Por Maria Fernanda Arruda
Gerações aprenderam na escola que
o Brasil foi descoberto em 1500, onde Pedro Alvares Cabral encontraria os
índios, logo ofertando a eles uma primeira missa. Hoje, postas de lado as
versões inventadas pela História Oficial, as crianças são informadas sobre a
invasão ocorrida naquele ano, quando os portugueses navegantes se encontraram
com os povos habitantes e senhores daquelas terras.
Estimativas, por razões
evidentes, e mais que vagas: seriam entre 6,8 milhões e 1 milhão. Como informa
o IBGE, hoje são 900 mil, uma população que tem crescido a partir de 1980,
compreendendo 300 etnias e aproximadamente 274 línguas.
Na
escola, as crianças aprendem o que não quis e não quer saber o homem branco,
dono e proprietário de todas as terras e matas. Para os jesuítas, aqueles reais
senhores dessas terras foram tratados como almas a serem conquistadas para a
Igreja, Anchieta e Nóbrega, que se fizeram santos heróis europeus em terras da
América. Mas os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759. O que fazer com os
silvícolas?
Participação na história dos
homens brancos? Poucas e discutíveis. Na guerra da Independência da Bahia, os
índios, então chamados “caboclos”, foram vestidos como heróis e são celebrados
a cada 2 de Julho. Além disso, o movimento indianista vivido pelas letras
brasileiras: as Americanas, de Gonçalves Dias; O Guarani, Iracema, Ubirajara,
de Jose Alencar; A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães.
A Lei de Terras, de 1850,
inaugura a agressão ilimitada às terras das aldeias indígenas.
Dai a pergunta de resposta
pronta: onde estão os índios? A província do Ceará foi a primeira a negar a
existência deles em suas terras; em 1853 é o Sergipe que define sua
inexistência. Adornado em sua túnica produzida com penas de papagaios, o
pequeno Imperador de longas barbas tranquiliza-se: não há mais índios no
Brasil.
O massacre promovido desde os
primeiros tempos com os bandeirantes, que os “caras-pálidas” transformaram em
estátuas de heróis, foi a regra implementada sem descanso a partir de 1850,
procedendo-se a uma expropriação total.
Eventuais embargos legais,
passaram a ser levantados com a emancipação dos índios que passavam a ser
entendidos como “aculturados”. Ou ainda, muitas aldeias de Goiás, Ceará,
Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo passavam a ser declaradas
extintas, sob alegação de que abrigavam populações mestiças.
O que são
então os povos indígenas no Brasil do século XXI?
No Sul
restam 75 mil, no Rio Grande do Sul representando 0,4% da população, 8,9% em
Santa Catarina, 0,33% no Paraná.
Em fins
do século XIX, quatro indígenas foram levados do Rio Grande do Sul para serem
exibidos em circos europeus.
Em São
Paulo, são 44,8 mil, representando 0,11% da população. Os kaingangs que
habitavam todo o vale do rio Peixe, foram chamados de coroados pelos
antropólogos.
Esta
tribo enfrentou e resistiu a colonização branca. Já os Cayúas que habitavam o
vale do rio Paranapanema, à sua direita, tinham terras de campos agricultáveis,
os primeiros a desaparecer.
Por
último, os Xavantes, considerados sociáveis, ocupavam toda bacia inferior do
Rio Pardo (Mato Grosso) atravessando o rio Paraná (São Paulo) indo se
estabelecer nos campos de Jaquaretê e Laranja Doce. Estes oferecendo grande
resistência.
Quase
sempre foram sangrentos os contatos entre índios e pioneiros. Os verdadeiros
habitantes da terra lutaram muito, mas, foram dizimados pelos colonizadores.
O empenho de um militar, Cândido
Rondon, de formação positivista, foi decisivo na criação de um primeiro órgão
de proteção aos índios, o SPI – Serviço de Proteção ao Índio, que não impediu a
transferência de terras para colonização, defendendo o respeito e o trato
amigável com os indígenas, o que não foi mais do que uma exceção, com gente
como os Irmãos Villas Boas e o médico sanitarista Noel Nutels.
Sob a égide de um governo tíbio,
o Congresso Nacional pretende assumir a tarefa de demarcação das terras indígenas,
o que em termos práticos significa entrega-las aos ruralistas comandados pela
ministra Katia Abreu.
Nos últimos meses, a ação de
pistoleiros vai se multiplicando, animada pela fraqueza de um Ministério de
Justiça omisso. Os abusos vão tomando todas as formas possíveis.
Recentemente, a Agência Nacional
de Petróleo lança pré-edital de licitação para exploração de petróleo em sete
blocos próximos de 15 terras indígenas, sem qualquer consulta prévia à FUNAI.
Avá Uerá Arandú é um dos líderes
do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Doutorando em Antropologia no
Museu Nacional da UFRJ, ele tem a voz que fica muito acima dos grunhidos dos
matadores, que não são gente simples e nem mesmo jagunços. São pessoas ricas,
recrutadas pelas organizações ruralistas e por políticos.
É o índio antropólogo que nos diz
o que é obrigação nossa saber: “Há fontes consistentes e diversos documentos
oficiais que comprovam essa história recente de compra e venda das terras
indígenas, envolvendo no comércio dessas terras somente para a elite, a classe
rica, políticos poderoso e os agentes dos governos.
Os povos indígenas foram expulsos
e dispersados. O Estado-Nação brasileiro doou e vendeu as terras indígenas:
isso é uma imensa dívida histórica no Mato Grosso do Sul”.
A política de genocídio do índio,
praticada pelos bandidos brancos, é uma tradição profundamente arraigada entre
nós.
Os ruralistas brancos têm poder
de dinheiro e político. Comandam a Polícia e a Justiça. Agora, são donos do
Ministério da Agricultura e estão próximos de conseguir a “solução final”.
Maria Fernanda Arruda é escritora e colunista
do Correio do Brasil.