sexta-feira, 24 de maio de 2013

INFÂNCIA ROUBADA



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Cecília Capistrano, neta do militante Davi Capistrano e sobrinha do ex-prefeito de Santos Davi Capistrano da Costa Filho, chorou muito e emocionou o público com seu depoimento na 36ª audiência pública da Comissão da Verdade de São Paulo, que iniciou o seminário "Verdade e Infância Roubada", com testemunhos de pessoas que, durante o período da ditadura no Brasil (1964-1985), eram crianças e sofreram a brutalidade da repressão, física ou psicologicamente.

A fala de Cecília, nascida em 1975, dividiu-se entre a memória do avô e a luta da própria mãe, Maria Cristina Capistrano, torturada no DOI-Codi. Sua mãe, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi presa em 1971 junto com seu filho mais velho e irmão de Cecília, então com quatro anos. A criança ficou sob a custódia de policiais. David Capistrano, segundo se apurou, foi levado para a chamada Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), e nunca mais foi visto.

O avô de Cecília foi seqüestrado em 16 de março de 1974, em algum lugar entre Uruguaiana (RS) e São Paulo, para onde se dirigia para ver a família. “O que a gente sofre é uma coisa invisível, a gente fica procurando onde afetou”, disse Cecília. “Não queremos revanche, vingança, mas justiça. Queremos saber quem são os que fizeram aquilo, as pessoas têm nome.”

Rosana Momente, filha do operário Orlando Momente, desaparecido em dezembro de 1973, aos 41 anos, no Araguaia, contou que só soube o que ocorreu com o pai aos 15 anos, por meio de uma prima. Rosana morou por quatro anos em um orfanato católico e com os avós, em Rio Claro (SP). Os acontecimentos decorrentes da repressão, entre os quais jamais ter tido uma residência fixa ou uma família estável, provocaram profundas cicatrizes psicológicas.

“A gente sabe o que é a depressão já na infância”, disse Rosana. Seu pai, militante do PCB e depois do PCdoB, saiu de casa e, embora visitasse a família periodicamente, não voltou a vê-la a partir de 1969. Antes de desaparecer, ele viveu no norte de Goiás e posteriormente no sul do Pará. Em 1974, meses depois de seu sumiço, uma amiga de Orlando na região do Araguaia e esposa de um camponês também desaparecido, Joana de Almeida, encontrou um corpo em decomposição em seu sítio, onde era proibida de ir pelo Exército. Um chapéu de couro de curtido teria dado a Joana a certeza de que aquela era a ossada de Orlando Momente.

“O que me deixa triste é que as pessoas tentavam ajudar as outras e acabavam presas, torturadas e mortas”, contou Rosana na Assembléia. “Minha mãe era trabalhadora doméstica, então eu ficava nas casas cheias de coisas caras e pássaros empalhados.”

Paulo Fontelles Filho nasceu na prisão. Sua mãe, Hecilda Fonteles Veiga, era estudante de Ciências Sociais quando foi presa, em 1971, em Brasília, com cinco meses de gravidez. Num depoimento reproduzido na audiência pública, a mãe de Paulo contou: “Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, entre sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer”’.

Segundo Hecilda, hoje com 64 anos, ela foi colocada na chamada “cadeira do dragão”, apanhou no rosto, pescoço e pernas e foi submetida à “tortura cientifica”. “Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia”.

O parto de seu filho Paulo, segundo o relato, foi feito por cesariana sem anestesia, “para apressar as coisas”.

Na abertura da audiência pública no Auditório Teotônio Vilela da Assembléia Legislativa, foi exibido o documentário “Os 15 filhos (1996)”. Dirigido por Maria de Oliveira Soares e Marta Nehring, o filme, de 20 minutos, reúne depoimentos de filhos de militantes políticos que sofreram as conseqüências dos “anos de chumbo”.

As diretoras produziram a película para fazer parte do seminário Revolução Impossível, de 25 a 28 de março de 1996, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em homenagem às vítimas do regime. A temática é a mesma abordada pela audiência pública realizada pela Comissão da Verdade de São Paulo.

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