sexta-feira, 21 de junho de 2013
NO GRITO NÃO
Em 22 de outubro de 1922, uma enorme manifestação ameaçou cobrir de sangue a Itália. Alarmado o governo italiano tudo fez para impedir a manifestação e tudo cedeu. Anos depois se verificou que na verdade, tratava-se de um blefe, pois as milhões de pessoas que tomariam Roma não passavam de alguns poucos milhares que seriam facilmente dominados, houvesse coragem para isso.
Essa manifestação se chamou Marcha sobre Roma, foi organizada pelo Partido Nacional Fascista (PNF) e idealizada por seu líder máximo, Benito Mussolini.
Este blefe funcionou e o PNS dessa maneira chegou ao poder. Mussolini foi nomeado chefe de governo pelo Rei Vítor Emanuel III e representou o fim da democracia liberal.
Milhares de pessoas foram perseguidas, mortas e extraditadas para os campos de concentração nazista, algum tempo depois. Milhares foram presas e torturadas.
Incrustados no poder Mussolini e os fascistas só seriam desbancados depois da derrota na II Guerra Mundial.
A “Marcha sobre Roma” encerra muitas lições, entre elas a de que os responsáveis pela manutenção da ordem democrática são os responsáveis pela salvaguarda da democracia. Ensina também que, devemos dimensionar um fato político por sua real representatividade e não pelos gritos dos manifestantes, ou pelas ameaças de seus vândalos, geralmente minorias.
Os movimentos de rua no Brasil devem ser vistos como expressão sem proprietários e de todas as classes sociais.
Deve ser respeitada como expressão espontânea da manifestação do povo, mas esse respeito deve ter limites e os seus limites são a defesa da mesma democracia que lhe permite a existência.
Quem blefa, em política, é quem não tem a maioria para um jogo limpo. E um blefe não pode fazer de reféns os valores constitucionais e as garantias da normalidade do estado de direito.
Em outras palavras, os movimentos de rua do Brasil não podem, de forma ingênua, serem manipulados para a ascensão de qualquer tipo de Ditadura.
Se é verdade que as marchas de rua são perfeitamente democráticas e representam o desejo de expressar contrariedade de muitos, não é menos verdade que os governos atualmente instituídos representam a vontade da maioria que os elegeu.
Considerar as manifestações mais do que são é permitir espaço ao crescimento fascista e autoritário de grupos e partidos que temem não ter apelo popular nem chances eleitorais em 2014.
O fascismo e a violência estão acostumados a entrarem pelas frestas abertas e distraídas de quem deseja a paz.
Se bober daqui a pouco surgem pesquisas sobre simpatias aos tempos da Ditadura e abaixo-assinado para "impetimar" a presidente.
Mas no grito ninguém poderá tomar o poder no Brasil, subvertê-lo ou diminuí-lo.
Muita atenção nessa hora e muito cuidado para não estar cantando versos da canção errada.
Malandro é o gato que já nasce de bigodes.
Prof. Péricles
quinta-feira, 20 de junho de 2013
REVOLTA NAS RUAS BRASILEIRAS
Os movimentos de rua dos últimos dias começaram ao que parece, de forma espontânea e contra o aumento das passagens de ônibus.
Quase de forma natural diversificaram-se para outras reinvidicações, sendo atualmente movimentos de questionamentos múltiplos e mesmo, contraditórios.
São muitas as insatisfações: preço elevado das passagens, gastos públicos com obras para a Copa do Mundo, corrupção, pouco investimentos em áreas básicas, etc.
Ao que se saiba, não há, ou ainda não apareceu de forma nítida um comando estratégico, lideranças e partidos políticos assumindo a paternidade.
Essa é a grande expectativa.
Quando se solta uma folha das alturas jamais poderemos saber onde exatamente ela cairá. Depende do vento.
Se os movimentos são espontâneos e sem raiz partidária, para onde eles tenderão, nunca esquecendo que, ano que vem é ano eleitoral.
Se unificarão num só movimento? Esse movimento será de esquerda voltado às questões sociais ou um movimento anti-Dilma e anti-PT, cristalizando-se como um movimento de oposição ao governo atual? Será canalizado pela direita agonizante do Brasil que busca desesperadamente achar uma bandeira para contrapor ao governo, aparentemente invencível em 2014?
Pode ser ainda que, continue navegando em águas turvas sem uma definição maior até esmorecer e fenecer na praia por falta de combustível político.
A legitimidade e o direito de protestar parecem, felizmente, inquestionáveis. O protesto é livre e democrático.
O maior de todos os populares, ao menos, o mais famoso, começou na França em 14 de julho de 1789 quando o povo francês saiu para as ruas, para enfrentar a guarda real.
Terminou com a deposição do Rei que além de perder o poder, perdeu também a cabeça, na guilhotina.
Lutando para se apropriar da força popular, a burguesia, dividida em Girondinos e Jacobinos provocou a morte de mais de 30 mil pessoas.
No Brasil, um dos mais conhecidos foi o povo na rua após a divulgação fraudulenta de um plano dos comunistas para tomar o poder à força, em outubro de 1937, o famoso Plano Cohen.
Getúlio Vargas, dono da idéia da fraude usou a comoção das ruas para fechar todas as vias democráticas e dar início a uma das mais terríveis ditaduras que se tem notícia, o “Estado Novo”.
Conhecidíssimas também são as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” movimento de rua iniciado em Minas Gerais que foi um verdadeiro toque de clarim para o golpe de março de 1964, que deu início aos 20 anos de ditadura militar.
Os movimentos de rua são assim. Podem ser o oxigênio fundamental na luta pela liberdade, assim como, podem ser argumentos para o autoritarismo.
Que os ventos que empurram os atuais movimentos no Brasil sejam jovens e democráticos. Que ninguém perca a cabeça nas guilhotinas modernas e que não abram as portas para uma ditadura canalha. Tomara que a folha lançada ao vento caia no terreno fértil dos avanços sociais e não na fogueira das vaidades de lideranças oportunistas que a tudo corrompem.
Prof. Péricles
quarta-feira, 19 de junho de 2013
VOCÊ É ESQUERDA E NEM SABE
Publicado em 8 de janeiro de 2013
Por Cynara Menezes
Li no jornal sobre uma entrevista de Carlos Drummond de Andrade em que ele dizia: “a esquerda, até agora, no Brasil, tem sido a parte mais errada da opinião pública, a que mais caiu em erros”. O poeta querido afirmava abominar a direita, mas defendia a tese de que é possível “não ser partidário da esquerda e ter um pensamento conseqüente, que é o pensamento socialista, que não é propriedade da esquerda”.
Enfim: ser socialista não é propriedade da esquerda. Uau. Essa frase mexeu comigo.
O que o autor dos versos “Vai, Carlos! ser gauche na vida” quis dizer com isso? A entrevista foi dada na época da campanha das Diretas Já, em 1984. Drummond, aliás, era contra. Ele chegou a apoiar o golpe militar em 1964, depois se arrependeria ao ver que a coisa não era para o seu “paladar”. Ou seja, o poeta mineiro possuía um certo conservadorismo, mas detestava a direita, por um lado; por outro, desprezava a esquerda, mas admirava o socialismo. É possível?
Fica claro para mim que Drummond manifestava desagrado com o que a esquerda se tornara ao longo do tempo. Não se pode acusar a direita de haver queimado o filme da esquerda: a própria esquerda no poder se encarregou de fazer seu marketing negativo. Sob a égide do “socialismo”, surgiram ditaduras, se perseguiram opositores, se restringiram liberdades individuais, houve censura, tortura e corrupção. E, mais grave, não se sanaram as diferenças sociais. O poeta devia pensar: como estes “esquerdistas” se atrevem a usar o nome do socialismo em vão? Se vivesse hoje em dia, Drummond não pensaria diferente: a “esquerda” continua blasfemando contra o socialismo.
São poucos os reais esquerdistas representando o povo dentro dos partidos ditos de esquerda. Esquerdismo no sentido de ser progressista e um pouco além.
Ser de esquerda é não roubar nem deixar roubar; é ser contra a exploração do homem pelo homem e de países por outros países; é ser a favor da igualdade entre raças e gêneros; do Estado laico; é ser contra o preconceito e a intolerância; é ser a favor da natureza; de que o povo coma bem e direito; da justiça social; é ser a favor de uma nova política para drogas e aborto; da reforma agrária; da moradia, da educação e da saúde de qualidade para todos. Ser de esquerda é ser um defensor incorruptível da paz, da democracia e da liberdade. E ser de esquerda é, sim, dar menos importância ao dinheiro e mais à felicidade. (Que me perdoem os bons ricos, deles será o reino dos Céus.)
Vejo esta manifestação agora em Wall Street e sua interessante bandeira dos 99% que não têm nada contra o 1% que tem tudo, contra a ganância dos especuladores e dos bancos, as grandes corporações exploradoras e contra os corruptos. Pode ser minúsculo e ingênuo, não importa, mas é um movimento de esquerda, da verdadeira esquerda revolucionária, agora pacífica. É uma luta de Davi e Golias. Garotos com cartazes na mão contra o capitalismo, a fome, a opressão, as desigualdades, a injustiça. Não era isso que pregava o socialismo em seus utópicos primórdios? Mas tenho certeza que, se alguém chegar para muitos daqueles guris e chamá-los “esquerdistas”, eles irão torcer o nariz e fazer um muxoxo igual a Drummond.
A queda do muro de Berlim derrubou o socialismo naquele momento, mas se pelo menos suas concepções teóricas ainda são respeitadas, não se pode dizer a mesma coisa do esquerdismo. Hoje, o capitalismo também começa a ruir a olhos vistos, está fazendo água, não é “perfeito” como os neoliberais apregoavam. As guerras que os países capitalistas promovem já não são suficientes para disfarçar o fracasso do sistema em si. Por uma coincidência cósmica, de novo é The Wall Street dando o pontapé de partida
Claro que a derrubada do muro foi televisionada 24 horas por dia enquanto a ocupação de Wall Street é ignorada pela mídia. Mas quem é que esperava moleza?
Esta grande crise econômica que se avizinha deveria ser uma hora e tanto para repensar o “ser de esquerda”, no mundo e no Brasil. Se estiverem interessados, os que se dizem de esquerda, os que se sentem de esquerda e os que amam a esquerda podiam aproveitar a oportunidade para rever bandeiras, ideais, discursos, projetos e sobretudo rever a prática do que é a “esquerda”.
Em vez de continuar a macular a expressão, torná-la digna de se associar ao termo “socialismo”. Vinte anos após o fim da União Soviética, a palavra “esquerda” segue em baixa no mundo. Entre os direitistas, tanto faz que pensem assim, mas o mais triste é que ela está em baixa mesmo entre os que são de esquerda e nem sabem disso.
Como os poetas.
sábado, 15 de junho de 2013
O SEGREDO DA VIDA
A vida deve ser vivida, de verdade. Não devemos fingir que vivemos.
É importante deixar nossas marcas na estrada empoeiradas da existência.
Não precisamos ser grandes conquistadores, reis, generais, políticos ou santos.
Não é necessário construir pirâmides, nem catedrais.
Talvez baste construir uma história, a sua história, por mais simples que seja.
Diante do cosmos, nossa existência não é nada, mas para nossos filhos somos o Gênesis.
Podemos ser figurantes ou protagonistas, na verdade, a escolha é toda nossa.
Podemos deixar saudades ou lembrança alguma.
Podemos fazer barulho, dançar e tagarelar ou vivermos no maior silêncio.
Dá tempo para fazer poesias, desenhos, ou deixar apenas folhas em branco.
Sem egoísmos. Mas uma vontade enorme de exercermos nossa humanidade, na prática do bem, na luta pela justiça, ou por engordar o cordão dos inconformados com a desigualdade. Mas também dá para sermos reacionários.
Podemos ser lápis coloridos, giz de cera, pintar e viver nas mais vibrantes cores ou sermos preto e branco eternamente.
Sem orgulho vaidoso, mas com um sincero e legítimo desejo de ser mais do que o sereno da noite que desaparece como se não tivesse existido.
(Notícia do New York Times)
Os Gerentes de uma Editora estão tentando descobrir, porque ninguém notou que um dos seus empregados estava morto, sentado à sua mesa há cinco dias. George Turklebaum, 51 anos, que trabalhava como Verificador de Texto numa firma de Nova Iorque há 30 anos, sofreu um ataque cardíaco no andar onde trabalhava (open space, sem divisórias) com outros 23 funcionários.
Ele morreu tranquilamente na segunda-feira, mas ninguém notou até ao sábado seguinte pela manhã, quando um funcionário da limpeza o questionou, porque ainda estava a trabalhar no fim de semana. O seu chefe, Elliot Wachiaski, disse: “O George era sempre o primeiro a chegar todos os dias e o último a sair no final do expediente, ninguém achou estranho que ele estivesse na mesma posição o tempo todo e não dissesse nada. Ele estava sempre envolvido no seu trabalho e fazia-o muito sozinho”.
A autópsia revelou que ele estava morto há cinco dias, depois de um ataque cardíaco.
Não podemos passar pela vida como uma mesa, inanimada e que nada tem a contribuir na vida do próximo.
Você pode escolher: apenas ocupar um lugar no espaço, ou impregnar de você todos os espaços possíveis.
Pode ver na floresta apenas madeira para a lareira, no mar apenas água salgada e nos campos apenas pasto para os animais, ou pode, se quiser, ver em tudo isso a mágica da criação e um poema de Deus.
E podemos tudo isso por que o segredo da vida não se esconde no infinito bailando entre as estrelas, mas reside em nós e em cada uma de nossas ações.
Prof. Péricles
sexta-feira, 14 de junho de 2013
GRINGOS E MACACOS
por Urariano Motta [*]
Um jovem de grande inteligência e observação, que conhece muitos países europeus, me enviou esta mensagem ontem:
Para muitos gringos, os brasileiros, os que não são europeus, não passam de macacos. Aquilo que o senhor escreveu em ‘O filho renegado de Deus’ ainda acontece na Europa. Aquilo não está só como os gringos viam um negro no Recife em 1961. Mas muita gente tenta esconder essa realidade. Ou fazer de conta que não acontece. Mas acontece, todos os dias, ainda hoje.
E de fato, amigos, leio na Folha de São Paulo nesta quinta-feira que jovens da periferia, lá na exemplar Suécia, revoltados, queimaram carros. E que esses protestos começaram depois da repressão policial ter matado um imigrante velho. Pior, a mesma polícia que matou abre investigação sobre o crime. Mas nem com tal providência evitou a revolta dos jovens. Eles acusam as forças de segurança de abuso de autoridade, de bater em idosos e crianças e de chamar os imigrantes, na maioria negros, de ‘macacos’...”.
Então ligo a mensagem recebida à notícia de hoje, e por isso navego pela internet para ver o quanto a Europa e os Estados Unidos em crise descontam nas costas dos imigrantes os problemas econômicos. O novo aqui – se novidade há – é o crescimento do ódio em velhos preconceitos contra os latinos, africanos, ou de um modo mais amplo, contra os não-europeus. Assim ocorre na Itália, onde a nova ministra da Integração, Cecile Kyenge, vem recebendo insultos por ser negra e mulher. Sites de extrema-direita a têm rotulado como “macaco congolês”.
Assim é com o jogador Mario Balotelli, o craque da seleção italiana, que tem sido vítima de humilhações nos estádios, como no San Siro, em que a torcida da casa fez barulhos e imitações de macacos para provocá-lo. No primeiro tempo, o atleta mandou a torcida adversária se calar, porém perto do fim do segundo tempo a situação ficou insustentável e o juiz teve que paralisar o jogo por alguns minutos.
Essas noticias falam que esse não foi um caso isolado. Em Portugal, a situação se repete com uma brasileira de nome Kelly dentro do BBB português. Recentemente, Macau, um dos participantes do Big Brother de Portugal, imitou um macaco enquanto Kelly tomava banho. Já na Espanha, depois de fazer uma falta no atacante Cristiano Ronaldo, na derrota do Barcelona para o Real Madrid, por 2 a 1, o lateral-direito Daniel Alves teve que ouvir insultos no Santiago Bernabéu, de acordo com a imprensa espanhola. O brasileiro, já nos últimos minutos do jogo, escutou sons de imitações de macacos vindos das arquibancadas do estádio.
Esse tem sido um comportamento repetido, da Inglaterra à França, mais a Grécia e onde a crise econômica desponta. O insulto e o desprezo por humanos diferentes não é novo. A novidade é que os macacos antigos agora vão além dos negros, atingem os muçulmanos, imigrantes pobres, pessoas de pele clara, e tudo que for estranho.
Enquanto escrevo, recebo a informação de que os estrangeiros não gostam de ser tratados por “gringos” no Brasil. É natural e justo que não se sintam bem. Mas em um contexto de incompreensões e discórdia, creio que o leitor entenderá o título da coluna.
O trecho do romance “O filho renegado de Deus” a que o jovem se referiu é este:
- Eu serei o seu guia e intérprete no Recife, excelência.
Então uma jovem ao lado de Ted Kennedy, com jeito de fina, educada, parecendo uma condessa, então essa senhora vai falar para Edward, em gíria do Sul dos Estados Unidos:
- Quem vai nos servir é este macaco?!
Sim, então nessa frase o negro Filadelfo sentirá, com tamanha raiva, mágoa que o deixará ferido, então o negrinho vai sentir que serão crescidas dentro de si florestas de macacos, um povo de grandes símios, um mato, uma cerrada população de árvores onde pulam chimpanzés como ele, como sua mãe, como sua avó escrava, um povo de caricatura a pular entre árvores, onde se confundem os colonizadores filhos de colonizadores, netos de colonizadores, todos de capacete e rifle em safáris.
É natural que não diga nem ao padrinho Manoel de Carvalho, pois o espírito acima de tudo não o perdoaria, e Filadelfo não podia contar que apenas respondeu, quando deveria cuspir, escarrar no imaculado e gentil braço da suave dama, mas apenas disse:
- Senhora, eu não sou macaco.
- Oh, não, o senhor entendeu mal, ela não disse isso – meio a contragosto contemporizou o nobre representante dos Estados Unidos. Ao que ele, o macaco que falava, apenas disse:
- Senhora, eu falo inglês fluente e entendo bem as suas gírias.
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Urariano Motta [*] é escritor e jornalista. Autor de Soledad no Recife(Boitempo, 2009) e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997).
domingo, 9 de junho de 2013
TEMPO BOM EM HIROSHIMA
O tempo está nublado. Tudo em volta parece escuro. Nuvens pesadas balançam no ar, carrancudas e mal humoradas.
A gente, aqui embaixo, esfrega os braços e reclama. Maldito frio em pleno fim de semana. Como que para combinar com o tempo ficamos carrancudos e azedos.
E o pior de tudo, sentir que a chuva inevitável deixará tudo pior.
Mas, buscando ajuda na história se vê que nem sempre as coisas são como parecem. O que agora parece tristonho e agourento pode, ser na verdade a melhor moldura para um belo quadro sendo que o contrário pode ser real, ou seja, um belo dia de sol e calor pode ser o princípio de um dia terrível e trágico.
Mire-se no exemplo de Hiroshima.
Nos últimos meses da Segunda guerra mundial, a derrota das potências do eixo (Itália, Alemanha e Japão) eram favas contadas. Em 30 de abril Hitler se suicida. Em 2 de maio as tropas soviéticas tomam Berlim, e logo em seguida a Alemanha se rende incondicionalmente.
Faltava o Japão e sua ancestral teimosia, mas sozinho os nipônicos estavam condenados. Mais cedo ou mais tarde sua derrota seria sacramentada.
Em algum momento os norte-americanos resolveram que seria importante aproveitar o momento para mandar deixar um recado ameaçador à URSS. Agora aliados, em breve, naturais inimigos, raciocinou Tio Sam, já que suas diferenças, mais do que políticas eram ideologias. Então, foi decidido assustar os soviéticos com uma ameaça real, a bomba atômica.
Seria importante para os Estado Unidos, deixar claro a Stalin que já dominavam a tecnologia bélica nuclear e para isso, o Japão seria muito útil.
Era necessário bombardear o Japão e mostrar ao mundo, e aos soviéticos, todo seu poder destrutivo.
O presidente Trumam autoriza a missão, deixando ao alto comando militar a escolha do alvo.
Quatro cidades japonesas eram “candidatas” ao holocausto: Kyoto, Hiroshima, Yokohama e Kokura.
Todas eram cidades não-militarizadas. Julgavam em Washington que matando apenas civis ficaria claro ao governo japonês que não haveria limites até sua rendição.
Mas, das quatro, não conseguiam os chefões decidir pelo alvo final.
Na véspera da carnificina, no dia 5 de agosto, o alto comando decidiu que a cidade atacada seria aquela que apresentasse o melhor tempo, o dia mais claro e sem nuvens.
No discurso previamente escrito para que Trumam anunciasse o primeiro ataque nuclear a alvos humanos, a cidade atingida não era citada e em seu lugar havia uma lacuna que deveria ser preenchida na hora do discurso.
No dia 6 de agosto de 1945 o dia amanheceu chuvoso em Kokura e nublado com nuvens em Kyoto e Yokohama. Em Hiroshima, porém, o tempo estava lindo, sem nuvens, com um céu límpido de um azul cheio de vida, povoado de pássaros.
Às 8 horas da manhã nessa cidade de 175 mil habitantes, a 7ª maior cidade japonesa, muitos devem ter saído para o trabalho radiantes pelo belo dia. Com certeza, crianças rumando ao colégio brincavam com a espontaneidade que trás o bom tempo
.
Muitos devem ter ouvido o barulho do avião e visto a sua forma chegando ao centro da cidade.
Às 8 horas e 8 minutos a primeira bomba atômica detonada em área habitada, apelidada pelos algozes de “Litlle Boy” destruía completamente Hiroshima matando cerca de 150 mil pessoas, de todas as idades.
O crime de Hiroshima? Seu céu azul e sem nuvens.
Recordando essa grande tragédia humana, talvez fosse interessante alterar nossos conceitos de bom tempo e considerar que, quando as coisas não parecerem boas e a cara feia do tempo incentivar o mau humor, melhor seria agradecer pela chuva que a terra alimenta e que, nem tudo que parece bom seja realmente bom, como naquele dia de céu azul, em Hiroshima.
Prof. Péricles
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