segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A AMEAÇA QUE VEM DO ALTAR


Em meados da década de 80, após a grande crise que pôs fim ao Império soviético, a grande onda geopolítica foi o neoliberalismo. Como fogo em mata seca parecia incontido e predominou no mundo inteiro. No Brasil, Fernando Color de Melo representava o “novo”, ou seja, o projeto neoliberal.

Na década seguinte, após a derrocada do neoliberalismo que, além de não trazer a prosperidade prometida ainda jogou a maior parte da população do planeta à uma situação de desespero, tivemos a “onda rosa”. Governos com uma visão mais à esquerda, ou, pelo menos, de uma visão econômica que defendia uma maior participação do estado na economia e na solução dos graves problemas sociais.

Essa onda que nunca deixou de ser rosa para ser vermelha, não radicalizou as ações para diminuir as distâncias entre os mais ricos e os imensamente mais pobres e também se desfez na areia.

Nos anos dois mil, governos de matizes mais populares e progressistas tornaram-se os principais protagonistas de uma nova geopolítica que colocou a direita nas cordas, principalmente após a crise política do império norte-americano que para se justificar passou por cima da ONU e atacou o Oriente Médio, e a crise econômica que começaria no setor imobiliário dos Estados Unidos.

Na América do Sul a chegada de Lula ao poder, a revolução bolivariana de Hugo Chaves na Venezuela e governos mais à esquerda na Argentina, Peru, Uruguai e Equador, são desse período.

O momento atual é de um retorno das ideias mais conservadores e o ressurgimento do neoliberalismo com novas cores.

Em alguns lugares esse retorno ocorreu graças as urnas, como a vitória dos Conservadores que derrotaram os Trabalhistas na Inglaterra. Em outros países onde as medidas sociais dos governos progressistas impediram a volta da direita por via eleitoral a própria democracia anda ameaçada.

Mas, as ameaças à democracia chegam com novidades, não de origem, mas, em protagonismos.

É o caso do Brasil do impeachment mais trapalhão e inusitado da história, da presidenta Dilma Rousseff, sem nenhum cometimento de ilícito, delineando um tipo de golpe jurídico-midiático-parlamentar até então desconhecido por nós.

Nesse contexto também se destaca a participação direta das Igrejas pentecostais e neopentecostais nas disputas político-eleitorais.

Crescendo de forma extraordinária o número de fiéis nesses cultos, muitos deles importados dos Estados Unidos e seus pastores eletrônicos, e valorizando a influência de seus líderes, bispos e pastores com seus discursos persuasivos, essas entidades desceram do púlpito para atuar diretamente na política nacional.

Em sua maioria esmagadora o pensamento defendido por esses novos agentes políticos é o velho discurso moralista e reacionário, com pitadas preocupantes de exclusão, sendo perceptível a forte tendência anticomunista, como uma autêntica volta ao passado.

Sua atuação se dá exatamente nos setores mais fragilizados e distantes do conhecimento formal, onde a mistura fé/política deixa de ser questionada e passa batida.

Dessa forma, vivemos dias loucos em que, qualquer um que não esteja comprometido com o pensamento fanatizado custa a acreditar no que vê, ouve e lê.

Com a cara mais deslavada do mundo um pastor de renome nacional aparece em vídeo orientando os fiéis que, ao descobrirem ilícitos praticados por seus pastores, não interfiram nem protestem e apenas mudem de pastor.

Outros, sem nenhum constrangimento utilizam apelos fortemente homofóbicos e incentivam atitudes de intolerância de seus fiéis, criando organismos claramente fascistas como uma tal “brigada do altar”.

E, em meio a tudo isso, o chamamento direitista radical e práticas de verdadeiros estelionatos morais e religiosos.

Exigem direito de expressão mas negam o mesmo direito aos seus fiéis e opositores.

Exigem o fim da corrupção, mas, alguns de seus líderes a praticam com uma desenvoltura assustadora.

A democracia brasileira está sim ameaçada, não apenas na forma, mas em seu conteúdo, em seus pilares, como o laicismo, garantido desde a primeira Constituição Republicana, em 1891.

Quem já contava com uma bancada no Legislativo agora elege seus representantes para cargos executivos, como é o caso da prefeitura do Rio de Janeiro, uma das mais importantes cidades brasileiras.

O Brasil marcha, cada vez mais, para a formação de uma espécie de “bolsão fundamentalista” que ameaça crescer e criar um abismo entre os que praticam esses cultos e os não praticantes.

Torna-se claro que não se trata de atos pontuais, mas de um novo ator político, cada vez mais definidor da realidade nacional e constituinte de uma nova era política.

Sem pessimismos, a história já mostrou onde isso vai parar, se não for enfrentado e detido, e não é nada bom para o país e para a imensa maioria das pessoas.





Prof. Péricles



sábado, 29 de outubro de 2016

A CIDADE E O VOTO


Prédios possuem personalidade própria. Observe bem e verá.

Os mais antigos estão carregados com aquela sabedoria dos anos que só quem os vive pode ter.

Já, os prédios mais jovens, adolescentes, com suas arquiteturas moderninhas, são belos, mas as vezes, muito esquisitos.

Árvores são divertidas.

Costumam rir dos homens sem que ninguém perceba e as vezes quando seus galhos se aproximam trocam confidências como grandes fofoqueiras, que não deixam de ser. Falam das últimas ventanias que levantaram as copas daquelas arvorezinhas mais jovens e distraídas.

Igrejas são arrogantes.

Não que eu implique com elas, nada disso, mas elas têm aquela coisa típica de quem se acha dono da verdade.

Todas elas.

Algumas ruas são mais divertidas do que as outras.

As lombas por exemplo, parecem sempre cansadas e por fazerem esforço a tanto tempo ficaram corcundas.

As avenidas são elegantes, mas se acham muito... prefiro as ruas mais calmas, especialmente as alamedas que falam com a gente. Você já ouviu, não é?

Tem lugares, entretanto, que a personalidade predomina sobre a paisagem.

Poucos lugares em Porto Alegre são mais frios e sisudos dos que os prédios da PUC.

Todos eles com jeito aristocrático e mesmo querendo ser populares a gente sabe que seus corações são de nobre linhagem.

A Redenção, nosso Parque no coração da cidade, já foi mais alegre.

Hoje, depois de assistir tantas violências e tantas vidas sendo queimadas ouvirando pó, ficou mais triste, mais sóbrio e mais velho.

O Arroio Dilúvio, antes imponente porta de entrada, hoje se queda completamente esquecido e abandonado. Ele até já pensou em participar de grupos de autoajuda, mas, parece que sua decadência é inevitável.

Não é culpa sua ser tão poluído, mas se sente desprezado e esquecido, logo ele que já viu até rebelde farroupilha se esgueirando entre suas sombras.

Com o tempo Porto Alegre se espreguiçou e algumas coisas saíram do lugar.

Alguns bairros nobres viraram bairros mais simples e alguns bairros simples viraram periferia.

A avenida independência uma baronesa agora se assusta com sua própria vulgaridade.

E tem os viadutos e seus grandes olhos que miram a todos e a tudo o tempo todo.

O Obirici, tão jovem, já traz nas costas quantidades inimagináveis de toneladas. Parece que ninguém se preocupa em lhe dar bom dia e em saber como vai sua saúde e suas vigas...

E o da Borges de Medeiros, um senhor quase caduco continua altivo, com a rua que lhe passa ao alto e o povo que o tempo todo lhe passa abaixo.

As cidades têm vida própria. E devemos respeita-las.

Talvez por isso, nos filmes de ficção de fim de mundo, o que mais nos assuste seja que elas não mais existam.

Fazemos amizade, trocamos confidências e todos nós temos um pedacinho de nossa cidade que gostamos de pensar que é só nosso.

Assim a eleição para prefeito é um momento especial para cada um.

Devemos pensar bem nosso voto e votar consciente naquele que se propõe a ser seu prefeito não por mero interesse carrerista, mas por amar verdadeiramente a cidade.

Vote bem e vote consciente e lembre-se que as vezes, o voto em branco pode ser uma declaração de amor.

Como tudo aquilo que amamos, não podemos entregar, nas mãos de qualquer um. 

Somos seres urbanos e com nossa cidade devemos agir com urbanidade e coerência.




Prof. Péricles



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

CUIDADO COM AS CONVICÇÕES


Por Mauro Santayana


Os países, como as pessoas, precisam tomar cuidado com as suas convicções.

Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.

Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, a convicção acima da razão.

Foi por ter a forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais, eram espécimes de diferentes raças sub-humanas, que os nazistas fizeram coisas extremamente "razoáveis", como guardar centenas, milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisoneiros em vidros de formol, esquartejar pessoas para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório, ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajours, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg.

De tanta mentira, distorção, hipocrisia, servidas - ou melhor, impostas, cotidianamente - à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado, paulatinamente, em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, que são absorvidos e disseminados como as mais sagradas verdades, e adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar, minimamente, sua veracidade ou sustentação.

Muitíssimas pessoas, no Brasil de hoje, têm convicção de que o PT quebrou o país.

Assim como têm convicção de que o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso foi um tremendo sucesso do ponto de vista econômico, certo?

Errado.

Os números oficiais do Banco Mundial provam que o PIB e a Renda per Capita em dólares recuaram no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco (de 534 para 504 bilhões e de 3.426 para 2.810 dólares), e aumentaram mais de 300% no governo do PT, de 504 bilhões para 2.4 trilhões de dólares, e de 2.810 para 11.208 dólares, entre 2002 e 2014; com o salário mínimo subindo também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período, de 88 para 308 dólares no ano passado, com um dólar nominal mais ou menos equivalente, que chegou a 4,00 reais tanto em 2002 como em 2015.

A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo.

A maioria das pessoas - incluídos ministros do atual governo, que exageram os problemas, para vender a sua "competência" e seus projetos, muitos deles ligados, direta e indiretamente à iniciativa privada - têm convicção que o Brasil está endividado até o pescoço, certo?

Errado.

Nona economia do mundo em 2016 - éramos a décima-quarta em 2002 - o Brasil ocupa, apenas, o quadragésimo lugar entre os países mais endividados do planeta.

Temos uma Dívida Pública Bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a que tinhamos em 2002 (80%).

Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção, no Brasil de hoje, de que o PT é um partido que é contra as Forças Armadas, bolivariano e comunista, certo?

Errado.

O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro, e apoiou - a ponto de estar sendo execrado por isso - as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro - expandindo para elas o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando a indústria automobilística, triplicando a produção e as vendas de caminhões, automóveis e equipamentos agrícolas, com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio injetando bilhões de reais no Plano Safra, duplicando, praticamente, a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.

E, na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando e bancando, por meio da adoção da Estratégia Nacional de Defesa, o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira.

Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos, como é o caso do programa de construção de 36 caças-bombardeios com a Suécia.

Ou o do submarino atômico - além de outros quatro, convencionais - como se está fazendo em Itaguaí, no Rio de Janeiro, com parceria francesa.

Ou o da construção de mais de mil blindados multipropósito Guarani, em um único contrato, com a IVECO, com design e projeto de engenheiros do Exército Brasileiro.

Ou o do maior avião já construído no Brasil, o KC-390 da EMBRAER, produzido para substituir os Hércules C-130 norte-americanos, capaz de realizar missões também múltiplas, como o transporte de paraquedistas e blindados e o reabastecimento de outras aeronaves em vôo.

Para não falar da família de radares SABER, dos novos mísseis da AVIBRAS, do programa Astros 2020, da nova família de rifles de assalto IA-2 da IMBEL, capaz de disparar 600 tiros por minuto, e de outros projetos como o do míssil ar-ar A-Darter desenvolvido por uma subsidiária da Odebrecht, com a Denel, sul-africana.

Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, que o PT é o partido mais corrupto do Brasil, certo?

Errado.

Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em 2012 - que, estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso - o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM.

Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só 6 nomes são do PT, e do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 20 são do Partido dos Trabalhadores.

Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção, no Brasil de hoje, só existe na proporção que ocorre, porque pertence e serve, como bandeira, desde o início - na tradição golpista da UDN - à direita e à extrema direita em nosso país.

É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado, por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que tem "convicção" de que o ex-presidente Lula é o Chefe Supremo, o "Capo di tutti capi" da corrupção nacional, neste Brasil "casto" e "ilibado", nunca dantes atingido - como diziam no Caso do "Mensalão", estão lembrados? - por semelhante tsunami antiético.

Ora, nos poupem.

Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores ou o Sr Luís Inácio Lula da Silva, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo - respeitada sua condição de réu primário - na mesma proporção de seus erros.

O que nos indigna e nos tira do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a caradurice, a hipocrisia institucionalizada, com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual "surto" de "convicções" brasileiro.

Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações que vão ridicularizar, pelo exagero, ausência de lógica, de proporcionalidade, razoabilidade e verossimilhança - como já mostram as matérias e editoriais dos jornais estrangeiros - o Ministério Público e o Judiciário brasileiros junto à opinião pública internacional.

Correndo o risco, seus "convictos" acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em uma espécie de símbolo, ou de herói, se for impedido de concorrer à presidência da República.

Ou em um mártir - caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão - para boa parte do planeta.



terça-feira, 25 de outubro de 2016

E DEPOIS DO PT?


Por Maria Inês Nassif


A conspiração que resultou na deposição de uma presidenta da República, Dilma Rousseff, teve efeitos colaterais que atingiram de morte o sistema partidário brasileiro – e, junto, o poder que mais o representa, o Legislativo.


O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.


A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia.


Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.


Incrustrados no aparelho de Estado e garantidos pelo direito à inamovibilidade, os integrantes das corporações envolvidas no golpe de Estado acumulam um considerável entulho institucional nas sucessivas decisões tomadas pelo STF, que relativizam os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros e corroboram violências do Ministério Público contra a Carta e a pessoa humana. Com isso, tratam de “legitimar” uma perseguição contra uma única força política e um golpe de estado que tornou-se parte dessa ofensiva. A partir disso, ações judiciais “excepcionais” se alastraram por todo o país.


É uma generalização da força bruta.


A Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade.


Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.


Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa. As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.


O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle.


Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?


O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima.


Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade.


A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?


A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam.


A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, dependerá da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.

domingo, 23 de outubro de 2016

PORQUE QUEREM ME CONDENAR


Por Luiz Inácio Lula da Silva


Em mais de 40 anos de atuação pública, minha vida pessoal foi permanentemente vasculhada -pelos órgãos de segurança, pelos adversários políticos, pela imprensa. Por lutar pela liberdade de organização dos trabalhadores, cheguei a ser preso, condenado como subversivo pela infame Lei de Segurança Nacional da ditadura. Mas jamais encontraram um ato desonesto de minha parte.

Sei o que fiz antes, durante e depois de ter sido presidente. Nunca fiz nada ilegal, nada que pudesse manchar a minha história.

Governei o Brasil com seriedade e dedicação, porque sabia que um trabalhador não podia falhar na Presidência. As falsas acusações que me lançaram não visavam exatamente a minha pessoa, mas o projeto político que sempre representei: de um Brasil mais justo, com oportunidades para todos.

Às vésperas de completar 71 anos, vejo meu nome no centro de uma verdadeira caçada judicial. Devassaram minhas contas pessoais, as de minha esposa e de meus filhos; grampearam meus telefonemas e divulgaram o conteúdo; invadiram minha casa e conduziram-me à força para depor, sem motivo razoável e sem base legal. Estão à procura de um crime, para me acusar, mas não encontraram e nem vão encontrar.

Desde que essa caçada começou, na campanha presidencial de 2014, percorro os caminhos da Justiça sem abrir mão de minha agenda. Continuo viajando pelo país, ao encontro dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, para debater e defender o projeto de transformação do Brasil. Não parei para me lamentar e nem desisti da luta por igualdade e justiça social.

Nestes encontros renovo minha fé no povo brasileiro e no futuro do país. Constato que está viva na memória de nossa gente cada conquista alcançada nos governos do PT: o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, o novo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Programa de Aquisição de Alimentos, a valorização dos salários -em conjunto, proporcionaram a maior ascensão social de todos os tempos.

Nossa gente não esquecerá dos milhões de jovens pobres e negros que tiveram acesso ao ensino superior. Vai resistir aos retrocessos porque o Brasil quer mais, e não menos direitos.

Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política. Basta observar a reta final das eleições municipais para constatar a caçada ao PT: a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentada, e a prisão de dois ex-ministros de meu governo foram episódios espetaculosos que certamente interferiram no resultado do pleito.

Jamais pratiquei, autorizei ou me beneficiei de atos ilícitos na Petrobras ou em qualquer outro setor do governo. Desde a campanha eleitoral de 2014, trabalha-se a narrativa de ser o PT não mais partido, mas uma "organização criminosa", e eu o chefe dessa organização. Essa ideia foi martelada sem descanso por manchetes, capas de revista, rádio e televisão. Precisa ser provada à força, já que "não há fatos, mas convicções".

Não descarto que meus acusadores acreditem nessa tese maliciosa, talvez julgando os demais por seu próprio código moral. Mas salta aos olhos até mesmo a desproporção entre os bilionários desvios investigados e o que apontam como suposto butim do "chefe", evidenciando a falácia do enredo.

Percebo, também, uma perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao funcionamento do governo e das instituições. Cheguei a essa conclusão nos depoimentos que prestei a delegados e promotores que não sabiam como funciona um governo de coalizão, como tramita uma medida provisória, como se procede numa licitação, como se dá a análise e aprovação, colegiada e técnica, de financiamentos em um banco público, como o BNDES.

De resto, nesses depoimentos, nada se perguntou de objetivo sobre as hipóteses da acusação. Tenho mesmo a impressão de que não passaram de ritos burocráticos vazios, para cumprir etapas e atender às formalidades do processo. Definitivamente, não serviram ao exercício concreto do direito de defesa.

Passados dois anos de operações, sempre vazadas com estardalhaço, não conseguiram encontrar nada capaz de vincular meu nome aos desvios investigados. Nenhum centavo não declarado em minhas contas, nenhuma empresa de fachada, nenhuma conta secreta.

Há 20 anos moro no mesmo apartamento em São Bernardo. Entre as dezenas de réus delatores, nenhum disse que tratou de algo ilegal ou desonesto comigo, a despeito da insistência dos agentes públicos para que o façam, até mesmo como condição para obter benefícios.

A leviandade, a desproporção e a falta de base legal das denúncias surpreendem e causam indignação, bem como a sofreguidão com que são processadas em juízo. Não mais se importam com fatos, provas, normas do processo. Denunciam e processam por mera convicção -é grave que as instâncias superiores e os órgãos de controle funcional não tomem providências contra os abusos.

Acusam-me, por exemplo, de ter ganho ilicitamente um apartamento que nunca me pertenceu -e não pertenceu pela simples razão de que não quis comprá-lo quando me foi oferecida a oportunidade, nem mesmo depois das reformas que, obviamente, seriam acrescentadas ao preço. Como é impossível demonstrar que a propriedade seria minha, pois nunca foi, acusam-me então de ocultá-la, num enredo surreal.

Acusam-me de corrupção por ter proferido palestras para empresas investigadas na Operação Lava Jato. Como posso ser acusado de corrupção, se não sou mais agente público desde 2011, quando comecei a dar palestras? E que relação pode haver entre os desvios da Petrobras e as apresentações, todas documentadas, que fiz para 42 empresas e organizações de diversos setores, não apenas as cinco investigadas, cobrando preço fixo e recolhendo impostos?

Meus acusadores sabem que não roubei, não fui corrompido nem tentei obstruir a Justiça, mas não podem admitir. Não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia. Tornaram-se prisioneiros das mentiras que criaram, na maioria das vezes a partir de reportagens facciosas e mal apuradas. Estão condenados a condenar e devem avaliar que, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública.

Tento compreender esta caçada como parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta. Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros. Na tentativa de destruir uma corrente de pensamento, estão destruindo os fundamentos da democracia no Brasil.

É necessário frisar que nós, do PT, sempre apoiamos a investigação, o julgamento e a punição de quem desvia dinheiro do povo. Não é uma afirmação retórica: nós combatemos a corrupção na prática.

Ninguém atuou tanto para criar mecanismos de transparência e controle de verbas públicas, para fortalecer a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público, para aprovar no Congresso leis mais eficazes contra a corrupção e o crime organizado. Isso é reconhecido até mesmo pelos procuradores que nos acusam.

Tenho a consciência tranquila e o reconhecimento do povo. Confio que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história.

O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito.

É a sombra do estado de exceção que vem se erguendo sobre o país.



LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA foi presidente do Brasil (2003-2010). É presidente de honra do PT (Partido dos Trabalhadores)

sábado, 22 de outubro de 2016

O QUE IMPORTA É O QUE SOBRA


O que importa, o que vale a pena mesmo, não é o que se tem, mas o que sobra.

Velhas certezas e convicções não valem mais do que uma dúvida recente.

Toneladas de preconceitos e intolerâncias são insignificantes diante de um simples abraço fraterno que, mesmo sem uma única palavra, diz mais do que todos os manuais de sobrevivência.

Não somos livres como pensamos, nem inteligentes como gostaríamos.

Não somos diferentes como acreditamos nem especiais como nos fizeram crer os velhos livros.

Somos um depósito de sedimentos culturais que não são realmente nossos, não foram escolhas nossas, mas que são ensinados como verdades absolutas desde que nascemos.

Temos mais medos do que assumimos. Mais rancores do que gostaríamos. Mais carências do que aceitamos ter.

Por isso, diante de tantas obras construídas por outras mentes e mantidas acima de nosso querer o que importa, o que vale mesmo, é o que sobra de tudo isso.

Pois o que sobra é o que realmente é nosso.

Somos mais negros do que qualquer racista possa aceitar. Mais índios do que poderíamos imaginar. Somos marginais e excluídos, vencedores e vencidos.

Somos herdeiros de chacinas e holocaustos e se não estávamos lá, algo de nós estava e por isso, não podemos ver na história humana fatos alheios à nossa vontade.

Pacifistas de almanaque, transgredimos apenas o que nossos medos nos permitem transgredir e odiamos aqueles que se arriscam no espaço entre abismos que não ousamos experimentar.

Talvez por isso a classe média conservadora tanto odeie as políticas sociais que avancem em direção a diminuição das desigualdades.

Para os membros reacionários da classe média é apenas a desigualdade para baixo que permite alguma sensação de superioridade.

É essa desigualdade que justifica sua rotina de aceitação à dominação como algo normal e torna a ousadia de sonhar subversivo à sua ordem.

Pensar que tem quem esteja pior reconforta essa gente e quando alguém vindo lá debaixo ousa fazer aquilo que ela mesma jamais ousou, acaba odiando profundamente esse alguém, não pelo que ele é mas pelo que desejaria ser mas nunca teve coragem de tentar.

Chamar os que lutaram contra a ditadura de terroristas é o único alento à sua própria covardia.

Os escravos capatazes, aqueles que recebiam o privilégio de não participar das atividades mais duras em troca do trabalho de vigiar seus próprios irmãos, odiavam profundamente os Zumbis dos Palmares porque eles tinham a dignidade que eles mesmos jamais poderiam ter.

O que importa quando se apaga a televisão depois de toda a manipulação é o que sobra de você nisso tudo, o que você realmente pensa, do que é capaz de provocar indignação genuinamente sua e não a estereotipada pelos âncoras e suas caras e bocas.

O que importa realmente é o que sobra de nós depois de cada tragédia alheia e do verdadeiro estupro a que a nossa democracia está submetida.

Como nos alerta o Dalai Lama, o que pensamos nos faz agir de certa forma, esse agir se torna hábito e a soma de nossos hábitos determinam nosso caráter.

Ou ainda como dizia Friedrich Nietzsche: é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.

Por isso, o que sobra e o que realmente interessa, é o que pensamos de nós mesmos e de nossos sonhos.

O que fazemos diante da violência crescente e como reagimos à perseguição contra às forças progressistas diante do fascismo crescente é o que, um dia, poderemos dizer aos nossos filhos e netos sem corar de vergonha.




Prof. Péricles

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

VAI ACABAR NA FOGUEIRA


Um texto do professor Rogério Cezar Leite irritou profundamente o juiz Sergio Moro, a ponto deste escrever para a redação da Folha de São Paulo questionado a publicação do artigo. No texto, Rogério Cezar compara o magistrado ao frade florentino Girolamo Savonarola.

Savonarola, contemporâneo de Leonardo da Vinci, foi um precursor dos movimentos reformistas. No final do século XV tornou-se mito em Florença, capital do Renascimento.

Atacava qualquer tipo de prazer, condenava a riqueza, o sexo (principalmente a variedade homossexual), a perda de tempo. Criou a "fogueira das vaidades" onde queimava publicamente tudo o que lembrasse o que ele considerava coisas mundanas inúteis como bebida, música, livros. Conseguiu até expulsar os poderosos Médices de Florença.

Caiu em desgraça ao sofrer a oposição do Papa Alexandre VI, preocupado com os ataques da Savonarola à riqueza da Igreja. Foi preso, torturado e morto por enforcamento enquanto queimava na fogueira, em 1498, aos 45 anos de idade.

Hoje, em Florença, é possível visitar seu quarto original no convento de São Marcos, conhecer sua cadeira preferida e seus hábitos, além de algumas estátuas espalhadas pela cidade.

Por que será que o juiz de Curitiba se irritou tanto com a comparação?

Leia o texto abaixo e tire suas conclusões.





O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval.

É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida.

Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".

Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto.

Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.

Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savonarola foi queimado.

Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.



ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

FAZ DE CONTA QUE ESTÁ TUDO BEM


Provavelmente uma das características mais brasileiras do jeito de viver e de fazer política seja o “faz de conta que está tudo bem para não ficar pior”.

Essa ideia de que, para evitar barraco e maior confusão o melhor mesmo é “deixar assim”.

Com o tempo o “deixa assim” e o “faz de conta” acabam criando uma espécie de realidade paralela que longe de ajudar, prejudica o país e as pessoas na escolha de seus caminhos.

Foi o que aconteceu com o Atentado da Rua Toneleros, supostamente contra à vida do jornalista e político Carlos Lacerda que resultou na morte de um militar amigo que estava com ele ao chegar em casa na Rua Toneleros.

Os militares e os udenistas usaram o “atentado” para destituir Getúlio (que se suicidou antes) mesmo com o caso apresentando várias incongruências, como, o calibre da bala que atingiu Lacerda ser diferente do calibre do revólver do atirador.

Para não ficar pior “faz de conta” que está tudo bem e segue o baile, que, como vimos, acabaria em tragédia pessoal de Vargas e para o país.

A mesma coisa ocorreu no fim da Ditadura Militar.

A Ditadura foi responsável pela prisão e tortura de muitos brasileiros. Muitas morreram no cárcere sob a custódia do Estado, outros desapareceram para sempre.

Ao final do período tenebroso o normal é que se fizesse justiça aos perseguidos. Não uma infrutífera perseguição aos perseguidores, mas uma necessária ação para promover a verdade dos fatos e condenações aos culpados vivos e mortos.

No mínimo um profundo olhar no espelho e um mea culpa.

Mas, no Brasil do “faz de conta” mais uma vez a opção foi passar uma borracha sobre os fatos alegando conceitos vagos como “revanchismos” ou “caça às bruxas” ou o detestável “quem morreu, morreu”.

Rever a história é a forma correta de cicatrizar as feridas abertas, aliviar as dores de quem teve entes queridos varridos pela violência do regime e estabelecer uma relação sincera com seu passado.

A Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 2528/2011 em 16 de maio de 2012 teve apenas dois anos de prazo para seus trabalhos e não pôde sugerir nenhum tipo de punição aos culpados em seu relatório final de dezembro de 2014.

Nenhum torturador foi punido. Nenhum ditador foi mencionado. Tudo terminou como se nada tivesse acontecido, a não ser para os lares que ainda choram a ausência de seus desaparecidos, pois nesses lares a ditadura ainda não terminou graças a insuficiência de objetivos e ações da tal Comissão.

Mas o governo achou melhor assim. Os militares acharam melhor assim. E ficou por assim mesmo.

São coisas como essas que permitem aos fascistas brasileiros acreditar que podem fazer o que quiserem pois jamais serão cobrados pelo que fazem.

A mesma impunidade que encoraja bandidos comuns, encoraja os bandidos políticos.

Tivessem os golpistas de ontem sido chamados por seus verdadeiros nomes talvez os golpistas de hoje pensassem melhor antes de derrubar uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos.

Mussolini foi fuzilado e seu corpo exposto pendurado de cabeça para baixo em praça pública.

Não precisaríamos disso. Preservando a civilidade e dando aos agressores as oportunidades de defesa que os mortos e desaparecidos não tiveram, bastaria a força da Lei.

Agora resta a comprovação de que, por trás do mesquinho golpe de agora, estão velhos vícios brasileiros, como esse, de fazer de conta que tudo está bem e deixa assim que é melhor.



Prof. Péricles





domingo, 16 de outubro de 2016

EPOPÉIA DE CHE - FINAL






Adaptado do bloglimpinhoecheiroso


Depois de muito andar para não serem capturados pela Guarda Rural de Batista, foram contabilizadas as perdas. Dos 82 homens que desembarcaram do Granma, apenas 17 sobreviveram. Nico Lopez havia morrido e Che teve ferimentos leves no peito e no pescoço.

Os rebeldes planejaram começar a revolução por Sierra Maestra, uma alta cadeia montanhosa de Cuba. A região era habitada por camponeses pobres e analfabetos, que lavravam pequenas roças para subsistência. As terras pertenciam a latifundiários, que pegavam uma parte de seus lucros.

Em 1956, era praticamente impossível que a tropa regular de Batista conseguisse chegar ao local, pois era um lugar selvagem e não havia caminhos pela mata. Os treinamentos no México seriam úteis para os revolucionários nessa hora.

Em janeiro de 1957, Fidel e seu exército, agora com 20 homens, decidiram realizar um ataque para mostrar que o Movimento 26 de Julho estava vivo e ativo. Atacaram um pequeno posto da Guarda Rural na foz do rio La Plata. Conseguem capturar algumas armas e munições.

Em fevereiro, Herbert Matthews, repórter do New York Times, foi à Sierra Maestra e fez uma longa entrevista com Fidel. Quando a reportagem saiu no jornal, o movimento ganhou notoriedade internacional, despertou simpatias e, principalmente, legitimidade. O governo de Fulgêncio Batista foi forçado a reconhecer que havia um exército rebelde em atividade dentro de Cuba.

Os revolucionários impressionavam as pessoas por seguirem um novo código de conduta bélica. As tropas regulares de Batista torturavam e executavam seus prisioneiros, além de cometer atrocidades contra civis. Já os rebeldes de Sierra Maestra tinham como norma liberar todos os soldados governamentais e jamais maltratar as pessoas da população local. Ao assumir princípios humanistas, os revolucionários conquistaram a confiança dos camponeses. Eles se mantinham firmes aos ensinamentos de José Martí, o herói nacional.

Ao longo de 1957, aumentava lentamente o número de rebeldes. Nesse mesmo ano, Fidel concede a Che a patente de comandante, posto que até então apenas ele próprio possuía, e o colocou na liderança da Segunda Coluna do Exército Rebelde.

Depois de quase um ano em Sierra Maestra, os revolucionários perceberam que a semente estava germinando. Em toda parte de Cuba, surgiam protestos contra o governo. As forças de Fidel, agora com cerca de 300 combatentes, estavam bem organizadas. Ele e Che montaram fábrica de munição, escolas, clínicas, cozinhas coletivas, oficinas de trabalho, um jornal e uma estação de rádio na região (a Rádio Rebelde). Os camponeses receberam terras e se sentiam livres das arbitrariedades cometidas pela Guarda Rural.

Em maio de 1958, o governo colocou 10 mil homens em Sierra Maestra, apoiados por tanques e aviões. A ofensiva durou quase três meses, porém o exército de Batista, desorganizado e não sabendo lutar nas montanhas, limitou-se a bombardear vilas e povoados, matando dezenas de civis.

Em agosto, Fidel e Raul marcharam com 200 homens para Santiago de Cuba, onde receberiam o reforço de outros 600 rebeldes para tentar ocupar a cidade. Enquanto isso, Che Guevara, com 148 homens, atravessava a província de Las Villas, em direção às montanhas Escambray e à cidade de Santa Clara. Camilo Cienfuegos comandava uma coluna de 82 homens, movendo-se paralelamente às forças de Che. O alvo dele era Havana.

Em dezembro, Guevara recebeu a missão de tomar toda a província de Las Villas, cortando a ilha em duas partes. Em questão de dias, com brilhantes manobras táticas, ele conquistou toda a província, exceto a capital, Santa Clara. Defendida por 2 mil soldados, a cidade contava com apoio aéreo. Guevara tinha apenas 200 homens. Os arredores de Santa Clara se renderam rapidamente com as tropas governamentais evitando o combate, mas o controle do centro da cidade custou três dias de luta e convencimento dos soldados governistas. Com a tomada de Santa Clara em 31 de dezembro de 1958, não havia mais nenhum obstáculo entre os rebeldes e Havana.

Santiago de Cuba continuava cercada pelas forças de Fidel e Raul. Sabendo que seu exército estava aniquilado e nada mais poderia fazer, às 3 horas da madrugada do dia 1º de janeiro de 1959, o ditador, juntamente com alguns comparsas, fugiu de avião para a República Dominicana com medo de ser morto. Fulgêncio Batista já havia transferido para o exterior uma fortuna estima em US$ 800 milhões, amealhada em anos de saque do Tesouro Nacional.

De Santiago, Fidel irradiou um apelo ao povo de Havana, conclamando-o a evitar violência e manter-se vigilante pela justiça. Prometeu que as forças rebeldes adentrariam as cidades de Cuba para restabelecer a ordem e impedir a contra-revolução. “A ditadura desmoronou”, disse ele, “mas isso não significa que a revolução tenha triunfado. Revolução, sim! Golpe militar, não!”

Fidel pediu que Guevara e Cienfuegos seguissem para Havana. Em 2 de janeiro de 1959, eles entraram na cidade e assumiram o controle das instalações militares para evitar qualquer reação do Exército. No mesmo dia, Fidel começou sua lendária travessia de 800 quilômetros por toda extensão de Cuba, fazendo discursos e entusiasmando a multidão. Ele chegou em Havana em 8 de janeiro.

Depois de seu trabalho como médico e comandante das tropas rebeldes, Che foi proclamado “cidadão cubano de nascimento” e, no governo revolucionário, assumiu o posto principal do Banco Nacional de Cuba. Em seguida, foi para o Ministério da Indústria, onde desenvolveu uma política econômica voltada à diversificação da agricultura e à industrialização a fim de reduzir a dependência externa.

Guevara também foi embaixador cubano, tendo visitado vários países, inclusive o Brasil, em 1960, onde foi condecorado pelo presidente Jânio Quadros, ansioso para demonstrar que o País tinha uma política externa independente.

Che ficou no cargo até abril de 1965, quando saiu de Cuba para levar a Revolução para outros países. Além disso, tinha suas dúvidas quanto à excessiva aproximação cubana com os soviéticos, posição que deixou bem clara nos encontros nos quais participou na época.

Queria voltar a voar, não se prender a uma revolução. Já tinha dito a Fidel, antes de entrar para o exército rebelde cubano, que “vou retomar minha liberdade de revolucionário depois do triunfo da Revolução Cubana”.

Deixou Cuba e uma carta a Fidel, que dizia num trecho o seguinte: “Sinto que cumpri a parte de meu dever que me atava à Revolução Cubana em seu território e me despeço de ti, dos companheiros, de teu povo, que já é meu. Faço formal a renúncia de meus cargos na direção do partido, de meu posto de ministro, de meu posto de comandante, de minha condição de cubano. Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus modestos esforços... Até a vitória, sempre. Pátria ou Morte!”

Assim foi para o Congo, onde tentou organizar uma guerrilha, que acabou sendo frustrada. Retornou em segredo para Havana e dali partiu, em outubro de 1966, para as selvas bolivianas, levando alguns guerrilheiros cubanos para encontrar outros homens na Bolívia, de onde empreenderiam uma guerrilha similar à que saiu vitoriosa em Cuba.

Mesmo com cerca de 50 homens em território boliviano, as tropas de Che venceram algumas lutas contra os inimigos. Mas, isolados nas montanhas da Bolívia, Che Guevara e seus companheiros foram denunciados ao Exército boliviano.

Em 8 de outubro de 1967, eles foram encurralados num despinhadeiro e poucos escaparam. Che, ferido na perna, ficou preso na cidade de La Higuera.

Guevara foi interrogado por agentes da CIA e da inteligência boliviana. Em seguida, foi executado.

Segundo Ricardo Rojo, em seu livro “Meu amigo Che”, Guevara estava sentado no chão com as costas apoiadas na parede, respirando com dificuldade, quando o capitão Gary Prado, chefe da companhia dos Rangers que o capturou, disparou uma rajada de metralhadora de cima para baixo. O tiro de misericórdia foi dado pelo coronel Andrés Selnich, superior hierárquico de Prado, com uma pistola 9mm.

A bala atravessou-lhe o coração e o pulmão. Che estava morto.

A notícia se espalhou pelo mundo, mas, durante dias, houve uma discussão internacional sobre a veracidade da morte do guerrilheiro. Todas as especulações terminaram em 15 de outubro, quando Fidel Castro anunciou que realmente Guevara tinha sido capturado e executado na Bolívia.

Em seu discurso, profundamente emocionado, Fidel pronunciou o seguinte:

“Raramente pode-se dizer de um homem com maior justiça e com maior precisão o que vou falar sobre Che: ele foi um exemplo puro de virtudes revolucionárias; ele foi um ser humano extraordinário; um homem de extraordinária sensibilidade. Che era um homem de total integridade, um homem de supremo senso de honra, de absoluta sinceridade. Um homem de hábitos estóicos e espartanos, cuja conduta nenhuma mácula pode ser encontrada. Ele constituía, dentro de várias virtudes, o que podemos chamar de o verdadeiro modelo revolucionário”.

Os restos mortais de Guevara, depois de ficarem 30 anos enterrados num cemitério clandestino na Bolívia, foram identificados e exumados em julho de 1997. Atualmente, eles se encontram enterrados no Mausoléu Ernesto Che Guevara, na cidade de Santa Clara, em Cuba.

Mesmo se não levarmos em conta seus sucessos e frustrações durante toda sua vida, Ernesto Che Guevara, por si só, serviu como um símbolo da dedicação revolucionária, cujas ações foram sempre consistentes e em harmonia com seus ideais morais.

Ele morreu lutando por esses ideais, mas continua vivo nos corações de todos os povos solidários.


Texto adaptado.






sexta-feira, 14 de outubro de 2016

NOVAS TRAIÇÕES DE VELHOS TRAIDORES


O traidor mais famoso foi Judas.

Está no Novo Testamento, documentado e sacramentado para cristão nenhum esquecer.

Judas seria o traidor clássico, aquele que trai por dinheiro. Trinta dinheiros, ao que parece.

Porém, há controvérsias.

Alguns afirmam que Judas queria apenas dar um susto no seu mestre e posar, posteriormente de herói, assumindo espaços políticos no grupo que estavam ocupados por Pedro e Madalena. Algo como Temer na famosa carta, reclamando que não era lembrado pela Dilma.

Não sei. Fofocas...

Calabar é o tipo de traidor misterioso.

Lutava contra os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais que haviam invadido Pernambuco e de repente mudou de lado, aparentemente sem ganhar dinheiro com isso.

Seria Calabar o traidor ideológico, aquele capaz de trair companheiros me assumir a má fama, mas ser fiel a uma ideia que considerada superior?

Já Cabo Anselmo é a síntese do traidor sádico.

Desde o início da luta armada contra a ditadura militar se posicionou no campo da guerrilha urbana, ganhou simpatias e aliados e dali mandou para o calabouço, para a tortura e morte, centenas de companheiros, incluindo até a namorada grávida.

Joaquim Silvério dos Reis o traidor oportunista e interesseiro.

Enfim, temos muitas histórias de traidores e traições.

Já se disse que a política não é lugar para moralismos e o aliado de hoje pode ser o inimigo de amanhã e vice-versa.

Tudo bem, pode ser mesmo que as relações dinâmicas da política exijam muito mais sorrisos do que estômago, mas, vamos combinar que o apoio de Prestes a Getúlio pouco tempo depois do ditador entregar sua namorada grávida à Gestapo e à morte extrapolou o limite do compreensível.

E mesmo entre as relações complexas da política um mínimo de ética e de coerência deve ser exigido. A não ser que o poder seja considerado razão suficiente para se esquecer qualquer moralismo.

Maquiavel diria que assumir e/ou manter o poder é sim a razão única que move a ação política. Mas nós não somos maquiavélicos... ou somos?

Aliar-se com o PMDB para chegar ao poder é como fazer amizade com o crocodilo. Você jamais pode confiar e dorm,ir em paz.

Os governos do PT jamais poderão dizer que não esperavam uma bola nas costas do PMDB, simplesmente porque o PMDB é o partido da bola nas costas, do poder pelo poder e os antigos amigos que se danem.

É o partido traidor compulsivo. Aquele que exerce essa função independente de quem seja a vítima de sua traição.

Não é por dinheiro como a maioria pode pensar. Nem por ideologia. É simplesmente pelo poder.

Seria muito ingenuidade esperar outra coisa como se o despertar da ética pudesse ocorrer de uma hora para a outra.

Como dizia Freud, o poder é a máxima realização da cobiça humana.

O PMDB é assim, tanto que poderá, em breve, trair os próprios parceiros do golpe.

O presidente interino deve saber que esse golpe se deu através de um condomínio de interesses que incluem fortes divergências: PMDB, PSDB, mídia, capital externo, etc. etc. além de muitas vaidades pessoais.

Manter o poder inclui obrigatoriamente, criar condições para vencer as eleições de 2018 e aí o condomínio deverá rachar pois seus autores escolherão personagens diferentes.

Como manter a união dos condôminos se a ruptura está logo ali adiante?

Sim, aguarda-se novas traições de velhos traidores.

Traição é a mola mestra da política de um país sem tradição partidária, como o nosso.

Faz parte de nossa cultura.



Prof. Péricles

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

EPOPÉIA DE CHE - PARTE 1


Por Bloglimpinhoecheiroso


Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928, em Rosário, importante cidade industrial da Argentina, em uma família classe média alta. Seu pai, o arquiteto e engenheiro civil Ernesto Guevara Lynch, era um militante político, tendo participado de vários comitês e organizações de ajuda aos países democráticos. A mãe, Cella de la Serna, era igualmente ativista, tendo sido presa diversas vezes por sua militância política.

Aos 2 anos, Che Guevara sentiu os primeiros sintomas de asma que o atormentaria ao longo da vida. Para minimizar os efeitos da doença, a família foi para Alta Gracia, perto da Cordilheira dos Andes, à procura de um clima mais saudável. Mais tarde, Ernestito, como era chamado pelos parentes, começou a praticar esportes como natação, futebol, ciclismo e rugby.

Che foi dispensado do serviço militar argentino por incapacidade em virtude da asma.

Quando Guevara tinha 12 anos, sua família mudou-se para Córdoba, segunda maior cidade da Argentina, e foi viver próxima de uma favela. O menino brincava diariamente com as crianças pobres do lugar, uma atitude pouco comum para um filho de classe média alta. Nessa época, ele começou a pegar gosto pela leitura, pois seus pais tinham cerca de 3 mil livros em casa. Che tomou contato com a poesia, filosofia, história e arqueologia, dentre outros assuntos. Com isso, abriu novos horizontes e quis conhecer novos lugares.

A primeira viagem foi uma travessia do território argentino de bicicleta promovida por uma empresa local. Em cada cidade que parava, comprava vários livros e, desde essa época, começou a escrever um diário, hábito que manteve por toda a vida.

Em 1944, quando tinha 17 anos, a família Guevara transferiu-se para a capital Buenos Aires, centro cultural e político da Argentina. Ele havia decidido fazer Medicina, mas continuava atraído por viagens e aventuras. 

Em dezembro de 1949, ainda não tendo terminado o curso, começou uma longa viagem de motocicleta em direção ao Chile com seu amigo Alberto Granados. Nessa viagem, Guevara começa a ver a América Latina como uma única entidade econômica e cultural. Granados, recém-formado em Medicina, ficou na Venezuela trabalhando num sanatório para leprosos e Che voltou para a Argentina para completar seu curso.

Em março de 1953, ele se formou em Medicina com especialização em alergia, mas percebeu que ainda não estava preparado para se tornar um médico. 

Em um de seus diários, Che relatou: “Quando comecei meus estudos de Medicina, a maioria de meus ideais revolucionários ainda não existia. Como grande parte das pessoas, eu estava em busca de sucesso [...]. Mas, quando comecei a viajar por toda a América, entrei em contato com a pobreza, a fome e a doença [...]. Vi a degradação e a repressão. Então comecei a entender que havia outra coisa tão importante quanto ser famoso, que era ajudar essa gente.”

Em janeiro de 1954, chegou à Guatemala para mergulhar em um universo político conturbado. Foi lá que Guevara conheceu a peruana Hilda Gadea Acosta, com quem se casou mais tarde. Ela daria importante contribuição a sua formação política.

Na Guatemala, o exército invasor norte-americano operava a partir de Honduras, sob o comando da CIA – serviço secreto dos Estados Unidos – e com a aprovação do presidente Dwight Eisenhower. Guevara ficou impressionado com a facilidade com que um governo popular era esmagado. “A última democracia revolucionária da América Latina – a de Jacobo Arbens – caiu como resultado da fria e premeditada agressão conduzida pelos EUA [...]. Quando a invasão norte-americana começou, tentei juntar um grupo de jovens como eu para contra-atacar. Na Guatemala era necessário lutar e quase ninguém lutou. Era necessário resistir e quase ninguém resistiu”, escreveu Guevara.

As exortações de resistência feitas por Guevara foram suficientes para colocar seu nome na lista negra dos golpistas. Avisado pelo embaixador argentino de que sua vida e de sua esposa estavam em perigo, eles se refugiam na embaixada.

As experiências na Guatemala foram importantes para a construção de sua consciência política. Foi lá que Che se autodefine como revolucionário e se convenceu da necessidade da luta armada, de tomar a iniciativa contra o imperialismo.

Recusou a oferta de um salvo-conduto para voltar para a Argentina. Resolveu ir para o México, porque se tratava de um país mais hospitaleiro para os refugiados políticos. Chegando lá com um amigo guatemalteco, os dois viraram fotógrafos de rua para sobreviver. Depois de algum tempo, Guevara foi trabalhar no setor de alergia do Hospital Geral da Cidade do México, ao mesmo tempo que lecionava na Universidade Autônoma do México.

Em julho de 1955, Raul apresenta a Guevara seu irmão mais velho: Fidel Castro. Foi amizade à primeira vista.

Che escreveu como se deu o primeiro encontro: “Encontrei Fidel em uma dessas noites frias da Cidade do México. Lembro que nossa primeira discussão foi sobre política internacional. Algumas horas mais tarde, bem de madrugada, já tinha me decidido que participaria da expedição do Movimento 26 de Julho, que em breve pretendia iniciar uma revolução em Cuba.

Em 25 de novembro de 1956, o barco Granma (vovó, em inglês) levantou âncora do porto de Tuxpan, levando a bordo, em seus 17,5 metros de extensão, 82 homens que mudariam a história de Cuba e do mundo. A viagem foi conturbada. Vários homens marearam durante o percurso e Guevara sofreu forte crise de asma.

Depois de sete dias no mar, o exército revolucionário desembarcou, mas não no local previsto onde estariam os suprimentos. Estavam a 16 quilômetros ao Sul, nos mangues da praia Colorado. 

O Granma encalhou na areia e logo foi descoberto pela Guarda Costeira. Os rebeldes precisaram nadar até a praia, perdendo vários equipamentos importantes, e tiveram que andar horas pelo terreno pantanoso até encontrar terra firme.


(CONTINUA)



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O PAÍS DO PASSADO


por  Mino Carta 

O governo acaba de lançar uma campanha publicitária à sombra do lema “Vamos tirar o Brasil do vermelho”. Campanha maciça e longa, para a alegria da mídia nativa.

O slogan seria da lavra do secretário-executivo dos Programas de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco, e sutilmente teria duplo sentido: de um lado indicaria a determinação de executar um plano de ajuste fiscal feroz, do outro afirmaria o propósito de liquidar de vez a esquerda vermelha.

Lembrei-me do tempo em que se acreditava na presença, atrás de cada esquina, de devoradores de criancinhas.

Neste Brasil primário dos dias de hoje, pretensamente atuais e assim mesmo tão vetustos, multiplicam-se os cidadãos altamente habilitados a acreditar em lorotas, sobretudo entre os moradores dos chamados bairros nobres, que de nobre nada têm.

O resultado das eleições municipais prova, também e felizmente, a existência de alguns, honrosos núcleos de resistência aos vencedores do golpe mais reacionário da história do País.

Salta aos olhos, porém, a impossibilidade de maiores ameaças à tranquilidade da casa-grande, quando tantos, inúmeros, relegados à senzala votam no senhor da chibata...

No meu livro O Brasil, lançado em 2013, me ponho ousadamente a contar como o primogênito do senhor da casa-grande se torna herdeiro do pai conforme as leis medievais, enquanto o irmão rejeitado e revoltado, Caim da situação, passa a se dizer de esquerda, para arrepiar a família, amigos e apaniguados.

Falta-lhe a crença entre o fígado e a alma, falta-lhe, sobretudo, a convicção da urgência de acabar com a senzala.

No meu entendimento, é o que explica muito do fracasso da esquerda brasileira, sem contar o comportamento de alguns, saídos da senzala, e ainda assim dispostos a concessões e compromissos, quando não candidatos e inquilinos da mansão nobiliar.

Há figuras de excelente fé em certos redutos que o governo define como vermelhos, mas são exceções, fenômenos escassos. De todo modo, resistentes e autênticos são aqueles que não traíram as palavras de ordem iniciais, bem ao contrário de inúmeros traidores. Aludo a resistentes como, por exemplo, os irmãos Gomes no Ceará, ou Marcelo Freixo, no Rio. Exemplos, insisto, porque há outros, velhos combatentes sempre alertas.

Sobra a percepção inexorável: houvesse uma esquerda forte, vermelho-carmesim, os cidadãos em boa saúde mental de um país infeliz, embora destinado à felicidade, surgido para ser potência e agora de volta à condição de colônia, estariam a celebrar outro desfecho de uma eleição que sela a vitória do golpe e garante a continuidade do plano celerado que até hoje o guia.

O big-bang está na eleição de Lula à Presidência, clamor tão ensurdecedor a ponto de não ser ouvido, mas daí se difundiu para alcançar o diapasão mais elevado a partir da segunda eleição de Dilma Rousseff.

Agora vibra nos nossos ouvidos, mas para o partido de Lula é tarde.

Se sair do vermelho significa acabar de uma vez por todas com maiores riscos para o sossego da casa-grande, suponho que o momento seja favorável ao atraso ardorosamente buscado pela reação nativa, mesmo porque os ventos vindos do norte neoliberal por ora sopram a favor.

Já se significa sair da crise econômica, aqueles cidadãos acima citados fiquem precavidos. Sair do vermelho, para o governo Temer e quantos o sustentam, é simplesmente vender o Brasil. Como será provado.

Confirma-se a normalidade da demência.

E eis que me cai nas mãos a gravura acima, obra de um retratista da casa-grande, um certo Debret, realista e, portanto, impiedoso. E perfeito até hoje.

À mesa, toscos, vulgares donos da casa, caricaturas de uma aristocracia de fancaria.

Compostos, dignos, os escravos.



sábado, 8 de outubro de 2016

MUITO MAIS VELHOS



Existem coisas que nos tornam mais velhos.

A primeira transa, por exemplo. Ou a primeira desilusão amorosa.

Ou a primeira perda de um ente querido.

São coisas inerentes à nossa existência e que nos fazem mais experientes, mais otimistas ou pessimistas, mais esperançosos ou céticos, nos fazem enfim, mais “velhos”.

Há coisas que nos fazem mais felizes e outras, mas sombrios, para o resto de nossas vidas.

Nesse contexto é impossível não concluir que esse golpe mesquinho e perverso de que fomos vítimas e testemunhas, nos tornou, a todos os vertebrados, mais velhos.

Nunca mais poderemos ver certas instituições como já vimos antes.

Nunca mais acreditaremos no sistema como a mesma ingenuidade que já tivemos.

Nunca mais veremos a polícia federal como aliada do bem contra o mal.

Ou o Judiciário como a ordem neutra e apartidária pronta para estabelecer a justiça;

O golpe, esse golpe covarde, além de nos deixar mais velhos nos deixou menos crentes.

Como acreditar que a justiça sempre vence, que o bem supera a vilania e que os bandidos sempre perdem no final, depois de assistir a mais torpe perseguição pública que esse país já promoveu, atingir todos os seus objetivos?

Estamos todos menos crianças.

E mais sofridos pois é impossível perder tudo isso sem muita dor.

De tal forma que, mesmo se amanhã, um milagre de junções improváveis de forças, recolocasse tudo no seu devido lugar, Dilma na presidência e os cães nas casinhas, ainda assim, não seríamos mais os mesmos.

E na verdade, nunca mais seremos os mesmos.

Como depois da primeira transa ou da primeira desilusão amorosa.

Para aqueles que não se deixam alienar o ano de 2016 durou um século.

As futuras gerações entenderão os acontecimentos, pois esse é o papel da história, mas jamais entenderão a nossa velhice precoce, pois isso a gente sente, não se explica.

Sim, estamos todos, mais amargos e muito mais velhos.



Prof. Péricles



quinta-feira, 6 de outubro de 2016

OMM SETI E A SAUDADE DO EGITO PERDIDO

Múmia de Seti I
Dorothy revela onde estão os Jardins




Em 1907 a pequena Dorothy, de apenas 3 anos de idade, sofreu uma terrível queda num lance de escadas. Tão terrível que o médico temeu por sua vida. A criança sobreviveu, mas, a partir desse dia passou a ter sonhos recorrentes e perturbadores sobre um grande prédio com colunas e jardins

Alguns meses depois, já com quatro anos, visitou com os pais o museu britânico, em Londres (Dorothy e seus pais moravam em Blackheath, na Inglaterra). Ao chegar à seção egípcia começou a beijar freneticamente os pés das estátuas e por fim parou em frente à vitrine de uma múmia. Após minutos, constrangidos, os pais tentaram retirá-la do lugar, mas Dorothy se agarrou ao móvel expositor e gritou “Deixe-me aqui com minha gente! ”.

Dorothy Louise Eady tornou-se uma das mais populares egiptólogas do mundo.

Durante toda a vida afirmou já ter vivido na Era Faraônica na cidade de Abidos.

Aos 29 anos casou-se com Abdel Maquib e passou a morar no Egito. Tiveram apenas um filho a quem deu o nome de Seti, passando a ser conhecida como “Omm Seti” (a mãe de Seti) como era hábito no Egito antigo.

Era comum, nessa época, levantar durante a madrugada e escrever em hieróglifos, que, segundo ela, eram ditados por um espírito chamado Hor-Rá.

Em 70 páginas escritas em hieróglifos, Hor-Rá relata que ela foi Bentreshyt, uma mulher que faleceu muito jovem quando se preparava para ser sacerdotisa no templo do Faraó Seti I.

Após 20 anos de trabalhos egiptólogos, finalmente conheceu a cidade de Abidos.

Ao chegar foi diretamente para o Templo de Seti, onde passou toda a noite acendendo incensos e rezando para as divindades egípcias.

Acabou abandonada pelo marido e pelo próprio filho que julgavam não ter espaço na vida de Dorothy,

Normalmente os arqueólogos, profissionais extremamente ligados a fatos e comprovações científicas, não dariam importância para a extravagante história de Eady. O problema é que ela deu inúmeras informações baseada nas suas “memórias” que simplesmente se mostraram corretas. Por exemplo:

Todos os arqueólogos procuravam o jardim do templo de Seti I e ela disse apenas “Lembro-me de que o antigo jardim estava aqui”. Eles cavaram onde ela apontou, e o jardim estava de fato lá.

Além disso afirmou que embaixo do Templo de Seti I em Abidos existiria uma câmara mortuária secreta, apontando a mesma com exatidão.

Dorothy ainda afirmou que a tumba de Nefertiti teria sido edificada próxima a de Tutankhamon fato, até então, desconhecido.

Mundialmente reconhecida por suas afirmações de uma vida entre os Egípcios antigos na corte de Seti I, Omm Seti escreveu vários artigos e livros detalhando com cores vivas o dia a dia desse povo extraordinário. Como se vestiam, falavam, as cores de suas ruas etc.

Morreu em 1981, aos 77 anos, com sua “memória de vida passada” cada vez mais detalhista.

E você, acredita que Dorothy Louise Eady é uma comprovação acerca das múltiplas existências e encarnações?

Que os deuses do Nilo orientem tua resposta.






Prof. Péricles

terça-feira, 4 de outubro de 2016

DIRETAS JÁ, OUTRA VEZ



Por Val Carvalho



Passados 32 anos dos grandes comícios das Diretas Já!, a maior mobilização popular que o país já viu, essa bandeira volta a empolgar a resistência democrática nas ruas do país. Por que, depois de tanto tempo, essa bandeira continua mobilizando o povo?

As esquerdas brasileiras, historicamente, não conseguiram elevar a consciência democrática do povo para além da defesa de eleições diretas para presidente. De fato, a eleição de presidentes nacionalistas ou de esquerda foi o caminho concreto que o povo trilhou para conquistar seus direitos

Nesse processo histórico, podemos mencionar a eleição de Vargas em 1950, a de JK em 1955 e a eleição do vice Goulart junto com o demagogo direitista Jânio Quadros, em 1960.

O golpe da implantação do parlamentarismo, depois da renúncia de Jânio em agosto de 1961, foi derrotado em janeiro de 1963 num plebiscito onde o povo votou majoritariamente pela volta do presidencialismo. Em novo plebiscito realizado em 1993, o povo voltou a apoiar amplamente o presidencialismo contra o parlamentarismo – o regime dos sonhos de uma direita sem votos.

Em 1984, após vinte anos de ditadura militar, o povo sai nas ruas com o movimento pelas Diretas-Já, e que levou à derrota do regime um ano mais tarde. Mas nas primeiras eleições diretas para presidente, em 1989, a base popular elege um “coronel” de Alagoas no lugar de Lula. Faltou-lhes para isso a conexão histórica com as lutas do passado e necessária experiência democrática para usar o voto direto como arma de classe.

O povo teve que passar pela experiência desastrosa de Collor, do impeachment deste, e dos governos excludentes de FHC para poder ver em Lula a retomada de sua luta histórica. A partir da eleição de Lula em 2002, não mais o abandonou, e reelegeu Lula e Dilma por mais três mandatos.

Mas, se os treze anos de governo petista foram plenos de conquistas sociais, não o foram de educação política das massas, o que as deixou a mercê das manipulações do monopólio midiático da direita.

Desse modo, o novo golpe das elites reacionárias enfrentou um governo sem defesas e um povo com baixo nível de organização.

Em decorrência disso, ao enfrentar o golpe e lutar contra a extinção de seus direitos, esse povo não vê outro caminho senão trilhar novamente a luta pela conquista de eleições direitas para presidente.

É a luta que corresponde ao nível de consciência política das amplas massas e a única maneira de se avaliar a correção de uma palavra de ordem.





Val Carvalho é articulista do Correio do Brasil.

domingo, 2 de outubro de 2016

JOGO OBSCENO


A democracia foi a maior invenção da aristocracia para iludir os pobres e excluídos.

Criada e mantida para dar a impressão que todos, pobres e ricos, têm igual peso no jogo político do estado.

Um regime reverenciado como o que mais prima pela liberdade e igualdade entre as pessoas e onde a vontade da maioria sempre prevalece.

Doce engano.

O voto, por exemplo, não é em si um instrumento de democracia enquanto não houver igualdade de acesso ao conhecimento entre os que votam. O mal informado vota contra seus próprios interesses e isso desfaz o seu poder igualitário.

As decisões das urnas sempre são respeitadas quando os poderosos ganham.

No Brasil, em especial, sempre que um resultado ameaça fazer fugir das mãos da Casa Grande às decisões é atacado e vilipendiado até a exaustão.

Getúlio Vargas nunca foi de esquerda, mas bastou se aproximar das lideranças sindicais e trabalhistas para ser perseguido de tal forma que foi levado ao suicídio.

Jango, jamais foi comunista, mas foi de tal forma estigmatizado que até hoje sobrevive a ideia de que era um perigoso agente de Moscou. E o crime de Jango? Apoiar a realização de reformas básicas que eram modernizantes, mas, de forma alguma revolucionárias.

Os governos do PT, Lula e Dilma, foram favoráveis ao capital. Poucas vezes os capitalistas brasileiros ganharam tanto dinheiro. Por outro lado, não avançaram em nenhuma reforma estrutural popular como promover a reforma agrária, por exemplo. Mesmo assim, foram considerados ameaças a partir do momento que acumularam vitórias eleitorais e simpatia popular com seus programas sociais.

A democracia é uma grande mentira desde o nascimento quando homens como Péricles promoveram reformas que facilitaram apenas à nova aristocracia que surgia em Atenas e não aos mais pobres da polis.

Ou quando levaram ao poder no século XVIII a burguesia francesa mantendo os pobres distantes do poder ao mesmo tempo que prometiam igualdade, liberdade e fraternidade.

Liberdade sim, mas liberdade burguesa.

Você jamais vencerá um inimigo agindo como amador em terreno que ele é profissional.

As classes trabalhadoras do Brasil dificilmente chegarão algum dia ao poder de fato jogando esse jogo obsceno da “democracia brasileira”.



Prof. Péricles