Há datas que entram para a história como símbolos da abertura de novo ciclo. O 14 de julho de 1789, o outubro de 1917, entre outros, são dias que se cristalizaram em nossas memórias pelo ineditismo de seus fatos, ainda que não fossem a consolidação de seus processos históricos.
Quando as ruínas das torres do World Trade Center ainda ardiam em chamas na noite do dia 11 de setembro de 2001, tornou-se popular entre os analistas de política internacional a ideia de que ali começava o século XXI.
O ano de 2016 parece, agora, melhor candidato a ponto de partida de uma nova jornada histórica.
No espaço de um ano, assistimos a sucessivas ondas sociais e políticas a desafiar as análises e desmoralizar permanentemente quaisquer teorias de “fim da história”. Vimos o surgimento de um ambiente político marcado pela flutuação em tempo real da opinião pública, catalisada pelos algoritmos das grandes redes sociais.
E, assim, as insatisfações desaguaram em fúria, e escreveram enredos históricos antes impensáveis, dando origem a coisas como o Brexit, a eleição de Trump, o golpe parlamentar no Brasil, a vitória de François Fillon nas primárias na UMP na França, e o crescimento do partido nacionalista Alternative fur Deutschland nas eleições estaduais na Alemanha.
O balanço do ano é que a direita tradicional, o conservadorismo e um novo nacionalismo ampliaram seus terrenos, enquanto as esquerdas e as teses de internacionalização e integração econômica assistem atônitas às derrotas que acumulam.
As ondas bruscas que abalaram corporações, governos, partidos e convicções neste ano trouxeram mais dúvidas do que certezas para o futuro do mundo.
Há pouca semanas para o dia da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América, analistas lutam contra as imensas dificuldades de traçar previsões sobre um resultado eleitoral que parecia fantasioso e impossível.
Incerteza e dúvidas são as palavras mais comuns entre os principais editorialistas e formadores de opinião americanos.
No espaço de um ano, assistimos a sucessivas ondas sociais e políticas a desafiar as análises e desmoralizar permanentemente quaisquer teorias de “fim da história”. Vimos o surgimento de um ambiente político marcado pela flutuação em tempo real da opinião pública, catalisada pelos algoritmos das grandes redes sociais.
E, assim, as insatisfações desaguaram em fúria, e escreveram enredos históricos antes impensáveis, dando origem a coisas como o Brexit, a eleição de Trump, o golpe parlamentar no Brasil, a vitória de François Fillon nas primárias na UMP na França, e o crescimento do partido nacionalista Alternative fur Deutschland nas eleições estaduais na Alemanha.
O balanço do ano é que a direita tradicional, o conservadorismo e um novo nacionalismo ampliaram seus terrenos, enquanto as esquerdas e as teses de internacionalização e integração econômica assistem atônitas às derrotas que acumulam.
As ondas bruscas que abalaram corporações, governos, partidos e convicções neste ano trouxeram mais dúvidas do que certezas para o futuro do mundo.
Há pouca semanas para o dia da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América, analistas lutam contra as imensas dificuldades de traçar previsões sobre um resultado eleitoral que parecia fantasioso e impossível.
Incerteza e dúvidas são as palavras mais comuns entre os principais editorialistas e formadores de opinião americanos.
Um dos poucos que acertaram o resultado eleitoral, o documentarista Michael Moore, adiciona mais incerteza sobre o futuro dos EUA ao dizer que ainda não sabemos quem tomará posse no dia 20 de janeiro, já que o resultado do colégio eleitoral poderá ser alterado por delegados infiéis às decisões de seus estados, fato que não ocorre desde 1824.
Já no Brexit, o novo governo conservador, instalado com o único propósito de tornar concreta a decisão do referendo, segue a pedir mais prazos para romper os laços com a Europa. Os acessos de fúria e insubmissão de uma opinião movida a likes produziram consequências que atingem interesses de amplo espectro, de corporações multinacionais a partidos progressistas, e tal convergência, em vez de representar sólido triunfo, pode ser a origem de fragilidades e dúvidas.
Invertendo o ângulo pelo qual se veem os fenômenos e a examinar os processos que deram origem às ondas de 2016, os vencedores podem ter mais preocupações do que comemorações. A crise generalizada da representação democrática e a inquietação de largos segmentos da população com os resultados e as soluções encontradas para a crise de 2008 indicam que a impaciência não foi aplacada.
Trump talvez seja o exemplo mais caricato dessa nova lógica, ao dar declarações conflitantes e moldar uma base oscilante para sua agenda política, moldada a partir da lista de trending topics de sua conta no Twitter. A estratégia é eficaz para passar pelo portal do processo eleitoral, mas será suficiente para sustentar um projeto de longo prazo?
Hoje o mundo digital é mais real que virtual, mas ainda assim a política ainda não é uma tela de smartphone, em que um deslizar de dedos faz desaparecer as verdades de 15 minutos atrás.
Em uma entrevista logo após o resultado do referendo, um vitorioso parlamentar Nigel Farage gaguejava ao dizer que o dinheiro que o Reino Unido destinava para a União Europeia talvez não pudesse ser revertido em futuro próximo para o Sistema Nacional de Saúde. Tal medida havia sido um dos principais motes da campanha do Brexit, da qual Farage foi o principal porta-voz. De julho para cá, seu partido perdeu 30% dos seus filiados.
Nos EUA, ainda resta duvidosa a capacidade de Trump de recriar os empregos fabris nos estados que lhe deram a vitória, pois a maioria das avaliações entendem que, mesmo que uma parte dos postos de trabalho tenha sido exportada, a grande maioria foi vitimada pela mais recente revolução tecnológica nos segmentos manufatureiros.
Aqui, o novo governo brasileiro, que inverteu a agenda política eleita pelo voto, adiou a promessa de crescimento para o último trimestre do ano que vem. Até lá, muito arrocho, medidas impopulares e hordas de políticos envolvidos em denúncias de corrupção. E a impaciência e a fúria latentes.
Tais realidades não implicam que os tempos das direitas serão necessariamente curtos. Por outro lado, há espaço para que forças progressistas recuperem o diálogo com a opinião pública.
Primeiro, é preciso parar de apontar para os outros, e começar a encarar os problemas internos. Seria positivo ver a esquerda brasileira parar de cobrar os que foram às ruas pelo impeachment, e passar a dialogar com as críticas a corrupção e a insatisfação com o estado de coisas da economia que levaram àqueles protestos.
Assim como seria excelente ver o Partido Democrata americano explicar porque ignorou a diretriz política de Barack Obama que dizia “Não façam coisas estúpidas” e permitiu que um sistema distorcido de superdelegados elegesse uma candidata vinculada ao establishment, quando o público exigia a antítese.
Os progressistas europeus poderiam retraçar um projeto de Europa integrada que incluísse os trabalhadores e preservasse direitos. Tais primeiros passos permitiriam que vozes progressistas recuperem o tempo de tela perdido nas timelines mundo afora.
Voltar a ser ouvido é apenas ponto de chegada e não de partida. Exige-se da esquerda e do campo progressista resposta para as grandes questões. A saída para crise de 2008 foi suficiente para reduzir desemprego em alguns países, mas a desigualdade social só se amplia (2016 também foi o ano que em que o 1% mais rico concentrou mais riqueza do que os demais 99%, segundo a Oxfam).
A insatisfação com o desaparecimento de empregos fabris resultante de substituições tecnológicas não foi aplacada pelas soluções de pós-emprego, tais como as panaceias do empreendedorismo e das indústrias criativas.
O multiculturalismo parece não ter sido suficiente para conciliar a vida em sociedades multiétnicas e preservar a laicidade do Estado em diversos países. O multilateralismo falhou na sua missão fundamental de promover a paz, tendo a Síria como prova cabal de seu insucesso.
Ideias novas que possam responder a essas difíceis questões talvez sejam a saída para que 2016 não tenha sido o marco de uma nova era conservadora, mas sim um importante recomeço para as forças que acreditam na construção de um novo mundo mais justo, tolerante e solidário.
Fernando Pacheco é economista e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).
Já no Brexit, o novo governo conservador, instalado com o único propósito de tornar concreta a decisão do referendo, segue a pedir mais prazos para romper os laços com a Europa. Os acessos de fúria e insubmissão de uma opinião movida a likes produziram consequências que atingem interesses de amplo espectro, de corporações multinacionais a partidos progressistas, e tal convergência, em vez de representar sólido triunfo, pode ser a origem de fragilidades e dúvidas.
Invertendo o ângulo pelo qual se veem os fenômenos e a examinar os processos que deram origem às ondas de 2016, os vencedores podem ter mais preocupações do que comemorações. A crise generalizada da representação democrática e a inquietação de largos segmentos da população com os resultados e as soluções encontradas para a crise de 2008 indicam que a impaciência não foi aplacada.
Trump talvez seja o exemplo mais caricato dessa nova lógica, ao dar declarações conflitantes e moldar uma base oscilante para sua agenda política, moldada a partir da lista de trending topics de sua conta no Twitter. A estratégia é eficaz para passar pelo portal do processo eleitoral, mas será suficiente para sustentar um projeto de longo prazo?
Hoje o mundo digital é mais real que virtual, mas ainda assim a política ainda não é uma tela de smartphone, em que um deslizar de dedos faz desaparecer as verdades de 15 minutos atrás.
Em uma entrevista logo após o resultado do referendo, um vitorioso parlamentar Nigel Farage gaguejava ao dizer que o dinheiro que o Reino Unido destinava para a União Europeia talvez não pudesse ser revertido em futuro próximo para o Sistema Nacional de Saúde. Tal medida havia sido um dos principais motes da campanha do Brexit, da qual Farage foi o principal porta-voz. De julho para cá, seu partido perdeu 30% dos seus filiados.
Nos EUA, ainda resta duvidosa a capacidade de Trump de recriar os empregos fabris nos estados que lhe deram a vitória, pois a maioria das avaliações entendem que, mesmo que uma parte dos postos de trabalho tenha sido exportada, a grande maioria foi vitimada pela mais recente revolução tecnológica nos segmentos manufatureiros.
Aqui, o novo governo brasileiro, que inverteu a agenda política eleita pelo voto, adiou a promessa de crescimento para o último trimestre do ano que vem. Até lá, muito arrocho, medidas impopulares e hordas de políticos envolvidos em denúncias de corrupção. E a impaciência e a fúria latentes.
Tais realidades não implicam que os tempos das direitas serão necessariamente curtos. Por outro lado, há espaço para que forças progressistas recuperem o diálogo com a opinião pública.
Primeiro, é preciso parar de apontar para os outros, e começar a encarar os problemas internos. Seria positivo ver a esquerda brasileira parar de cobrar os que foram às ruas pelo impeachment, e passar a dialogar com as críticas a corrupção e a insatisfação com o estado de coisas da economia que levaram àqueles protestos.
Assim como seria excelente ver o Partido Democrata americano explicar porque ignorou a diretriz política de Barack Obama que dizia “Não façam coisas estúpidas” e permitiu que um sistema distorcido de superdelegados elegesse uma candidata vinculada ao establishment, quando o público exigia a antítese.
Os progressistas europeus poderiam retraçar um projeto de Europa integrada que incluísse os trabalhadores e preservasse direitos. Tais primeiros passos permitiriam que vozes progressistas recuperem o tempo de tela perdido nas timelines mundo afora.
Voltar a ser ouvido é apenas ponto de chegada e não de partida. Exige-se da esquerda e do campo progressista resposta para as grandes questões. A saída para crise de 2008 foi suficiente para reduzir desemprego em alguns países, mas a desigualdade social só se amplia (2016 também foi o ano que em que o 1% mais rico concentrou mais riqueza do que os demais 99%, segundo a Oxfam).
A insatisfação com o desaparecimento de empregos fabris resultante de substituições tecnológicas não foi aplacada pelas soluções de pós-emprego, tais como as panaceias do empreendedorismo e das indústrias criativas.
O multiculturalismo parece não ter sido suficiente para conciliar a vida em sociedades multiétnicas e preservar a laicidade do Estado em diversos países. O multilateralismo falhou na sua missão fundamental de promover a paz, tendo a Síria como prova cabal de seu insucesso.
Ideias novas que possam responder a essas difíceis questões talvez sejam a saída para que 2016 não tenha sido o marco de uma nova era conservadora, mas sim um importante recomeço para as forças que acreditam na construção de um novo mundo mais justo, tolerante e solidário.
Fernando Pacheco é economista e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).