terça-feira, 25 de outubro de 2016
E DEPOIS DO PT?
Por Maria Inês Nassif
A conspiração que resultou na deposição de uma presidenta da República, Dilma Rousseff, teve efeitos colaterais que atingiram de morte o sistema partidário brasileiro – e, junto, o poder que mais o representa, o Legislativo.
O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.
A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia.
Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.
Incrustrados no aparelho de Estado e garantidos pelo direito à inamovibilidade, os integrantes das corporações envolvidas no golpe de Estado acumulam um considerável entulho institucional nas sucessivas decisões tomadas pelo STF, que relativizam os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros e corroboram violências do Ministério Público contra a Carta e a pessoa humana. Com isso, tratam de “legitimar” uma perseguição contra uma única força política e um golpe de estado que tornou-se parte dessa ofensiva. A partir disso, ações judiciais “excepcionais” se alastraram por todo o país.
É uma generalização da força bruta.
A Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade.
Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.
Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa. As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.
O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle.
Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?
O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima.
Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade.
A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?
A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam.
A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, dependerá da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.
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