quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O SEGREDO DE CALABAR


Em 1624 os holandeses invadiram sukerland (como chamavam Brasil) a “terra do açúcar”. Enquanto uma guerra de grandes proporções explodia na Europa, o Brasil, praticamente abandonado por Portugal, parecia um alvo fácil, quase gratuito, às necessidades holandesas de manter o ciclo do comércio do açúcar, responsável pela maior parte de seu PIB.

Entretanto. O inesperado: Liderados por um bispo com alma de militar chamado D. Marcos Teixeira, os luso-brasileiros embrenharam-se nas matas e deram início a uma guerra de guerrilha que enlouqueceria o invasor. Como resultado ficaram restritos à Salvador e tiveram que bater em retirada em 1625. A terra do açúcar lhe fora demasiadamente amarga.

Cinco anos depois, eles retornaram. Mas, nada de se meter com o bispo louco. Dessa vez os batavos preferiram invadir Pernambuco.

Na falta de um estrategista do calibre de D. Marcos, o rei enviou para o Brasil o militar Matias de Albuquerque, que assumiria as funções de governador das terras livres e empreenderia a resistência aos holandeses.

Matias de Albuquerque criou no coração da mata uma aldeia, chamada de Arraial do Bom Jesus, arregimentou homens, e dali partia para incursões de guerrilhas muito parecidas com as usadas com sucesso na Bahia. Tão parecidas que, novamente o inimigo estancou e parecia não saber o que fazer.

Embora o comandante militar fosse Matias de Albuquerque, o estrategista e comandante de fato era Domingos Fernandes Calabar, um sujeito que nascera em Alagoas (então parte integrante da Capitania de Pernambuco), mulato (ou mameluco, há controvérsias), profundo conhecedor da região, que tinha, na época, aproximadamente 30 anos.
Inteligente, havia feito fortuna com o contrabando de drogas do sertão e vaquejadas, chegando até a se tornar dono de terras e de engenhos.

Pois quando a guerra adquiria cada vez mais um gosto de filme já visto, tudo mudou, de forma dramática e inesperada.
Ninguém, jamais, conseguiu explicar porque, mas o fato é que, em abril de 1632, depois de dois anos muitas vitórias e atos de heroísmo, além de dois ferimentos graves em batalha, quando os holandeses já haviam desistido de Olinda e recuado, ocupando apenas Recife, Calabar, simplesmente, mudou de lado.

Será que ele pretendia mais riqueza (que se saiba não ganhou nenhuma moeda dos holandeses)? Terras? Poder? Como pode um guerreiro entusiasmado mudar de lado como quem muda de roupa?

Com Calabar a seu lado a guerra muda completamente de rumo. Os neerlandeses conquistam as vilas de Goiana e de Igaraçu, a ilha de Itamaracá, o forte do Rio Formoso. Os nativos com espanto enxergam Calabar à frente das tropas decretando a virtual vitória dos invasores.

Pessoalmente, Domingos Fernandes procura lideranças entre cristãos-novos (judeus), negros, índios e mulatos e os convencem a lutar contra os luso-brasileiros.

Matias de Albuquerque é forçado a recuar cada vez mais. O Arraial do Bom Jesus vira fumaça. Seus melhores homens mortos ou presos e a tática de guerrilha já não dava mais resultados, pois o inimigo conhecia as matas, tanto ou melhor do que ele. Amaldiçoava Calabar, que um dia chegara a considerar um amigo, todos os dias.

Em março de 1635, próximo ao Porto Calvo é informado da presença, na região, de um grupo de 380 holandeses. Entre eles, o próprio Calabar. Febrilmente Albuquerque cria uma cilada, pede ajuda dos moradores locais, promete recompensa, fala da traição e acaba obtendo êxito. Os holandeses caem prisioneiros, Calabar está lá.

Não há julgamento, nem mesmo um enforcamento oficial. Calabar é declarado traidor e condenado à morte. É garroteado, isso é, seu pescoço é apertado por uma corda até ser transpassado completamente por um prego. Depois, seu corpo esquartejado fica exposto em praça pública.

Os holandeses prestariam homenagens fúnebres de herói a ele, que, inclusive, já ocupava o posto de Major de suas forças.

No silêncio das cinzas, Calabar tornou-se um dos maiores mistérios da história do Brasil.

A vingança pessoal de Matias de Albuquerque, não evitou a derrota, e os holandeses acabaram ocupando toda a região açucareira que objetivavam.

Ele foi um traidor? Mas, a quem traiu? Ao Brasil que ainda não existia como nação? A Portugal, então dominado pelos reis Felipes da Espanha, ou à Espanha a quem ele sequer conhecia?

Na única concessão antes da execução, Calabar pode confessar seus pecados ao Frei Manuel do Salvador. Apesar de toda a pressão esse religioso morreu sem jamais dizer o que o condenado lhe dissera.

Para muitos Calabar era um agente holandês que primeiro se infiltrou nas forças brasileiras para depois repassar informações privilegiadas a seus comandantes.

Para outros foi um vil traidor por dinheiro, mesmo sem provas sobre isso.

Para outros ainda, Domingos Fernandes Calabar era um brasileiro de visão à frente de seu tempo que entendia ser mais vantajoso ao futuro do Brasil pertencer aos domínios holandeses do que ser colônia portuguesa.

Para os criadores de mito, Domingos Fernandes Calabar em carta dirigida a Matias de Albuquerque, teria afirmado que passara para o outro lado não como traidor, mas como patriota.

Esse, será, talvez, para sempre, o segredo de Calabar.


Prof. Péricles




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