sexta-feira, 18 de maio de 2012

AS PRIVATIZAÇÕES NO BRASIL



O processo de privatização do patrimônio do Estado brasileiro atingiu seu ápice nos anos 90. Uma análise sobre o tema é muito pertinente, ainda mais agora, após a publicação de "A Privataria Tucana" do jornalista Amaury Ribeiro Jr.

As privatizações começaram no governo Collor, mas ganharam caráter de política de Estado no governo FHC. Fernando Collor (1990-1992) foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o Programa Nacional de Desestatização (PND) em 1990. Das 68 empresas incluídas no programa, 18 foram efetivamente privatizadas, pois Collor teve sua ação obstaculizada com os problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo – VASP.

A privatização das empresas siderúrgicas começou com a extinção da empresa holding Siderurgia Brasileira S.A. – SIDERBRAS, após absorver os passivos das empresas subsidiárias. A primeira estatal privatizada, no dia 24 de outubro de 1991, foi a USIMINAS, siderúrgica mineira localizada no município de Ipatinga, fato que gerou grande polêmica na época, pois, das empresas estatais, ela era uma das mais lucrativas.

Com o impedimento de Collor e a posse de Itamar Franco (1992-1995), nitidamente contrário às privatizações, o processo não foi adiante, não obstante a presença de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. Em seu governo, concluiu-se a privatização de empresas do setor siderúrgico, iniciada por Collor e f oi leiloada a Embraer.

Com a vitória do PSDB em 1994 e a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), submisso às recomendações do Consenso de Washington e do FMI, deixou claro seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. Fernando Henrique chantageou governadores para enquadrar os Estados no programa de estatização, condicionando as transferências de recursos financeiros da União para os Estados, submetendo os governadores às políticas recomendadas por Washington e pelo FMI.

Ainda no governo FHC, o processo de privatização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro e pelotas, que se tornaria uma das maiores multinacionais do mundo; a Telebrás, monopólio estatal de telecomunicações; e a Eletropaulo.

Enquanto a quase totalidade dos defensores do keynesianismo apoiavam a concepção do projeto de desestatização, vários economistas de outras escolas de pensamento econômico, partidos de oposição, sindicatos trabalhistas e suas centrais, bem como muitos juristas e outros setores representativos da sociedade civil manifestaram-se contrários ao processo de privatização anunciado por FHC. Eles tentaram, sem sucesso, inviabilizá-lo por meio de manifestações e medidas judiciais.

Os leilões de privatização, que foram públicos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foram objeto de protestos de setores da esquerda, as a própria esquerda estava atordoada com o triunfo neoliberal no mundo até aquele momento.

Críticas partiram também de vários economistas e do meio acadêmico que, embora estivessem de acordo com a filosofia do programa, viam nele duas grandes falhas. A primeira era a possibilidade de os eventuais compradores poderem efetuar parte do pagamento com as chamadas "moedas podres", títulos da dívida pública emitidos pelos sucessivos governos com o objetivo de resolver crises financeiras e que, ao se tornarem inegociáveis, pressionavam o déficit público. Criticava-se não só a possibilidade de esses títulos serem aceitos, mas que o fossem pelo seu valor de face, quando seu valor de mercado era nulo ou quase nulo, isso deu um "windfall gain" considerável a seus detentores.

A segunda falha, na visão dos críticos, era permitir que o BNDES financiasse parte do preço de compra, ou seja, recursos públicos em tais casos seriam indevidamente utilizados na compra do patrimônio público por empresas privadas, o que se configuraria em uma indevida "apropriação" do patrimônio da nação por grupos privados privilegiados. O acesso ao crédito seria assegurado inclusive aos compradores estrangeiros, teoricamente em desacordo com a tradição seguida, até então, pelo BNDES.

No caso da Eletropaulo o aporte foi de 100% e a compradora, a AES, não teria pagado em dia nem a primeira prestação. Por isso sempre me pergunto: onde está o Ministério Público? Onde estavam e onde estão as ONGs que buscam ética e combatem a corrupção?

Nas privatizações do período FHC foi o próprio Estado, através do BNDES, que financiou e capitalizou companhias e grupos privados para que eles comprassem empresas que integravam o patrimônio público. Um crime denunciado em detalhes pelo livro do jornalista Amaury Ribeiro Junior.

O resultado final das privatizações revelou um aspecto peculiar do programa brasileiro: algumas aquisições somente foram feitas porque contaram com a participação financeira dos fundos de pensão das próprias empresas estatais (como no caso da Vale) ou da participação de empresas estatais de países europeus. O controle acionário da Light Rio, por exemplo, foi adquirido pela empresa estatal de energia elétrica da França.

Ao longo dos oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, as privatizações lograram atingir a receita total de 78,61 bilhões de dólares, sendo 95% em moeda corrente (nessa percentagem estão incluídos os financiamentos concedidos pelo BNDES), e com grande participação dos investidores estrangeiros, que contribuíram com 53% do total arrecadado. Deste total, 22,23 bilhões de dólares referem-se à privatização do setor elétrico e, 29, 81 bilhões de dólares à do setor de telecomunicações, curiosamente a divida pública que teoricamente deveria diminuir aumentou significativamente no governo FHC.

Nesse ponto é possível afirmar que FHC e seu governo domesticado e submisso foi um enorme fracasso, pois, ao contrário do que os tucanos divulgam, o Plano Real implantado por Itamar Franco “não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações do mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada”, afirma o professor Theotonio dos Santos em seu blog (leia mais).

É por essas e outras que penso que os grandes veículos de comunicação brasileiros prestaram um desserviço ao país ao boicotarem explicitamente a divulgação do livro do Amaury Jr., o que não impediu a consagradora venda de 115 mil exemplares em dois meses.




Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA e CONSULTORIA, professor e autor, dentre outros de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi (2007).

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