

O que se sabe, com certeza, é que antes de fechar os olhos pela última vez, Dédalo enxergou voando alto, sobre sua cabeça, a figura de uma perdiz.

Era a alma de Talo, o jovem e talentoso sobrinho assassinado pela vaidade do mestre.

Talo vinha lembrar ao velho tio que o talento é capaz de fazer voar sem artifícios. E que seremos humanos, enquanto existir em nós o sonho de Ícaro.




Prof. Péricles