quarta-feira, 6 de agosto de 2014
DIÁLOGO EM SEGREDO
Cena urbana da pequena cidade gaúcha de Segredo.
Duas “segredinas” ou seria “segredenses” ou “secretas”? Bem, não importa, duas amigas moradoras de Segredo se encontram na fila do supermercado da cidade e estabelecem o seguinte diálogo:
- Menina, tu não imagina o que eu vi ontem, aqui mesmo nesse supermercado...
(silêncio estratégico). Sei que tu vai dizer que é invencionice minha, fofoca, mas juro que é verdade. (novo silêncio)
A “menina” não resiste por muito tempo à curiosidade.
- Conta logo Dalva, o que tu viste aqui mesmo nesse supermercado de tão extraordinário?
- Não sei se te conto Carmem. Lembro bem do dia que me chamou de fofoqueira... conto ou não conto?
- Grrrrr
- Ta bem vou contar, mas sei que não vai me acreditar...
- Pelo amor de Deus Dalva, desembucha. Viu o Leonardo di Caprio?
- Não.
- Viu um ET?
- Não.
- Então um fantasma?
- Também não.
- o Lelo, aquele desalmado que...
- Não, não.
- Então o que foi que tu viu mulher?
- Carmem (cara de grande revelação), eu vi, aqui mesmo, nesse supermercado, um... um médico!
Não só a Carmem mas as duas outras pessoas da fila fitaram Dalva com incredulidade.
- Um médico? (risos)
- Não disse que tu não irias acreditar. Francamente...
- Desculpa querida, é que foi muito engraçado, não sei como tens tanta imaginação pra...
-Não é imaginação, eu vi mesmo!! (aos gritos)
Silêncio.
- Amiga, queres que eu acredite que tinha aqui, nesse supermercado, na nossa Segredo, um médico? Médico, de verdade, médico?
- Sim... e falava espanhol e...
- Falava? Ele falava?
- Sim, Carmem, e falou comigo e...
- rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs
Se tu rir de mim de novo eu vou começar a gritar e dizer o que o Lelo fez e...
- Ok. Stop. Não vou rir. Mas não queira que eu acredite numa mentira dessas!
- Olha aqui sua descrente, não é mentira, nem fofoca. Ele faz parte daquele programa do governo, como é mesmo... “Mais Médicos”.
- Sério? Bem que me disseram que eles olham pra gente na consulta. Mas eu não acreditei...
- Mas, é verdade menina, pura verdade. Eu vi, ele estava aqui e... madre de dios!
- O que foi mulher?
- Ele esta vindo pra cá?
- Ele quem, o Lelo?
- Não, o médico que fala, e olha pra gente...
Onde... onde?
Até bem pouco tempo, a população brasileira nos rincões mais escondidos e distantes, conhecia bem pouco de atendimento médico.
Simplesmente, quase não havia médicos que aceitassem trabalhar em lugares tão distantes dos centros urbanos. Isso exigiria, entre outras coisas, exclusividade na atenção à população dos lugarejos e distanciamento de outras fontes de trabalho.
As políticas públicas de saúde resumiam-se ao atendimento das emergências nos centros regionais ou no encaminhamento a Porto Alegre através da ironicamente denominada “ambulanciaterapia”.
Ser atendida por um médico era coisa de cidade grande, tanto que uma simples consulta levava a uma preparação quase ritualística. Dias antes de um atendimento as pessoas já escolhiam a roupa com que deveriam comparecer aquele evento importante, e preocupavam-se que o que dizer ao médico na tão esperada oportunidade.
Geralmente, essa preparação meticulosa era dissolvida por um atendimento sumário e massificado onde se perdia a identidade e se tornava estatística.
Uma atenção maior do que um olhar profissional, era quase inimaginável.
Talvez, o maior mérito do “Mais Médicos” nem seja apenas o atendimento ambulatorial aos que dele precisam, mas, o atendimento da necessidade de se sentir cidadão pleno onde a saúde não é privilégio, nem favor, mas um direito da cidadania.
Podemos mensurar tudo isso na queda dos atendimentos nas emergências dos hospitais que atendem essas regiões.
Não apenas a emergência médica, mas, principalmente a urgência humana está sendo atendida.
Médicos compram em supermercados, lembram nomes e preocupam-se com pacientes... e falam.
Prof. Péricles
Agradecimento especial aos colegas Clarice e Eduardo, testemunhas oculares dessa história e inspiradores do diálogo fictício.
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2 comentários:
10 !!!!
10 !!!
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