domingo, 14 de julho de 2013

SOMOS TODOS VIGIADOS


Por Ignacio Ramonet | Tradução Cauê Ameni

Nós já temíamos. Tanto a literatura de (1984, de George Orwell), como o cinema (Minority Report, de Steven Spielberg) haviam avisado: com o progresso da tecnologia da comunicação, todos acabaríamos sendo vigiados. Presumimos que essa violação de nossa privacidade seria exercida por um Estado neototalitário. Aí nos equivocamos. Porque as revelações inéditas do ex-agente Edward Snowden sobre a vigilância orwelliana acusam diretamente os Estados Unidos, país considerado como “pátria da liberdade”.

Aparentemente, desde a promulgação, em 2001, da lei Patriot Act (2), isso ficou no passado. O próprio presidente Barack Obama acaba de admitir: “Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade”. Bem-vindos, portanto a era do “Grande Irmão”…

O que revelou Snowden? Este antigo assistente técnico da CIA, de 29 anos, que trabalhava para uma empresa privada – a Booz Allen Hamilton – subcontratada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, sua sigla em inglês), vazou para os jornais The Guardian e Washington Post, a existência de programas secretos que tornam o governo dos Estados Unidos capaz de vigiar a comunicação de milhões de cidadãos.

Um primeiro programa entrou em operação em 2006. Consiste em espiar todas as chamadas telefônicas feitas pela companhia Verizon, dentro dos Estados Unidos, e as que se fazem de lá ao exterior. Outro programa, chamado PRISM, foi posto em marcha em 2008. Coleta todos os dados enviados, pela internet (e-mails, fotos, vídeos, chats, redes sociais, cartões de crédito), por (a princípio…), estrangeiros que moram fora do território norte-americano. Ambos os programas foram aprovados em segredo pelo Congresso norte-americano, que teria sido, segundo Barack Obama, “constantemente informado” sobre seu desenvolvimento.

Sobre a dimensão da incrível violação dos nossos direitos civis e nossas comunicações, a imprensa deu detalhes escabrosos. Em 5 de junho, por exemplo, o Guardian publicou a ordem emitida pelo Tribunal de Supervisão de Inteligência Externa, que exigia à companhia telefônica Verizon entregar à NSA os registros de milhões de chamada de seus clientes. O mandato não autoriza, aparentemente, saber o conteúdo das comunicações, nem os titulares dos números de telefone, mas permite o controle da duração e destino dessas chamadas. No dia seguinte, o Guardian e o Washington Post revelaram a realidade do programa secreto de vigilância PRISM, que autoriza a NSA e o FBI a acessar os servidores das nove principais empresas da internet (com a notável exceção do Twitter): Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube e Apple.

Por meio dessa violação, o governo estadunidense pode acessar arquivos, áudios, vídeos, e-mails e fotografias de usuários dessas plataformas. O PRISM converteu-se, desse modo, na ferramenta mais útil da NSA para fornecer relatórios diários ao presidente Obama. Em 7 de junho, os mesmo jornais publicaram uma diretiva da Casa Branca que ordenava, a suas agencias (NSA, CIA, FBI), estabelecer uma lista de possíveis países suscetíveis de serem “ciberatacados” por Washington. E em 8 de junho, o Guardian revelou a existência de outro programa, que permite à NSA classificar os dados recolhidos na rede. Esta prática, orientada a ciber-espionagem no exterior, permitiu compilar – só em março – cerca de 3 bilhões de dados de computador nos Estados Unidos…

Nas últimas semanas, ambos os jornais conseguiram revelar, sempre graças a vazamentos de Edward Snowden, novos programas de ciberespionagem e vigilância da comunicação em países no resto do mundo. Edward Snowden explica “A NSA construiu uma infra-estrutura que lhe permite interceptar praticamente qualquer tipo de comunicação. Com esta técnica, a maioria das comunicações humanas são armazenadas para servir em algum momento a um objetivo determinado”.

A Agência de Segurança Nacional (NSA), cujo quartel-general fica em Fort Meade (Maryland), é a mais importante e mais desconhecida agência de inteligência norte-americana. É tão secreta que a maioria dos norte-americanos ignora sua existência. Controla a maior parte do orçamento destinado aos serviços de inteligência, e produz mais de cinqüenta toneladas de material por dia… É ela – e não a CIA – a proprietária e operadora da maior parte do sistema de coleta de dados da inteligência secreta dos EUA. Desde uma rede mundial de satélites até as dezenas de postos de escuta, milhares de computadores e as florestas de antenas localizadas nas colinas de West Virginia. Uma de suas especialidades é espiar os espiões — ou seja, os serviços secretos de inteligência de todas as potências, amigas e inimigas. Durante a guerra das Malvinas (1982), por exemplo, a NSA decifrou o código secreto dos serviços de inteligência argentinos, o que lhe possibilitou transmitir, aos britânicos, informações cruciais sobre as forças argentinas.

O vasto sistema de interceptação da NSA pode captar discretamente qualquer e-mail, qualquer consulta de internet ou telefonema internacional. O conjunto total da comunicação interceptada e decifrada pela NSA constitui a principal fonte de informação clandestina do governo estadunidense.

A NSA colabora estreitamente com o misterioso sistema Echelon. Criado em segredo, depois da Segunda Guerra Mundial, por cinco potências anglo-saxônicas — Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia (os “cinco olhos”). o Echelon é um sistema orwelliano de vigilância global, que se estende por todo o mundo, monitora os satélites usados para transmitir a maioria dos telefonemas, comunicação na internet, e-mails, redes sociais etc. O Echelon é capaz de capturar até dois milhões de conversas por minuto. Sua missão clandestina é a espionagem de governos, partidos políticos, organizações e empresas. Seis bases espalhadas pelo mundo recolhem informações e interceptam de forma indiscriminada enormes quantidades de comunicação. Em seguida, os supercomputadores da NSA classificam este material, por meio da introdução de palavras-chaves em vários idiomas.

Em torno do Echelon, os serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido estabeleceram uma larga colaboração secreta. E agora sabemos, graças às novas revelações de Edward Snowden, que a espionagem britânica também grampeia clandestinamente cabos de fibra ótica, o que lhe permitiu espionar as comunicações das delegações presentes na reunião de cúpula do G-20, em Londres, em abril de 2009. Sem distinguir entre amigos e inimigos.

O serviços de inteligência constatam que a internet já tem mais de 2 bilhões de usuários no mundo e que quase 1 bilhão utiliza o Facebook de forma habitual. Por isso, fixaram como objetivo, transgredindo leis e princípios éticos, controlar tudo que circula na internet. E estão conseguindo: “Estamos começando a dominar a internet”, confessou um espião inglês, “e nossa capacidade atual é bastante impressionante”.

Washington e Londres colocaram em marcha o plano orwelliano do “Grande Irmão”, com capacidade de saber tudo que fazemos e dizemos em nossas comunicações. E quando o presidente Obama menciona a suposta “legitimidade” de tais práticas de violação de privacidade, está defendendo o injustificável.

“Eu não quero viver numa sociedade que permite este tipo de ação”, protestou Edward Snowden, quando decidiu fazer suas impactantes revelações. Divulgou os fatos, e não por acaso, exatamente quando começou o julgamento do soldado Bradley Manning, acusado de vazar segredos Wikileaks, organização internacional que divulga informações secretas de fontes anônimas. Enquanto isso, o ciber-ativista Julian Assange está refugiado há um ano na Embaixada do Equador em Londres… Snowden, Manning e Assange, são defensores da liberdade de expressão, lutam em favor da democracia e dos interesses de todos os cidadãos do planeta. Hoje são assediados e perseguidos pelo “Grande Irmão” norte-americano.

Por que os três heróis de nosso tempo assumiram correr semelhante riscos, que podem custar sua própria vida? Edward Snowden, obrigado a pedir asilo político no Equador e em vinte países, responde “Quando se dá conta de que o mundo que ajudou a criar será pior para as próximas gerações, e que os poderes desta arquitetura de opressão se estendem, você entende que é preciso aceitar qualquer risco. Sem se preocupar com as conseqüências”.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O CAPITAL NÃO TEM PÁTRIA


Em 1578, o rei português D. Sebastião, seguindo fanáticos instintos religiosos, atacou os infiéis muçulmanos no norte da África. A empreitada era muito além das possibilidades das forças lusitanas e, numa só batalha, a batalha de Alcacer-Quibir, os portugueses perderam a guerra e seu rei, morto em combate.

Muito jovem, D.Sebastião não tinha herdeiros diretos e foi substituído no trono por um tio-avô, D. Henrique, que já velhinho, morreu dois anos depois, em 1580, também sem deixar herdeiros.

Dessa forma, a orgulhosa nação portuguesa, estado nacional precoce cujas origens se encontravam no século XII, quando quase toda a Europa ainda engatinhava sob a forma de feudos, tinha agora um trono vazio.

O temor se consolidou na figura do imponente rei espanhol Filipe II. Primo de Sebastião exigiu o reconhecimento do direito de assentar sua nobre bunda no trono de Lisboa.

Portugal e Espanha são os dois países da Península Ibéria. Um faz fronteira ao outro. Desafiavam-se mutuamente a mais de três séculos, especialmente na corrida marítima que havia se tornado as grandes navegações e apenas um tratado, o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 havia impedido uma guerra entre ambos. Sendo a Espanha bem maior, e sendo o rei de ambos um espanhol, a tendência era de que Portugal, simplesmente fosse “engolido” pela odiada inimiga, desaparecendo como nação.

Houve choro e ranger de dentes entre o povo português. Apreensão e angústia. As igrejas lotaram de pessoas simples, do povo, rezando para que Deus não permitisse tal destino.

Felipe II, entretanto, era um homem muito prático. Não pediu permissão à galera miúda que rezava nas Igrejas. Não abriu qualquer diálogo com os camponeses ou trabalhadores menores e patriotas de Portugal. Não. Ele bateu na porta de quem realmente manda num Estado, a classe dominante lusitana. No caso, a nascente burguesia comercial e financeira do país.

A estes Felipe II foi direto e objetivo: se concordassem com suas pretensões à sua ascensão ao Trono, receberiam dele, El-Rei, o “derecho de assiento” que na prática e em resumo era abrir a exploração do ouro que a Espanha estava explorando na América. Tal exploração poderia ser muito lucrativa, e até então, os portugueses só podiam observar, com inveja, as investidas espanholas.

E assim, não adiantaram as lágrimas dos pequenos, nem as preces e promessas aos santos, pois Filipe II mesmo com o lema “Um Rei, Duas Coroas” na prática unificou toda a Península Ibérica e engoliu Portugal.

Nem toda a força do patriotismo seria maior que o entreguismo dos endinheirados, porque, na verdade só pobre é patriota. Só os pobres cultivam os valores de amor a terra, aos seus símbolos e a essa coisa abstrata que é a nacionalidade.

Quais são as origens sociais dos soldados, dos guerreiros que morrem em todas as batalhas de todas as guerras? Não, não são os filhos da riqueza, muito menos os expoentes do poder. Que o diga George Bush que não foi à Guerra do Vietnã porque “papai” senador não deixou.

O sangue que penetra na terra dos campos de batalha é sangue de pobre, dos pequenos, dos comuns.

Durante 60 anos Portugal foi governado por reis espanhóis (três Felipes). Por 60 anos Portugal foi riscado do mapa. A maior parte da geração que chorou a coroação de Felipe II não viu raiar a restauração portuguesa em 1640.

Talvez, exemplos históricos assim nos expliquem por que, enquanto nos sentíamos feridos em nosso patriotismo por privatizações feitas na calada da noite, que dilapidavam o patrimônio público brasileiro, muitos comemoravam brindando em taças de cristais.

Importa além de tudo estar atento de que, esses mesmos que comemoravam fortunas vendendo pedaços do Brasil são capazes de qualquer sacrifício para retornar ao poder, até mesmo cultivando o ódio, o caos e a desagregação, se o lucro, do pré-sal, por exemplo, valer a pena.

Conceitos como patriotismo, amor à pátria, unidade nacional, soberania, tudo isso serve para contextualizar uma situação de ilusória igualdade, mas, estão abaixo, bem abaixo na hierarquia que leva ao lucro.

Isso porque, em verdade, o capital não tem pátria, o capital tem mercado.


Prof. Péricles

domingo, 7 de julho de 2013

ERA UMA VEZ...


Era uma vez uma floresta imensa, de variados recursos naturais, com grande diversidade de clima, de vida e de água.

A terra, mãe de todos, era macia como um colo protetor, e o vento, quando batia em suas árvores executava uma verdadeira sinfonia de paz.

Entretanto, um pequeno grupo de tigres oportunistas demarcou como seu todo o imenso território. Apropriaram-se das terras e das riquezas.

Eram minoria, mas predadores, que através da força, impuseram seus próprios valores. O preconceito se tornou Lei e a exclusão, uma rotina.

Sua força estava além da floresta. Estava, principalmente numa parceria com os leões que habitavam uma floresta vizinha.

Esses leões já tinham todas as frutas de seus bosques, mas viviam de olho nas florestas alheias, atentos a toda a riqueza que pudessem acumular.

Os tigres sabiam que a floresta poderia crescer ainda mais e ficar mais bela e vistosa, mas como isso implicaria em trabalhar mais e ganhar menos, preferiam dividir com os leões as jovens sementes, impedindo o crescimento maior de suas matas.

Para eles, a riqueza que os leões lhe permitiam acumular era suficiente mesmo que faltasse o mínimo para a maioria dos bichos da floresta.

Astutos, os felinos governavam estabelecendo que outros animais representassem uma igualdade que não existia. Assim, quem assumia o papel de governante, eram seus aliados menores, os macacos da área média, que faziam macaquices o tempo todo, reprimiam animais que consideravam inferiores e, pretensiosos, se achavam iguais aos tigres.

Dessa maneira, os tigres é que mandavam (e eram servis aos leões), mas os macacos representavam o poder, contentes com os restos da tigrada, enquanto os demais animais produziam tudo aquilo que era a riqueza de seu bosque florido, mas que, verdadeiramente, não era seu.

Por muitas eras as coisas funcionaram assim. Todos se achavam iguais, com direitos à mesma floresta, mas, na verdade, os recursos mais valiosos, os frutos mais doces, eram apenas dos tigres... e dos leões.

Um belo dia, depois de uma longa tempestade que durou 20 anos, matou e fez desaparecer muitas espécies, os animais da floresta perceberam que a distribuição dos recursos não era justa.

Que injustiça – dizia a coruja – uma floresta tão rica, tão cheia de vida e de cores, desfrutada apenas pelos tigres, alguns macacos e seus amigos leões...

Organizaram-se e obtiveram, inicialmente, pequenas vitórias, que apesar de pequenas, mostraram que era possível tomar para si o seu próprio destino.

Não foi fácil. Os papagaios, responsáveis por divulgar as notícias pela floresta, eram protegidos e aliados dos tigres, e por isso, disseminavam verdades parciais, silenciavam sobre outras verdades e até mesmo criavam mentiras, atrapalhando profundamente o entendimento das notícias e a organização dos que das notícias precisavam.

Por algum tempo, os tigres conseguiram manter o poder colocando uma fraude, um escaravelho da terra dos marajás no governo do bosque, vendendo a madeira mais nobre, que era de todos, para grupos de castores privados.

Quando o escaravelho, que era roxo, se achou poderoso demais, foi substituído por uma arara multicolorida e vaidosa que continuou vendendo a madeira de todos para grupos de castores privados, alguns, lá da terra dos leões.

Importantíssima foi a atuação dos papagaios que faziam as notícias e as cabeças dos animais mais ingênuos, como as mulas, por exemplo.

Mas, não há mentira que impeça o sol de nascer todos os dias e num desses dias a fauna voltou a perceber sua importância.

Foi quando um dos seus, o elefante, passou a cuidar da floresta.

A bicharada percebeu o quanto era forte e capaz. Pela primeira vez um dos seus tomava conta daquelas matas.

É claro que os tigres se assustaram. “E agora” eles pensaram “perderemos nossos privilégios e teremos que ver crescer a importância dos seres menores”? Foi grande o seu pavor e o pavor dos leões, que por sua vez, enfrentavam muitas dificuldades em seus próprios bosques, mas essa é outra história.

Nosso conto ainda está sendo contado. Falta muito para o “e foram felizes por muitos e muitos anos”.

Esse conto não é feito de fadas ou de duendes, por isso não existe mágicas e encantos.

Para ter um final feliz é preciso trabalho. E muita educação de todos os animais para a vida.

Mas, cada vez mais nossos amigos estão aprendendo que todos podem contribuir por uma floresta melhor e mais justa, de animais mais livres e felizes, extirpando as garras dos predadores e pondo fim ao “complexo de presa”.

Não precisam ser tigres, nem leões. Basta o respeito à própria natureza para que o sol da igualdade ilumine todos os seres, desde os mais orgulhosos do céu, até os que se escondem na terra.

Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.


Prof. Péricles

sexta-feira, 5 de julho de 2013

QUE ELEFANTE?






Por Luis Fernando Veríssimo


A única maneira de conviver com um elefante na sala é fingir que ele não está ali. Ignorá-lo. Se algum visitante desavisado perguntar o que um elefante está fazendo na sua sala, a resposta padrão deve ser "Que elefante?".

No Brasil nos acostumamos a conviver com elefantes na sala. Exemplo: só quase 30 anos depois do fim do período de exceção inaugurado em 1964 uma comissão começa a procurar a verdade sobre o que realmente aconteceu durante o período. Por quase 30 anos este elefante específico não mereceu atenção e viveu entre nós como um parente apenas vagamente incômodo. A tal comissão não vai punir, antes tarde do que nunca, os desmandos da época.

Os criminosos de então estão anistiados, mesmo identificados não sofrerão castigo ou sequer reprimendas da sua própria corporação. Mas pelo menos o elefante está sendo reconhecido. E citado.

Outros elefantes continuam ignorados, e continuam na sala. Hoje não há nenhuma dúvida de que o cigarro mata e o fumo é a principal causa do câncer no Brasil e no mundo. No caso do Brasil só o volume de impostos que a indústria do fumo paga ao governo explica que não haja um combate mais aberto e decisivo ao vício assassino.

Em alguns casos a indústria tem até vantagens fiscais. Já o volume de impostos não pagos pelas religiões organizadas explica a proliferação de Igrejas e seitas no País e a presença de pastores evangélicos brasileiros nas listas dos mais ricos do mundo. Mas a isenção dada ao negócio da religião é um dos assuntos intocáveis do País, um elefante enorme cuja presença na sala nem a imprensa nem ninguém se anima a reconhecer.



quarta-feira, 3 de julho de 2013

PARA A PESSOA CERTA




Diálogo que ocorreu na última manifestação de rua em Porto Alegre:

- Daí guria sempre vem aqui?

- Claro, sou consciente, politizada, acompanho tudo no face e toda vez que tem zoeira eu venho... O país acordou ninguém segura...

- Putz... meu pai fica louco quando digo isso. Diz que ele e sua geração nunca dormiram e que muita gente dele levou porrada por estar acordado demais.

- Os véio estão sempre viajando né? Não tem como ficar dormindo com o governo gastando 30 bilhões pra fazer estádio enquanto falta pras outras coisas e... que foi?

- é que na verdade, foram 7 bilhões para os estádios...7. E grande parte foi emprestada pelo governo federal mas a iniciativa privada é que vai pagar... os outros 23 bilhões o governo botou em transportes, aeroportos...

- Isso, isso. Eu quero mais é que o governo gaste em saúde o mesmo que gasta com a Copa e...

- mas tu não acha que é uma roubada?

- roubada por quê?

- é que nos últimos 7 anos de preparação pra Copa o governo meteu 7 bilhões em estádios... mas em saúde foram 500 bilhões...

- 500 bi? (meio sem jeito)

- Isso.

Silêncio constrangido...

- Bom, mas o governo também gasta em bobagem... vê esse auxílio reclusão... pagar pra preso que...

- Er (também sem jeito)... na verdade o auxílio reclusão é pago apenas à família do detento que contribui com o INSS... tipo, recebem um valor pelo qual o sujeito já pagou...

- Então não é uma grana do nosso bolso e...

- Não, não é e o detento deve ser punido, a família não... tipo assim.

A menina, já um pouco desanimada pega carona no coro de palavra de ordem:

- Dilma acabe com a PEC 37! Abaixo a PEC 37!

- Não guria... a Presidente não pode fazer isso. Ela não pode impedir a votação de uma Lei... grita assim: Congresso não aprove a PEC 37...

- É... bom... então, Abaixo a corrupção. Dilma prende os corruptos...

- O certo é pedir pro Judiciário...

- O que? (nervosa)

- Presidente não manda prender nem soltar... é o Judiciário que pode processa e determina.

(irritada) então, que tal essa, Dilma cassa o mandato do ladrão e...

- Não pode, é o legislativo que faz isso... artigo 55 da Constituição Federal.

- Então abaixo o Congresso, Dilma fecha o Congresso, Dil...

- Bem capaz... a última vez que isso aconteceu a Ditadura Militar se instalou e...

- Chega! Chega! Larguei!

- Não, não larga não. Apenas proteste para a pessoa certa.

Ela deu um profundo suspiro...

- Certo. Vamos cair fora e reivindicar uns loves?

E não se ouviu a resposta devido o barulho das primeiras bombas de gás lacrimogênio.


Prof. Péricles

domingo, 30 de junho de 2013

O PREÇO DO IR E VIR



Os movimentos de protesto nas ruas brasileiras se iniciaram com reivindicações relacionadas ao preço do transporte urbano, nas grandes capitais. Não é de hoje que o preço da locomoção dos brasileiros cria dor de cabeça aos governantes.

A primeira revolta reivindicatória relacionada ao transporte público que se conhece, ocorreu no período imperial, mais exatamente entre 1879 e 1880, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O protesto foi contra a cobrança de vinte réis, ou seja, um vintém, nas passagens dos bondes. Bom lembrar que esses bondes eram de tração animal, no caso, puxado por burros. Uma galera de mais ou menos 8 mil pessoas, aos gritos de “fora o vintém” agrediram os pobres condutores e, o cúmulo da violência, chegaram a matar alguns burros. No fim, o governo mudou o Ministro e desistiu da cobrança. Houve certa de 10 mortos durante os protestos.

Já a cidade de Salvado, na Bahia, experimentou uma paralisação forçada de 10 dias devido a um movimento de protesto contra o aumento das tarifas em transportes coletivos. Foi em 2003 sob a liderança da UNE (União Nacional dos Estudantes). Não houve acordo e as tarifas permaneceram reajustadas, mas foi grande o susto da população da cidade.

Na cidade de Florianópolis, capital de Santa Catarina, ocorreu a “Revolta da Catraca” nos anos de 2004 e 2005. O movimento que era contra o aumento das tarifas do ônibus balançou a vida política do estado e traumatizou a população urbana. Até hoje o movimento é citado como um dos mais assustadores já ocorridos. O acesso à cidade foi fechado pelos participantes do movimento. Foram milhares de participantes, mas quem acabou pagando o pato foi o estudante Marcelo Pomar, militante do MPL – Movimento Passe Livre, que foi preso e ainda hoje responde a processo no Tribunal de Justiça.

A atual mobilização, chamada por alguns de “A Revolta dos Vinte Centavos”, iniciou por São Paulo quando do aumento da passagem de ônibus em R$ 0,20. O maior destaque no início do movimento, e, talvez, o maior erro das autoridades, foi a repressão extremamente violenta por parte da polícia. O movimento se alastrou por outras cidades brasileiras, iniciando por Porto Alegre e Florianópolis e em pouco tem tornou-se nacional. Como sabemos, as inúmeras ramificações a partir do foco do reajuste das passagens de cara e forma a um movimento muito maior que questiona muito além do seu ponto de início, passando pela revolta contra a corrupção e outros pontos.

Ao contrário do que "estrelinhas intelectuais” da grande mídia comentaram com desprezo, o fulcro principal não são meros R$ 0,20. Não se trata de um movimento de miseráveis tentando matar burros. Pelo contrário, é um movimento, em essência, pela dignidade e pelo direito de manifestação, um direito inalienável da cidadania num estado que se pretende democrático.

O direito de ir e vir, tem preço e geralmente, além do ir e vir se restringir ao deslocamento de casa para o trabalho, esse preço é alto e desconsiderado.

Até onde vamos, ainda não sabemos, mas uma coisa deve ter ficado muito clara para os nossos dirigentes: não menosprezar jamais o peso do transporte no bolso do trabalhador. O elefante por causa de um mísero grão de amendoim pode descobrir que é o mais forte do circo.

Prof. Péricles