domingo, 4 de agosto de 2013

DEMOCRACIA, A HISTÓRIA DE UMA MENTIRA - FINAL


Há uma confusão evidente entre democracia e eleições. Ocorre até mesmo uma inversão de causa e efeito quando se acredita que as eleições sejam a causa primeira para que exista democracia, e não uma conseqüência desta.

As eleições por si mesmas não atestam nada, muito menos que exista democracia.

Em Atenas os cidadãos levantavam as mãos para votar. Era a chamada Democracia direta, participativa, mas já vimos que nem por isso a democracia ateniense era real.

O voto, aliás, isoladamente, não representa muita coisa.

No Brasil Império (1822-1889), a Constituição de 1824 estabeleceu eleições para deputados e senadores. O voto era censitário, ou seja, votava apenas quem comprovasse renda, no caso, 100 Contos de Réis/ano. Isso excluía a grande maioria da população, mas por incrível que pareça, era considerado democrático pois estimularia as pessoas a trabalharem mais e a ganharem mais...

Quando foi proclamada a República no Brasil (1889), a Constituição de 1891, eliminou o voto censitário e o substituiu pelo voto universal. Voto universal, que beleza! Podiam votar todos os brasileiros... homens, maiores de 18 anos, alfabetizados e com juízo em ordem... e mais uma vez a grande maioria dos brasileiros estava excluída (só as mulheres eram algo como 50% do total da população).

Em ambos os casos nesse período de 112 anos (1822 a 1934) existiam eleições, mas nem por isso, existia democracia.

Além disso, de que adianta haver eleições se os eleitores não estiverem preparados para escolher? Se a opinião é formada pela propaganda, pela mídia, ou por qualquer das partes interessadas diretamente no resultado das eleições, o voto resultante é democrático?

Se democracia é a expressão da liberdade a partir do exercício da cidadania de cada um respeitando-se o direito da maioria, talvez devêssemos atentar para o fato de que não existe liberdade sem educação, não a educação formal, mas a educação para a própria liberdade.

Será que sabemos ser livres? Será que as aves já nascem voando ou precisam da educação das alturas para os primeiros vôos?

É preciso educação para a liberdade. É preciso entender até onde vão os nossos direitos e onde começam os direitos dos outros. É preciso fazer brotar em nós mesmos, em nosso íntimo, o respeito pelas necessidades alheias além, muito além, das nossas próprias necessidades. A educação para a liberdade jamais virá de governantes, pois isso implica repensar valores e conceitos que a cultura judaico-cristã e capitalista encravou em nossas almas. Assim sendo, um processo íntimo e doloroso, mas sem o qual, não existe liberdade e sem liberdade não existe democracia.

Se as ovelhas não forem educadas sobre as leis da natureza acabarão sempre elegendo os lobos.

É necessário entender que a democracia é uma obra em construção interna e que seus pilares estão na educação para a igualdade. Aceitar a idéia simples de que nem sempre temos razão e mesmo quando ela está do nosso lado, não temos o direito de impor a nossa visão das coisas, pois, o início da nossa liberdade está exatamente no respeito à liberdade do outro.

Não se vive num estado democrático e jamais haverá liberdade se um só continuar escravo da ignorância, do preconceito e do egoísmo. Não se vive a democracia enquanto alguns se jactarem de ser "formadores de opinião".

Enquanto os povos acreditarem numa sociedade justa vinda de cima para baixo fruto do mérito paternalista de um governo bonzinho, o “discurso de Péricles” continuará predominando e sendo um instrumento para produzir a ilusão de igualdade mantendo as desigualdades, e a democracia continuará sendo a história de uma mentira.

Prof. Péricles

quarta-feira, 31 de julho de 2013

O SALVADOR DA PÁTRIA


Antônio Conselheiro liderou uma multidão que acreditava que ele fosse o salvador, o messias que os levaria de uma vida miserável e desesperada para dias melhores, de fartura e felicidade, em campos verdejantes do Senhor.

Bem que Antônio caprichou, buscou cercar seu povo de segurança, mas foi traído pelo sistema dos coronéis e ele assim como os sonhos de seus seguidores acabaram destruídos com os entulhos de Canudos.

Jânio Quadros posou de salvador. Iria varrer a corrupção do Brasil. Limpar o país das imundícies das propinas e sonegações. Jânio, todos sabem, foi eleito para realizar a varredura prometida, mas acabou renunciando em menos de um ano de governo, lançando o país numa crise sem fim.

Fernando Collor de Melo prometia caçar os marajás, os funcionários públicos fantasmas e os super salários. Iria moralizar o Brasil e levá-lo para a modernidade e o progresso. Deu no que deu, um inédito processo de impeachment auto-humilhante para o país e sua gente.

Recentemente um Senador da República que aparecia diariamente com o dedo em riste acusando a outros de corruptos, perdeu o mandato, a pose de santo e talvez, a vergonha, sendo arrolado num processo imenso de corrupção e formação de quadrilha.
Salvadores da pátria são pessoas que surgem envoltas em promessas que excitam as esperanças e projetam soluções mágicas e instantâneas.

São carismáticos cada um do seu jeito e geralmente embasam suas propostas sublinhando os erros alheios. Erros que outros cometem, nunca eles, os salvadores.

Prometem terceirizar neles o sacrifício que cada brasileiro deve fazer para um país melhor e, assim, poupar a população de qualquer esforço. Basta depositar neles as esperanças.

Salvadores da Pátria, em geral, são decepcionantes porque não salvam como prometiam, e muitas vezes tornam o problema ainda maior do que já era.

Verdadeiros líderes, capazes de levar seus seguidores a estágios superiores não posam de salvadores nem prometem o que não podem. Não anunciam soluções tiradas da cartola. Ao contrário. Líderes anunciam que as melhorias não podem dispensar o sacrifício de cada um. Dessa forma, compartilham com todos o ônus da dificuldade e o mérito da conquista.

Nelson Mandela que liderou a busca da liberdade de seu povo atrelado a grotescas algemas de ódio racial e que depois comandou a união fraternal da África do Sul, de brancos e negros, pós-apartheid, evitando o derramamento de sangue, jamais prometeu o céu. Ao contrário, sempre se identificou como um simples ativista político e alertou seu povo que o caminho era longo e doloroso.

Salvadores da Pátria não existem, nem de camisolão como Antônio Conselheiro, nem de toga.

Prof. Péricles

segunda-feira, 29 de julho de 2013

NENÚFAR


Nenúfar é uma flor belíssima que enfeita na Europa as áreas em que existem água ou espelhos d’água. São flores, de muitas pétalas de uma beleza extraordinária e única. Suas folhas crescem abaixo do nível da água, porém florescem acima somente.

Fascinantes, porém temidas. Para muitos Nenúfar é uma maldição e carrega consigo muitas culpas.

Isso porque nos tempos antigos dizia-se que a Nenúfar era uma destruidora do amor. Qualquer que fosse a força desse amor, não era páreo para o poder da Nenúfar. Segundo consta, essa pequena flor é capaz de envergonhar qualquer varão.

Toda sua fama é devido à sua propriedade anti-afrodisíaca, descoberta pelos egípcios (sempre eles), que, inclusive, a utilizavam a fim de auxiliar os sacerdotes em seus períodos de celibato. Aos soldados em isolamento e, principalmente, prescrita aos maridos que tivessem esposa em tratamento ginecológico ou obstétrico.

Em outras palavras, a nenúfar é uma flor linda e especial... mas brochante.

Talvez poucas coisas sejam mais brochantes aos povos dos países em desenvolvimento no mundo, do que a obstinação do imperialismo em manter seu poder opressor. É como um maridão egoísta que quer sempre mais e nega qualquer vontade à companheira.

A Guerra fria já passou. A ameaça nuclear arrefeceu. O inimigo soviético não existe mais. O “perigo vermelho” do comunismo internacional só existe nos livros de história, mas, os Estados Unidos seguem sua tática de dominar o mundo, ou de fazê-lo funcionar conforme seus interesses.

Atualmente o palco dos maiores investimentos em possível guerra encontra-se no Atlântico Sul.

Embora sejam antigas as estratégias nota-se uma interessante mudança de estratégia.

Antes o plano do Pentágono era criar trincheiras no terreno inimigo através da troca, de algum governo entreguista de ocasião, de dinheiro por Bases militares (Plano Colômbia, por exemplo). Aliás, foi assim que tudo começou no Vietnam e na Coréia.

Isso exigia um grande aparato militar e um posicionamento extensivo de suas forças como mostra de poder bélico de massa.

Atualmente, segundo publicação no portal “The Huffington Post”, os EUA evitam a construção de grandes instalações militares, preferindo as pequenas bases de operação. Essas pequenas bases são chamadas por eles de “flores de nenúfar”.

Talvez eles pretendam brochar os planos de desenvolvimento da América Latina, mas, com certeza, os motivos financeiros predominam.

Em 2015, um quarto do petróleo importado pelos EUA será proveniente de África, onde os norte-americanos enfrentam a forte concorrência da China.

Além disso, existem as imensas reservas no norte da América do Sul, mais precisamente da Venezuela, sem esquecer o manancial do produto mais valorizado do futuro próximo, a água, principalmente em terras brasileiras e o Aqüífero Guarani.

Devemos estar atentos, e abrir bem os olhos.

Nós, latino-americanos, de famosa libido e gosto pelo prazer, não podemos ser dominados pelas sobras do poder financeiro, pelas ameaças belicistas e muito menos pela brochice dos EUA e sua fome obsessiva de poder.

Prof. Péricles

sábado, 27 de julho de 2013

DEMOCRACIA, A HISTÓRIA DE UMA MENTIRA 02


Depois de longos séculos de predomínio do autoritarismo da Igreja feudal, o mundo assistiu o nascimento do capitalismo, e junto com ele, o retorno da idéia de democracia.

Na infância do capitalismo, o rei representa a unificação nacional e seu poder é tão centralizado que chega a recriar a idéia de uma ligação direta entre o Rei e Deus. A expressão da vontade do Rei torna-se Lei.

Se no início o Rei absolutista interessou a burguesias, em pouco tempo ter a economia direcionada por ele passou a incomodar os homens de negócios.

No final do século XVII e por todo o século XVIII surgiram pensadores, filósofos e políticos que questionam o regime e defendem a criação de uma espécie de democracia burguesa. Tais pensadores e suas idéias são compõem o Iluminismo.

As obras iluministas que fizeram as cabeças do século XVIII, com autores como Voltaire, Montesquieu e Rosseau, entre outros, defendem sim, a liberdade. Mas a liberdade que preconizam é muito mais a liberdade de mercado do que a liberdade individual.

Dois acontecimentos inspirados do Iluminismo se tornaram símbolos da busca da democracia: a Independência dos Estados Unidos, proclamada em 1776 e a Revolução Francesa de 1789 a 1799.

A Declaração de independência dos Estados Unidos, assinada em 04 de julho de 1776 de autoria de Thomas Jefferson, é um verdadeiro poema pela liberdade.

Em um de seus trechos nos diz: “Consideramos estas verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais contam a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

Desde então, os Estados Unidos será classificado como o país da liberdade. A democracia ideal.
Hipocritamente, porém, apesar de tantas palavras bonitas essa nação manteve a fétida e injusta escravidão. Como aceitar a convivência da democracia com a escravidão?

A Revolução Francesa explodiu após um inverno extremamente rigoroso que tornou, posteriormente, a fome, uma triste realidade no país. Enquanto esse país tinha uma nobreza xiquérrima possuía um dos pobres mais pobres da Europa.

Os eventos da Revolução Francesa ocorreram a partir das disputas pelo poder de duas vertentes burguesas: uma agrupada em torno dos mais ricos e que temia qualquer concessão ao povo, chamada de Girondinos e outra que continha membros de uma burguesia menos endinheirada e de pessoas mais radicais, os Jacobinos.

O povo pobre, a imensa maioria da população, foi bucha de canhão, número, massa. Foi grito e participação, mas do poder não teve a menor parcela. Ao final de 10 anos de conflitos a burguesia estava assentada no poder, que era, afinal, o seu objetivo, e a maioria do povo no mesmo lugar que ocupava antes do início do movimento.

Mais uma vez a Democracia, o governo de todos, o respeito à maioria, haviam sido utilizada como lema e ideal, mas, não passaria disso.

Respeito à propriedade privada e a à livre-iniciativa do capital foram os valores expressos e equivocadamente entendidos como respeito à liberdade da pessoa.

A vida dos mais pobres continuaria a mesma e sua exclusão permaneceria sem alteração.

A democracia representada pela independência dos Estados Unidos e pela Revolução Francesa, não passaram de mentiras.

Prof. Péricles

quarta-feira, 24 de julho de 2013

DEMOCRACIA, A HISTÓRIA DE UMA MENTIRA 01


Teoricamente “democracia” seria o “governo do povo”, a administração dos interesses públicos tendo como base a vontade da maioria.

A democracia tomou forma a partir de 590 a.C com as reformas de Sólon, passando por aperfeiçoamentos com Clístenes e Psístrato, atingindo seu apogeu no século V a.C. no governo de Péricles, tudo isso em Atenas, cidade-estado grega.
Nesse século, também chamado de “O Século de Ouro da Democracia”, Péricles depois de derrotar os invasores persas numa coligação de forças gregas, propôs a criação da Liga de Delos que seria a união de recursos das polis gregas para enfrentar uma provável nova invasão dos Medos (como eles chamavam os persas).

Nem todas confiaram em deixar a chave do cofre a ele (Esparta criou sua própria Liga, a Liga do Peloponeso), mas uma boa parte de cidades-gregas não apenas concordou como também confiou a Péricles a administração de todas as suas economias para o caso de uma nova agressão.

A tal nova invasão dos Medos jamais aconteceria e Péricles, espertamente passou a desviar os recursos comuns em favor da sua Atenas. A cidade teve o porto duplicado e tornou-se um centro comercial agitadíssimo. Produtos de todas as partes, do Egito a Gália, da Fenícia e Mesopotâmia, passaram a circular por ali, aquecendo a economia do mediterrâneo. Péricles ainda utilizou esses recursos para construir o Partenon e fortificar a cidade.

Atenas se tornou centro financeiro e referência econômica em seu tempo. Até a sua moeda, o Dracma, tornou-se moeda única para todas as polis da Liga de Delos.

Por tudo isso, uma nova classe de ricos, uma nova Aristocracia, surgiu em Atenas e Péricles sabia que essa nova gente poderosa necessitaria ocupar espaço político, principalmente em relação à antiga e decadente aristocracia rural ateniense.
É nesse sentido que verdadeiramente encontramos os esforços de Péricles. No sentido de abrir espaço político para uma nova minoria. Nunca de levar a maioria, os pobres, a qualquer parcela do poder.

A instituição máxima da democracia de Atenas era a Eclésia, uma Assembléia onde todo cidadão podia ouvir os debates e votar nas decisões de sua preferência.

Importa lembrar que cidadão eram apenas homens (mulheres fora) maiores de 18 anos e filhos de pai e mãe ateniense (estrangeiro e descendentes excluídos). Importante lembrar ainda que, apesar de todo o discurso, Atenas mantinha escravos, que, claro, também eram excluídos do processo. Assim, só para se ter uma idéia, no ano de 431 a.C Atenas possuía uma população total de 430 mil habitantes sendo que, destes, apenas 60 mil eram reconhecidos como cidadãos.

Embora as votações na Eclésia (levantando o braço) representem uma forma de democracia direta, a exclusão da maioria a torna frágil. Mais frágil ainda se lembrarmos que outra instituição, a Bulé ou Boule, organizava a agenda do que era ou não discutido na Eclésia, e era firmemente dominada por Péricles.

Dessa forma, com uma cidadania restrita, uma agenda controlada por sua vontade, e discursos brilhantes que contagiavam os votantes, Péricles permitiu a ascensão dos novos ricos e a continuidade da exclusão da maioria, de forma pacífica e ainda dando a ilusão de ser a vontade de todos. Essa ilusão é a Democracia.

Péricles teve seu nome dignificado para a posteridade.

A democracia passaria a ser perseguida nos séculos seguintes e ainda hoje tem quem acredita. Porém, jamais deixou de ser uma forma de manter o poder dos ricos e alimentar a ilusão dos pobres.

Nunca foi muito mais do que uma mentira.

Prof. Péricles

domingo, 21 de julho de 2013

HIPÓCRATES E HIPÓCRITAS


Por Rodolpho Motta Lima

Creio que já era hora de atualizar os termos do juramento de Hipócrates, proferido pelos médicos nas solenidades de formatura. Tendo cumprido a sua missão em tempos idos, esse juramento, que pedia o testemunho dos deuses gregos, pode e deve enfeixar outras “cláusulas”, que não aquelas que compõem os seus termos tradicionais.

A presidenta Dilma comprou uma briga séria e relevante com a classe médica do país, ao editar a medida provisória que, se aprovada, fará com que, a partir de 2015, os estudantes que ingressem nos curso de Medicina tenham que trabalhar, depois dos 6 anos regulamentares do curso, mais dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS).

No mesmo conjunto de medidas voltadas para a área da saúde, a presidenta também pretende a contratação de médicos estrangeiros para cidades desprovidas de serviços adequados, depois de respeitada, nesse caso, a prioridade para os profissionais brasileiros.

Quanto mais nos aproximarmos da época das eleições, mais a política e os políticos, com sua feição maniqueísta, tenderão a analisar, segundo o viés eleitoral, qualquer proposta que venha do Governo. Isso vale para a oposição e também para os apoiadores. Qualquer medida sugerida por Dilma – candidata natural à reeleição - terá que enfrentar, portanto, os reacionários de plantão, os falsos defensores do povo, as raposas e urubus de sempre.

No caso dos médicos – que, no geral, compõem um segmento socialmente privilegiado - é conhecida a sua tendência ao corporativismo. Essa postura não é exclusiva da categoria e é claro que há figuras admiráveis na Medicina, profissionais de competência inquestionável, ética indiscutível e forte comprometimento social. Mas, no caso presente, não me parecem aceitáveis muitas posturas dos órgãos representativos da classe, de feição reacionária e egocêntrica, que, ás vezes, parecem esquecer que, mais que os seus interesses particulares, estão em jogo aspectos vinculados à saúde e à própria vida de vastos segmentos de cidadãos desassistidos pelo Brasil afora.

O modelo defendido pelo Governo para os futuros formandos de Medicina tem precedentes, por exemplo, na Inglaterra e na Suécia. E se é válido naqueles países, de desníveis sociais bem menos significativos, muito mais será no nosso, cuja população de baixa renda reclama por uma atenção minimamente digna. Os dois anos de trabalho junto ao SUS constituirão um oportuno reforço ao atendimento de que se necessita e, mais do que isso, permitirão aos novos médicos um contato direto com os problemas do segmento mais sofrido do povo. Um povo que, aliás, com seu trabalho, também ajuda o Governo a patrocinar os nossos custosos cursos de medicina, de que grande número de estudantes desfruta gratuitamente, embora muitos pudessem até dispensar tal gratuidade... Penso que essa será uma forma de retribuírem ao país e aos seus cidadãos os esforços feitos para que possam se tornar médicos.

Por outro lado, é também dever do Governo tentar equilibrar essa espantosa situação em que, só no município do Rio de Janeiro, o número de médicos com consultórios em uma dezena de ruas da zona Sul é superior ao número de localidades que, em nossa terra, não possuem um único médico. O Brasil possui 700 cidades que não têm um médico sequer residindo no município. Como não pode, infelizmente, obrigar os profissionais a se deslocarem de suas zonas de conforto, Dilma acena com um salário razoável e dá prioridade aos brasileiros para ocupar essas lacunas. E, sabiamente, oferece a profissionais estrangeiros os lugares não preenchidos.

Argumentam as entidades médicas com a ausência de estrutura nesses locais que permitam ao médico fazer um bom trabalho. E, com relação aos estrangeiros, questionam a sua capacidade e querem submetê-los ao “Revalida”, um teste no qual, segundo dizem alguns, muitos médicos brasileiros não passariam...

Tudo isso vale ser discutido, mas sem hipocrisia. Se uma comunidade não tem sequer um médico, é melhor que tenha pelo menos um... E que, com ele, venham também os suportes, que, aliás, o Governo admite suprir com o programa proposto. O que não se pode é conviver com a precariedade atual, questionada nas ruas do país. Outra alegação hipócrita tem a ver com a capacidade dos médicos estrangeiros, particularmente os cubanos, na alça de mira da turma da direita.

Enquanto no Brasil a relação entre médicos e 1000 habitantes é de 1,83, em Cuba ela chega a 6,72. Com todas as dificuldades estruturais, a medicina cubana dá conta do recado na ilha e é, realmente, referência planetária em algumas especialidades. Entre as razões que justificam o sucesso cubano nesse aspecto está, seguramente, a filosofia que privilegia a medicina preventiva, que faz com que as famílias sejam permanentemente visitadas e assistidas por profissionais integrados àquela comunidade. Um jeito humanizado de reduzir custos com a saúde.

Dilma e seu governo têm falhas, é certo. Mas, quando se trata do combate às desigualdades, penso que sua determinação é admirável. No caso das sugestões para a saúde, é de se lamentar que alguns hipócritas não queiram aceitar a releitura de Hipócrates, imposição dos tempos presentes.


Rodolpho Motta Lima*/Pátria Latina/Brasil

*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil