Uma das figuras mais conhecidas das histórias que se contam nos pagos do Rio Grande é do “Acaba Baile”.
O “Acaba Baile” era o índio guapo barbaridade, que se achegava nos bares para tomar uma canha, já olhando com o canto do olho para a assistência e, em dia de festa, já chegava no baile armado de facão.
Bastava um olhar atravessado que o cuera já se atacava e o buchichim estava feito.
Érico Veríssimo descreveu em “Um Certo Capitão Rodrigo” o seu personagem principal como um autêntico “Acaba Baile”.
Quando o Capitão Rodrigo chega em Santa Fé vai direto para o bolicho e ao entrar solta a pérola: “"Buenas e me espalho, nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!".
Como todo bom fanfarrão o Capitão Rodrigo está se apresentando e dizendo que nos mais fracos bate pouco (nos pequenos dou de prancha, isso é, com o lado do facão) mas nos grandes bate muito (nos grandes dou de talho, ou, com o fio do facão).
Claro, criaturas assim fazem parte das lendas pampeanas e são assunto para causos e risos em roda de chimarrão.
Eles existem a séculos no imaginário que moldou a lenda do gaúcho corajoso e desafiador que não teme a nada sendo figuras queridas do folclore gaúcho.
Mas não é que pros lados dos esteites, um lugar exemplar para muitos, apareceu um acaba baile, pior, muito pior do que qualquer Capitão Rodrigo?
Trata-se de Omar Mateen, um jovem de 29 anos, homofóbico e simpatizante do radicalismo islâmico representado pelo Exército Islâmico (EI).
Armado com um rifle de repetição um revólver e um "aparelho suspeito", que teve uma explosão controlada, que não foi mais detalhado pela polícia, o rapaz conseguiu entrar numa boate de público majoritariamente gay e passou a disparar a torto e a direito, matando indiscriminadamente ao seu redor.
Foram 49 vítimas fatais e mais de 50 feridos.
Longe de ser fruto de uma lenda urbana ou alimentar causos e risos Omar é bem real.
Suas origens não estão no folclore, mas na intransigência do ocidente para com os de orientação sexual diferente da sua.
Estão na competição avassaladora dessa sociedade que rotula cada um como vencedor ou derrotado desde a mais jovem idade.
Estão na exclusão e na solidão que acompanha os que se sentem menores mesmo que cercado por milhões.
Na hipocrisia de uma sociedade que em nome dos lucros imensos da indústria da bala, permite que armas e munição sejam vendidos por atacado ou a varejo nos balaios de liquidação.
O Acaba Baile norte-americano não acabou apenas com o baile em que pessoas se divertiam e gastavam o seu dinheiro arduamente conquistado, mas com as vidas dessas pessoas que ele sequer conhecia.
O pior nem é a existência de um “Acaba Baile” que não conseguiu controlar suas próprias carências e instintos e num misto de moralismo e religiosidade extrapolou suas emoções e partiu para a ação enlouquecida.
O pior é que muitos outros “Omares” permanecem silenciosos nas mentes reacionárias de muitos homens de bem e de poder, capazes de esconder seu ódio.
São esses "Omares" que se divertem com as piadas racistas, o comportamento homofóbico e impedem que qualquer lei que dificulte o acesso às armas nos Estados Unidos seja aprovada.
O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.
O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.
Prof. Péricles
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