domingo, 12 de novembro de 2017
O CORNO DA RUA
Por Mario Santayana
Se, como dizia Von Klausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios, a missão do jornalismo deveria ser a de escrever a história enquanto ocorre e acontece. Isso se a mídia não estivesse, na maioria das vezes, a serviço de seus próprios interesses e de projetos de poder mendazes, hipócritas e manipuladores.
Só os ingênuos acreditam em imprensa isenta em uma sociedade capitalista – na qual ela defende o interesse de seus donos e anunciantes. E mais ainda em um país como o Brasil, em que praticamente inexistem meios de comunicação públicos, tampouco democráticos e de qualidade, como em outros lugares do mundo.
A “história oficial” que tenta contar a mídia brasileira hoje é a de que vivemos em um país subitamente assaltado, nos últimos 15 anos, por “quadrilhas” e governos populistas e incompetentes. E que tenta, por meio de uma justiça corajosa e impoluta, livrar-se desse flagelo “limpando” a ferro e fogo a nação. Enquanto isso, um governo, coitado, que não é perfeito, alçado ao poder pelas “circunstâncias”, tenta modernizar o Brasil com reformas inadiáveis para tirá-lo de uma terrível bancarrota em que o governo anterior o enfiou.
Mas a história real que ficará registrada nos livros do futuro falará de um Brasil que, no início do Século 21, chegou a sair da 14ª economia do mundo para sexta nos últimos 15 anos – e que ainda ocupa nono lugar entre as nações mais importantes do mundo. De uma nação que mais que triplicou seu PIB nesse período – sem aumentar a sua dívida pública, seus débitos com principais credores internacionais e quadruplicou sua renda per capita, além de economizar mais de US$ 340 bilhões em reservas internacionais.
Um país que cortou o número de pobres pela metade, quadruplicou o número de escolas técnicas federais, construiu quase 2 milhões de casas populares, com qualidade suficiente para atrair até mesmo o interesse de altos funcionários do Estado, como procuradores da República. Um país que tinha voltado a construir refinarias, navios, grandes usinas hidrelétricas, gigantescas plataformas de petróleo e descoberto, com tecnologia própria, abaixo do fundo do mar, a maior província petrolífera do mundo nos últimos 50 anos.
Que expandiu o crédito e o consumo, duplicou sua safra agrícola, projetou-se internacionalmente e forjou uma aliança geopolítica com potências espaciais e atômicas, como Índia, China e Rússia, montando um banco com a missão de transformar-se no embrião de uma alternativa ao sistema financeiro internacional.
Que estava construindo submersíveis – entre eles, o seu primeiro submarino nuclear – tanques, navios de patrulha, cargueiros aéreos, caças-bombardeiros, radares, novos mísseis ar-ar, sistemas de mísseis de saturação, uma nova família de rifles de assalto, para suas forças armadas, por meio de forte apoio governamental a grandes empresas de engenharia de capital majoritariamente nacional, integrando esses esforços com outros países, também do próprio continente, para fortalecer a defesa e a soberania regional contra eventuais agressões externas.
Um Brasil que, por estar fazendo isso, sofreu, nos últimos quatro anos, um ataque coordenado, ideológico e canalha, de inimigos internos e externos. Primeiro, com a revelação do escândalo de espionagem do país, do governo e de empresas, que seriam “coincidentemente” acusados de corrupção por parte de governos estrangeiros.
Depois, por meio de um golpe iniciado com manifestações financiadas de fora do país, desde a época da Copa do Mundo, e de uma ampla campanha de sabotagem midiática e de operações de contrainformação permanentes, com o deslocamento para cá de embaixadores que estavam presentes quando do desfecho de golpes semelhantes e recentes em outros países sul-americanos, como o Paraguai, por exemplo.
Um golpe que, iniciado no ano de 2013, foi finalmente desfechado em 2016 para gáudio do que existe de pior na política brasileira e de nossos concorrentes internacionais. Concorrentes que, como vimos, pretendiam não apenas parar o Brasil no caminho que estava seguindo, de seu fortalecimento econômico, social e geopolítico, mas destruir a economia brasileira, para se apossar, por meio de uma segunda onda de destruição e de desnacionalização de nossas empresas, de nosso mercado interno e de nossos mais importantes ativos públicos e privados a preço de banana, colocando no poder “governos” de ocasião, entreguistas e dóceis às suas determinações e desejos.
Para fazer isso, os inimigos do Brasil agiram e continuam agindo na frente política e na econômica, sustentados por paradigmas tão falsos quanto mendazes. O principal deles, é o que reza que a corrupção é o maior problema brasileiro, e que trata-se, ela, de um fenômeno recente em nossa história, ou que alcançou supostamente “gigantescas” proporções a partir de chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder em janeiro de 2003.
Na economia, por outro lado, era e é preciso vender o peixe de que o país está quebrado, quando no grupo das 10 principais economias do mundo, pelo menos seis países – EUA, Japão, Reino Unido, França, Itália, Canadá – têm uma dívida pública maior que a nossa.
Precisam justificar um teto para os gastos do governo para os próximos 20 anos, dizendo que o Estado é superdimensionado e perdulário, quando os EUA, por exemplo, apenas na área de defesa, tem mais funcionários públicos do que o Brasil; quando eles se endividaram para se desenvolver e continuarão a se endividar – e a se armar – livremente, no futuro; enquanto nós estaremos sendo governados por imbecis ou espertalhões a serviço de terceiros, vide os mais de R$ 200 milhões recebidos pelo ministro da Fazenda no exterior nos últimos três anos – como se fôssemos uma mercearia, preocupados não com geopolítica, mas apenas, supostamente, com receitas e despesas, sendo condenados a subir no ringue da disputa em um mundo cada vez mais complexo e competitivo com um olho vendado e um braço e uma perna amarrados nas costas, com nações sem limite real de endividamento, que privilegiam a sua própria estratégia nacional no lugar dessa estúpida modalidade de austericídio.
Finalmente, precisam dizer que diante da supostamente calamitosa situação que o país vive, não há outra saída a não ser privatizar tudo – quando não entregar de mãos beijadas até mesmo a empresas estatais estrangeiras – nossas próprias estatais e seus ativos, na bacia das almas e a toque de caixa, porque elas trabalham mal, dão prejuízo; e servem como cabides de emprego – como se empresas privadas não fossem useiras e vezeiras em tráfico de influência e o genro do rei da Espanha, por exemplo – um ex-jogador de handebol – não tivesse ganhado milhares de euros por reunião, em escândalo conhecido, “pendurado” como membro do conselho de empresas “privatizadas” para capitais espanhóis por estas bandas.
Como seria possível para o governo Temer entregar o pré-sal por menos de R$ 20 bilhões, o controle da Eletrobras, a empresa líder de nossos sistema elétrico, por R$ 13 bilhões, e até a Casa da Moeda – país que repassa a terceiros o direito de imprimir o seu dinheiro não merece ser chamado de nação – se ele admitisse que tem, deixados pelo PT – que acusa de ter quebrado o país – mais de um trilhão de reais em caixa, à disposição do Banco Central, além de uma quantia superior ao que está querendo arrecadar com privatizações apenas nos cofres do BNDES?
A doutrina da viralatice, do mais abjeto e abnegado entreguismo, tomou conta das redes sociais e de sujeitos que desgraçadamente – para a nação – nasceram em solo brasileiro, e não tem pejo de pedir na internet ao governo Temer que entregue tudo, nosso petróleo, nossos minerais, nossas terras, nosso mercado, nossas empresas estatais aos gringos.
Já não basta o desprezo pelo PT e o Nordeste, ou – como se viu nas reações à morte da turista espanhola morta por um bloqueio da PM no Rio de Janeiro – a tudo que esteja ligado à periferia das grandes cidades. É preciso bradar, cinicamente, vestido de verde e amarelo, o ódio que ficou por tanto tempo represado, dentro dos pulmões de uma gente tão calhorda quanto desprezível, contra o próprio país e tudo que lembre nacionalismo, brasilidade, soberania, nestes tempos imbecis e vergonhosos que estamos vivendo.
A desculpa é sempre a mesma. As empresas estatais seriam – contradizendo o próprio discurso anticorrupção que está acabando com dezenas de empresas e grupos econômicos privados nacionais – mais “corruptas” e propícias à criação de “cabides de empregos” que as empresas privadas ou privatizadas, embora sujeitos que participaram diretamente da privatização da Telebras tenham pendurado depois durante anos seu paletó na cadeira de presidente de grandes grupos estrangeiros que retalharam entre si o mercado brasileiro de telefonia móvel e até mesmo o genro do Rei da Espanha, especialista em handebol, tenha participado da farra, ganhando milhares de euros para participar de reuniões do Conselho dessa mesma empresa na América Latina.
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