domingo, 13 de maio de 2012

ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Desde a o início do século 19 existia uma forte pressão internacional pela abolição da escravidão nas Américas. A Grã-Bretanha, principal potência capitalista da época, passou a exigir que países como o Brasil abolissem o tráfico intercontinental de escravos. Menos por razões humanitárias e mais por razões econômicas.

Em 1831, por pressão inglesa, foi assinado um acordo proibindo o comércio intercontinental de escravos com o Brasil. No entanto, maior que a pressão do "imperialismo" britânico foi a pressão dos grandes comerciantes e latifundiários escravistas brasileiros, que eram forças hegemônicas no Estado Nacional nascido em 1822. A lei jamais foi aplicada e, por isto mesmo, foi ironicamente intitulada de uma lei "para inglês ver".

Após a aprovação da lei cresceu o número de escravos negros introduzidos no Brasil. Isto enfureceu a principal avalista internacional de nossa independência. As coisas tenderam a se agravar após a abolição completa da escravidão nas colônias inglesas. Em 1845 o parlamento britânico aprovou uma lei, a Aberdeen, que dava à sua marinha poder para apreender navios negreiros e julgar os traficantes.

Cresceu, então, um nacionalismo de conteúdo escravista. As elites conservadoras, sempre subservientes aos interesses externos, passaram a radicalizar seu discurso contra a intervenção estrangeira nos negócios internos do país. Um patriotismo bastante suspeito. As mesmas classes não se envergonhavam da contratação de mercenários estrangeiros para reprimir os movimentos insurrecionais no nordeste e nem em relação aos volumosos empréstimos externos feitos pelo governo brasileiro para pagar a nossa independência.

Em resposta ao nacionalismo espúrio das elites escravistas se levantaria a voz de um dos maiores poetas brasileiros que, nas estrofes revolucionárias de seu poema épico O Navio Negreiro, cantou: "Existe um povo que a bandeira empresta/ Para cobrir tanta infâmia e cobardia! / E deixa-a transformar nessa festa/ Em manto impuro de bacante fria! / Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, / Que impudente na gávea tripudia?! / Silêncio! (...) Musa! chora, chora tanto/ Que o pavilhão se lave no seu pranto!/ (...) Auriverde pendão de minha terra,/ Que a brisa do Brasil beija e balança,/ Estandarte que a luz do sol encerra,/ E as promessas divinas da esperança/ Tu, que da liberdade após a guerra/ Foste hasteado dos heróis na lança,/ Antes te houvesse roto na batalha,/ Que servires a um povo de mortalha!"

O movimento abolicionista adquiriu maior amplitude e ganhou amplas parcelas da população. A luta dos abolicionistas recebeu apoio internacional. Várias mensagens e manifestos de intelectuais progressistas europeus e americanos foram endereçados ao governo e ao parlamento brasileiro.

Acuado, o parlamento imperial aprovou, em 1871, a Lei do Ventre Livre que deu liberdade a todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. O escravismo entrava na defensiva e procurava manobrar, adotando medidas protelatórias. Sabiam que a abolição era inevitável e que seria necessário adiá-la o quanto fosse possível. O próprio projeto dava aos proprietários escravistas o direito de manter o "liberto" sob sua guarda até os 21 anos de idade - ou seja, até 1891. A lei serviu para desorganizar momentaneamente o movimento abolicionista, afastando dele os elementos mais conciliadores. Apenas a ala radical do abolicionismo se manteve ativa.

No início da década de 1880 a campanha ganhou novamente as ruas. Ela adquiriu maior dimensão e mudou de qualidade. O escravismo, ainda mais acuado, buscou deter a avalanche abolicionista com novas medidas protelatórias. Em 1885 o parlamento imperial aprovou a Lei do Sexagenário. Esta, libertava os escravos com mais de 60 anos, mas os obrigava a trabalhar compulsoriamente por mais três longos anos, ou seja - até o fatídico ano de 1888. Obrigava também o liberto a ficar no município em que foi libertado por cinco anos, sob ameaça de prisão.

Os fazendeiros escravistas resistiram quanto puderam, se organizaram nos Clubes de Lavoura e passaram a formar milícias armadas para combater os abolicionistas. Jornais foram empastelados e militantes foram agredidos e mortos.

A Lei do Sexagenário, considerada infame, não conteve o ímpeto dos abolicionistas. Ninguém aceitava mais as medidas protelatórias do império. A estratégia reformista parecia derrotada em 1886. Diante da ineficácia dos métodos moderados - exclusivamente jurídicos e parlamentares -, uma parte de seus membros aderiu às posições mais radicais e passou a organizar fugas de escravos.

Em outubro de 1887 o escravismo sofreu um duro golpe quando o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do Clube Militar, solicitou que não se utilizasse o Exército na caçada de escravos fugitivos. Aumentou, assim, a cisão no aparato repressivo do Estado escravista e os senhores de escravos não podiam mais contar com o braço armado do Estado imperial.

Expressiva foi a declaração de voto do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: "Voto pela abolição porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos acontecimentos."

No primeiro semestre de 1887 ocorreu o auge do movimento de fugas de escravos - que atingiu o seu ápice no mês de junho -, colocando a lavoura paulista em crise. As autoridades provinciais pediram reforço militar ao governo imperial. O Barão de Cotegipe enviou um navio de guerra e um batalhão de infantaria. Não foi à toa que em dois de junho de 1887 Campos Salles iniciou o processo de emancipação "voluntária" dos escravos - com cláusulas de serviço por vários anos - entre os fazendeiros paulistas.

A abolição da escravidão foi um grande passo na construção da nacionalidade. Não deve ser subestimada. Ela permitiu que o país desse mais um passo no sentido do desenvolvimento capitalista - condição da revolução socialista. Corretamente, afirmou o documento 500 anos de Luta: "A abolição resultou de um vasto movimento de massas, que incluiu os escravos rebelados, os setores médios das cidades, a intelectualidade avançada e os primeiros da classe operária (...)".

No entanto, como ela não foi acompanhada de uma reforma agrária e de leis protetoras do trabalhador emancipado, acabou mantendo a população negra liberta numa situação de miséria e longe de poder integrar-se à sociedade brasileira enquanto cidadãos. Alguns abolicionistas, reformistas e radicais, compreenderam estes limites. Por isto apresentaram a proposta de uma reforma agrária, como complemento necessário da reforma servil. Assim pensavam Nabuco, Patrocínio e Rebouças. Mas, a reforma agrária seria uma das tarefas que não poderiam ser realizadas por aquele Estado oligárquico e pelas classes dominantes brasileiras - quer na sua versão monárquica ou republicana.

Augusto Buonicore

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