sábado, 18 de maio de 2013

UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA



Por Rogerio Diaferia Rossi

Em meio a essa polêmica de médicos cubanos e revalidação de diplomas, eu que sou médico brasileiro e estrangeiro, que trabalhei alguns anos em áreas inóspitas como hospitais e postos de saúde dentro de favelas, e também em hospitais públicos e privados de centros urbanos, que fui coordenador de pronto atendimento, que trabalhei até no meio do mar sem auxílio de profissionais de enfermagem, vou deixar minhas reflexões...

A primeira é que considerei mais do que injusto o longo, tortuoso, e caríssimo processo por que passei para ser médico no Canadá. Mesmo tendo cursado ótima faculdade pública, tendo feito 2 anos de internato (aqui no Canadá eles não fazem); Antes de entrar na residência eu tive que passar em 3 provas que os canadenses só fazem durante ou depois dela! Mas isso não ocorre para todos, pois médicos ingleses, franceses e dos EUA tem diploma automaticamente revalidado. O Canadá necessita muito de médicos, pois existe um funil rumo aos enormes salários dos EUA, mas nem por isso eles facilitam a vida de profissionais preparados que já vivem aqui. Existem milhares de médicos do mundo todo nos caixas de supermercado, dirigindo táxi aqui, e isso mesmo depois de já terem passado nas provas. E existe mesmo aqui, meus caros, uma numerosa população carente de médicos, só para não esquecermos que o mundo não gira ao redor dos umbigos dos diplomados em medicina...

Em seguida, conto que conheço de perto 10 médicos que fizeram medicina em Cuba, trabalhei de perto com eles e posso afirmar que suas condutas e posturas foram mais corretas e éticas do que a da maioria dos colegas brasileiros com que convivi. Cada uma que eu já vi... sem contar que meu pai morreu de enfarte após ter esperado por 9 horas em um pronto socorro público o médico que estava incomunicável por BIP...

Em terceiro, pergunto: os médicos brasileiros passam por algum processo de permissão de exercício no Brasil? Resposta: não. É só se formar em faculdades sem hospital, sem acesso a internato ou à rotação em atenção básica e já podem portar o porte de arma mais conhecido como CRM. Nos países sérios, se é isso que vocês tanto querem para o Brasil, o médico só pode trabalhar depois de ter passado no exame de ordem do CRM, depois de ter feito residência e depois de ter passado na prova de título de sua especialidade. Vocês realmente acham que um formado de Presidente Prudente e afins é melhor preparado do que um de Cuba???

Falando nisso, em quarto, eu pergunto, qual é a qualidade dos profissionais que atendem emergências e atenção básica públicas no Brasil? Resposta: a enorme maioria não fez nenhuma residência médica, pula de um emprego para o outro atrás do melhor pagamento, falta mais do que trabalha, chegam quase sempre atrasados aos plantões, poucos possuem certificação de ressuscitação ou de trauma, valorizam os empregos caixa 2 para não pagar imposto. Nos anos em que trabalhei no PSF (Programa de Saúde da Família) vi a enorme rotatividade de médicos em busca de mais privilégios, como dia de folga remunerado (day-off), flexibilidade de horário (poder não cumprir o horário), benefícios e salários maiores. Os pacientes das favelas em que trabalhei, sempre falavam que sabiam que o médico (muitas vezes eu) não iriam durar mais do que alguns meses... Muito triste, ainda mais nessas situações onde os cuidados necessários são contínuos.

A saúde brasileira necessita de muita coisa, de muito investimento, de muita competência, principalmente por parte dos médicos. Mas o que ela mais necessita, é de respeito, de pessoas que valorizem o sofrimento do povo mais vulnerável, os pobres. E os médicos que criticam tanto o governo do PT, não criticaram o governo do PSDB que demorou um ano para aprovar o plano de carreiras dos médicos servidores públicos. Por que será? Eles estão é mais interessados em entrar nas residências médicas que mais dão dinheiro e comodidade, como consultório particular lotado. Prova disso é sermos campeões mundiais em cirurgias plásticas estéticas, continuarmos a priorizar a cesárea ao invés do parto vaginal, termos centenas de concorrentes para dermatologia ou endocrinologia para 2 ou 3 vagas, e, às vezes, nenhum candidato para cursar medicina de família e comunidade.

O Brasil necessita de mais médicos nas periferias e áreas rurais SIM. Vocês querem ir trabalhar lá? Dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil existe 1,8 médico para cada mil habitantes. Na Argentina, a proporção é de 3,2 médicos para mil habitantes e, em países como Espanha e Portugal, essa relação é de 4 médicos. No início do ano, os prefeitos que assumiram apresentaram ao governo federal uma série de demandas na área de saúde. Entre os pontos destacados estava a dificuldade de atrair médicos para as áreas mais carentes, para as periferias das cidades e para o interior. O governo brasileiro pretende atrair não somente médicos cubanos para trabalhar nas regiões mais carentes do País, mas também profissionais de Portugal e da Espanha.

Vejo que isso se trata muito mais de uma questão de saúde pública, do que proteção de nicho de mercado de um classe já muito privilegiada. Mas claro que o PT e Cuba são sempre motes para as mais reacionárias indignações.


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