quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O PESCOÇO DO BRASIL


por: Saul Leblon

Negros desarmados mortos por policiais brancos compõem um postal da identidade norte-americana. São standarts, como as freeways, a CIA, a Coca-cola de uma sociedade plasmada pelo capitalismo mais exitoso do planeta. Nela, o condutor de um carro velho recebe, por definição, o carimbo de ‘looser’ (perdedor). Pela mesma razão que um negro pobre é suspeito e passível de ação policial, até prova em contrário.

O negro Eric Garner, vendedor ambulante em Nova Iorque, asmático, 43 anos, não teve tempo, nem ar, na semana passada, para provar quem era. Garner avisou ao policial que comprimia seu pescoço com uma chave de braço, que não estava conseguindo respirar. Fez isso 11 vezes. Até morrer.

Negros formam 13% da população norte-americana; representam mais de 40% da massa carcerária; algo como um milhão em um total de 2,5 milhões.

Prisões em massa e mortes, nada disso é novidade para eles nos EUA. A novidade diante da rotina são os protestos que ela vem provocando exatamente quando a recuperação econômica faz de 2014 ‘o melhor ano em termos de criação de empregos desde 1999’, garante o Wall Sreet Journal, desta 2ª feira.
Por que raios, então, Garner vendia cigarros ilegalmente nas ruas, como suspeitou a batida policial que o levou à morte?

Seis anos após o colapso de 2008, a lucratividade dos bancos norte-americanos registra recordes sobre recordes, trimestre após o outro. Em contrapartida, a subutilização da força de trabalho –indicador que soma emprego parcial e desistência de buscar vaga, como deve ter sido o caso de Garner - atinge assustadores 13%.

Na maior economia capitalista da terra, metade das vagas criadas no pós-crise é de tempo parcial, com salários depreciados.

O fato de os EUA terem um salário mínimo congelado há 15 anos, diz muito sobre a natureza dessa chave de pescoço econômica, que joga milhões de Garners para o submundo dos loosers.

O conjunto sugere que a presidenta Dilma terá que analisar detidamente cada medida de aperto fiscal que lhe for apresentada pela nova equipe econômica.

Os sinais de alarme desta 2ª feira justificam a prontidão.

As exportações chinesas cresceram a metade do esperado em novembro (4,7% contra 8%); o PIB do Japão caiu mais que previsto no 2º trimestre e a possante máquina germânica rasteja tendo registrado uma expansão de apenas 0,2% em outubro. Tudo isso explica que o barril de petróleo custe hoje 40% menos e que as cotações das commodities agrícolas exportadas pelo Brasil valham, em média, 13% abaixo do patamar de 2013.

A sabedoria dos especialistas é insuficiente para conduzir um país a salvo por esse desfiladeiro emparedado entre a queda das cotações das commodities, de um lado, e a sinalização de alta dos juros, do outro.

O cerco conservador agora reflete o faro da matilha para um novo ciclo de vulnerabilidade da presa.

O caminho das pedras terá que ser modulado e ordenado pela mobilização e o engajamento dos principais interessados na preservação do rumo mais equitativo seguido até aqui: os sindicatos, os movimentos sociais e os partidos do campo progressista.

O Brasil tem forças sociais estruturadas.

Suas centrais sindicais que, finalmente, se reuniram com a Presidenta Dilma, nesta 2ª feira, preservam certa capilaridade.

Nos últimos doze anos, o país foi dotado de sólidas políticas sociais, ademais de estruturas de Estado para ampliá-las.

O conjunto permite à Presidenta Dilma negociar rumos e metas do desenvolvimento com a sociedade, preservando-se o mercado de massa, mesmo em um intermezzo de reacomodação fiscal.

Há um requisito, porém: o timming das iniciativas de governo – de qualquer governo – faz enorme diferença.

Uma crise tem um tempo certo para ser derrotada, ou derrotará o governo, a produção, o emprego e os atores que vacilarem diante dela.

Nisso, sobretudo nisso, Franklin Roosevelt revelou-se o estadista cuja habilidade ainda tem lições a oferecer aos seus contemporâneos.

Em apenas uma semana após a sua posse, em 1933, ele tomou algumas decisões que não exorcizaram todos os demônios, mas foram afrontá-los em seu próprio campo.

Os tempos são outros; as agendas precisam ser renovadas, mas nada justifica ofuscar o componente de coragem do passado para dissimular a tibieza no presente.

A calibragem fina entre a barbárie e a emancipação de uma sociedade não está prevista nos manuais de economia.

Se não dilatar o espaço da política na condução da economia no seu segundo mandato, a presidenta Dilma corre o risco de acordar um dia com uma chave de braço atada ao pescoço do país.

E perder o que já tem.

Sem obter o que a ortodoxia lhe promete entregar.

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CONSUMINDO SUA ALMA




Quando surgiu, o capitalismo representava esperança.

Depois deuma vida miserável que se contam aos séculos, os pobres do período feudal viram nas mudanças que o comércio poderia trazer a grande chance de uma vida melhor.

Junto com a esperança, entre os séculos XII e XIV o mundo passou pelas dores do parto de um novo mundo.

As Cruzadas e seus absurdos desumanos, as infindáveis guerras feudais. A Inquisição assassina. A peste Negra. A fome.

Às dores do parto seguiu-se a alegria da infância do capitalismo, representada pela volta do comércio a longa distância, o surgimento dos bancos e seguradoras. As Letras de câmbios. Os cheques. E o Renascimento.

Ah! O renascimento! A ideia de um mundo mais humano, feito por humanos, fazendo renascer a crença no homem e na possibilidade de construir o seu destino.

Tudo indicava estar o mundo trilhando novos caminhos de paz e de felicidade. O trabalho servil foi abolido, o Rei unificou o estado e centralizou a promessa de prover o bem comum. Martinho Lutero e outros homens notáveis repensaram os velhos paradigmas de uma igreja coberta de corrupção. E finalmente, o ápice da fé num mundo novo: As grandes Navegações.

O mundo “cresceu em tamanho” como nunca. Novas terras. Novos continentes, culturas... riquezas.

Não se sabe ao certo quando a esperança desapareceu. Talvez tenha sido numa caravela que afundou em alguma tempestade noturna. Ou morreu náufraga em uma ilha perdida. O certo é que a esperança deu lugar à cobiça. As novas culturas foram esmagadas pelos interesses de exploração econômica. O holocausto indígena nas Américas foi o maior suplício já perpetrado racionalmente pelo homem.

Num último suspiro, a esperança ainda tentou voltar através das luzes dos iluministas. Mas, definitivamente morreu na Revolução francesa que fez nascer, não o mundo dos iguais, mas o mundo dos burgueses, que, definitivamente, já não eram tão iguais assim, ao trabalhador.

Este, o trabalhador, perdeu não só a esperança, mas também as ferramentas e o conhecimento do que produzia a partir da revolução industrial, que desarmou o artífice e o transformou em uma massa disforme que só servia ao trabalho duro, sujo e desesperado, talvez mais desesperado que o trabalho servil.

E a fraternidade foi guilhotinada, como Graco Babeuf e sua “Conspiração dos Iguais”.

As classificações pessoais não mais se davam por nascimento e propriedade de terra, mas por classes sociais, onde o “ter”, muito mais do que o “ser” era balizador das diferenças.

Ao longo de 9 séculos o capitalismo trouxe promessas e forjou engodos.

O próprio conceito de democracia foi uma fraude, anunciando um governo de todos que jamais aconteceu, pois, na prática sempre representou os interesses econômicos dos poderosos, seus verdadeiros sócios no poder.

A independência misturada com livre iniciativa econômica. A igualdade social substituída pela concorrência. Liberdade confundida com liberal.

Se é verdade que foi a concorrência que impulsionou as transformações técnicas e científicas, não é menos verdade que ela se cristalizou nas almas das criaturas criando um mundo baseado na concorrência e nas aparências, pois no mundo onde ter vale mais do que ser, se representa e se vive de aparências.

O lucro tornou-se o Deus onipotente em todas as relações humanas e seu altar, algo etéreo definido como “mercado”, que pode ser uma rua ou mesmo o mundo inteiro. O Japão, ou teu próprio coração.

No gênese do capitalismo, a propriedade privada foi feita no primeiro dia e é o sopro de toda vida. Privatiza-se o lucro e socializa-se a dor.

E tudo se tornou consumo. O homem que a tudo consome e pelo consumo é consumido, gasta-se nos dias no trabalho árduo que não o enriquece, mas enriquece a quem detém os meios de produzir o lucro. E trabalhando não vê as pequenas coisas em sua volta que são grandes, como o sorriso do filho que não viu crescer porque estava trabalhando.

Todas as guerras se tornaram mercantis. Se antes se usava o nome de Deus para estimular os guerreiros à morte, agora se usa conceitos como pátria e nação.

O mundo progrediu materialmente como nunca antes na história humana.

A eletricidade iluminou o planeta. Os meios de transportes o tornaram menor. Os de comunicação nos aproximaram com a velocidade de um clic.

Somos hoje 7 bilhões de pessoas. Nunca fomos tão rapidamente informados. Nunca tivemos tantas ofertas tecnológicas.

Já fomos à lua, chegamos a Marte. Transplantamos órgãos e a expectativa da vida orgânica não para de crescer.

Mas a vida da alma não para de secar. E nunca, nem mesmo nos vazios desertos do período escravagista, ou nos perdidos feudos do senhor, nunca estivemos tão sós.

Mais de 15% da população mundial é dependente de alguma droga química. Mais de 20% sofre de depressão. Nunca o suicídio foi tão recorrente. Mas, no mundo do capital, tudo é produto, e tudo isso gera milhões em antidepressivos e em outras bengalas.
Guetos e favelas multiplicam-se, e a fome, a mais antiga das tragédias, ainda mata aos milhões.

Em vez de suprir as necessidades humanas, criam-se novas, todos os dias, porque a toda necessidade segue-se um produto a ser vendido e gerar lucros.

O capitalismo criou mercados. Diversificou produtos. Iluminou. Iludiu. Ruiu na crise de 1929 na Bolsa de Nova York mas se reergueu na Segunda Guerra Mundial, porque essa é sua lógica e seu segredo.

Lamenta-se as experiências de Mengele mas se usa o resultado de sua morbidez. Lamenta-se Yroshima e Nagasaki, mas graças a ela investiu-se milhões de bilhões em armamentos.

O capitalismo é o sistema que matou o feudalismo, prometeu paz e prosperidade, criou milagres, mas, em momento algum de nossa história foi capaz de criar uma sociedade justa.

E a quem duvida, basta abrir a janela, ou seus olhos, se necessário, o coração. Ouça as vozes dos miseráveis. Não se repugne com crianças remelentas debarriga inchada devermes e condenadas a morte, ou do corpo ou do espírito pelo abandono.

Não se assuste. Também se morre de solidão, talvez mais do que de câncer.

O capitalismo trouxe tudo, mas não trouxe nada.

E nós que consumimos tudo, nos consumimos aos poucos, perdemos tudo, ou perdemos nada, porque, na verdade, nunca tivemos.


Prof. Péricles
Para minha amiga Prof. Maria Alice


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

CONFIRMADO, PAPAI NOEL EXISTE



“Papai Noel,
Moro com minha vó e meu vô, meu pai faleceu quando eu tinha 4 anos gostaria de ganhar um boneco do Bem 10. Obrigado”

“Querido papai Noel meu nome é Giovani e eu tenho 10 anos e o meu sonho é ganhar os materiais escolares se você me der eu agradeço muito. Muito Obrigado”.

“Papai Noel, gostaria de ganhar para o meu filho de 10 meses uma galinha pintadinha de pelúcia. Pois estou desempregada no momento e não tenho condições de comprar esse presente para ele. Obrigada.”

“O Samuel tem atraso mental é como se ele tivesse 8 anos. Ele precisa de roupa ele é gordo usa roupa tamanho M adulto, calça chinelo 39, 40. Sou vizinha. Obrigado papai Noel.”

“Papai Noel minha casa pegou fogo e minhas coisas queimaram tudo. Moro com minha mãe numa casa emprestada. Por favor, Papai Noel queria uma bicicleta. Obrigada.”

“Oi Papai Noel, fui uma boa menina o ano todo agora espero ganhar uma bicicleta cor de rosa. Meu pai foi embora e minha mãe cuida de uma criança mais ganha muito pouco. Beijo”.

Milhares de cartas assim foram enviadas para os Correios.

Podemos ser o papai Noel, nesse natal.

É ali, na rua Sepúlveda, na Praça da Alfândega.

A entrada é por uma porta lateral que dá para um amplo salão, onde funcionários atenciosos encaminham os visitantes para cadeiras confortáveis. Eles trazem quantas cartas forem solicitadas e deixam sobre mesas para que, à vontade, seja feita a leitura e de acordo com as suas possibilidades, cada visitante escolha aquelas que serão atendidas.

Todas as cartas são numeradas e cada um leva as que escolheram. O correio fica com o nome e o número da carta. Ali mesmo serão recebidos os presentes até o dia 13. O Correio faz o resto.

Simples e fácil. Porém, de um significado imensurável para cada remetente.

Vamos lá. Mexa-se.

Finalmente, depois de tanto tempo achando que foi enganado pelos pais, você pode descobrir que Papai Noel existe sim... é você.

Não há dinheiro que pague um sorriso de uma criança.

Prof. Péricles

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O CONFLITO É A SOLUÇÃO?




Por Max Diniz Cruzeiro


Seres humanos são por natureza complexos e quando planejam realizar uma necessidade e este desejo é satisfeito, logo procuram outra ocupação mental para ajustar a mente a uma insaciedade em ocupar o intelecto pela busca de algo que ainda não detém.

Portanto a natureza egoísta do homem é geradora de problemas. Os problemas por sua vez desencadeiam conflitos. Os conflitos são a principal forma de entretenimento que a grande maioria dos seres humanos ocupa seu espaço interior na formação do pensamento cotidiano.

A questão é saber por que a orientação da ocupação da reflexão mental deve estar embasada dentro desta métrica que distancia o homem da realidade que o cerca para fazer com que ele se detenha mais vezes sobre a construção de um projeto de vida idealizado?

Será mesmo que a semântica na elaboração do conflito induz a uma solução para algo que o indivíduo dependa para sua sobrevivência?

Não existiria outro molde de conduta mais célere e inteligente que a indução de estados cada vez mais alterados geradores de estresse e tensão para aproximar os pensamentos vitais e mais importantes que extraímos da mente pelos processos de alocação mnemônica?

A busca incessante por algo exterior toma parte de nosso tempo indefinidamente enquanto vivemos e os alicerces de uma vida acabam por se confundirem com a apropriação do que agregamos em termos de elementos da natureza que conseguimos aproximar de nós na projeção de nossas vidas.

A oportunidade de um estado psíquico de mudança que um objeto ou ação possa promover dentro de nós geralmente é observada como uma metalinguagem que ao acessar nosso inconsciente vasculha as entranhas de nossa psique para encontrar aquelas informações que poderiam ser mais bem desenvolvidas. Como resultado canalizamos para dentro do intelecto, tais dados, de forma a gerar uma retenção de nossa habilidade em satisfazer um anseio de que tais informações possam migrar nosso consciente para zonas de conforto mais prolixas em que o ganho de escala interior é percebido quando a sensação despertada prolifera um bem-estar capaz de provocar um relaxamento corpóreo, em que um estado alterado nobre de consciência gera estímulos de prazer que são distribuídos na forma de um orgasmo neural.

Quando um indivíduo gera um problema, ele está dizendo ao cérebro que aqueles elementos despertos em seu consciente encapsulados na mente necessitam ser satisfeitos para que as informações vitais que eles coordenam sejam encaixadas para que possam compor estruturas cognitivas na forma de circuitos que permitam o desenvolvimento deste ser humano.

É uma forma inteligente do organismo de se condicionar a desencadear reações que venha a necessitar quando satisfeitas algumas estruturas de comandos que fazem parte de um processo volitivo em que coordenamos como nosso corpo deverá reagir diante das transformações do ambiente sobre nós mesmos.

Uma vez que o “problema” é formado no intelecto. Então surge o paradoxo do conflito. Em que o indivíduo se condiciona a tentar juntar as peças do grande quebra-cabeça que conseguiu colocar em sua fronte para fazer dele um instrumento para perseguir como um “objetivo hipotético” de satisfazer uma “equação” que permita encaixar todas as peças até encontrar a solução desejada.

Enquanto a solução para um problema não é encontrada, a situação que surge é de formação de um caos sistêmico em que o pensamento semântico é gerado concomitantemente e continuamente, a fim de buscar aquelas informações necessárias para que a zona de conflito fique cada vez mais diluída para que as peças possam ser fusionadas.

E o que seria a solução para o conflito já que este é a solução para o problema?

A solução para o conflito é a satisfação de uma métrica, que se baseia em uma implementação para a realização de uma manifestação de uma vontade definida e própria de um indivíduo. Nós condicionamos a desencadear reações apenas quando um conflito nos faz mover dentro de uma escala de motivação que nos unem a um evento neural que gere um circuito biológico como consequência vital para nossos atos e ações cotidianas.

A internalização do que conseguimos transmutar de energia para nossos corpos na forma de aprendizado que se incorpora a nossa estrutura de DNA na forma de encapsulamento de dados dentro do código genético é a grande resultante deste mecanismo de acoplamento de informações.

O problema uma vez gerado não pode ser fonte de sofrimento do indivíduo quando ele se utiliza deste recurso cognitivo para transmutar elementos para a formação de uma estrutura “espiritual” que quiçá venha a se perpetuar após a morte.

Nem sempre o conflito é uma fonte geradora de sofrimento. Convém lembrar que a condução não refletida de forma correta de nossa vontade sobre os aspectos que coordenamos internamente são responsáveis pela absorção equivocada dos sinais que não são convertidos em elementos essenciais que fusionem as partes ou peças do grande quebra-cabeça esboçado acima.

O sofrimento na forma de externalizar algo árduo, punitivo, taxativo, proibitivo,... além de causar males para o organismo por produzir abortos da natureza, são excitatórios de estados alterados de consciência que nos afastam cada vez mais de nossos reais desejos e expectativas de realizações.

Então, seria mesmo o conflito a solução para o problema? Ou a forma de bem gerir a necessidade do problema, o elemento iniciador da volição de nossos estados mentais, para a geração de soluções-circuitos que integrem e fusionem nossa essência as verdadeiras coisas que nos movimentam?

Neurocientista Clínico
Psicopedagogo Clínico

domingo, 30 de novembro de 2014

CONTAGIOSO E SEM VACINA




Outro dia, caminhando pela rua, encontrei um sonho perdido.

Disse-me, ofegante, que estava procurando seu dono, uma criança distraída, que cresceu muito depressa e o perdeu junto com muitos outros iguais a ele.

Aliás, esse é um grande problema da atualidade.

Sonhos perdido já se contam aos milhões. Alguns muito antigos já sem esperança de retornar aos corações que os pariu. Outros, sonhos rebeldes, não se conformam com a indiferença e com a rotina que dizem ser inerente ao amadurecimento. Questionam os corações vazios e pensam fazer Greve de Sonhos, por tempo indeterminado, até que o mais velho volte a sonha como sonhava quando jovem.

Acho que o governo deveria fazer alguma coisa.

Existe sociedade protetora dos animais, orfanatos para crianças abandonadas, albergues para o povo de rua, asilos para os velhos, mas não existe qualquer tipo de instituição que adote, alimente, renove, os sonhos perdidos.

Há os mais tradicionais como os de voar, que foram abandonados em pleno vôo por quem deixou de acreditar que isso é possível.

Tem os de ser bombeiro, policial, jogador de futebol... uma fila de sonhos que não tem arquivo que dê conta.

Outros são os mais perdidos entre os perdidos. Sonhos de adulto.

Como o de amar eternamente sua parceria, ou de ter filhos, de ser feliz para sempre, de viajar pra longe ou conhecer todas as praias do mundo.

Pior é que os sonhos de adultos, além de perdidos são agredidos diariamente pela áspera realidade sem graça de um mundo baseado no ter e na competição.

Sonhos assim deveriam ser protegidos por uma espécie de Lei Maria da Penha, pois é inadmissível fazer sofrer sonhos de viajar pra lua ou amar profundamente alguém que também lhe ame profundamente.

Atualmente os que mais preocupam, são os sonhos teimosos.

Sonho teimoso é um caso complicado.

Sabe aquele sonho de uma sociedade mais justa, de fraternidade, de um mundo sem explorados e exploradores?

Pois é. São os sonhos teimosos.

Seus donos foram presos, torturados, mortos, mas eles, de alguma forma, escapuliram dos calabouços e encontram sempre novos hospedeiros.

Alimentaram corações de sonhadores e revolucionários por séculos e continuam por aí, desaforados, desafiando a realidade formal do poder financeiro e insistindo em respirar na alma de cada sonhador que não vê a felicidade como algo que se compre por metro ou por quilo.

Não quero ser alarmista, mas ao que tudo indica, sonhos assim contagiam mais que o ebola e por mais que os grilhões se renovem, insistem em habitar cada vez mais corações.

Não existe vacina nem terapia, pois parece ser impossível, apesar dos esforços dos opressores, impedir que os sonhos existam.

A terapia é acalenta-los como crianças estimadas, acolhe-los no coração e permitir que durmam em nossa consciência para que vivam eternamente em estado de letargia.

Viver é preciso, mas sem sonhar não se vive, ou se vive, mas sem cores.

Bons sonhos.

Prof. Péricles

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

NÃO SOU PT, E SIM TUCANO



Por RICARDO SEMLER

Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.

Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.

Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos "cochons des dix pour cent", os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.

Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão --cem vezes mais do que o caso Petrobras-- pelos empresários?

Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?

Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.

Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.

É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.

Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.

Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.

A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.

O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.

É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.

A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.

Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.

Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?

Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.

O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.


RICARDO SEMLER, 55, empresário, é sócio da Semco Partners. Foi professor visitante da Harvard Law School e professor de MBA no MIT - Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA)