sábado, 30 de agosto de 2014
ALFACES SOFREM
Por Walcyr Carrasco
É muito difícil conviver com vegetarianos a maior parte do tempo. Para sair, é preciso escolher o restaurante que eles querem. Se convido para comer em casa, também impõem o menu. Só pode isso, ou aquilo. Pior, é preciso saber de que corrente a pessoa é adepta. Há quem se declare vegetariano, mas na prática come peixes e frutos do mar. Outros nem tocam em qualquer produto de origem animal, como um molho de macarrão com creme de leite. Todos, porém, têm uma tese sobre a vida, uma fronteira estabelecida – e estou sempre do lado errado.
Foi traumatizante a vez em que convidei um amigo para uma churrascaria. Sentamos, e só aí ele declarou que não comia carne, mas se satisfaria com as saladas. Tudo bem. Mas tem graça devorar espeto após espeto, enquanto, do outro lado da mesa, alguém me encara com ar de acusação?
Meu amigo Ricardo, advogado, carnívoro e bon-vivant, diz sabiamente:
– Se verdura fosse gostosa, teria rodízio.
De fato: alguém já viu rodízio de vegetais? De picanha, alcatra, maminha, sim. De pizza e sushi, também. Mas de brócolis? Diga francamente, você iria a um rodízio de brócolis? Ok, já sei a resposta. Eu também não.
O maior argumento dos vegetarianos é que animais sofrem ao ser abatidos. A angústia do boi, dizem, contamina a carne.
– E, depois, essa coisa ruim vai para dentro de você – disse um amigo com expressão sábia.
Fiz cara de preocupado e pensei num bom filé de alcatra. Frangos de granja vivem confinados e são tratados à base de hormônios. Penso até que essas aves já se tornaram uma mistura de animal com plástico, ou algo assim. São praticamente artificiais. Compartilho intimamente a infelicidade desses bichos. Mas não consigo pensar no assunto quando devoro um galetinho bem temperado. Também não penso nos pobres porcos quando chafurdo numa feijoada. E o torresmo, que delícia!
Muitos que se dizem vegetarianos comem peixes ou frutos do mar, como disse. Vamos lá, um camarão não tem vida, nenhum sentimento? Um linguado não faz sexo, não sente prazeres? Certa vez, aprendi a preparar o polvo. É preciso colocá-lo em salmoura, depois bater bem o corpo e pendurá-lo na torneira. Juro, o momento foi terrível. Polvo tem olhos e boca, e aquele me encarava, parecia dizer, mesmo sem vida:
– Por que faz isso comigo?
– Adoro sushi de polvo – disse intimamente – E a vida é assim, injusta. Vou te cozinhar, aguarde só a água ferver.
Mesmo assim, não preparei mais polvos. Principalmente depois de ler, em algum lugar, que eles se reconhecem no espelho. Isso sugere um grau de inteligência. Mas continuo a comê-los, impossível não gostar de polvo. Em sushi ou à espanhola, com molho vermelho.
Indo mais longe: já houve experiências com plantas, vegetais de todo tipo. Se tocam música clássica e suave nas proximidades, crescem harmoniosamente. Se gostam de música, é porque têm sentimentos. São vivas, afinal. Acho até a situação das plantas pior que a de muitos animais. Vegetarianos gostam de devorá-las frescas. Quanto mais vida ainda tiverem, melhor.
Pensemos do ponto de vista da alface: ela agoniza numa travessa, coberta de azeite, sal, vinagre, é espetada por um garfo e vive seus últimos momentos nos dentes de um vegetariano de consciência tranquila. A alface quer gritar, gemer e, ai, não consegue! Sofre. Da mesma forma que as flores colocadas nos vasos para enfeitar a sala – vegetarianos adoram esse ambiente florido. Mas não são flores agonizantes? Foram arrancadas do pé e, enquanto demonstrarem uma fatia de vida, no colorido das pétalas, são exibidas em vasos. Depois atiradas no lixo, com o resto das saladas, dos brócolis e abobrinhas cozidos, do chuchu, da berinjela, da cenoura, que, coitada, foi ralada.
Não sou a favor do sofrimento, mas, enquanto não puder viver de raios de sol, também preciso sobreviver – e, sem comida, não dá. Já que é assim, prefiro comer bem!
Só me pergunto: por que os vegetarianos sofrem pelos animais, e não pelos vegetais, que também têm sensibilidade? Acho uma falta de lógica. Tudo faz parte de uma cadeia alimentar. Talvez eu também, algum dia, se a Terra for invadida por extraterrestres canibais. Ou se for a um safári na África, der tudo errado e virar comida de leão.
Apesar dessa falta de lógica, vegetarianos se consideram melhores que o resto da humanidade. Mais corretos, mais bondosos. Ser vegetariano torna realmente alguém melhor?
Sei não... Afinal, Hitler era vegetariano.
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