sexta-feira, 23 de setembro de 2016

SETEMBRO AMARELO


Geralmente as tragédias são alarmantes e agitadas. Nos comovemos com imagens de guerras onde inocentes morrem em batalhas estúpidas e ataques terroristas como o de Paris.. Ou cenas de tragédias naturais como o recente terremoto no centro da península Itálica.

O interessante é que a maior de todas as tragédias é silenciosa e quase imperceptível.

A maior de todas as tragédias humanas absolutos é o suicídio, fenômeno social que pode acontecer, às vezes, na casa ao lado, sem que nada se perceba.

Segundo estatísticas da OMS (Organização Mundial da Saúde), órgão da ONU, ocorrem cerca de 1 milhão de suicídio por ano no mundo constituindo-se, em números absolutos, na maior de todas as tragédias. Isso representa um crescimento de 60% nos últimos 40 anos.

Só para efeito de comparação, na guerra da Síria que já dura quatro anos morreram, até agora, cerca de 250 mil pessoas.

E o número é avassalador se pensarmos que, em média, para cada um suicídio ocorram 20 tentativas que não resultam em óbito, mas que, por vezes, deixam sequelas permanentes.

No Brasil, estima-se que cerca de 32 pessoas por dia cometam suicídio, sendo de 3 a 4 pessoas no Rio Grande do Sul.

Aliás, o estado do Rio Grande do Sul é onde, proporcionalmente, mais ocorrem suicídios e Porto Alegre é a triste campeã entre todas as capitais brasileiras, destacando-se ainda, cidades como Venâncio Aires, Lajeado, Santa Rosa, Vacaria, São Borja, Candelária, Uruguaiana, Passo Fundo e Sapiranga.

São números desconhecidos pela maioria da população.

O enforcamento ainda é a forma mais usual, mas é grande o número de suicídios por arma de fogo e, entre as mulheres, envenenamento e quedas de grande altura.

Alguns lugares tornaram-se míticos, como a Ponte Golden Gate, m San Francisco, nos Estados Unidos, ou o Bosque do silêncio no Japão.

Por aqui destaca-se a morte sobre os trilhos do Trensurb.

Os homens se matam mais que as mulheres numa proporção de 3 suicídios masculinos por um feminino, mas, entre a população jovem, de 15 a 29 anos, cresceu muito o suicídio entre as meninas levando a proporção de 3 para 2.

Aliás, entre os jovens, o suicídio é a segunda maior causa de mortes, sendo entre a população feminina nessa faixa etária, a primeira.

A relação econômica é plausível pois 75% dessas mortes ocorrem em países pobres, sendo que apenas 20 países no mundo, possuem algum tipo de política de prevenção.

Nesse ritmo temos que aceitar a projeção sinistra de 1,5 milhão de suicídios/ano a partir de 2020.

As causas são múltiplas e geralmente relacionadas entre si.

A maioria das vítimas tinham algum tipo de transtorno mental (depressão e bipolaridade) e há indícios de esquizofrenia e paranoia entre seus agentes.

Outros fatores, entretanto, agravam o problema.

Uso abusivo de drogas, incluindo o álcool, sentimento de rejeição, dificuldade para processar as decepções, bullings e isolamento, entre eles.

Objetivando chamar a atenção das populações para o fenômeno, a OMS criou em 2014 o “Setembro Amarelo” e desde então esse mês tem sido um marco de reflexão e planejamento de ações sobre o assunto, sendo o dia 10 de setembro o dia mundial de prevenção ao suicídio.

E nós podemos e devemos participar desse esforço mundial.

Nossa sociedade industrial força uma vida acelerada das pessoas como se elas fossem, continuamente, peças de uma mecanismo maior e autômato. Vive-se com pressa de tudo. Fala-se muito e ouve-se pouco.

Ouvir o outro é o exercício primeiro de uma postura mais humana e fraterna. Substituir a avalanche de argumentos lógicos por uma estratégia de ouvinte realmente interessado em aliviar a dor alheia.

Reza a lenda que quem muito fala que vai se matar não se mata. Mas isso é apenas lenda. O potencial suicida, segundo relatos médicos, busca ajuda de formas, muitas vezes, imperceptíveis em busca de um ombro amigo.

O desinteresse ou não ser levado a sério reforça a sensação de despertencimento do potencial suicida.

Ouvir os outros pode salvar vidas e combater a solidão, respeitando os sentimentos de cada um, uma obrigação de todos.



Prof. Péricles




quarta-feira, 21 de setembro de 2016

O BRASIL E O PERIGOSO JOGO DA HISTÓRIA

Por Mauro Santayana


Embora muita gente não o veja assim, o afastamento definitivo de Dilma Roussef da Presidência da República, em votação do Senado, por 61 a 20 votos, no final de agosto, é apenas mais uma etapa de um processo e de um embate muito mais sofisticado e complexo, em que está em jogo o controle do país nos próximos anos.

Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT conseguiu a extraordinária proeza de fazer tudo errado, fazendo, ao mesmo tempo, paradoxalmente, quase tudo certo.

Livrou o país da dependência externa, pagando a dívida com o FMI, e acumulando 370 bilhões de dólares em reservas internacionais, que transformaram nosso país, de uma nação que passava o penico quando por aqui chegavam missões do Fundo Monetário Internacional, no que é, hoje - procurem por mayor treasuries holders no Google - o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos.

E o fez, ao contrário do que dizem críticos mendazes, sem aumentar a dívida pública.

A Bruta, em 2002, era de 80% e hoje não chega a 70%. A Líquida era, em 2002, de aproximadamente 60% e hoje está por volta de 35%.

Mas isso não veio ao caso.

Ajudou a criar milhões de empregos, fez milhões de casas populares, criou o Pronatec, o Ciências Sem Fronteiras e o FIES, fez dezenas de universidades e escolas técnicas federais e promoveu extraordinários avanços sociais.

Mas isso não veio ao caso.

Voltou a produzir e a construir, depois de décadas de estagnação e inatividade, navios, ferrovias - vide aí a Norte-Sul, que já chegou a Anápolis - gigantescas usinas hidrelétricas (Belo Monte é a terceira maior do mundo) plataformas e refinarias de petróleo, mísseis ar-ar e de saturação, tanques, belonaves, submarinos, rifles de assalto, multiplicou o valor do salário mínimo e da renda per capita em dólares.

Mas isso não veio ao caso.

Porque o Partido dos Trabalhadores foi extraordinariamente incompetente em explicar, para a opinião pública, o que fez ou o que estava fazendo.

Se tinha um projeto para o país, e que medidas faziam, coordenadamente, na economia, nas relações exteriores, na infraestrutura e na defesa, parte desse projeto.

Em vez de "bandeiras" nacionais, como a do fortalecimento do país no embate geopolítico com outras nações, que poderiam ter "amarrado" e explicado a criação do BRICS, os investimentos da Petrobras no pré-sal, a política para a África e a América Latina do BNDES, o rearmamento das Forças Armadas, os investimentos em educação e cultura, em um mesmo discurso, o PT limitou-se a investir em conceitos superficiais e taticamente frágeis, como, indiretamente, o do mero crescimento econômico, fachada para as obras do PAC.

Na comunicação, o PT confiou mais na empatia do que na informação. Mais na intuição, do que no planejamento.

Chamou, para estabelecer sua linha de comunicação, "marqueteiros" sem nenhuma afinidade com as causas defendidas pelo partido, e sem maior motivação do que a de acumular fortunas, que se dedicaram a produzir mensagens açucaradas, estabelecidas segundo uma estratégia eventual, superficial, voltadas não para um esforço permanente de fortalecimento institucional da legenda e de seu suposto projeto de nação, mas apenas para alcançar resultados eleitorais sazonais.

O Partido dos Trabalhadores teve mais de uma década para explicar, didaticamente, à população, as vantagens da Democracia, seus defeitos e qualidades, e sua relação de custo-benefício para os povos e as nações.

Não o fez.

Teve o mesmo tempo para estabelecer, institucionalmente, uma linha de comunicação, que explicasse, primeiro, a que tinha vindo, e os avanços e conquistas que estava obtendo para o país.

Como, por exemplo, a multiplicação do PIB em mais de quatro vezes, em dólar, desde o governo FHC - trágicos oito anos em que, segundo o Banco Mundial, o PIB e a renda per capita em dólares andaram para trás - que foram simplesmente ignorados.

Poderia ter divulgado, também, os 79 bilhões de dólares de Investimento Estrangeiro Direto dos últimos 12 meses, ou o aumento do superavit no comércio exterior, ou o fato de o real ter sido a moeda que mais se valorizou este ano no mundo, ou o crescimento da valorização do Bovespa desde o início de 2016, como exemplos de que o diabo não estava tão feio quanto parecia.

Mas também não o fez.

Sequer em seu discurso de defesa ao Senado - que deveria ter sido usado também para fazer uma análise do legado do PT para o país - Dilma Roussef tocou nestes números, para negar a situação de descalabro nacional imputada de forma permanente ao Partido dos Trabalhadores pela oposição, os internautas de direita e parte da mídia mais manipuladora e venal.

O partido e suas lideranças foram reiteradamente advertidos de que ocorreria no Brasil o que aconteceu no Paraguai com Lugo - a presença aqui da mesma embaixadora norte-americana do golpe paraguaio era claramente indicativa disso.

De nada adiantou.

De que era preciso estabelecer uma defesa competente do governo e de seu projeto de país na internet - cujos principais portais foram desde 2013 praticamente abandonados à direita e à extrema-direita enquanto a esquerda, sem energia para se mobilizar, se recolhia ao monólogo, à vitimização e à lamentação vazia em grupos fechados e páginas do Facebook.

De nada adiantou.

Não se deu combate às excrescências que sobraram do governo Fernando Henrique, justamente no campo da corrupção, com a investigação de uma infinidade de escândalos anteriores, que poderia ter levado à cadeia bandidos antigos como os envolvidos agora, por indicação também de outros partidos, nos problemas da Petrobras.

E erros táticos imperdoáveis - não é possível que personagens como Dilma e Lindbergh continuem defendendo a Operação Lava-Jato, de público, em pleno julgamento do impeachment, quando essa operação parcial e seletiva foi justamente o principal fator na derrubada da Presidente da República.

Sob o mote de um republicanismo "inclusivo", mas cego, criou-se um vasto ofidário, mostrando, mais uma vez, que o inferno - o próprio, não o dos outros - pode estar cheio de boas intenções.

Desse processo, nasceram uma nova classe média e uma plutocracia egoístas, conservadoras e "meritocráticas", paridas no bojo da expansão econômica e do "aperfeiçoamento" administrativo, rapidamente entregues, devido à incompetência estratégica à qual nos referimos antes, de mão beijada, para adoção institucional pela direita.

Como consequência disso, há, hoje, uma batalha jurídica que está sendo travada, principalmente, no âmbito do Congresso Nacional, voltada para a aprovação de leis fascistas - disfarçadas, como sempre ocorre, historicamente, sob a bandeira da anti-corrupção, que, com a desculpa de combater a impunidade - em um país em que dezenas de milhares de presos, em alguns estados, a maioria deles, se encontra detido em condições animalescas sem julgamento ou acesso a advogado - pretende alterar a legislação e o código penal para restringir o direito à ampla defesa consubstanciado na Constituição, no sentido de se permitir a admissibilidade de provas ilícitas, de se restringir a possibilidade de se recorrer em liberdade, e de conspurcar os sagrados e civilizados princípios de que o ônus da prova cabe a quem está acusando e de que todo ser humano será considerado inocente até que seja efetiva e inequivocamente provada a sua culpa.

Batalha voltada, também, para expandir o poder corporativo dessa mesma plutocracia e seus muitos privilégios.

Enquanto isso, aguerrida, organizada, fartamente financiada por fontes brasileiras e do exterior, a direita - "apolítica", "apartidiária", fascista, violenta, hipócrita - deu, desde o início do processo de derrubada do PT do governo, um "show" de mobilização.

Colocou milhões de pessoas nas ruas.

E estabeleceu seu domínio sobre os espaços de comentários dos grandes portais e redes sociais - a imensa maioria das notícias já eram, desde 2013 pelo menos, contra o governo do PT, em um verdadeiro massacre midiático promovido pelos grandes órgãos de comunicação privados - estabelecendo uma espécie de discurso único que, embora baseado em premissas e paradigmas absolutamente falsos, se impôs como sagrada verdade para boa parte da população.

Entre as principais lições dos últimos anos, vai ficar a de que a História é um perigoso jogo que não permite a presença de amadores.





Texto original de Mauro Santayana, também reproduzido no Blog do meu amigo, Prof. Carlos.



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O HOMEM TROCADO


Por Luis Fernando Verissimo


O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.

- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.

- Eu estava com medo desta operação...

- Por quê? Não havia risco nenhum.

- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...

E conta que os enganos começaram com seu nascimento.

Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.

- E o meu nome? Outro engano.

- Seu nome não é Lírio?

- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...

Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.

- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.

- O senhor não faz chamadas interurbanas?

- Eu não tenho telefone!

Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.

- Por quê?

- Ela me enganava.

Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:

- O senhor está desenganado.

Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite.

- Se você diz que a operação foi bem...

A enfermeira parou de sorrir.

- Apendicite? - perguntou, hesitante.

- É. A operação era para tirar o apêndice.

- Não era para trocar de sexo?



Luis Fernando Veríssimo, filho do imortal Érico Veríssimo, é escritor e cronista de Porto Alegre.

sábado, 17 de setembro de 2016

A RECEITA


Em tempos de sucessos televisivos gastronômicos, apresentamos a receita do momento, sucesso no Paraguai e agora no Brasil em nova versão.

É uma receita tradicional que vem e volta e já fez muito sucesso em outros momentos no Brasil, como em 1954 e 1964.

Apesar de suas fragilidades tem agradado ao gosto da Classe média, principalmente aquela que se acha dona de paladar superior.

A receita chama-se “Golpismo à Brasileira” e é relativamente fácil de fazer graças a fome aparentemente insaciável dos midiotas da nação.

INGREDIENTES:

Autoritarismo;

Mídia comprometida;

Polícia Federal tendenciosa;

Judiciário corrupto;

Judiciário covarde (não confundir com Judiciário corrupto);

Igrejas e pastores estelionatários;

Congresso de Bandidos;

Entreguismo da nação e

Corrupção.


MODO DE FAZER

Unte a forma com bastante autoritarismo, que pode ser encontrado em todos os níveis, consciente, inconsciente, público ou privado.

Coloque o golpe em banho maria.

Após a quarta eleição perdida, coloque o golpe na forma previamente untada com o autoritarismo.

Atenção: A mídia comprometida é um ingrediente fundamental que você deve colocar na base, no meio e por cima do golpe, por isso, você precisará de muita mídia comprometida pois ela estará presente em todas as outras fases do golpismo.

Junte Polícia Federal tendenciosa e Judiciário Corrupto na mesma forma. Você sabe se eles já estão maduros para a receita conforme o desejo de protagonismo que a mídia (não esqueça de misturar) pode oferecer. 

Guarde a parte nobre do judiciário corrupto, o Supremo covarde para ser destacado mais adiante, quando o golpe já estiver semi-consolidado.

Para enfeitar seu golpismo com cores aberrantes e ridículas, polvilhe tudo com conceitos, entrevistas e dogmas das Igrejas salvacionistas e seus Pastores estelionatários. Você poderá achar que está exagerando e que seu golpe vai perder a credibilidade, mas, fique tranquilo, ninguém nota o estelionato e milhões de consumidores adoram engolir dogmas e falso moralismo.

Quando a fervura estiver borbulhando, leve seu golpismo ao Congresso de Bandidos e deixe em fogo alto. O Congresso de Bandidos se encarregará de dar aroma e aspecto de popularidade ao seu prato.

Não esqueça de ir mexendo a mistura e colocando Mídia Comprometida o tempo todo.

As porções de corrupção e entreguismo aos interesses externos devem ser generosas, não seja econômico.

Enfeite tudo com o Judiciário Covarde que você separou para coroar seu golpe.

Tome cuidado para não misturar democracia, pois isso pode azedar seu golpe.

Pronto, seu golpismo à brasileira está pronto.

Você será extremamente elogiado pelos midiotas, mas não permita que eles comam demais pois sabemos bem que o golpe é feito mesmo para as elites nacionais e os interesses estrangeiros. Midiotas são ideais para elogiar sua receita e bater palmas, mas não permita abusos, pois podem acreditar que fazem parte do banquete.

Essa receita é infalível para matar a tal democracia e afastar os mais pobres da mesa, mas não se preocupe, o golpe não é feito para eles e sim para paladares acostumados ao poder.

Pobres devem roer os ossos na senzala e sem muitas reclamações.



Prof. Péricles









quinta-feira, 15 de setembro de 2016

OS TAMBORINS ESTÃO ESQUENTANDO

Por João Pedro Stedile


Fora, Temer!

No dia 31 de agosto consolidou-se o golpe judicial/midiático também no Congresso Nacional.

A burguesia concluiu a primeira etapa da conspiração, que vem desde outubro de 2014, para empossar, de qualquer maneira, um governo totalmente subserviente e capaz de jogar todo o peso da crise econômica sobre os ombros da classe trabalhadora.

Agora, está em curso a etapa de acelerar a implementação de medidas neoliberais, que só interessam ao capital financeiro e ao grande capital, aumentando a exploração do trabalho, diminuindo salários, aumentando o desemprego e aplicando um programa de privatizações e ajustes fiscais que envergonham até o FMI.

Todos os dias são anunciadas medidas estapafúrdias que rasgam a CLT, a Constituição e os direitos sociais conquistados a duras penas, por décadas de lutas sociais.

Porém, o gostinho da vitória parlamentar durou pouco. O golpe não conseguiu legitimar-se, nem na opinião pública, nem para o povo e desmoralizou-se até a nível internacional.

O presidente impostor foi humilhado na reunião do G-20, em que os demais governantes nem sequer o chamaram por presidente. E ele teve que aproveitar a viagem para ir comprar sapatos num Shopping Center qualquer. Tadinho!

Do ponto de vista jurídico, a farsa caiu quando os senadores não tiveram coragem de imputar a perda de direitos para a presidenta Dilma, revelando assim que não houve crime. E pior, três dias depois, os mesmos senadores aprovaram projeto que legaliza as pedaladas fiscais. Ora, não era crime?

Mas a mais dura resposta veio das ruas. No domingo 4 de setembro, menos de uma semana depois do golpe, mais de cem mil jovens paulistas foram às ruas protestar, levantando as bandeiras de FORA, TEMER, DIRETAS JÁ e NENHUM DIREITO A MENOS. Sem o estímulo de nenhuma rádio ou televisão, totalmente servis aos golpistas.

Depois, no dia 7 de setembro, repetiram-se centenas de manifestações em todo o Brasil, com milhares de brasileiros/as, em torno do “Grito dos Excluídos”, com as mesmas bandeiras.

E culminou com a classe média dando uma sonora vaia de cinco minutos na abertura das Paralimpíadas no Maracanã.

O que será desse governo, ninguém sabe. Do lado da burguesia eles também tem dúvidas. O governo golpista não consegue dar unidade política às forças conservadoras. Seu plano neoliberal não vai tirar o país da crise econômica e política; ao contrario vai agravá-la, trazendo consequências graves para toda população. Os sinais de corrupção de seus membros contradizem com o discurso e os interesses da chamada “Republica de Curitiba”. Por isso o Advogado Geral da União foi demitido sumariamente.

Até quando a mídia e o poder judiciário vão esconder as delações dos empresários, das propinas ilegais que envolvem ilustres ministros e inclusive o presidente impostor?

O governo golpista poderá vir a ser um governo em crise permanente, que só vai desgastar os partidos que o sustentam, como foram os últimos anos do caótico governo Sarney (1985-89). Ou então a burguesia poderá trocá-lo pela via indireta a partir de janeiro de 2017 e colocar algum impostor de maior habilidade e confiança do poder econômico.

De nosso lado, da classe trabalhadora, o tempo de vida útil desse governo deveria ser o mínimo possível. Mas na política, os fatos e a correlação de forças não dependem da vontade e desejos. Depende de força acumulada de cada lado.

E o tempo de sua permanência vai depender de nossa capacidade de mobilizar a classe trabalhadora para assumir essas bandeiras. Até agora ela ficou parada, assistindo apenas, como se o jogo político, não fosse com seu time.

As próximas semanas…O governo golpista acelerou sua ofensiva contra os direitos da classe trabalhadora. Os anúncios quase diários da perda de direitos, da reforma da previdência, da política de subordinação ao capital estrangeiro, com privatizações e venda de terras, da entrega do pré-sal, do gasoduto, da BR distribuidora, e outras riquezas nacionais, estão despertando uma parcela cada vez maior da população e da classe trabalhadora.

Diante disso, várias categorias no campo e na cidade aumentaram suas mobilizações e lutas nacionais, como vem acontecendo com os trabalhadores rurais, os camponeses, os bancários, os metalúrgicos, os professores, os trabalhadores do correio e os servidores públicos.

E num processo de maior articulação dessas lutas setoriais, as centrais sindicais conclamaram a uma paralisação nacional para o próximo dia 22 de setembro. Haverá um esforço não só do movimento sindical, mas de todos os movimentos da FRENTE BRASIL POPULAR E DA FRENTE POVO SEM MEDO, para que essa paralisação seja, de fato, vitoriosa e paralise as atividades da produção, de transporte, do serviço público, do comércio e das escolas.

E como alertam os sindicalistas, isso tudo será um ensaio geral para a deflagração de uma GREVE GERAL contra o governo golpista.

Ao mesmo tempo, em São Paulo, e em um número cada vez maior de cidades, se multiplicam as manifestações, em geral aos domingos, às vezes até auto-convocadas, quase espontâneas, majoritariamente pela juventude e por movimentos das mulheres, clamando cada vez mais alto a necessidade do FORA, TEMER; de DIRETAS JÁ, como uma proposta generosa de que a ordem democrática somente voltará, se o povo tiver o direito de escolher seus representantes nas urnas; por NENHUM DIREITO A MENOS, ou seja contra as medidas do plano neoliberal em curso.

Como vêem, os tamborins estão esquentando, e a luta será cada vez mais intensa…

Vamos à luta, companheiros e companheiras.



João Pedro Stedile é líder do MST, economista graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México.


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

TUDO É POSSÍVEL NA ELEIÇÃO NORTE-AMERICANA

Por José Inácio Werneck


Na reta final da eleição presidencial americana, que se realiza sempre na terça-feira seguinte à primeira segunda-feira de novembro, há três possibilidades: vitória apertada de Hillary Clinton, vitória apertada de Donald Trump e vitória por enxurrada de Hillary Clinton.

A única hipótese que não acontecerá é a de uma vitória por enxurrada (que os americanos chamam de “landslide”, ou avalanche) de Donald Trump.

E isto tem muito a ver com sua personalidade. Donald Trump, um desonesto homem de negócios que, entre outras coisas, fraudou investidores e se recusa a revelar seu Imposto de Renda, tem se apresentado como um homem intolerante, racista, anti-imigrantes e xenófobo.

Por causa disto, seu apelo está fortemente concentrado na população masculina branca, sobretudo a de menor poder aquisitivo e menor índice de educação.

Isto parece contraditório: como pode um bilionário defensor da classe privilegiada encontrar apoio entre pessoas de menor poder aquisitivo?

A explicação está em que este é o eleitorado (também eleitorado de menor nível educacional) “blue collar”, que se sente mais prejudicado pela presença de imigrantes de outras raças, como latinos e asiáticos, na disputa por empregos em fábricas, indústrias e manufaturas em geral. O salário médio desta população está há muito tempo estagnado.

A economia americana mudou radicalmente nas últimas décadas, com indústrias de larga tradição, a exemplo da siderúrgica e da automobilística, perdendo terreno para competidores estrangeiros.

Restam e são cada vez mais importantes, as atividades de colarinho branco em tecnologia de ponta, informática e investimentos, que exigem alto poder de especialização e instrução. Este eleitorado não é favorável a Trump.

Outra camada de apoio a Trump é encontrada entre conservadores brancos religiosos, que vêm nele um obstáculo ou ao menos um freio na crescente secularização do país e na admissão de direitos humanos como casamentos de homossexuais e acesso a abortos.

Tais características poderiam indicar que a base eleitoral de Trump é pequena e ele está fadado a uma contundente derrota.

Em seu favor, porém, Trump conta com a falta de confiança que o público americano em geral, aí incluídos eleitores democratas, deposita em Hillary Clinton, desde suas atividades em negócios imobiliários ao tempo em que seu marido era governador de Arkansas até seu mais recente desempenho como Secretária de Estado, quando usou uma conta pessoal para e-mails secretos, em vez de usar o sistema governamental, e supostamente favoreceu governos e empreendimentos que investiram na Fundação Clinton.

Ela tampouco ganhou a admiração do público feminino ao acobertar os desmandos sexuais de Bill Clinton, inclusive no famoso caso de Monica Lewinsky, para não prejudicar suas próprias ambições políticas.

Não é exagero dizer que esta eleição reúne os dois piores candidatos possíveis.

Há um número de imponderáveis em ação, como os dois candidatos “pequenos”: o libertário Gary Johnson e o verde Jill Stein.

É bom lembrar que Al Gore, além de ter sua eleição roubada pelos juízes republicanos na Suprema Corte, foi também prejudicado na disputa no ano 2000 pela presença do candidato verde Ralph Nader.

É muito mais provável que democratas desgostosos com Hillary Clinton optem por candidatos como Gary Johnson e Jill Stein do que republicanos o façam.

É também muito mais provável que democratas desgostosos com Hillary Clinton resolvam ficar em casa no dia da eleição do que republicanos o façam.

A maioria do povo americano – como ficou claro na eleição de 2000 quando Al Gore ganhou a disputa “popular” embora tenha perdido a de “votos eleitorais” de acordo com a Suprema Corte – prefere os democratas.

Os democratas tem mais estados “fiéis”, num total de 242 votos em geral “garantidos” no Colégio Eleitoral, contra apenas 102 dos republicanos.

Por isto, é possível que Hillary Clinton derrote Donald Trump por enxurrada.

Mas a percepção negativa que o público em geral tem dela pode nestas últimas semanas levar a uma vitória apertada para Donald Trump.



José Inácio Werneck, jornalista e escritor, é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.