quinta-feira, 5 de março de 2015
O SERIAL KILLER DA RUA DO ARVOREDO
Porto Alegre, 18 de abril de 1864, 10 horas da manhã.
O Chefe de Polícia da cidade, Dario Rafael Callado, não consegue deixar de resmungar. Ha dias a cidade está tensa e perplexa com uma série de desaparecimentos. O último foi de um menino de apenas 14 anos, José Ignácio, caixeiro (espécie de ajudante) de outro desaparecido, o comerciante português, Januário Martins Ramos da Silva.
A pressão da população, e até das autorizados, para que a policia encontrasse respostas estava se tornando insuportável.
Por isso, enquanto o carro sacolejava pelas pedras da Rua do Cotovelo (atual Riachuelo), em direção à rua da Ponte (atual Borges de Medeiros), o chefe de polícia resmungava o que poderia ser uma oração, pedindo ajuda do céu.
Alguns moradores da Rua do Arvoredo (atual Fernando Machado) relataram que um cachorrinho preto, idêntico ao do menino desaparecido, havia ficado por dias latindo na porta de uma residência e dormido ao relento, como se esperasse o retorno de seu dono, até que, misteriosamente, o próprio cachorrinho sumira. Quem sabe a polícia dava uma olhada? Talvez fosse o cachorro querendo chamar a atenção, enfim... lá se fora Dario Rafael, mas sem muitas esperanças de encontrar qualquer coisa além de um vira-lata inconveniente.
Ao chegar na Rua do Arvoredo (era conhecida assim pelas inúmeras árvores centenárias em praticamente toda sua extensão) o carro da polícia estacionou na frente do endereço indicado.
Ninguém veio atender e com uma ordem judicial nas mãos, o agente público forçou a entrada e penetrou em seus sombrios recintos.
Após duas horas de investigações o sentimento de toda a equipe era horror e repugnância.
Um cadáver foi encontrado no porão, em avançado estado de putrefação. A vítima, mais tarde, foi reconhecida por um brinco que usava. Tratava-se do açougueiro alemão Carlos Klaussner, antigo proprietário daquela mesma residência, onde mantinha um açougue. Seu corpo havia sido retalhado, com a cabeça e membros separados do corpo.
Nos fundos da casa, num poço desativado, foi encontrado o corpo do taverneiro Januário Ramos da Silva e de seu caixeiro, igualmente esquartejados. Junto aos dois o cadáver do cãozinho preto rasgado da garganta ao ventre.
Foram encontrados ainda, vários objetos de uso pessoal dos desaparecidos, além de restos humanos nunca devidamente identificados.
José Ramos, ex-inspetor de polícia de Santa Catarina, que teria comprado (ou alugado) a casa, foi localizado e preso. No mesmo dia, na cadeia, confessou todos os crimes além de apontar sua companheira Catharina Palse, como cúmplice.
A polícia passou a ligar os fatos e a montar o macabro quebra-cabeça.
José Ramos, chegou a Porto Alegre um ano antes e alugou (ou comprou) a residência de Carlos Klaussner, que continuou gerenciando um açougue no térreo do local.
Catarina era uma bela moça recém chegada à capital. Descobriu-se depois que, com apenas 12 anos, assistiu a morte de toda sua família pelas tropas russas que invadiram seu país, a Hungria. Sobreviveu, mas foi agredida e estuprada por vários homens. Aos 15 anos, casou-se com Peter Palse, e ambos resolveram vir para o Brasil. Ainda no navio seu marido se suicidou, e a jovem se viu sozinha em um país que não conhecia. Provavelmente, chegou ao Rio de Janeiro antes de se transferir para Porto Alegre.
No início de 1864, José Campos e Catarina Palse conheceram-se e, aparentemente, apaixonaram-se. Passaram a viver juntos na Rua do Arvoredo.
José Ramos gostava de ostentar cultura. Era comum vê-lo nos espetáculos do Teatro São Pedro, recém inaugurado. Gostava de música e era ávido leitor de jornais e livros. Trajava-se de forma sóbria e elegante. Porém, sobre a aparência simpática e bem falante escondia-se um serial killer tenebroso.
Segundo uma versão, ele teria confessado após algumas taças de vinho, ao alemão, seu desejo de matar, desde que não fosse descoberto. Bêbado, o Klaussner teria brincado que, como açougueiro ele sabia perfeitamente como fazer os corpos das vítimas desaparecerem sem deixar pistas. Bastaria transformá-los em linguiça.
Infelizmente, a conversa de bêbados tornou-se uma armadilha fatal.
José Ramos, mentiroso e inteligente, atraia homens, em sua maioria imigrantes alemães sem parentes na cidade e com algum bem que pudesse ser roubado, até o endereço na rua do Arvoredo. Os homens eram bem acolhidos pela bela Catharina que, num macabro ritual, servia um belo prato de comida ao visitante. Após o jantar era levado até a poltrona na sala. Ela saía e Ramos entrava no recinto armado de um machado. A vítima era massacrada com golpes na cabeça, sem chance de defesa.
Depois, no porão, o corpo era esquartejado, cortado em fatias e o açougueiro Klaussner fazia linguiças. Os ossos eram queimados ou jogados no rio Guaíba.
Com um macabro prazer, José Ramos vendia apenas para a elite e por um bom preço, as linguiças que, em pouco tempo originou uma clientela fiel.
Por algum motivo, Ramos e Klaussner brigaram e esse foi morto pelo ex-policial. O corpo foi totalmente retalhado, mas Ramos descobriu que não sabia fazer as linguiças, então, a vítima foi escondida no porão, onde acabaria sendo localizada delatando o crime.
Na Porto Alegre do século XIX os escândalos que atingiam as elites eram, rapidamente, escondidos, por isso, o chefe de Polícia foi exonerado, provavelmente por não aceitar encobrir os fatos e o inquérito passou a ser vago nos pontos mais macabros.
Seria duro demais para nossa aristocracia reconhecer ter consumido carne humana com voracidade.
Quais as reais motivações de José Ramos e Catharina Palse?
Vingança? Ódio? Desprezo? Dinheiro, apenas?
Infelizmente, o medo da verdade foi maior que a vontade de esclarecer os fatos, e os Crimes da Rua do Arvoredo permanecerão para sempre envoltos numa espessa capa de mistérios e segredos.
O número verdadeiro de vítimas nunca foi revelado.
Prof. Péricles
NOTAS:
01. Suspeita-se que José Ramos tenha chegado a Porto Alegre por estar fugindo de um crime hediondo. Ele teria assassinado o próprio pai.
02. A linda Catharina Palse, lavou todas as manchas de sangue que ficaram na casa, usufruiu dos ganhos ilícitos dos crimes, já que foi vista adquirindo roupas caras e joias, possivelmente do dinheiro das vítimas, respondeu como cúmplice e foi condenada a 13 anos e quatro meses de prisão. Cumpriu na íntegra sua pena. Pouco tempo depois foi recolhida nas ruas muito doente. Passou anos num hospício. Possivelmente se suicidou em 1891 sendo enterrada como indigente no cemitério da Santa Casa.
03. José Ramos seria condenado a forca ou prisão perpétua, mas solicitou alistamento na Guerra do Paraguai e prometeu silêncio sobre seus crimes, o que lhe garantiu indulto. Sobreviveu à guerra, retornou a Porto Alegre, por onde perambulou, sem amigos, até morrer alguns anos depois, provavelmente de tuberculose.
04. José Ramos e Catharina Palse, que se saiba, jamais se reencontraram depois da prisão.
05. O assassinato do caixeiro, o menino José Ignácio, foi o único sem propósitos premeditados, sendo caracterizado como queima de arquivo, assim como seu fiel cachorrinho.
06. Charles Darwim, naturalista britânico relatou os crimes da rua do arvoredo num seminário, para exemplificar como o homem, em sua psique, ainda está próximo da bestialidade.
07. O endereço exato da casa maldita foi, deliberadamente esquecido, havendo apenas indicações de sua localização, ao lado das escadarias (FOTO).
08. Segundo o historiador Décio Freitas, autor de um livro sobre o assunto, “O Maior Crime da Terra”, os processos estão incompletos, faltam folhas, é de difícil leitura e as folhas faltantes nos autos são, justamente, as que poderiam dar algum indício sobre a veracidade das tais linguiças, ou não.
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