sexta-feira, 28 de junho de 2013

MIDIA QUER COMANDAR O ESPETÁCULO


Por Laurindo Lalo Leal Filho



À internet coube o papel de convocar, à TV de conduzir.

Ao perceber que o movimento não tinha direção e poderia assumir bandeiras progressistas, as emissoras de TV, com a Globo à frente, passaram a conduzi-lo.

Nos primeiros dias, para as TVs, eram vândalos que estavam nas ruas e precisavam ser reprimidos. Reproduziam em linguagem popular o que pediam os editoriais da mídia impressa.

Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que ganhou. Longos anos de neoliberalismo exaltando o consumo e o individualismo tiraram de algumas gerações o prazer de fazer política voltada para a solidariedade e a transformação social.

Os partidos que poderiam ser eficientes canais de participação passaram a se preocupar mais com o jogo do poder do que com debate e o esclarecimento político, tão necessário na formação dos jovens.

Tudo isso estava engasgado. O movimento do passe livre serviu de destape. Reprimido com violência como queria a mídia, ele cresceu. Milhões foram às ruas em repúdio ao vandalismo policial daquela quinta-feira (13).

As bandeiras, ao se multiplicarem, diluíram. A história registra o surgimento, nesses momentos, de líderes carismáticos ou de militares bem armados para levar as massas à trágicas aventuras. Alemanha nos anos 1930 e o Brasil em 1964 são apenas dois exemplos.

Em 2013, quem assumiu esse papel foi a TV. Percebendo a grandeza física do movimento, mudou o discurso e passou a exaltar a “beleza” das manifestações. Ofereceu para elas as suas bandeiras voltadas para assediar o poder central.

O grito genérico contra a corrupção ecoa a tentativa de golpe contra o governo Lula em 2005, ensaiado pelos mesmos agentes de hoje. Naquela época o esforço era maior. A TV tinha de convencer a massa a ir para a rua. Em 2013 ela já estava caminhando, era só entregar as bandeiras.

É o que estão fazendo com todo empenho. A exaltação ao povo que “acordou” foi só o começo. O JN, de14/06, censurou uma entrevista dada no Rio por uma integrante do Movimento do Passe Livre, Mayara Vivian.

Enquanto ela falava dos ônibus, tudo bem. Mas a parte em que ela defendia a reforma agrária, a reforma política e o fim do latifúndio no Brasil foi cortada pela censura global. Esses temas não fazem parte das bandeiras da família Marinho.

A mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda mais emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a situação.

Tanto entenderam que às 20h30 centenas, se não milhares de pessoas, continuavam a sair das estações do Metrô na Avenida Paulista. Iam se juntar aos “apolíticos” que hostilizavam os militantes partidários insuflados por “pitbulls” (jovens parrudos) estrategicamente postados ao longo da avenida. Pela minha cabeça passaram imagens das brigadas nazistas vistas no cinema.

Os cartazes tinham de tudo. Alguém disse que era um “facebook” real. Cada um “postava” na cartolina a sua reivindicação. E a TV até disso se aproveitou.

Na sexta pela manhã, Ana Maria Braga ensinava como as mães deveriam orientar seus filhos na confecção desses cartazes. Como o Movimento pelo Passe Livre já disse que não iria mais convocar novas manifestações, parece que a Globo assumiu o comando. Quando será o próximo ato? Saiba na Globo.

Fustigado nas ruas e nas telas, o governo para responder, tem de se valer da mesma TV que o ataca. Julgou, como julgaram outros governos, que isso seria possível e por isso não constituiu canais alternativos de rádio e TV capazes de equilibrar a disputa informativa (a presidente Cristina Kirchner não entrou nessa).

Sem falar na regulamentação dos meios eletrônicos cujo projeto formulado ao final do governo Lula está engavetado. Se houvesse sido enviado ao Congresso e aprovado, outras vozes estariam no ar. Teríamos mais chance de evitar o golpe anunciado.



Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão”

terça-feira, 25 de junho de 2013

POR UMA NOVA CONSTITUIÇÃO


O Brasil teve, em seus 191 anos de história (período colonial, fora), sete Constituições:
A primeira em 1824 (monárquica), a segunda em 1891 (primeira república), a terceira em 1934 (da Revolução de 30), a quarta em 1937 (Estado Novo), a quinta em 1946 (redemocratização após a Era Vargas), a sexta em 1967 (da Ditadura Militar) e a sétima, a atual, de 05 de outubro de 1988.

Dessas, quatro foram promulgadas, isso é, elaboradas conforme a legislação vigente, as de 1891, 1934, 1946 e 1988; e 03 (três) outorgada, ou seja, impostas goela a baixo pelos governantes, as de 1824, 1937 e 1967.

A que mais tempo vigorou foi a monárquica de 1824 (70 anos) e a que menos tempo durou foi a de 1934 (3 anos).

A Constituição é o documento máximo de uma nação. A ordem jurídica, o embasamento de todas as funções e garantias, ou seja, a Constituição é a regra do jogo, que todos devem conhecer e entender.

A Assembléia Nacional Constituinte é o foro máximo da liberdade num estado que se propõe democrático, pois é lá que são apresentadas propostas, discutidas e elaboradas todas as Leis constitucionais que irão regulamentar a nossa vida civil.

A atual Constituição é considerada a mais democrática de todas. Surgiu após a Ditadura Militar e o desejo de retornar à democracia. Ela ampliou os direitos sociais e as atribuições do poder público e entre muitas novidades podemos destacar que instituiu eleições majoritárias em dois turnos caso nenhum candidato consiga atingir a maioria dos votos válidos; implementou o SUS, o sistema único de saúde do Brasil; criou o voto facultativo para cidadãos de 16 e 17 anos; estabeleceu a função social da propriedade privada urbana; garantiu a demarcação de terras indígenas; regulamentou o direito de aposentadoria para trabalhadores rurais sem precisarem necessariamente ter contribuído com o INSS; estabeleceu o fim da censura a emissoras de rádio e TV, filmes, peças de teatro, jornais e revistas, etc. E muitas outras.

Nossa Constituição, sonhada por gerações sufocadas pela Ditadura, já completará, portanto, 25 anos. Nesses 25 anos, foram muitos os avanços proporcionados por ela, mas, também, muitas as mudanças que ocorreram no país e no mundo. Muitas correções e avanços ainda são possíveis, sem nenhuma dúvida.

Ela, a Constituição de 1988, foi elaborada pelo Congresso Nacional que se tornou Assembléia Constituinte, tendo como grande maioria, congressistas eleitos pelo PMDB sob a mística do Plano Cruzado, num dos maiores estelionatos eleitorais de nossa história. O Plano Cruzado que congelava preços e salários e tinha enorme popularidade (vide as fiscais do Sarney), iludiu a população sendo mantido por meses, e vindo a acabar no dia seguinte às eleições.

Já durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, diante dos avanços dos progressistas, os conservadores de todos os partidos se uniram formando o chamado “centrão” que votava em bloco conseguindo impedir as propostas mais inovadoras.

Diante da atual situação de revolta nas ruas, talvez, seja uma boa idéia pensar na convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para redigir uma nova Constituição brasileira, não apenas no que conste em reforma política, mas, completa?

O que você acha?

Prof. Péricles

domingo, 23 de junho de 2013

CURA GAY E OUTROS ABSURDOS


Por Manuela D’ Ávila

Muitos acreditavam que a escolha do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias era um fato politico isolado e ruim o bastante. Ledo engano. Essa eleição impulsionou, em certo sentido, a organização e o encorajamento dos setores fundamentalistas da bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Como resultado mais direto disso, uma pauta legislativa que ameaça direitos humanos e traz retrocessos começa a avançar nas comissões da Casa.

A chamada “Cura Gay” (PDC 234/11) e o Estatuto do Nascituro (PL478/2007) são dois desses projetos de lei em tramitação. O primeiro trata homossexuais como doentes, ignorando as resoluções da Organização Mundial de Saúde (OMS), as normas do Conselho Nacional de Psicologia e até mesmo o bom senso. Por acaso, como bem lembra o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), alguém já chegou ao trabalho com um atestado médico para não trabalhar por estar “um pouco gay?” Obviamente, não, pois ser homossexual não se trata de doença e sim de orientação sexual. Como tal, não necessita de remédio, mas de respeito.

O segundo projeto, o Estatuto do Nascituro, aprovado recentemente na Comissão de Finanças da Câmara, afronta direitos das mulheres e o desenvolvimento científico no Brasil. Em síntese, a nova legislação prevê a proteção integral de embriões por meio da lei civil e penal do país. Para tanto, ignora o sofrimento das vítimas de estupro, proíbe exames modernos para identificação de doenças no pré-natal, coloca na ilegalidade métodos de reprodução assistida, como o congelamento de embriões, e o trabalho científico com os mesmos.

No artigo 4º, por exemplo, está escrito: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência”. Mas quem garantirá o direito das vítimas de estupro à saúde, ao respeito e à vida, por exemplo? Num único dia, pelo menos 35 histórias de crimes sexuais contra mulheres se repetem no Brasil. São 13 mil casos em 2011. São mulheres violentadas de todas as formas (Mapa da Violência 2012 – Homicídios de Mulheres no Brasil). Entre 2005 e 2010, registros de estupro aumentaram 168% (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Para os defensores de Direitos Humanos, quando ocorre violência sexual, o principal é priorizar a saúde da mulher em todas as dimensões: física, psicológica e emocional. Se o estatuto for aprovado, óvulos fecundados terão mais direitos do que mulheres vítimas de estupro, que serão obrigadas a continuar a gestação. A proposta criminaliza a interrupção da gravidez e cria a chamada “bolsa-estupro”, estimulando financeiramente mulheres que mantiverem a gestação. Já é comum ver a criminalização da conduta da vítima que muitas vezes não denuncia a agressão por medo e vergonha, e acabará ainda mais estigmatizada.

O projeto é tão maquiavélico que a mulher que tiver a gravidez interrompida acidentalmente será alvo de uma investigação policial. No texto, há previsão de pena de detenção de um a três anos para quem “causar culposamente a morte de nascituro”, ou seja, ao cair de uma escada, por exemplo, e sofrer interrupção da gestação, essa mulher será investigada.

Para quem acredita que o desenvolvimento científico é aliado na busca de saúde e na garantia de vida, o estatuto revela todo obscurantismo dos setores fundamentalistas. Pelos artigos 1, 2 e 25 do projeto original, ficam proibidas explicitamente técnicas de reprodução assistida que auxiliam milhares de casais a gerarem novas vidas. Veda também pesquisas com embriões. No artigo 25, consta a previsão de detenção para quem “congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação”. E vai além, no artigo 11 (parágrafo 2º), ao proibir exames no pré-natal, que ajudam na identificação de doenças genéticas, como a biópsia de vilo corial.

Diante do avanço de ideias tão retrógadas no Legislativo, defensores de Direitos Humanos e da Ciência devem reforçar a luta para que o Brasil aprofunde ainda mais a garantia de igualdade, firmando-se como símbolo de respeito à diversidade, desenvolvimento humano e inovação.

Manuela D’ Ávila, líder do PCdoB na Câmara dos Deputados

sexta-feira, 21 de junho de 2013

NO GRITO NÃO


Em 22 de outubro de 1922, uma enorme manifestação ameaçou cobrir de sangue a Itália. Alarmado o governo italiano tudo fez para impedir a manifestação e tudo cedeu. Anos depois se verificou que na verdade, tratava-se de um blefe, pois as milhões de pessoas que tomariam Roma não passavam de alguns poucos milhares que seriam facilmente dominados, houvesse coragem para isso.

Essa manifestação se chamou Marcha sobre Roma, foi organizada pelo Partido Nacional Fascista (PNF) e idealizada por seu líder máximo, Benito Mussolini.

Este blefe funcionou e o PNS dessa maneira chegou ao poder. Mussolini foi nomeado chefe de governo pelo Rei Vítor Emanuel III e representou o fim da democracia liberal.

Milhares de pessoas foram perseguidas, mortas e extraditadas para os campos de concentração nazista, algum tempo depois. Milhares foram presas e torturadas.

Incrustados no poder Mussolini e os fascistas só seriam desbancados depois da derrota na II Guerra Mundial.

A “Marcha sobre Roma” encerra muitas lições, entre elas a de que os responsáveis pela manutenção da ordem democrática são os responsáveis pela salvaguarda da democracia. Ensina também que, devemos dimensionar um fato político por sua real representatividade e não pelos gritos dos manifestantes, ou pelas ameaças de seus vândalos, geralmente minorias.

Os movimentos de rua no Brasil devem ser vistos como expressão sem proprietários e de todas as classes sociais.

Deve ser respeitada como expressão espontânea da manifestação do povo, mas esse respeito deve ter limites e os seus limites são a defesa da mesma democracia que lhe permite a existência.

Quem blefa, em política, é quem não tem a maioria para um jogo limpo. E um blefe não pode fazer de reféns os valores constitucionais e as garantias da normalidade do estado de direito.

Em outras palavras, os movimentos de rua do Brasil não podem, de forma ingênua, serem manipulados para a ascensão de qualquer tipo de Ditadura.

Se é verdade que as marchas de rua são perfeitamente democráticas e representam o desejo de expressar contrariedade de muitos, não é menos verdade que os governos atualmente instituídos representam a vontade da maioria que os elegeu.

Considerar as manifestações mais do que são é permitir espaço ao crescimento fascista e autoritário de grupos e partidos que temem não ter apelo popular nem chances eleitorais em 2014.

O fascismo e a violência estão acostumados a entrarem pelas frestas abertas e distraídas de quem deseja a paz.

Se bober daqui a pouco surgem pesquisas sobre simpatias aos tempos da Ditadura e abaixo-assinado para "impetimar" a presidente.

Mas no grito ninguém poderá tomar o poder no Brasil, subvertê-lo ou diminuí-lo.

Muita atenção nessa hora e muito cuidado para não estar cantando versos da canção errada.

Malandro é o gato que já nasce de bigodes.

Prof. Péricles








quinta-feira, 20 de junho de 2013

REVOLTA NAS RUAS BRASILEIRAS


Os movimentos de rua dos últimos dias começaram ao que parece, de forma espontânea e contra o aumento das passagens de ônibus.

Quase de forma natural diversificaram-se para outras reinvidicações, sendo atualmente movimentos de questionamentos múltiplos e mesmo, contraditórios.

São muitas as insatisfações: preço elevado das passagens, gastos públicos com obras para a Copa do Mundo, corrupção, pouco investimentos em áreas básicas, etc.

Ao que se saiba, não há, ou ainda não apareceu de forma nítida um comando estratégico, lideranças e partidos políticos assumindo a paternidade.

Essa é a grande expectativa.

Quando se solta uma folha das alturas jamais poderemos saber onde exatamente ela cairá. Depende do vento.

Se os movimentos são espontâneos e sem raiz partidária, para onde eles tenderão, nunca esquecendo que, ano que vem é ano eleitoral.

Se unificarão num só movimento? Esse movimento será de esquerda voltado às questões sociais ou um movimento anti-Dilma e anti-PT, cristalizando-se como um movimento de oposição ao governo atual? Será canalizado pela direita agonizante do Brasil que busca desesperadamente achar uma bandeira para contrapor ao governo, aparentemente invencível em 2014?

Pode ser ainda que, continue navegando em águas turvas sem uma definição maior até esmorecer e fenecer na praia por falta de combustível político.

A legitimidade e o direito de protestar parecem, felizmente, inquestionáveis. O protesto é livre e democrático.

O maior de todos os populares, ao menos, o mais famoso, começou na França em 14 de julho de 1789 quando o povo francês saiu para as ruas, para enfrentar a guarda real.

Terminou com a deposição do Rei que além de perder o poder, perdeu também a cabeça, na guilhotina.

Lutando para se apropriar da força popular, a burguesia, dividida em Girondinos e Jacobinos provocou a morte de mais de 30 mil pessoas.

No Brasil, um dos mais conhecidos foi o povo na rua após a divulgação fraudulenta de um plano dos comunistas para tomar o poder à força, em outubro de 1937, o famoso Plano Cohen.

Getúlio Vargas, dono da idéia da fraude usou a comoção das ruas para fechar todas as vias democráticas e dar início a uma das mais terríveis ditaduras que se tem notícia, o “Estado Novo”.

Conhecidíssimas também são as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” movimento de rua iniciado em Minas Gerais que foi um verdadeiro toque de clarim para o golpe de março de 1964, que deu início aos 20 anos de ditadura militar.

Os movimentos de rua são assim. Podem ser o oxigênio fundamental na luta pela liberdade, assim como, podem ser argumentos para o autoritarismo.

Que os ventos que empurram os atuais movimentos no Brasil sejam jovens e democráticos. Que ninguém perca a cabeça nas guilhotinas modernas e que não abram as portas para uma ditadura canalha. Tomara que a folha lançada ao vento caia no terreno fértil dos avanços sociais e não na fogueira das vaidades de lideranças oportunistas que a tudo corrompem.

Prof. Péricles

quarta-feira, 19 de junho de 2013

VOCÊ É ESQUERDA E NEM SABE


Publicado em 8 de janeiro de 2013
Por Cynara Menezes

Li no jornal sobre uma entrevista de Carlos Drummond de Andrade em que ele dizia: “a esquerda, até agora, no Brasil, tem sido a parte mais errada da opinião pública, a que mais caiu em erros”. O poeta querido afirmava abominar a direita, mas defendia a tese de que é possível “não ser partidário da esquerda e ter um pensamento conseqüente, que é o pensamento socialista, que não é propriedade da esquerda”.

Enfim: ser socialista não é propriedade da esquerda. Uau. Essa frase mexeu comigo.

O que o autor dos versos “Vai, Carlos! ser gauche na vida” quis dizer com isso? A entrevista foi dada na época da campanha das Diretas Já, em 1984. Drummond, aliás, era contra. Ele chegou a apoiar o golpe militar em 1964, depois se arrependeria ao ver que a coisa não era para o seu “paladar”. Ou seja, o poeta mineiro possuía um certo conservadorismo, mas detestava a direita, por um lado; por outro, desprezava a esquerda, mas admirava o socialismo. É possível?

Fica claro para mim que Drummond manifestava desagrado com o que a esquerda se tornara ao longo do tempo. Não se pode acusar a direita de haver queimado o filme da esquerda: a própria esquerda no poder se encarregou de fazer seu marketing negativo. Sob a égide do “socialismo”, surgiram ditaduras, se perseguiram opositores, se restringiram liberdades individuais, houve censura, tortura e corrupção. E, mais grave, não se sanaram as diferenças sociais. O poeta devia pensar: como estes “esquerdistas” se atrevem a usar o nome do socialismo em vão? Se vivesse hoje em dia, Drummond não pensaria diferente: a “esquerda” continua blasfemando contra o socialismo.

São poucos os reais esquerdistas representando o povo dentro dos partidos ditos de esquerda. Esquerdismo no sentido de ser progressista e um pouco além.

Ser de esquerda é não roubar nem deixar roubar; é ser contra a exploração do homem pelo homem e de países por outros países; é ser a favor da igualdade entre raças e gêneros; do Estado laico; é ser contra o preconceito e a intolerância; é ser a favor da natureza; de que o povo coma bem e direito; da justiça social; é ser a favor de uma nova política para drogas e aborto; da reforma agrária; da moradia, da educação e da saúde de qualidade para todos. Ser de esquerda é ser um defensor incorruptível da paz, da democracia e da liberdade. E ser de esquerda é, sim, dar menos importância ao dinheiro e mais à felicidade. (Que me perdoem os bons ricos, deles será o reino dos Céus.)

Vejo esta manifestação agora em Wall Street e sua interessante bandeira dos 99% que não têm nada contra o 1% que tem tudo, contra a ganância dos especuladores e dos bancos, as grandes corporações exploradoras e contra os corruptos. Pode ser minúsculo e ingênuo, não importa, mas é um movimento de esquerda, da verdadeira esquerda revolucionária, agora pacífica. É uma luta de Davi e Golias. Garotos com cartazes na mão contra o capitalismo, a fome, a opressão, as desigualdades, a injustiça. Não era isso que pregava o socialismo em seus utópicos primórdios? Mas tenho certeza que, se alguém chegar para muitos daqueles guris e chamá-los “esquerdistas”, eles irão torcer o nariz e fazer um muxoxo igual a Drummond.

A queda do muro de Berlim derrubou o socialismo naquele momento, mas se pelo menos suas concepções teóricas ainda são respeitadas, não se pode dizer a mesma coisa do esquerdismo. Hoje, o capitalismo também começa a ruir a olhos vistos, está fazendo água, não é “perfeito” como os neoliberais apregoavam. As guerras que os países capitalistas promovem já não são suficientes para disfarçar o fracasso do sistema em si. Por uma coincidência cósmica, de novo é The Wall Street dando o pontapé de partida
Claro que a derrubada do muro foi televisionada 24 horas por dia enquanto a ocupação de Wall Street é ignorada pela mídia. Mas quem é que esperava moleza?
Esta grande crise econômica que se avizinha deveria ser uma hora e tanto para repensar o “ser de esquerda”, no mundo e no Brasil. Se estiverem interessados, os que se dizem de esquerda, os que se sentem de esquerda e os que amam a esquerda podiam aproveitar a oportunidade para rever bandeiras, ideais, discursos, projetos e sobretudo rever a prática do que é a “esquerda”.

Em vez de continuar a macular a expressão, torná-la digna de se associar ao termo “socialismo”. Vinte anos após o fim da União Soviética, a palavra “esquerda” segue em baixa no mundo. Entre os direitistas, tanto faz que pensem assim, mas o mais triste é que ela está em baixa mesmo entre os que são de esquerda e nem sabem disso.

Como os poetas.