Cerca de 42% dos estadunidenses afirma que sentiram “medo” após a vitória de Donald Trump nas eleições, com relação ao que poderia acontecer durante o seu mandato, segundo pesquisa do instituto Gallup.
Efetivamente, a partir do dia 21 de janeiro, Trump terá acesso a uma enorme lista de poderes presidenciais, que incluem os códigos nucleares e até a possibilidade de derrubar as grandes reformas de seu antecessor, Barack Obama – e o empresário assegurou que eliminará umas 20 medidas adotadas pelo atual mandatário.
O sistema constitucional estadunidense está baseado na separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário. A presidência de Trump supõe então um desafio sem precedentes a esse equilíbrio, por estar acompanhada das maiorias republicanas na Câmara de Representantes e no Senado, um caminho livre para nomear juízes conservadores no Tribunal Supremo e expandir os poderes presidenciais herdados desde as medidas adotadas neste sentido pela administração de George W. Bush depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
A seguir, repassamos o que poderá e o que não poderá fazer o presidente eleito Trump quando após a sua chegada à Casa Branca:
Pode apertar o “botão da bomba atômica”?
O “botão da bomba atômica” é, na verdade, um cartão com os códigos para ativar o lançamento das armas. O presidente dos Estados Unidos está sempre acompanhado de algum alto comandante das Forças Armadas, que leva uma maleta com toda a informação necessária para tomar uma decisão. Esse militar viaja com o mandatário no Air Force One, no veículo presidencial e se hospeda no mesmo hotel ou residência quando não está na Casa Branca, e também é protegido pelo Serviço Secreto. A maleta inclui um manual com todas as opções de ataque, um mecanismo para verificar a identidade do mesmo, caso ele decida ativar o lançamento, e os bunkers onde se pode protegê-lo.
Os Estados Unidos possuem cerca de 900 ogivas nucleares, que são entre 10 e 20 vezes mais poderosas que as bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, e que estão prontas para serem ativadas. Segundo Bruce G. Blair, especialista em segurança nacional da Universidade de Princeton, “basta uma ligação telefônica para que o comandante-chefe tenha um poder ilimitado para ativar as armas nucleares a qualquer momento”. Blair assegura que o presidente não precisa de conselhos ou da aprovação do Senado, nem será questionado pelo Tribunal Supremo por qualquer decisão. O processo, entretanto, passa por uma série de mecanismos, nos quais estão envolvidos os líderes do Pentágono, encarregados de alertar o presidente sobre qualquer ameaça e preparar depois a resposta que ele – no caso Trump – considere adequada.
Pode construir um muro na fronteira?
Trump contemporizou a respeito da promessa de construir um muro na fronteira com o México. Desde a vitória nas eleições, ele passou a admitir que, em algumas zonas, será “somente uma cerca”. Para isso, necessita que o Congresso aprove o orçamento multimilionário necessário para se completar a construção. O presidente também necessitaria do apoio legislativo para alterar a política de segurança na fronteira, por exemplo, incrementando o número de agentes destinados às zonas, porque careceria de um aumento das verbas destinadas a este objetivo.
Pode deportar três milhões de imigrantes indocumentados?
A política de deportações depende do Departamento de Segurança Nacional e o presidente tem a prerrogativa de decidir como esta se aplica. Assim como Obama ordenou que se desse prioridade à deportação de indocumentados com antecedentes penais – como agora promete Trump –, o presidente eleito pode estrear no cargo pedindo que se aplique a ordem de deportação de qualquer indocumentado. O republicano também poderia anular o decreto pelo qual Obama concedeu uma licença temporária de residência e emprego a jovens sem documentos que estudaram nos Estados Unidos. Somente necessitaria aprovar uma ordem executiva que rescinda a normativa atual.
Pode desfazer a reforma da saúde de Obama?
O fato de que a lei conhecida como Obamacare (o sistema de saúde público de Obama) tenha sido aprovada pelas duas casas legislativas deveria significar que, para derrubá-la completamente, os republicanos necessitam de uma supermaioria no Senado, ao menos 60 votos – e alcançaram 51 após as últimas eleições. Isso dificulta a tarefa de eliminá-la, mas os republicanos podem sim fazer desaparecer alguns aspectos específicos do plano, como as ajudas para pessoas que vivem abaixo do limite da pobreza, ou os subsídios que ajudaram milhões de estadunidenses de classe média a adquirir apólices do novo seguro de saúde.
Pode reinstituir o uso de métodos de tortura em interrogatórios?
Trump prometeu durante a campanha que “aprovaria uma lei para permitir novamente o uso de técnicas de afogamento simulado” e até mesmo “coisas muito piores”. A administração de Obama assinou um tratado que proíbe a tortura e outros castigos degradantes, considerados ilegais pela legislação estadunidense e internacional. Em 2009, o atual presidente assinou uma ordem executiva que abolia o uso de métodos considerados abusivos e que foram usados durante o governo de George W. Bush. Trump pode impulsar um decreto similar assim que assumir o poder, determinando exatamente o contrário.
Pode ampliar Guantánamo?
Obama ordenou fechar a prisão localizada na base militar estadunidense em Cuba, que ainda mantém 60 pessoas presas em seu interior. Trump não só indicou que pretende reverter essa decisão como prometeu “enchê-la de caras maus”. Neste caso, conta com o apoio das mesmas maiorias no Congresso que se opuseram à iniciativa do mandatário democrata.
Pode lançar ataques com drones sem autorização do Congresso?
Trump terá em suas mãos o programa de luta antiterrorista que, por iniciativa do presidente Obama, aumentou a quantidade de ataques com drones em territórios estrangeiros, incluindo os que têm como objetivo a cidadãos estadunidenses. O republicano poderá utilizar as mesmas prerrogativas legais para decidir em favor dos ataques sem precisar da aprovação do Congresso (alegando que atua em favor da segurança nacional do país), e até ir além, já que pode se apoiar em mecanismos internos do Executivo, não em normativas impulsadas pelo Poder Legislativo.
Tradução: Victor Farinelli