sábado, 1 de junho de 2013

MEDUSA



Em janeiro de 2011 diversos casos de abuso sexual em mulheres, na Universidade de Toronto, no Canadá, deixaram a cidade universitária em pânico.

Irritado por não obter qualquer indício que levasse aos responsáveis, o policial Michael Sanguinetti fez uma observação que, as mulheres deveriam evitar vestirem-se como vadias (sluts, no inglês) para não serem vítimas dos ataques".

Isso provocou a indignação das mulheres que, criaram a primeira “Marcha das Vadias” em 03 de abril de 2011, naquela cidade, e que depois adquiriu ares de movimento mundial contra a crença de que, são as mulheres, pelas roupas de “vadias” que usam as verdadeiras culpadas dos estupros que sofrem.

Essa visão deturpada sobre mulheres culpadas pelos estupros que sofrem é bem antiga e talvez represente o medo do homem diante de sua própria fraqueza, ou o seu medo de impotência diante de uma mulher que mexe com ele e suas paixões descontroladas.

Os gregos, muitos séculos atrás observaram esse comportamento e o associaram a tragédia. A desgraça da beleza diante da covardia, da inveja e da força do destino.

Vejamos, por exemplo, o mito da Medusa:

Eram três irmãs, Euríale, Esteno e Medusa, filhas de Fórcis e Ceto, criaturas mitológicas marinhas.

Eram mulheres extraordinariamente belas, estonteantemente lindas. Capazes de provocar paixões até nos deuses.

Isso, como era comum, irritava as deusas.

A versão mais comum (existem várias) do mito da medusa, diz que ela escolheu ser sacerdotisa da deusa Atena e, dessa forma, fez voto de castidade eterno. Nem por isso a beleza da medusa diminuiu. Um dos deuses, em especial, era fascinado por ela, Poseidon, o deus dos oceanos e... comprometido com Atena. Cego de paixão o garanhão dos sete mares não resistiu e tomado de desejo a estuprou Medusa no próprio templo de Atena.

A fúria da deusa foi imensa. Contra Poseidon, certo? Não, contra Medusa. Pois, foi ela que provocou o estupro sendo tão linda e dessa forma agrediu Atena duas vezes: ao transar no próprio templo sagrado e ao enlouquecer de desejo o noivinho celestial.

A vingança da deusa, como costumavam ser a vingança das deusas, foi extremamente cruel.

Primeiro roubou a beleza e a juventude de sua ex-sacerdotisa. A Medusa não só deixou de ser bela como se tornou um ser repulsivo. Pele ressecada, olhos esbugalhados, rosto murcho e seco como os campos nas estiagens. Transformou seus belos dentes em presas de javalis, e fez com que seus pés e mãos macias se tornassem em bronze frio e sinistro.

Depois seus cabelos lisos, loiros e macios se transformaram em cobras vivas e venenosas.

Finalmente, Medusa foi isolada numa terra distante, completamente afastada de qualquer ser vivo, pois todo aquele que olhasse em seus olhos tinha morte instantânea, pois virava pedra. Além de privada da beleza, a Medusa tornava-se o ser mais solitário e maldito de toda a Hélade.

Atena ainda amaldiçoou as demais irmãs, e as três a partir de então passaram a ser chamadas de górgonas.

A Medusa aparece em inúmeros contos mitológicos da Grécia antiga, até ser morta pelo herói Perseu, que utilizou o reflexo inofensivo em seu escudo para poder matar Medusa e dar fim ao mito e ao seu sofrimento.

Há relatos de que todos na Grécia antiga, contavam seus contos e morriam de medo de encontrar a medusa em suas caminhadas. Era o bicho papão das crianças dos séculos VIII a IV a.C.

Um dos mais fascinantes contos mitológicos, a história de Medusa nos fala sobre a beleza como origem de tragédias, inveja sem questionamentos quando vinda dos poderosos, deuses machistas e violadores, pesadelos, solidão, e, para a fúria das meninas canadenses, de “vadias” que provocam a agressão. Extraordinariamente atual como costumam ser os mitos desse povo único.

Numa inversão perversa, Medusa de vítima torna-se criminosa, sendo que, na verdade, seu único crime era ser mulher.

A “Marcha das Vadias” poderia ser a “Marcha da Medusa”. A Marcha de toda as mulheres pois todas são lindas e se você discorda é porque está olhando errado. Que as lágrimas e a coragem de todas as vadias, filhas de Medusa, sirvam para amolecer a pedra da qual corações empedernidos, como esse do policial Michael Sanguinetti é feito, matéria-prima de todos os preconceitos.

Prof. Péricles

Um comentário:

inapiario disse...

Muito bom! adorei.