domingo, 15 de maio de 2011

O CASO DO COFRE DO ADEMAR 01

Qual teria sido sua última lembrança?

Teria sido sobre seu distante país, agora mergulhado, cada vez mais, numa sangrenta ditadura? Teria se arrependido de ter sido um de seus mentores?

Seria para os vôos que não fez?

Ou seria para o “Dr. Rui”?

Eis aí uma boa probabilidade... talvez o último pensamento do velho político e empresário paulista, Ademar de Barros, tenha sido para o “Dr. Rui”.

Ademar Pereira de Barros nasceu em Piracicaba, em 22 de abril de 1901, de uma tradicional família de cafeicultores.

Teve uma carreira política de sucesso, sendo prefeito, deputado estadual, federal e Governador do Estado de São Paulo..

Empresário dinâmico, sócio da Radio Bandeirantes que daria origem à Rede Bandeirantes (hoje dirigida por seu neto Johnny Saad), Presidente e proprietário de fábricas (como a de chocolates Lacta) e de fazendas.

Foi ainda, aviador e médico.

O mesmo sucesso, entretanto, o velho Ademar não teve como conspirador.

Tendo concorrido duas vezes à presidência da república do Brasil, em 1955 e em 1960 (derrotado por JK e Jânio Quadros, em ambas ficou em terceiro lugar), Ademar tornou-se um conspirador.

Formou, juntamente com Carlos Lacerda (Guanabara) e Magalhães Pinto (Minas Gerais), o tripé de conspiradores que deram apoio político formal e explicito aos golpistas de 1964.

Todos os três governadores tinham uma grande ambição à presidência da República, mas esta pretensão foi estancada pelo desejo dos militares de permanecer no poder por muito mais tempo do que, todos eles, imaginavam. Claro que, os militares haviam esquecido de avisá-los sobre isso.

Sentindo-se ludibriado, Ademar exigiu, em 1966, a renúncia do General de plantão na Presidência, Humberto de Alencar Castelo Branco. O general não gostou e retaliou com a truculência peculiar ao regime, cassando o seu mandato e seus direitos políticos por dez anos. Para evitar ser preso, Adhemar de Barros deixa o Brasil em 7 de junho de 1966, exilando-se em Paris, na França. Acabava-se ali, uma das carreiras políticas mais bem-sucedidas da história brasileira.

E também, uma das mais corruptas, pois, era de conhecimento público, que o governador paulista não economizava nas negociatas e voava com a destreza de um piloto, nos céus escuros da corrupção.

A “voz pequena” e às vezes, nem tão pequena, seus correligionários usavam o slogan extra-oficial “Esse Rouba, mas Faz”.

sábado, 7 de maio de 2011

BÊBADOS E EQUILIBRISTAS

Escrito por Otto Filgueiras
Abr-2011

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos...
A lua, tal qual a dona do bordel, pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel
E nuvens! Lá no mata-borrão do céu chupavam manchas torturadas
Que sufoco! Louco!
O bêbado com chapéu-coco fazia irreverências mil prá noite do Brasil
Meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil com tanta gente que partiu num rabo de foguete
Chora a nossa Pátria mãe gentil, choram Marias e Clarisses no solo do Brasil...
Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente
A esperança... dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo dessa linha pode se machucar...
Azar! A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar...
(O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc)


O operário aposentado Antonio Norival Soave, ex-militante da Ação Popular (AP), morreu na madrugada de 5 de abril de 2011 no Hospital das Clínicas de Porto Alegre e foi finalmente jogado para fora da ponte da vida.
Seu corpo foi cremado. Mas os sonhos desse operário que viveu rebelde, bêbado e equilibrista não serão queimados pelos antigos companheiros que continuam acreditando na esperança, vermelha, socialista.
Ele estava com a vida por um fio, lutando e tentando ludibriar a morte. Nos últimos sete meses, por conta de um tumor cancerígeno em um dos pulmões, ele emagrecera mais de dez quilos e perdera toda a massa muscular do lado esquerdo do corpo, pois o tumor inflamou, cresceu e pressionava algumas vértebras junto à coluna cervical.
A biópsia comprovou que se tratava do tumor maligno carcinoma. E os médicos que o atenderam disseram não ser recomendável cirurgia e sim tratamento com rádio e quimioterapia, mas sem possibilidade de cura.
Quando ele ainda estava morando no ABC paulista falava com Soave por telefone todos os dias e num domingo de setembro do ano passado fui até Santo André, onde ele residia sozinho numa velha casa na rua Guadalupe 490, no bairro Parque das Nações, e constatei sua magreza esquelética, sentindo muitas dores e com o braço esquerdo praticamente paralisado. Vi um homem de 63 anos, mas que aparentava ter mais de 75, fragilizado pela doença.
Na visita encontrei sua filha Semíramis e a neta Camile, de um ano e meio de idade, que vieram de Porto Alegre dispostas a levar o pai e o nono para a capital do Rio Grande do Sul e assim tentar tratá-lo da terrível moléstia no Hospital das Clínicas gaúcho.
Por conta da sua aparência envelhecida, doente e pelas informações que obtive com a filha e irmãs de Soave, fiquei com a certeza de que o operário estava sem força física para prolongar o tempo que lhe foi concedido nesta terra.
No Hospital das Clínicas de Porto Alegre ele foi tratado com quimioterapia e radioterapia, até que os médicos identificaram que o câncer se ramificara para o cérebro, onde surgiram outros dois tumores malignos.
Um dos muitos personagens do livro que estou terminando de escrever sobre a organização de esquerda Ação Popular, Antonio Norival Soave nasceu em família operária, em Santo André, na região metropolitana paulista, em 24 de agosto de 1947. É o único varão entre quatro irmãs – Iracema, Aparecida, Tereza e Hilda -, filhos de José Soave e Roma Carolina Fantanesi, já falecidos e descendentes de migrantes do norte da Itália que vieram para o Brasil no final do século 19.
Em Santo André, a família Soave construiu os seus sonhos, primeiro vendendo frutas, verduras e legumes em feiras livres, e depois com macacões nas fábricas do ABC paulista, onde José Soave e Roma Carolina tornaram-se operários e trabalharam quase quarenta anos nas caldeiras e tecelagens de indústrias têxteis.
Da mesma forma que os pais operários, e morando em Santo André, no ABC paulista, desde que nasceu, Antonio Norival Soave começou a trabalhar ainda menino. Com apenas 11 anos já levantava às 3 horas da madrugada para trabalhar na feira. Depois, já com 14 anos tornou-se operário na linha de montagem da Pirelli, onde fazia moldes de colchões de espuma látex. A empresa também produzia pneus, cabos, fios, entre outros produtos.
Em 1 de abril de 1964 ele tinha 16 anos, quando o então presidente da República, João Goulart, foi deposto pelo golpe civil-militar e trabalhava na Cooperativa da Rhodia. Um ano depois foi demitido por participar de greve por melhores salários, mas em seguida conseguiu trabalho como preparador de máquinas na metalúrgica Cima (Companhia Industrial de Materiais Automobilísticos) e se filiou no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André.
A partir de 1966, além de atuar no movimento sindical, ele começou a militar na organização política de esquerda Ação Popular, que também atuava entre os operários no ABC paulista, com origem principalmente na JUC (Juventude Universitária Católica), e tinha sido fundada em Salvador (BA), em 1963.
A partir de 1966 é que ele foi entender melhor as coisas da política e a mecânica da vida, suas leis e contradições. Ele viveu aquele momento do Brasil da resistência ao golpe militar e em 1968 já estava trabalhando como inspetor de qualidade na Chrysler do Brasil, em São Bernardo do Campo, quando explodiram greves, manifestações estudantis e populares contra a ditadura pelo país. Na Chrysler ele participou da organização de paredes por melhores salários e melhores condições de trabalho. E teve atuação destacada no Primeiro de Maio de 1968, na Praça da Sé.
Em Santo André, ele e seus camaradas começaram a organizar o primeiro de maio de 1968 com uma passeata de 20 mil pessoas pelas ruas da cidade. E depois alugaram vários ônibus para trazer os trabalhadores de São Bernardo e de Santo André até a Praça da Sé, onde já estavam operários de Osasco, de São Paulo e do interior paulista, além de muitos estudantes.
Soave estava à frente dos operários da Mercedes Benz que romperam o cerco dos agentes do DEOPS, na Praça da Sé, e ocuparam o palanque onde estavam os representantes da ditadura, entre os quais o então governador Abreu Sodré, seu Secretário de Finanças, Delfim Neto, e os pelegos das diretorias do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e da Federação dos Metalúrgicos, que tinham preparado uma comemoração oficial e festiva para o regime militar.
No momento em que os operários ocuparam o palanque, pelegos e representantes da ditadura saíram correndo, o microfone foi entregue ao líder sindical da oposição e militante da AP José Nanci, que discursou e denunciou o regime militar, conclamando o povo a enfrentá-lo, exigindo democracia e liberdades democráticas, liberdade de atuação sindical e o fim do arrocho salarial.
Depois os operários saíram em passeata, com milhares de pessoas, até a Praça da República, onde o líder metalúrgico de São Bernardo do Campo, José Barbosa, militante da AP e recentemente falecido, também discursou, denunciando a ditadura.
A partir de então José Nanci, o operário José Barbosa, além de outros sindicalistas de oposição e muitos de militantes da AP passaram a ser perseguidos pela polícia política da ditadura. Ainda assim eles conseguiram realizar greves na Chrysler, na Mercedes Benz, na Volkswagen, na Wyllis Overland do Brasil que hoje é Ford, e em algumas outras indústrias menores do ABC, onde a AP tinha atuação.
A repressão não tardou a chegar. No final daquele ano de 1968, quando a ditadura baixou o Ato Institucional número 5, centenas de operários foram sendo demitidos e perseguidos no ABC, a exemplo do que aconteceu com Antonio Norival Soave, em janeiro de 1969, quando foi dispensado da Chrysler por causa das lutas que ele e outros operários estavam levando adiante.
O cerco da ditadura aos movimentos sindical e popular ficou ainda pior com a nova Lei de Segurança Nacional que entrou em vigor em setembro de 1969, e depois que Emílio Garrastazu Médici foi escolhido para ser o novo general-presidente da ditadura desde dezembro daquele ano. Além disso, em maio de 1970, a famigerada Operação Bandeirantes, de São Paulo, foi legalizada e passou a se chamar DOI-CODI.
Organizados em várias capitais brasileiras, os DOI-CODI se tornaram uma espécie de campos de concentração, de tortura e assassinatos praticados pelo regime militar e, junto com o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), Centro Nacional de Informações da Marinha (CENIMAR) e Serviço de Informação do Exército (CIEX) e os DEEOPS, estabelecem um regime ainda mais sanguinário contra os brasileiros, contra as organizações políticas de esquerda e os movimentos de oposição à ditadura.
Era o tempo do "milagre econômico" dos militares, que precisavam de um Brasil sem resistência à nova etapa de brutal acumulação capitalista no país. Um "milagre" baseado no arrocho dos salários dos operários, com o aviltamento de suas condições de vida, com a retenção ao máximo da mais-valia do trabalho produzido.
Depois de demitido da Chrysler, Antonio Norival Soave fez testes de inspetor de qualidade na Volkswagen, passou com as notas mais altas, passou nos testes da Wyllis Overland do Brasil, mas não foi admitido em nenhuma delas porque havia uma lista negra entre as indústrias, que perseguiam os operários que ousavam lutar. Muitas vezes ele chegou a entrar na fila de emprego da Mercedes Benz, mas o chefe do departamento de pessoal já o tinha identificado e sempre o mandava sair.
Apesar de toda a repressão, o operário e seus companheiros continuaram a lutar e o preço disso foi a perseguição e prisão de centenas e centenas de pessoas pela polícia política da ditadura.
Antonio Norival Soave estava entre elas e a sua prisão ocorreu em 20 de outubro de 1973, quando foi seqüestrado por agentes do DOI-CODI, sob armas, por volta das 19 horas, na rua Oratório, no bairro Parque das Nações, em Santo André, próximo à casa dos seus pais. Naquele dia tinha passado na casa da família, que estava sendo vigiada e não sabia.
Depois de imobilizado pelos agentes do Exército, foi colocado num carro e levado para a rua Tutóia, onde funcionava uma delegacia de polícia do estado de São Paulo e utilizado pelo DOI-CODI, também chamado de OBAN - Operação Bandeirantes -, que aplicava os meios mais hediondos de tortura para obter informações e liquidar a oposição ao regime militar.
Lá chegando, ele foi colocado em um compartimento debaixo de uma escada que servia de depósito dos cavaletes usados na tortura do pau-de-arara. Pouco tempo depois, foi retirado desse compartimento por dois torturadores com tapas e socos e levado até a sala de torturas.
Sob o comando do "Capitão Ubirajara", chefe da equipe B da OBAN, e com a permissão do então major do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI e conhecido como "o carniceiro da rua Tutóia", ele foi colocado na "cadeira do dragão", onde ficou levando choques elétricos nos dedos e braços. Em seguida, foi despido e colocado no pau-de-arara onde por toda a noite os torturadores intercalavam socos e pontapés, batiam com palmatória nas nádegas e aplicavam choques elétricos nos testículos, pênis, anus, dedos das mãos e dos pés, na garganta, língua, orelhas e no interior dos ouvidos, quando perfuraram seus tímpanos.
No início da manhã, após dois desmaios, ele foi medicado por um médico do Exército e levado para uma sala totalmente vedada e com iluminação por 24 horas, lá ficando completamente isolado durante uns 40 dias, e saindo somente para a sala de torturas.
Depois desse período, foi levado para a cela X 1, onde estavam outros presos, e os interrogatórios e tortura psicológica continuaram. Em 29 de novembro de 1973, conduziram-no para prestar o depoimento formal no DEOPS e no mesmo dia trazido de volta para o DOI CODI, onde continuou incomunicável até os dez primeiros dias do mês de dezembro daquele ano, quando a sua prisão foi finalmente admitida e os torturadores permitiram que sua família o visitasse.
Na segunda quinzena de dezembro de 1973, foi transferido com outros companheiros para o presídio do Hipódromo, onde continuou preso sem assistência médica, o que agravou o problema nos ouvidos perfurados durante as torturas.
Somente em março de 1974 é que a ditadura encaminhou para a 1ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar a denúncia contra ele e outros presos, acusados e processados por militância na organização política de esquerda Ação Popular Marxista Leninista do Brasil.
Em 9 de abril daquele ano foi qualificado e interrogado na Auditoria Militar, quando denunciou as torturas a que foi submetido, denunciou o desaparecimento e assassinatos dos seus companheiros Paulo Stuart Wright, José Carlos da Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda, militantes da Ação Popular, mortos pela ditadura de Emílio Garrastazu Médici.
Em agosto de 1974, no julgamento do tribunal militar, ele foi condenado a dois anos de prisão e, portanto, reconduzido ao presídio do Hipódromo para cumprir a pena, de onde foi transferido depois para a Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), e mais adiante para o Presídio da Justiça Militar Federal (Romão Gomes), que funcionava no interior do Quartel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, no bairro Barro Branco.
Finalmente, na segunda quinzena de maio de 1975, após julgamento no Superior Tribunal Militar (STM), que em sessão realizada em 16 de maio de 1975 decidiu reduzir sua pena para 16 meses de reclusão, Soave foi libertado depois de passar 19 meses na prisão, incluindo o período em que esteve encarcerado e torturado no DOI-CODI.
Quando saiu da cadeia Antonio Norival Soave estava com uma perda acentuada de audição, problema que foi relatado por mim na época em carta dirigida ao advogado Hélio Navarro, em 13 de maio de 1975, que denunciou o fato no STM e entregou a carta ao Congresso Nacional. Posteriormente, em 1978, trecho da carta foi publicado pela revista IstoÉ.
Depois de sair da prisão, Soave se apaixonou e casou com Nilce Azevedo Cardoso, também ex-militante da AP, e mudou para Porto Alegre (RS), onde tiveram dois filhos, Semíramis e Paulo.
Nesse período, Soave combateu com o povo brasileiro na luta da anistia, pela volta do irmão do Henfil com tanta gente que saiu... Ainda atuou na organização e fundação do Partido dos Trabalhadores e trabalhou no jornal O Companheiro.
Mas o seu casamento com Nilce fracassou e, embora continuassem amigos e solidários, eles se separaram. Morando sozinho em Porto Alegre, com problemas de saúde, incluindo a perda de muitos dentes, deprimido e praticamente sem amigos, Soave voltou para Santo André em 1997, foi morar com seu pai José, que estava muito doente e com o mal de Alzheimer.
Em junho de 1998, o operário sofreu um acidente quando pintava a casa, teve o globo ocular esquerdo perfurado por uma faca e desde então estava completamente cego de um olho e enxergando apenas 40% com o olho direito, assim mesmo com ajuda de óculos e lente de contato.
De lá para cá o pai José terminou morrendo, velhinho, mas sempre amparado e bem cuidado pelo filho e filhas até o instante final.
Mais uma vez morando sozinho, embora sempre visitado por suas irmãs, pelos filhos Semíramis, Paulo e a ex-mulher Nilce, Antonio Norival Soave ou Ernesto e Bento (nomes pelos quais seus amigos da AP o conheceram) teve pneumonia e outros graves problemas de saúde.
Ernesto Soave sobrevivia materialmente com muitas dificuldades e contava apenas com aposentadoria de pouco mais de um salário mínimo. Seu plano de saúde era o SUS, a exemplo do que acontece com os brasileiros pobres, a imensa maioria da população do Brasil privatizado.
Na verdade, Ernesto Soave vivia igual ao Bêbado e o Equilibrista, da canção de João Bosco, Aldir Blanc e eternizada na voz de Elis Regina.
Mas o homem não desistia da caminhada, solitária, embora aos tropeços, desequilibrando-se e lutando para não ser jogado fora da ponte da vida.
Retraído e solitário, política, pessoal e socialmente, ele sentia falta dos velhos amigos, antigos camaradas e não conseguiu fazer novas amizades para compartilhar alegrias, tristezas e dores inerentes à vida.
Mas esse bêbado equilibrista permanecia embriagado pelos sonhos socialistas e teimava com teimosia vermelha no direito de sonhar.
E continuou sonhando até o dia em que tombou, seu sangue coalhou, ele dormiu para sempre e nunca mais vai acordar.
Viverá na eternidade e despertará apenas no derradeiro sonho, quando estará mais uma vez com o macacão sujo de graxa, caminhando pelas fábricas do ABC paulista e lutando com a sua gente contra a espoliação capitalista, pela revolução socialista e libertação da sua classe.
Nesse derradeiro sonho, com certeza, Ernesto Soave lembrará aos seus antigos camaradas, e aos que virão depois de nós, que os revolucionários socialistas não podem perder a ternura jamais. Mas ainda assim esse operário, que lutou e viveu com a mesma brandura e suavidade que carregava no sobrenome, dizia que os revolucionários de ontem e de hoje não podem se esquecer de que a vida dos pobres na sociedade capitalista é dura, pesada.
Por isso mesmo, homens e mulheres precisam sonhar. Mas com a condição de acreditar nos seus sonhos, de examinar atentamente a vida real e de confrontar seus sonhos com a realidade. Aí, então, dizia o operário rebelde, bêbado e equilibrista, mulheres e homens conseguirão finalmente realizar as suas fantasias.

Otto Filgueiras é jornalista.

AS VERDADES DO CENSO 2010

Na manhã da sexta-feira (29/04), O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (órgão criado por Getúlio Vargas) divulgou os dados do Censo Demográfico de 2010.

Algumas coisas que, de acordo com os números, podemos concluir (ou encasquetar):

Somos 190.755.799 brasileiros.

Nosso país não é super povoado, pois sua densidade demográfica (povoamento em relação à área) é de 22,4 habitantes por km². Dessa maneira podemos dizer que o pesadelo de épocas recentes de um Brasil super povoado e inabitável está bem distante (leiam "Não Verás País Nenhum" uma das obras que assustou minha geração).

Agora o crescimento se dá principalmente nas cidades médias (tipo Ribeirão Preto, Caxias do Sul), diferentemente das décadas passadas onde o crescimento maior era nas grandes metrópoles nacionais (São Paulo e Rio de Janeiro) e nas metrópoles regionais (Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, etc.). O crescimento dessas 38 cidades com mais de 500.00 habitantes é de 2,05% ao ano enquanto que o número de residentes nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, ficou praticamente estável: 0,76% ao ano, em ambas.

O Censo 2010 também registrou que os municípios menos populosos, com menos de 2 mil habitantes, se tornaram menores ainda ao longo dos 10 anos, apresentando taxa negativa de crescimento.

A proporção entre os sexos é de 96 homens para cada 100 mulheres. A população feminina tem 3.941.819 a mais do que a masculina. (Que Maravilha!)

Apesar disso, nascem mais meninos que meninas, pois a natureza é sábia e percebe que morrem mais homens que mulheres ao longo da vida (também, do jeito que nos deixam malucos...).

Proporcionalmente a população mais velha cresceu mais do que a população mais jovem. Mais respeito com os tios.

A média de moradores por domicílio no Brasil caiu de 3,8 em 2000 para 3,3 no ano passado.

No momento em que se combate a homofobia e o Judiciário considera a união estável entre indivíduos do mesmo sexo, dados divulgados pelo IBGE apontam que o Brasil tem mais de 60 mil casais homossexuais, enquanto 37.487.115 pessoas residem com cônjuges do sexo oposto.

O Censo Demográfico foi realizado em 5.565 municípios de todo o país. Mais de 67 milhões de domicílios foram visitados durante o período de 1º de agosto a 31 de outubro/2010.

AGORA O DADO MAIS PREOCUPANTES

Há 16,3 milhões de brasileiros que não ganham sequer 70 reais por mês; são 8,5% da nossa população vegetando em condições subumanas.

Enquanto isto, o ranking da revista Forbes, divulgado no último mês de março, revela que as fortunas dos 30 brasileiros mais ricos totalizam US$ 131,3 bilhões, ou seja, mais de R$ 210 bilhões, os dados do IBGE indicam que a renda mensal de todos os brasileiros miseráveis não chega nem a R$ 1,2 bilhão, ou seja, cada um de nossos bilionários possui bens e valores equivalentes à renda mensal de 16,3 milhões de nossos concidadãos.

Se é verdade que o desenvolvimento é nosso maior desafio, também é verdade que a diferença social é nossa maior doença.

Talvez, seja a hora das mentes mais conservadoras e exclusivistas desse país, aquelas que rejeitam qualquer conquista social e que acha um absurdo “pobre” querer ter carro e viajar de avião, se abram através da solidariedade e fraternidade e tenham coragem para rever suas posturas egoístas e posicionamentos políticos reacionários.

Ainda há tempo... sempre há.

OSAMA BIN LADEN E A AL QAEDA

Responsabilizado pelo Governo dos Estados Unidos pelos atentados do 11 de setembro de 2001, o líder da Al Quaeda, Osama Bin Laden, teve sua morte anunciada pelo presidente americano nessa semana.

Leia abaixo, cronologia dessa figura célebre do início do século XXI:

1957 – Osama bin Mohammad bin Awad bin Laden nasce em Riad (Arábia Saudita), um de mais de 50 filhos de um empresário milionário. Há informações conflitantes sobre a data exata de seu nascimento.

1976 – Estuda administração e economia numa universidade de Jidá.
26 de dezembro de 1979 – A União Soviética invade o Afeganistão. A partir de 1984, bin Laden se envolve no Departamento de Serviços em Peshawar para apoiar voluntários árabes que buscam combater as forças soviéticas.

1986 – Bin Laden se muda para Peshawar, começa a importar armas e forma sua própria pequena brigada de combatentes voluntários.

1988 – A Al Qaeda (A Base) é estabelecida por muçulmanos radicais buscando uma forma mais fundamentalista de governo em seus países de origem, unidos por um ódio comum contra os Estados Unidos, Israel e governos muçulmanos aliados aos EUA.

1991 – Bin Laden deixa a Arábia Saudita e vai viver no exílio, depois de se opor à aliança entre o reinado e os Estados Unidos contra o Iraque.
Junho de 1993 – A família de bin Laden tenta retirar Osama do controle dos negócios familiares, que têm foco no setor de construção civil.

9 de abril de 1994 – A Arábia Saudita, irritada com a propaganda de bin Laden contra seus líderes, revoga sua cidadania.

Maio de 1996 – Bin Laden é obrigado a deixar o Sudão depois da pressão norte-americana sobre o governo do país, e se muda para o Afeganistão.

Agosto de 1996 – Bin Laden emite um fatwa, ou decreto religioso, determinando que militares norte-americanos devem ser mortos.

Outubro de 1996 – Estados Unidos declaram bin Laden o principal suspeito de duas explosões na Arábia Saudita que mataram 24 soldados norte-americanos e dois indianos.

7 de agosto de 1998 – Caminhões-bomba explodem em embaixadas dos Estados Unidos em Nairóbi e em Dar es Salaam, matando 224 pessoas, incluindo 12 norte-americanos.

20 de agosto de 1998 - Presidente dos EUA, Bill Clinton, coloca bin Laden como inimigo número um dos EUA e o acusa de ser responsável pelos ataques em Nairóbi e Dar es Salaam. EUA lançam ataques com mísseis contra o que Clinton chama de bases terroristas no Afeganistão e Sudão. Um míssil destrói um laboratório farmacêutico em Cartum, cujo dono nega ligação com bin Laden.

12 de outubro de 2000 – A Al Qaeda ataca o destróier norte-americano USS Cole, ancorado no porto iemenita de Aden. Dezessete marinheiros morrem.

11 de setembro de 2001 – Três aviões seqüestrados são lançados contra símbolos norte-americanos, destruindo o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington. Um quarto avião cai na Pensilvânia. Quase 3 mil pessoas morrem. Em um vídeo divulgado posteriormente, bin Laden diz que a queda das torres foi além das expectativas da Al Qaeda.

17 de setembro de 2001 – Presidente norte-americano George W. Bush diz que bin Laden é “Procurado: Vivo ou Morto”.

7 de outubro de 2001 – Estados Unidos atacam Afeganistão, governado pelo Taliban, onde estaria bin Laden e a Al Qaeda.

6 de dezembro de 2001 – Forças anti-Taliban capturam principal base de bin Laden nas montanhas de Tora Bora, no leste do Afeganistão.

10 de setembro de 2002 – Al Jazeera transmite o que diz ser a voz de bin Laden elogiando os seqüestradores de 11 de Setembro. Diz que foram homens que “mudaram o curso da história”.

Novembro de 2002 – Al Qaeda assume responsabilidade por três ataques suicidas com carros-bomba no Quênia que explodiram o hotel Mombasa Paradise, muito frequentado por israelenses, matando 15 pessoas e ferindo outras 80.

Outubro de 2004 – Bin Laden surge na campanha presidencial dos Estados Unidos em sua primeira mensagem de vídeo em quase um ano para ridicularizar Bush.

Janeiro de 2006 – Em primeira mensagem pública em quase um ano, bin Laden tenta mostrar que ainda está no comando da Al Qaeda.

Setembro de 2006 – Bush promete a bin Laden: “América vai te encontrar”.
Setembro de 2007 – Bin Laden divulga primeiro novo vídeo em quase três anos, afirmando que os Estados Unidos são vulneráveis apesar de seu poder.

18 de maio de 2008 – Bin Laden pede aos muçulmanos que rompam o bloqueio liderado por Israel na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e enfrentem os governos árabes que negociam com Israel.

24 de janeiro de 2010 – Em uma fita de áudio, bin Laden assume responsabilidade pela tentativa frustrada em 25 de dezembro de 2009 de explodir um avião que viajava rumo aos EUA, e promete continuar os ataques contra os EUA.

25 de março de 2010 – Bin Laden diz que Al Qaeda vai matar qualquer norte-americano que conseguir prender se o acusado pelo atentado de 11 de Setembro Khalid Sheikh Mohammed, detido pelos EUA, for morto, segundo fita de áudio transmitida na TV Al Jazeera.

21 de janeiro de 2011 – Bin Laden diz em gravação de áudio que a libertação de reféns franceses mantidos no Níger pela Al Qaeda depende da saída de soldados franceses de terras muçulmanas.

2 de maio de 2011 – É anunciada a morte de Osama bin Laden em complexo milionário no resort de férias de Abbottabad, 60 quilômetros ao norte da capital paquistanesa, Islamabad.

domingo, 1 de maio de 2011

A CABEÇA DE GUMERCINDO

Você, alguma vez, andando à noite pelas ruas de Porto Alegre, se sentiu vigiado? Essa sensação não tinha qualquer razão de ser?

Cuidado. Talvez seja Gumercindo que te observe...

Gumercindo Saraiva é considerado um dos maiores estrategistas da Revolução Federalista (1893/1895) ocorrida no Rio Grande do Sul. Certamente, o mais destacado militar entre os Maragatos.

Após uma batalha vencida pelos lenços vermelhos, Gumercindo, como estrategista que era, passou em revista o campo de batalha. Sozinho, no lombo de seu cavalo, percorreu o terreno onde se dera o entrevero, buscando entender, o que fizera de correto e o que poderia ter sido feito melhor.

Um pouco além as forças dos Chimangos batia em retirada. Haviam perdido o confronto, mas ainda assim, levavam consigo alguns prisioneiros. Um desses prisioneiros, olhando para trás, reconhecendo a figura quase mítica de seu líder, exclamou, baixo, porém audível, “o general”!

Os Chimangos estancaram. Quem? O prisioneiro não repete, nega a informação involuntária, mas é tarde. Os federalistas já sabiam que, aquele senhor montado a cavalo, absolutamente sozinho, era Gumercindo Saraiva, responsável pela resistência e pelas vitórias maragatas.

Fiel ao ódio e a total falta de cavalheirismo, que caracterizaram aquele conflito, um atirador de elite foi enviado o mais próximo possível do homem a cavalo. Na distância de um tiro, o soldado chimango fez pontaria, calma e demoradamente e então, atirou.

O tiro atingiu o velho caudilho. Ele se curvou para a frente, mas agarrou a crina de sua montaria, e não caiu. Enquanto o atirador se afastava, sorrateiro, Gumercindo foi alcançado por suas ordenanças. O pânico se estabeleceu. O ferimento era gravíssimo.

Sendo a estratégia federalista (maragatos), o deslocamento constante, para evitar o certo dos republicanos (chimangos) em número muito maior, ao meio da tarde já se encontravam longe de onde acontecera a batalha, o General perdia muito sangue e também a consciência. Ao cair da noite, entre revoltados e desesperados, seus homens perceberam que o Patrão Velho o chamara para os Pagos celestes. Gumercindo Saraiva estava morto.

Seu corpo foi enterrado numa cova à beira da estrada, em local não identificado. Foi coberto com terra entre soluços disfarçados de seus guerrilheiros (pois Maragato não chora), que inconscientemente percebiam que a guerra estava sendo perdida ali. Em seguida, partiram como o General teria ordenado, mas agora, numa montaria muito mais solitária, acompanhada apenas, pelo clarão da lua. Não puderam nem mesmo colocar uma cruz na sepultura improvisada, para não chamar a atenção do inimigo.

O inimigo, reforçado por outras tropas, chegou naquele ponto na manhã seguinte, logo no primeiro canto do Quero-Quero. Seguiam a pista deixada pelos cavalos dos maragatos, e sabiam do grave ferimento de seu comandante. Olhos atentos em qualquer indício de parada, ou movimento estranho. Foi então que um batedor percebeu a terra remexida, numa curva do caminho.

Excitados pela possibilidade do que poderiam encontrar, desenterraram a cova, com as próprias mãos. Ao retirar o último punhado de terra que recobria o rosto do morto, urraram de prazer.

Impulsos sádicos e cruéis animaram a Revolução Federalista. Até hoje os gaúchos se arrepiam com seus detalhes e a própria historiografia do estado, por muito tempo, tentou esquecê-la.

Impulsos sádicos e cruéis levaram a que se decapitasse a cabeça de Gumercindo, que foi, em seguida, colocada numa caixa de chapéu. Um emissário, usando o mais rápido cavalo disponível, voou para Porto Alegre. Missão: entregar a carga macabra ao Presidente do estado e líder máximo republicano: Júlio de Castilhos. Em dois dias no lombo do tordilho o mensageiro atinge o Palácio governamental.

A coisa que Júlio de Castilhos mais queria, era saber da prisão ou morte de Gumercindo, ciente do seu valor como líder político e militar. Porém, Júlio de Castilhos, homem educado, jornalista e político positivista, não pertencia às batalhas que eram dirigidas pelo seu estado-maior. Portanto, não se contaminara com a barbárie e pelo sadismo daquela guerra. Sua civilidade estava intacta. Por isso, longe de se rejubilar com o “presente”, se horrorizou diante da visão bestial e jogou para distante a caixa com a cabeça, já em decomposição. Em seguida, recuperado do susto, ordenou a seu secretário que levasse dali aquele inominável “troféu” e o enterrasse com todo o respeito que o falecido merecia.

A partir daqui, os fatos se confundem com as lendas. A cabeça do comandante, jamais foi enterrada, ou se foi, o local de seu repouso, jamais foi revelado. Dizem os velhos a beira do fogo de chão nas mateadas, que Gumercindo ressurgiu da morte devido à grave ofensa que seu corpo insepulto sofrera. Dizem os sobreviventes daqueles tempos de ódio, que o Maragato vaga pelas noites de Porto Alegre, procurando sua cabeça e vingança.

Por isso, forasteiro ou porto-alegrense distraído, observe o silêncio das ruas do centro antigo. Da Duque de Caxias ao Mercado Público, da Praça D. Feliciano ao Gasômetro. Nos Altos da Bronze, na Salgado Filho, na Caldas Júnior ou na Borges de Medeiros (ex-Rua da Ponte). Se a sensação de ser observado acelerar teu coração, ou se um arrepio, sem motivo aparente, percorrer a tua espinha... evite olhar para trás. Se o fizer, talvez veja, entre as brumas noturnas que vem do Guaíba, um homem, com um chapéu na mão e encoberto por um velho ponche. Não estranhe se ele estiver sem cabeça. Nesse caso, não corra, nem grite. Faça a saudação dos maragatos e tente seguir o seu caminho... talvez consiga.


Prof. Péricles

terça-feira, 26 de abril de 2011

REVOLTA DA VACINA, OS RATOS E A MARSELHESA

“Pelo menos os colchões, Dr. Oswaldo... não queime os malditos colchões”
Suado diante dos dias quentes daquele final de primavera de 1904, e exasperado pela situação nas ruas, o Presidente Rodrigues Alves olhava para aquele médico a quem confiara a missão estratégica de combate à febre amarela, com olhos angustiados. Será que esse sanitarista genial e maluco, que descobrira e isolara o vírus da febre amarela, criando sua vacina, e que perseguia os ratos (o povo o chamava de “papa ratos”) não entendia que, para muitos cariocas o colchão que suas tropas incendiavam era único e queimá-lo provocava o rancor e a fúria?

Não, Oswaldo Cruz não entendia.

Para ele, saúde se fazia em campanha nos moldes militares. Campanha de Guerra.

Se o maldito vírus se escondia entre os farrapos dos quais os pobres escondiam seus corpos, ou nos colchões onde dormiam, a missão da campanha era simples: queimar os colchões, abater os ratos e mosquitos à tiros, e não podendo abater também os pobres, ao menos obrigá-los à vacinação.
No Brasil do início do século XX saúde era tratada como um fim político. Nem pensar em esclarecer os pobres. Eles estavam até sendo vacinados, para quê seriam necessários esclarecimentos?

Por isso, a resposta do Dr. Oswaldo foi um olhar indolente de quem entendia que tanto zelo do presidente da República, devia-se apenas ao fato da imagem do Brasil (e de seu governo) ser ridicularizada na Europa. Imagina, empresas de turismo chegavam a prometer em grandes cartazes de propaganda, levar seus fregueses à Buenos Aires sem passar pelos focos contaminados do Rio de Janeiro.

Mas enganavam-se ambos, médico e presidente ao diminuir as causas da revolta, caracterizando-a como algo esporádico e despolitizado.

A situação do Rio de Janeiro, no início do século XX, era precária. A população sofria com a falta de um sistema eficiente de saneamento básico. Este fato desencadeava constantes epidemias, entre elas, febre amarela, peste bubônica e varíola. A população de baixa renda, que morava em habitações precárias, era a principal vítima deste contexto.

Para piorar, Rodrigues Alves decidira urbanizar a capital do país, que deveria começar a ser a “cidade maravilhosa” e para isso velhas ruas foram alargadas, enquanto novas vias públicas invadiam bairros e vielas.
Adivinha quem teve suas casas desapropriadas (sem pagamento) e expulsos das áreas mais antigas de habitação? Isso mesmo, os pobres, gente que nem médico nem presidente conheciam muito bem.

Entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904, explodiu no Rio de Janeiro a Revolta da Vacina.

A parte mais pobre do povo desceu os morros, convicta da justiça de suas reivindicações, influenciada pelas conversas apaixonadas que rolavam no Boteco do Manduca, o mais popular Boteco da favela. O Manduca, analfabeto, mas bem informado e idealista, chegara a desfraldar uma bandeira da França na frente de seu estabelecimento, e juntos, emocionados pelo fervor do idealismo e da cachaça, botequeiro e freguesia cantaram a Marselhesa.

Povo e polícia se engalfinharam de forma violenta. Populares destruíram bondes, apedrejaram prédios públicos e espalham a desordem pela cidade.
Nos sete dias de revolta, muitas vezes Manduca promoveria o mesmo ato simbólico.

Juntos, aquele povo de um só colchão, que entendia de ratos de um jeito diferente do Dr. Oswaldo Cruz, aquele povo miserável, promoveria uma inacreditável união de esforços para por fim à campanha militar/sanitária desencadeada por um governo distante e mais preocupado com sua imagem e suas ruas alargadas.

Finalmente, em 16 de novembro de 1904, o presidente Rodrigues Alves, fazendeiro paulista que acabaria morrendo, ironicamente, vítima de uma epidemia (Gripe Espanhola, em 1918), revoga a lei da vacinação obrigatória.

A Revolta da Vacina talvez nunca tenha sido vista pela história oficial com a profundidade merecida. Até hoje é ensinada nos colégios como um momento apolítico de um povo ingrato que sequer percebia a importância e os benefícios da vacinação.

Suas causas, seus revoltosos, e claro, seu Manduca, botequeiro que recitava o hino da França, entendendo ser esse um momento solene de liberdade, igualdade e fraternidade, mereciam, pelo menos, um olhar mais crítico,mais humano e reconhecido.

Prof. Péricles