domingo, 8 de setembro de 2013
SOMOS PARAFUSOS
Dizem que “o trabalho dignifica o homem”. Partindo dessa premissa o homem só é digno quando trabalha, ou mesmo quem trabalha, depende do tipo de trabalho para ser digno?
A idéia do trabalho como identidade do homem surgiu na Idade Moderna, especialmente após a Revolução Industrial no século XVIII.
Com máquinas cada vez melhores e mais rápidas, a produção não parava de crescer e, ao ser vendida, enriquecer os donos das máquinas. Quanto mais e melhor o homem trabalhasse a máquina, maior a produção e maior o lucro. Simples assim surgiu a necessidade do trabalho cada vez mais rápido, adaptado e eficiente.
Enquanto à máquina se conserta, se melhora e se supera, o homem que move a máquina precisa de conceitos e de valores que lhe movam os braços e o destino. A fábrica passou a ser o destino do homem de bem.
Da mesma forma se organizava a sociedade. A cidade deve repetir a eficiência e a praticidade de uma fábrica. Na verdade, as cidades cresceram em torno das fábricas e por elas são determinadas.
As velhas cidades feudais, muito mais pouso de ventura dos homens que trabalhavam no campo, deram lugar às cidades industriais, onde cada um deveria funcionar como um parafuso, necessário, mas, anônimo que teoricamente tem como recompensa uma cidade perfeita de moradia, onde polícia, bombeiro, governo, transeunte, estudante, ambulância, e motorista, tudo e todos ocupam lugares específicos e pré-determinados.
Como uma fábrica.
O bom funcionamento dos serviços tornam-se fundamental para o consumo do que foi produzido e dessa forma a eficiência do comércio, transporte, etc, se valorizam como parte da própria produção.
Hoje, no mundo, a maioria da população vive em cidade e trabalha nos serviços.
Assim nasce a idéia de que o trabalho dignifica o homem assim como o bom comportamento social, carteira assinada e ficha limpa na polícia dignificam o indivíduo.
O trabalho que na verdade serve para o enriquecimento dos donos das máquinas, dos impressos, das finanças, torna-se um elemento essencial para que o cidadão se sinta parte da máquina. Parte de algo, que na verdade, não lhe pertence, pois a fábrica não é sua assim como nenhuma empresa, da mesma forma que a cidade não é sua, mas do “Estado”, um senhor invisível, patrão de todos.
O ócio é defino como algo “perdido” porque, em teoria inútil, e inútil por não produzir nada. Com o poderoso auxílio da Igreja, tornou-se sinônimo de pecado, vagabundagem pelo seu descompromisso social.
No início do século XX o fordismo deu ares de série ao ser humano, que mais que um nome passa a ser um número. Mecânico, condicionado, hipnótico, reproduz gestos e funções se fundindo com a própria máquina. Charles Chaplin em seu “Tempos Modernos” imortalizou com maestria essas mudanças.
Após a Segunda Guerra Mundial e o medo dos capitalistas diante da sociedade socialista soviética (vai que dá certo?) criaram leis para tornar o capitalismo “mais bonzinho”. Foram então criadas e fortalecidas as pensões e as aposentadorias. Fortaleceu-se dentro de certos limites o poder sindical e até caixinhas de som foram instaladas nas repartições para “humanizar” o trabalho.
Então combinamos assim: num dia útil ao lucro, de 24 horas, trabalhamos 9. Outras 8 horas a gente dorme, restando 7 horas para a vida, mas que na verdade funcionam como horas de manutenção para manter o trabalhador apto ao trabalho do dia seguinte.
Ah sim, existe o domingo, tempo em que exercemos o nosso lado ocioso e ao qual se denomina de “repouso remunerado”, ou seja, você deveria estar trabalhando, mas está repousando e o patrão bonzinho não te desconta. E você ainda reclama?
Trabalha-se muito para o sistema, para o capital, para os outros.
Para o sistema somos parafusos, anônimos, nunca lembrados pela individualidade, mas pela praticidade.
E quando tudo isso acabar e o corpo ressecar quando cada nome sair da lista dos produtivos e entrar na lista dos “improdutivos” aposentados e o pagamento de sua desvalia estiver sendo questionada como “dívida pública”, talvez, então se entenda que o trabalho de toda uma vida não dignificou o homem mas o matou com falsa dignidade.
Não é o trabalho aos outros que dignifica o homem, mas a qualidade de sua vida.
O homem que com suas próprias mãos plantou um só pé de alface para o consumo de seus filhos foi mais produtivo do que aquele que passou a vida fazendo partes de um todo que jamais foi seu.
Estamos muito mais perto da vida no ócio do que no trabalho capitalista.
E vivemos pouco, muito pouco e bem menos do que deveríamos viver.
Prof. Péricles
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário