sexta-feira, 15 de novembro de 2013

NAS CERCANIAS DO PALÁCIO


Por Leandro Fortes/ Fernando Brito

Desde a terça-feira 6 um grupo de assessores brasileiros liderados pelo Ministério das Comunicações está em Washington para ouvir as explicações do Departamento de Estado americano sobre as denúncias de espionagem contra o País. É um lance para a platéia.

Nas principais instâncias de inteligência do governo federal e, portanto, no Palácio do Planalto, desde sempre se sabe, ou se deveria saber, da movimentação de espiões dos Estados Unidos no território nacional sob proteção da Embaixada em Brasília.

Manter agentes de inteligência em representações diplomáticas não chega a ser uma novidade. Quase todos os países possuem alguma estrutura desse gênero. O problema é que os norte-americanos vão além, operam com uma liberdade incomum e extrapolam os limites da soberania. Segundo os documentos vazados pelo ex-funcionário da CIA Edward Snowden, até 2002 Tio Sam valia-se de 16 instalações em território nacional para atividades de “inteligência”.

Documentos secretos e reservados do governo federal, vários deles encaminhados a assessores diretos da presidenta Dilma Rousseff, relatam o funcionamento de ao menos seis endereços em Brasília utilizados pela Embaixada dos EUA como centros de operação e análise de inteligência. São quatro imóveis no Lago Sul, área tradicionalmente residencial da cidade, um no Setor de Indústria e Abastecimento e outro no Setor de Autarquias Sul, região central da capital, a pouco mais de 1 quilômetro do prédio dessa embaixada. Os imóveis, casas e salas comerciais, cobrem com freqüências de rádio toda a extensão do Plano Piloto de Brasília, a partir de antenas de radiocomunicação e telefonia exclusivas autorizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que tem um representante na missão enviada pelo governo aos Estados Unidos. A outorga para o uso “limitado-privado” foi concedida à Embaixada dos EUA no fim do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, e tem validade até 20 de julho de 2019. Ao todo, abrange 841 licenças de freqüências de rádio para uso exclusivo dos americanos em solo brasileiro.

Na sala comercial número 209 do Bloco H da QI 9, no Lago Sul, funcionava a principal divisão de segurança das embaixadas e consulados dos Estados Unidos, responsável pela movimentação de diversos equipamentos de comunicação. Lá, o Regional Security Office (RSO) funcionou por oito anos até se mudar, no fim do ano passado, para a sala 411 de um movimentado edifício de lojas e escritórios no Setor de Autarquias Sul. No local, tanto os funcionários da portaria como a vizinhança do corredor estranham a movimentação constante de servidores da Embaixada, quase sempre no turno da manhã. Muitos costumam passar a noite no escritório.

A Embaixada dos EUA mantém ainda um conjugado de salas comerciais de números 311 e 312 no Conjunto 12-A do Setor de Mansões Dom Bosco, também no Lago Sul. Na sala 311, segundo os relatórios encaminhados ao Palácio do Planalto, funciona o escritório da Drug Enforcement Administration, a DEA, órgão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e controle de drogas. Como se verá mais adiante, a DEA tem uma longa história no Brasil. Nos anos FHC, financiava atividades da Polícia Federal e, em troca, tinha carta branca para atuar em território nacional, conforme denunciou uma série de reportagens de CartaCapital entre 1999 e 2004.

O maior imóvel alugado pela Embaixada americana é uma chácara na QI 5 do Lago Sul. No terreno vigiado por câmeras e guaritas foram construídos alojamentos para fuzileiros navais e é um dos endereços com licença de funcionamento de radiofreqüência da Anatel. Em outro terreno menor, ocupado por uma casa no Conjunto 2 da QL 16 do Lago Sul, os americanos montaram aparentemente um bunker rodeado de câmeras de segurança e com uma guarita de vidros espelhados. No galpão do CIA, em uma zona afastada do Plano Piloto, a antiga movimentação de funcionários e furgões da Embaixada americana foi interrompida no início do ano. O imóvel foi esvaziado e, atualmente, há apenas uma placa de “aluga-se” na entrada.

As informações sobre o megaesquema de espionagem dos Estados Unidos começaram a se tornar públicas a partir de 6 de junho, quando o jornal britânico The Guardian iniciou a publicação de uma seqüência de reportagens do jornalista Glenn Greenwald baseadas nos documentos vazados por Snowden. Soube-se assim que a NSA não cuidava apenas da segurança interna, mas estendia seus tentáculos a países aliados, inclusive o Brasil. A partir de bases espalhadas planeta afora e de uma rede de satélites, os Estados Unidos montaram um sistema monstruoso de monitoramento de e-mails e ligações telefônicas com a cooperação de empresas de telecomunicações e de gigantes da internet, entre eles o Google e o Facebook. Os espiões americanos desenvolveram um programa chamado PRISM, dedicado ao monitoramento em tempo real da circulação de informações na rede mundial de computadores, em tese para prevenir ataques terroristas.

Snowden trabalhava para a CIA e para a NSA em cargos ligados ao manejo e acompanhamento de dados em sistemas secretos de informação. Antes de iniciar os primeiros vazamentos em Hong Kong e fugir para a Rússia, ocupava o posto de analista de infraestrutura na Booz Allen & Hamilton, contratada pela NSA supostamente para prestar serviços de consultoria estratégica. Sob essa fachada, a Booz Allen conseguiu contratos com setores públicos de vários países, entre eles o Brasil, durante o mandato de FHC. Aqui, a consultoria participou oficialmente da formulação dos programas Brasil em Ação e Avança Brasil, que nunca saíram do papel, além de ter auxiliado nas privatizações promovidas pelos tucanos na década de 1990 e na reestruturação do sistema financeiro nacional.

A crise pegou o Palácio do Planalto de surpresa, em parte por culpa da estrutura herdada, primeiro por Lula, depois por Dilma, do Sistema Brasileiro de Inteligência, o Sisbin. O órgão central desse sistema, a Agência Brasileira de Inteligência, deveria cuidar de informar diretamente a Presidência da República sobre a movimentação de espiões estrangeiros no País. A Abin não tem, porém, acesso direto ao Planalto desde o governo FHC, quando foi criado o Gabinete de Segurança Institucional, estrutura militarizada comandada desde sua instalação, em 1999, por oficiais do Exército.

As Forças Armadas anunciaram poucos dias atrás a intenção de aposentar os Mirage a partir do fim deste ano. A compra de novos aviões de defesa foi adiada inúmeras vezes durante a administração de Lula, apesar de um acordo prévio fechado com os franceses.
Os caças F-18 são superiores às aeronaves concorrentes, mas os EUA têm restrições para a transferência de tecnologia, item até agora considerado fundamental pelo governo brasileiro no processo de compra. Não se sabe se Dilma manterá as diretrizes do antecessor ou mudará os critérios de escolha. Washington nutre esperanças de alterar a perspectiva de Brasília. Resta saber se as recentes revelações da espionagem de Tio Sam vão atrapalhar o lobby americano.

domingo, 10 de novembro de 2013

MAIS ÁRIDO QUE O SAARA



O Niger (não confundir com Nigéria), é um lindo país na região norte da África. Lindo, mas verdadeiro inferno para a imensa maioria de seus 11 milhões de habitantes (população do Rio Grande do Sul).

Em 2010 a ONU classificou o Niger com a antepenúltima posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Desde sua independência da França, em 1960, o país é palco de lutas intermináveis pelo poder. Os principais atores dessa guerra são, por um lado, o exército e algum ditador de plantão e do outro os Tuaregs, povo berbere habitante original do deserto do Saara.

Em 2010 uma junta militar derrubou o presidente que governava o país há mais de dez anos e estabeleceu uma administração que tem batido de frente com os berberes e isso tem levado a uma lógica perversa: o exército mata tuaregs e os tuaregs matam membros de outras etnias como vingança.

É muito difícil viver no Niger e muito fácil morrer em suas lindas terras. Talvez, por isso, se reze tanto. Cerca de 9 milhões rezam para Alá, são muçulmanos sunitas, e os outros 2 milhões rezam para o Deus cristão e uma infinidade de outros deuses de cultos locais.

Para a maioria desse sofrido povo, o Éden, o Paraíso sobre a terra, é a Europa, com seus salários imaginários, suas ruas e suas cidades sem tuaregs.

Para chegar na Europa é necessário juntar economias para subornar pessoas e pagar serviços. Partir, em alguma noite qualquer, percorrer o norte do Niger sem ser morto ou localizado pelo exército, atravessar o deserto do Saara e chegar vivo na fronteira da Argélia. Depois, basta não ser preso pelo militares argelinos (o suborno geralmente é um ótimo argumento) e negociar com algum agenciador a travessia clandestina do mediterrâneo até chegar ao sul da Europa (principalmente França). Deve-se ainda ter o cuidado de não morrer afogado, vítima de algum naufrágio, tão comum em barcos super lotados e clandestinos e não ser preso pela Guarda-Costeira francesa, pois te mandam de volta ou te jogam numa cela imunda reservada para imigrantes ilegais.

É preciso não morrer muitas vezes e por isso se reza tanto e se espera que Deus seja poliglota...

No início desse mês, um grupo de 102 criaturas iniciou sua via crucies. Era composto por 37 mulheres, 48 crianças e 17 homens. Seu transporte seria feito por dois velhos e sofridos caminhões que muito já viram desse mundo.

Venceram alguns quilômetros e entraram no Saara, que em sua parte sul começa em território do Niger.

O Saara é o maior deserto do mundo, maior que o Brasil (9 milhões de km2). Um verdadeiro ínferno onde as chuvas são extremamente raras e as temperaturas podem chegar a 53º C durante o dia e –5º C à noite. Não é, portanto, um bom lugar de passeio ou de turismo. Melhor mesmo é evitá-lo por ser um dos piores anecúmenos de nosso planeta.

Mas, quem é pobre, vem do Niger é quer chegar na Argélia, e quer atravessar o Mediterrâneo, e quer chegar na Europa, e lá começar uma nova vida, não existe opção, pois o “grande demônio” está bem no meio do seu caminho e de seus sonhos.

Alguns dias depois de iniciada a viagem, presumivelmente, cerca de 40 km da fronteira com a Argélia, um dos caminhões quebrou. O pânico se estabeleceu. O que fazer? A decisão tinha que ser rápida e foi tomada naquela noite mesmo: um grupo, formado pelos homens, seguiria no caminhão restante em busca de ajuda. O outro grupo (de crianças e mulheres) racionaria a água e tentaria sobreviver até chegar o socorro. Era o fim de seus sonhos, seriam presos e teriam que retornar pra casa, mas, melhor assim do que morrer.

Antes do amanhecer se puseram a caminho. O grupo que ficou logo percebeu que não poderia permanecer no local onde nada encontrariam de útil. Melhor seguir a pé em busca de algum oásis, ou de um milagre.

Vinte quilômetros à frente, o segundo caminhão também quebrou e nada seria capaz de repará-lo.

O que se seguiu foi um roteiro de horror. Os dois grupos, separados, definharam numa lenta agonia em que os olhos se turvam e a alma escapa pelos poros indiferente aos esforços para mantê-la.

A morte pela sede é terrível, pois todo o corpo vai secando, como se estivesse numa gigantesca panela sendo cozido.
A sede é interminável e torturante, os rins param de funcionar e líquido que expele é escuro e concentrado de um forte odor; a pele vai ressecando, dobrando, rachando, mas, não perde a sensibilidade da dor; os olhos secam e piscar se torna uma tortura, a boca também seca (xerostomia); a dor de cabeça é lancinante, pior que a pior das enxaquecas. Curiosamente, os pés e as mãos ficam úmidos, a tontura dá lugar a confusão mental e a morte, quando chega já é muito desejada.

O exército do Niger seguiu as pistas deixadas pelo terror. Primeiro encontraram 5 corpos de mulheres, provavelmente as mais fragilizadas e doentes, que resistiram menos que os outros. Depois passaram a encontrar corpos de criança e de mulheres espalhados por uma trilha interminável. Quando pensaram ter encontrado todos os corpos surgiram os mortos do segundo caminhão. Os últimos mortos estavam apenas a 10 km da Argélia.

Foram 92 mortos, 37 mulheres, 48 crianças e 7 homens adultos. A única voz que se ouvia era a voz monótona do vento seco do Saara sobre os corpos ressequidos.

Quem são os culpados por essa terrível tragédia humana?

O governo intolerante do Niger e seu exército violento? Os tuaregs? A Europa que tenta fechar as portas para os imigrantes? A mesma Europa que nos séculos XIX e XX dividiu entre si a África saqueando seus recursos naturais, suas riquezas e por fim criando fronteiras falsas, que geraram as guerras etnicas? Ou todos nós que por estarmos distantes temos a África do Niger como outro planeta e seu povo, feito da mesma matéria que nós, como et’s?

Uma resposta é muito difícil, e talvez, desnecessária e inútil diante da grandeza da tragédia.

Certo é que é fácil morrer no Niger, um lugar onde se reza muito, onde se vive pouco, e onde se pode comprovar que o único lugar mais árido que o Saara é o coração humano.

Prof. Péricles

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O MAIOR SEGREDO DA II GUERRA MUNDIAL



Maio de 1941. Com um ano e 8 meses a guerra parece decidida. A França foi ocupada pelo exército nazista que domina também a Escandinávia e quase toda Europa ocidental. A Inglaterra é uma ilha isolada que, apesar de abastecida pelos Estados Unidos, parece próxima de sucumbir, buscando apenas, uma situação mais favorável que não seja uma capitulação sem condições.

O Estado maior alemão leva a efeito os preparativos finais de sua mais ambiciosa cartada, a invasão da União Soviética, que aconteceria em 22 de junho daquele ano.

Aparentemente a vitória final dos nazistas é apenas uma questão de data.

No dia 10, desse mês de maio, aconteceu então, um dos maiores mistérios de toda a segunda guerra mundial, até hoje, e, talvez, para sempre, sem resposta.

Na noite daquele dia, Rudolf Hess, uma espécie de secretário particular de Adolf Hitler e terceiro homem na hierarquia de poder do II Reich, viajou sozinho nos céus mais conturbados de então, e saltou de pára-quedas sobre a Escócia. Na versão oficial ele teria quebrado um tornozelo na queda, foi preso, e depois de se identificar pediu para se encontrar com o Duque de Hamilton. Hess teria uma proposta de paz que queria apresentar a esse político que, julgava ser opositor à Winston Churchill.

E aqui termina a versão oficial das intenções do terceiro homem do Reich.

De alguma maneira Hamilton descobriu que Hess não fora enviado por Hitler, e sim, chegara até ali por convicções próprias.

Foi aprisionado na Torre de Londres, publicamente qualificado de louco por Hitler, e marginalizado da guerra que, apenas acompanharia pelos jornais, em sua cela.

Julgado no Processo de Nuremberg, quase não lhe foi permitido ter contato com os demais acusados, foi condenado à prisão perpétua.

Foi prisioneiro da cela nº 7 em Spandau, completamente incomunicável e sem direito a visitas até sua morte em 1987. Sua morte foi anunciada como suicídio por enforcamento (com um fio elétrico atado ao pescoço, em sua cela), fato desacreditado publicamente por sua enfermeira que afirmou que, para um homem de 93 anos, muita artrite nas mãos, quase cego e com movimentação extremamente dificultada (não conseguia atar os seus sapatos), tal fato, como descrito, beirava o impossível.

Seu filho teve que brigar muito para poder sepultá-lo no cemitério da família. O sepultamento ocorreu apenas em 28 de abril de 1988, mas, por exigência legal, a cerimônia só pode ser realizada de madrugada, apenas com os familiares mais próximos e em tempo recorde.

Ficou o mistério de muitas perguntas sem resposta.

O que, realmente Rudolf Hess foi fazer no Reino Unido que o obrigou a um vôo secreto e solitário, escondido do próprio Hitler na noite do dia 10 de maio de 1941?

Seria uma proposta de paz assim, tão extraordinária para mantê-la sob segredo todo esse tempo?

Era algum tipo de golpe contra o próprio Fuhrer?

Propunha alguma aliança contra os comunistas que, traindo a URSS levasse a um novo desenho ideológico do pós guerra?

Ou seria algo tão secreto, tão rocambolesco que teria assustado a todos os outros atores do conflito?

Segundo as poucas palavras que pode pronunciar no julgamento de Nuremberg parece claro que ele não se entendia como um traidor:

“Eu me sinto feliz por haver cumprido com o meu dever como alemão, como nacional-socialista e como fiel do For. Não me arrependo de coisa alguma. Se tivesse de começar tudo de novo, trabalharia da mesma forma, mesmo sabendo que ao final me aguardaria uma fogueira para a minha morte.

Pouco importa o que podem fazer os homens. Comparecerei diante do Todo-Poderoso. A Ele prestarei minhas contas, e sei que me absolverá.”

Qual seria o segredo de Rudolf Hess que o manteve afastado do mundo e de qualquer ouvido que pudesse escutá-lo até sua morte, 32 anos depois do fim da guerra?


Prof. Péricles

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

LEY DE MEDIOS


Por Altamiro Borges

A Suprema Corte da Argentina declarou nesta terça-feira (29/10) a constitucionalidade de quatro artigos da “Ley de Medios” que eram contestados pelo Grupo Clarín. Com esta decisão histórica, o governo de Cristina Kirchner poderá finalmente prosseguir com a aplicação integral da nova legislação, considerada uma das mais avançadas do mundo no processo de democratização da comunicação. A decisão representa um duríssimo golpe nos monopólios midiáticos não apenas na vizinha Argentina. Tanto que a TV Globo dedicou vários minutos do seu Jornal Nacional para atacar a nova lei.

Pelas regras agora aprovadas pela Suprema Corte, os grupos monopolistas do setor serão obrigados a vender parte dos seus ativos com o objetivo expresso de “evitar a concentração da mídia” na Argentina. O império mais atingido é o do Clarín, maior holding multimídia do país, que terá de ceder, transferir ou vender de 150 a 200 outorgas de rádio e televisão, além dos edifícios e equipamentos onde estão as suas emissoras. A batalha pela constitucionalidade dos quatro artigos durou quatro anos e agitou a sociedade argentina. O Clarín – que cresceu durante a ditadura militar – agora não tem mais como apelar.O discurso raivoso da TV Globo e de outros impérios midiáticos do Brasil e do mundo é de que a Ley de Medios é autoritária e fere a liberdade de expressão. Basta uma leitura honesta dos 166 artigos da nova lei para demonstrar exatamente o contrário. O próprio Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue, já reconheceu que a nova legislação é uma das mais avançadas do planeta e visa garantir exatamente a verdadeira liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade dos monopólios midiáticos.

Aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional e sancionada pela presidenta Cristina Kirchner em outubro de 2009, a nova lei substitui o decreto-lei da ditadura militar sobre o setor. Seu processo de elaboração envolveu vários setores da sociedade – academia, sindicatos, movimentos sociais e empresários. Após a primeira versão, ela recebeu mais de duzentas emendas parlamentares. No processo de pressão que agitou a Argentina, milhares de pessoas saíram às ruas para exigir a democratização dos meios de comunicação. A passeata final em Buenos Aires contou com mais 50 mil participantes.

Em breve será lançado um livro organizado pelo professor Venício Lima que apresenta a tradução na íntegra da Ley de Medios, além dos relatórios Leveson (Reino Unido) e da União Europeia sobre o tema. A obra é uma iniciativa conjunta das fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e do Centro de Estudos Barão de Itararé e visa ajudar na reflexão sobre este assunto estratégico no Brasil – hoje a “vanguarda do atraso” no enfrentamento da ditadura midiática.

domingo, 3 de novembro de 2013

SÍRIA, NÃO É TÃO SIMPLES



O mundo nunca foi tão informatizado como agora. As notícias se espalham com a velocidade de clics e numa intensidade quase imediata aos fatos.

As pessoas acabam convencidas da qualidade da informação e de sua atualização graças à conexão com o mundo.

Se tudo isso é verdade, também não é menos verdade que, nunca a informação foi tão vigiada (vide as revelações sobre a espionagem americana e a espionagem européia via Reino Unido) e deturpada. Dominar o que circula pela internet e selecionar a informação de acordo com seus interesses virou a obsessão dos governantes e das elites.

Em consequência temos uma população global que nunca foi tão informada e também que nunca foi tão mal informada.

A coisa toda é tão bem feita que, a maioria do público acaba repetindo conceitos e opiniões da mesma maneira que as colheram da rede, como se ela fossem despidas de outro interesse que não seja meramente, informar.

Goebels, chefe de informação do Reich, dizia que uma mentira repetida cem vezes vira uma verdade. Hoje, poderíamos adaptar a afirmativa dizendo que uma mentira compartilhada pode virar uma verdade e se dita por um âncora televisivo de olhar sério ao lado de uma moça fazendo careta de preocupada, mais ainda.

Quando a OTAN ameaçava atacar a Líbia de Kadaffi trouxemos aqui para o Blog algumas informações sobre a Líbia que deixou muita gente chocada. Nas aulas, muitos manifestaram até uma certa descrença.

Da mesma forma que fizemos no caso da Líbia, relacionamos a seguir alguns fatos interessantes sobre a Síria, na nossa sessão “Você sabia?”.

São algumas informações importantes para quem deseja formar uma opinião sobre apóiam uma eventual interferência militar dos Estados e seus aliados e se o governo de Bashar AL-Assad merece ou não ser esmagado.

Um conflito na Síria carrega uma ameaça de internacionalização trazendo um perigo real para a paz mundial, tendo em vista que o país é o ponto forte dos interesses estratégicos da Rússia e da China. Vale à pena?

Tire você suas conclusões, mas antes, reflita se você sabia:

- A família Assad pertence à corrente mais tolerante da religião islâmica, a orientação Alawid. As mulheres sírias têm os mesmos direitos que os homens ao estudo, à saúde e educação.

- A síria é o único país árabe com uma constituição laica (totalmente independente da religião) e não tolera os movimentos extremistas islâmicos. As mulheres não são obrigadas a usar Burca.

- Cerca de 10% da população síria pertence a alguma das muitas confissões cristãs presentes desde sempre na vida política e social. Noutros países árabes a população cristã não chega a 1% devido à hostilidade sofrida.

- A Síria é o único país do mediterrâneo que continua proprietário da sua empresa petrolífera, que não quis privatizar.

- Antes dessa guerra civil era o único país pacífico da zona, sem guerras nem conflitos internos.

- Na denominada “Gerra dos Seis Dias” em 1967, Israel invadiu o território Sírio e ocupou as belíssimas Colinas de Golan, e lá permanecem até hoje, mesmo havendo uma resolução da ONU para que sejam imediatamente desocupadas (é que os amigos dos Estados Unidos não precisam obedecer a ONU).

- Nas Colinas de Golan Israel desenvolveu uma indústria leve de ótima qualidade a partir de uma mão-de-obra (israelense) muito bem paga, tão bem paga que tornaram-se opositores à qualquer processo de paz, pois a paz obrigaria a retirada israelense da região e a perda de salários tão elevados.

- A Síria é o único país árabe sem dívidas ao Fundo Monetário Internacional.

- Foi o único país do mundo que admitiu refugiados iraquianos sem nenhuma descriminação social, política ou religiosa.

- Bashar Al Assad tem um suporte popular extremamente elevado. Os especialistas o consideram imbatível numa eleição livre e democrática.

- O país possui uma reserva de petróleo de 2500 milhões de barris, cuja exploração está reservada a empresas estatais, e isso irrita profundamente os senhores do petróleo do mundo.

Já se falou isso na grande mídia? Quem sabe agora, com esses novos elementos, a gente entenda melhor porque tanto interesse do ocidente em “proteger o povo contra Bashar AL-Assad e suas armas químicas”.

Temos que estar alertas para não permitir que nossos conceitos sejam formados com o conhecimento apenas de fatos parciais que embasam um posicionamento. E lutar para manter o nosso direito de livre pensar.

Prof. Péricles

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O SEGREDO DE CALABAR


Em 1624 os holandeses invadiram sukerland (como chamavam Brasil) a “terra do açúcar”. Enquanto uma guerra de grandes proporções explodia na Europa, o Brasil, praticamente abandonado por Portugal, parecia um alvo fácil, quase gratuito, às necessidades holandesas de manter o ciclo do comércio do açúcar, responsável pela maior parte de seu PIB.

Entretanto. O inesperado: Liderados por um bispo com alma de militar chamado D. Marcos Teixeira, os luso-brasileiros embrenharam-se nas matas e deram início a uma guerra de guerrilha que enlouqueceria o invasor. Como resultado ficaram restritos à Salvador e tiveram que bater em retirada em 1625. A terra do açúcar lhe fora demasiadamente amarga.

Cinco anos depois, eles retornaram. Mas, nada de se meter com o bispo louco. Dessa vez os batavos preferiram invadir Pernambuco.

Na falta de um estrategista do calibre de D. Marcos, o rei enviou para o Brasil o militar Matias de Albuquerque, que assumiria as funções de governador das terras livres e empreenderia a resistência aos holandeses.

Matias de Albuquerque criou no coração da mata uma aldeia, chamada de Arraial do Bom Jesus, arregimentou homens, e dali partia para incursões de guerrilhas muito parecidas com as usadas com sucesso na Bahia. Tão parecidas que, novamente o inimigo estancou e parecia não saber o que fazer.

Embora o comandante militar fosse Matias de Albuquerque, o estrategista e comandante de fato era Domingos Fernandes Calabar, um sujeito que nascera em Alagoas (então parte integrante da Capitania de Pernambuco), mulato (ou mameluco, há controvérsias), profundo conhecedor da região, que tinha, na época, aproximadamente 30 anos.
Inteligente, havia feito fortuna com o contrabando de drogas do sertão e vaquejadas, chegando até a se tornar dono de terras e de engenhos.

Pois quando a guerra adquiria cada vez mais um gosto de filme já visto, tudo mudou, de forma dramática e inesperada.
Ninguém, jamais, conseguiu explicar porque, mas o fato é que, em abril de 1632, depois de dois anos muitas vitórias e atos de heroísmo, além de dois ferimentos graves em batalha, quando os holandeses já haviam desistido de Olinda e recuado, ocupando apenas Recife, Calabar, simplesmente, mudou de lado.

Será que ele pretendia mais riqueza (que se saiba não ganhou nenhuma moeda dos holandeses)? Terras? Poder? Como pode um guerreiro entusiasmado mudar de lado como quem muda de roupa?

Com Calabar a seu lado a guerra muda completamente de rumo. Os neerlandeses conquistam as vilas de Goiana e de Igaraçu, a ilha de Itamaracá, o forte do Rio Formoso. Os nativos com espanto enxergam Calabar à frente das tropas decretando a virtual vitória dos invasores.

Pessoalmente, Domingos Fernandes procura lideranças entre cristãos-novos (judeus), negros, índios e mulatos e os convencem a lutar contra os luso-brasileiros.

Matias de Albuquerque é forçado a recuar cada vez mais. O Arraial do Bom Jesus vira fumaça. Seus melhores homens mortos ou presos e a tática de guerrilha já não dava mais resultados, pois o inimigo conhecia as matas, tanto ou melhor do que ele. Amaldiçoava Calabar, que um dia chegara a considerar um amigo, todos os dias.

Em março de 1635, próximo ao Porto Calvo é informado da presença, na região, de um grupo de 380 holandeses. Entre eles, o próprio Calabar. Febrilmente Albuquerque cria uma cilada, pede ajuda dos moradores locais, promete recompensa, fala da traição e acaba obtendo êxito. Os holandeses caem prisioneiros, Calabar está lá.

Não há julgamento, nem mesmo um enforcamento oficial. Calabar é declarado traidor e condenado à morte. É garroteado, isso é, seu pescoço é apertado por uma corda até ser transpassado completamente por um prego. Depois, seu corpo esquartejado fica exposto em praça pública.

Os holandeses prestariam homenagens fúnebres de herói a ele, que, inclusive, já ocupava o posto de Major de suas forças.

No silêncio das cinzas, Calabar tornou-se um dos maiores mistérios da história do Brasil.

A vingança pessoal de Matias de Albuquerque, não evitou a derrota, e os holandeses acabaram ocupando toda a região açucareira que objetivavam.

Ele foi um traidor? Mas, a quem traiu? Ao Brasil que ainda não existia como nação? A Portugal, então dominado pelos reis Felipes da Espanha, ou à Espanha a quem ele sequer conhecia?

Na única concessão antes da execução, Calabar pode confessar seus pecados ao Frei Manuel do Salvador. Apesar de toda a pressão esse religioso morreu sem jamais dizer o que o condenado lhe dissera.

Para muitos Calabar era um agente holandês que primeiro se infiltrou nas forças brasileiras para depois repassar informações privilegiadas a seus comandantes.

Para outros foi um vil traidor por dinheiro, mesmo sem provas sobre isso.

Para outros ainda, Domingos Fernandes Calabar era um brasileiro de visão à frente de seu tempo que entendia ser mais vantajoso ao futuro do Brasil pertencer aos domínios holandeses do que ser colônia portuguesa.

Para os criadores de mito, Domingos Fernandes Calabar em carta dirigida a Matias de Albuquerque, teria afirmado que passara para o outro lado não como traidor, mas como patriota.

Esse, será, talvez, para sempre, o segredo de Calabar.


Prof. Péricles