terça-feira, 25 de março de 2014
A CABEÇA DO BRASILEIRO
Por Alberto Carlos Almeida
Uma das maiores dificuldades do brasileiro é aceitar o Brasil como ele é: quente, úmido e tropical, dentre outras coisas. O próprio brasileiro não aceita ser brasileiro. Não são todos assim, graças a Deus. É uma minoria, com certeza, mas que tem uma influência desproporcional na mídia e nas redes sociais. Há aqueles que gostariam que o clima no Brasil fosse frio. Recentemente, uma conhecida minha postou no Facebook uma frase de satisfação ao desembarcar em Nova York: "Eba, que bom voltar a sentir frio novamente". Para muitos, o calor traz para o corpo o suor e para a mente, o subdesenvolvimento.
Eles se justificam com as teorias pseudocientíficas que associam o sucesso econômico ao clima temperado. Provavelmente, se acham bem informados, mas nunca leram a prova mais cabal contra essa visão no best-seller mundial de Jared Diamond, "Germes, Armas e Aço".
Quem não gosta do calor que nos faz brasileiros pode também não gostar do Carnaval. As duas coisas não caminham necessariamente juntas, a não ser pelo fato de que, no Brasil, o Carnaval é mais animado nas cidades onde o clima é mais tropical. Creio que uma das coisas que me impedem de me interessar por desfilar em uma escola de samba em São Paulo é que não faz calor no momento do desfile. Desfile de escola de samba vem necessariamente associado a samba, suor e cerveja. A ausência de um desses elementos prejudica o divertimento.
Tenho sobrinhas na faixa dos 15 anos de idade que nunca passaram o Carnaval no Brasil. Acho lamentável. Se, por acaso, seguissem a carreira política, não considero que seria uma boa coisa sermos governados por elas. Para determinado segmento de nossa elite, o Carnaval não passa de um feriado longo que permite esquiar nos Alpes franceses ou em Vail, nos Estados Unidos. Enquanto eles estão no Hemisfério Norte se divertindo ao descer montanhas cobertas de neve, seu país está nas ruas, pulando, cantando, bebendo e fazendo uma demonstração inquestionável de vitalidade. O Carnaval é a comemoração do nada, não há coisa alguma sendo celebrada, como é no Natal, na Páscoa, na festa de São João, nos aniversários, nos casamentos.
O Carnaval não tem propósito algum, é a alegria pela alegria. Para um segmento da elite, porém, há um imenso propósito em aproveitar o período para esquiar, tomar vinho e comer fondue.
Rejeitar o clima tropical, o Carnaval, nossas origens ibéricas, nossa cor predominantemente parda, os inúmeros elementos que formam nossa identidade não nos confere vantagem comparativa alguma sobre outras nacionalidades. Pelo contrário, a vantagem está em reconhecer e saber aproveitar a diferença. Não se trata, jamais, de ser patriota ou nacionalista - aliás, esse é um traço formidável de nossa identidade: não somos nem uma coisa nem outra. Ainda bem. Conhecemos detalhadamente, por meio dos livros, as atrocidades perpetradas pelos atualmente civilizados europeus em nome tanto do nacionalismo quanto do patriotismo. Está aí um mal que nunca se abateu nem se abaterá sobre quem vive em clima tropical. Dizia um amigo meu que é impossível ser fascista no calor do Nordeste. Faz sentido.
Nossa incapacidade de aproveitar a Copa do Mundo tem a ver com isso. Tem a ver com a enorme dificuldade que temos em aceitar que somos brasileiros. É muito simples argumentar pragmaticamente em favor da Copa do Mundo no Brasil. Em primeiro lugar, se toda a energia e todos os recursos investidos na Copa tivessem sido direcionados, por exemplo, para a saúde pública, isso não teria melhorado um milímetro sequer o atendimento à população. Tecnicamente, sabe-se que, para melhorar áreas como saúde, transporte e segurança, são necessários muito mais recursos do que os direcionados para a Copa. Feita a ressalva, poderíamos elencar dezenas de motivos para aceitarmos a Copa, defendê-la e fazer o nosso melhor para que ela seja um sucesso retumbante. Afinal, é muito rara a chance de sediar um evento como esse, e os benefícios de longo prazo para a imagem do país e para o fluxo de turistas estão devidamente comprovados.
Como não nos aceitamos como brasileiros, não estamos tirando proveito disso. É lamentável. Quanto mais brasileiro alguém é, mais essa pessoa é otimista em relação à Copa. Uma proxy de ser brasileiro é gostar de futebol. Quanto mais uma pessoa gosta de futebol, mais brasileira ela é. Faço aqui a ressalva importante de que ser tipicamente brasileiro não exige que se goste de futebol, mas que ajuda, ajuda.
O Instituto Análise dividiu os brasileiros em três grupos quando se trata de gostar de futebol: os apaixonados, os que gostam e os indiferentes. São apaixonados por futebol aqueles que: conversam ou fazem brincadeiras sobre futebol com parentes e amigos, torcem para um time de futebol, torcem para a seleção brasileira, assistem a jogos da seleção durante a Copa do Mundo e veem notícias sobre futebol. Nada menos do que 51% fazem essas cinco coisas. Os que apenas gostam de futebol fazem três ou quatro dessas cinco coisas - são 22% do Brasil. E os que fazem duas, uma ou nenhuma dessas cinco coisas são 27% dos brasileiros.
Pois bem, quanto mais alguém gosta de futebol, mais essa pessoa apoia a Copa do Mundo e a valoriza. Podemos dizer que, quanto mais brasileiro alguém é, mais apoia a Copa. Em primeiro lugar, quanto mais apaixonada por futebol uma pessoa é, mais a Copa no Brasil aumenta o orgulho de ser brasileiro: isso ocorre para 76% dos apaixonados, 71% dos que gostam de futebol e somente para 51% dos indiferentes. Além disso, os apaixonados por futebol, em sua maioria, 61%, consideram que a Copa do Mundo é boa porque traz investimentos e gera empregos. Essa proporção despenca para 37% quando a pessoa é indiferente ao futebol.
Há muita coisa ruim e que precisa melhorar no Brasil. Mas isso não nos faz piores do que nenhum outro país. A história nos ensina que todos os países desenvolvidos - todos, sem exceção - passaram por problemas muito parecidos aos que vivemos hoje. Há estágios de desenvolvimento. O Brasil está em um estágio menos avançado. Nosso PIB per capita é bem menor do que o dos países desenvolvidos. Estamos melhorando, fizemos isso durante todo o século XX. O Brasil foi um dos países que mais cresceram no século passado, e não estamos fazendo feio neste início de século XXI.
Não adianta ter pressa, não adianta ficarmos a todo momento nos comparando com Estados Unidos ou Alemanha. É possível alcançar o estágio de desenvolvimento de ambos, mas isso leva tempo e, portanto, exige paciência. No mais, o Carnaval passou e agora vem a Copa. Não vai demorar muito para que ela comece. Para aproveitá-la não é preciso esperar.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise
domingo, 23 de março de 2014
50 ANOS DEPOIS
Nós que nem éramos vivos em 1964 e que jamais nos sentimos perseguidos, não tivemos nenhuma culpa se outros 500 mil brasileiros foram ilegalmente investigados pelos órgãos de segurança, nem pelos 200 mil brasileiros detidos para averiguações sendo que desses quase dois mil rotulados como “suspeitos políticos” nunca mais conseguiram bons empregos ou aprovação em crediário, tão necessários para qualquer compra a prazo.
Nem nós que ainda éramos muito crianças na década de 60 podemos ser responsabilizados pelas 10 mil pessoas torturadas da forma mais indigna e perversa em toda nossa história. Torturas psíquicas e torturas físicas que mataram, estupraram e deixaram seqüelas para o resto da vida dos sobreviventes.
Como responsabilizar quem nunca passou fome em terra estranha e que nunca esteve desempregado num país estrangeiro de não entender a dor de cerca de 10 mil brasileiros exilados, sem direito de defesa, alguns, por mera denúncia anônima de alguém no período de vigência do AI-5?
Que parâmetros de valor temos para entender o desespero de 1.148 funcionários públicos e seus familiares depois de demitidos apenas por serem considerados simpatizantes do presidente deposto, ou dos 1.312 militares contrários à Ditadura reformados sem requerer a reforma, ou ainda pelos 245 estudantes expulsos das universidades e proibidos de freqüentar qualquer ensino superior no país?
E quem viveu esses momentos, mas que pela desinformação, foi mantido alienado não tem responsabilidade nenhuma por sua ignorância premeditada pela censura.
Não temos culpa da dor que mutila o corpo e dilacera a alma, do tapa na cara que envergonha, da violência sexual praticada com requintes de barbárie.
Nossos corações estavam longe sendo amadurecidos, e o som que predominava era o Iê-Iê-Iê ou bossa nova e não os gemidos dos calabouços.
Meia geração sonhava com um calhambeque a mais de 100 km na estrada de Santos, curtia a vida adoidada dos anos 60 enquanto a outra metade era massacrada nas matas do Araguaia, nas Casas de Petrópolis ou em algum porão encardido do Brasil.
Mesmo aqueles que sabiam algumas coisas, mas preferiram viver suas vidas fazendo de conta que nada sabiam têm culpa direta pelos 400 mortos, a maioria sem nenhuma chance de defesa, sendo que destes, 144 ainda estão desaparecidos e para suas famílias o pesadelo ainda não acabou.
Não, nós não estávamos lá, não pactuamos ou não sabíamos de nada disso Nós realmente não temos culpa desse terror, desse fascismo abrasador que enoiteceu o Brasil por mais de 20 anos.
Mas a história é dinâmica, ela gira sua roda e nos cobra uma postura.
O próximo 31 de março marcará 50 anos do dia em que tudo começou.
Estranhamente, 50 anos depois, podemos nos tornar cúmplices de tudo isso.
Desnudos do manto da ignorância basta uma palavra de elogio ao terror, de simpatia à força bruta ou o silêncio diante da injustiça para nossa cumplicidade se tornar evidente...
Mesmo que distante no tempo, qualquer aprovação, objetiva ou dissimulada, ao período de exceção representará nossa aceitação a todos os crimes.
Não podemos ser criminosos cinqüenta anos depois.
Que a nossa voz seja de defesa da democracia e de desprezo aos que, por outros interesses buscam criar verdades em cima de mentiras, expressando valores hipócritas em marchas espúrias.
Não nos deixemos levar pela ingenuidade de quem não estava lá, não defende os mais frágeis, não defende a inclusão, e mesmo assim, acha que está com Deus.
O inferno é logo ali. E o inferno quando aberto, engole a todos. Hoje a desconhecidos e anônimos, mas amanhã, nossos amigos e nossos amores.
O silêncio dos bons deve inquietar mais do que a fanfarra das viúvas da ditadura.
Se ontem, a ignorância nos absolve, hoje somos chamados a construir um mundo mais justo.
Não podemos ser cúmplices, cinqüenta anos depois.
Prof. Péricles
sábado, 22 de março de 2014
TÉCNICAS DE ASSASSINOS
Por Mario Magalhães
Em um dos mais importantes e verossímeis depoimentos já prestados por agentes da ditadura (1964-85), o coronel reformado Paulo Malhães afirmou que ele e seus parceiros cortavam os dedos das mãos, arrancavam a arcada dentária e extirpavam as vísceras de presos políticos mortos sob tortura antes de jogar os corpos em rio onde jamais viriam a ser encontrados.
O relato histórico do oficial do Exército foi feito à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro e revelado nesta sexta-feira pelo repórter Chico Otávio.
Malhães se referia a presos políticos assassinados na chamada Casa de Petrópolis, um imóvel clandestino na região serrana fluminense onde servidores do Centro de Informações do Exército detinham, torturavam e matavam opositores da ditadura. De acordo com o coronel, os cadáveres eram ensacados junto com pedras. Dedos e dentes eram retirados para impedir a identificação, na eventualidade de os restos mortais serem encontrados. As vísceras, para o corpo não boiar.
Veterano da repressão mais truculenta do passado, Malhães figura em listas de torturadores elaboradas por presos. É ele quem assumiu ter desenterrado em 1973 a ossada do desaparecido político Rubens Paiva.
Seu testemunho, sem vestígios de arrependimento, contrasta com o de aparente mitômano surgido em anos recentes. Malhães não é um semi-anônimo, mas personagem marcante para seus pares em orgãos repressivos e para presos políticos.
Dois trechos do seu depoimento à comissão, conforme reprodução de “O Globo''
1) “Jamais se enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre. Como ali, saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não (jogar) com muita pedra. O peso (do saco) tem que ser proporcional ao peso do adversário, para que ele não afunde, nem suba. Por isso, não acredito que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo.”
2) “É um estudo de anatomia. Todo mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e enche de gás. Então, de qualquer maneira, você tem que abrir a barriga, quer queira, quer não. É o primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro.”
Com a frieza de quem conta ter ido à padaria, Malhães afirmou, referindo-se ao local onde vive, a Baixada Fluminense: “Eu gosto de decapitar, mas é bandido aqui''.
Mário Magalhães nasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. Recebeu mais de 20 prêmios.
sábado, 15 de março de 2014
O PASSEIO DE SÓCRATES
Conta-nos Platão que um dia tornou-se comum ouvir pelas ruas de Atenas que Sócrates era o homem mais inteligente do mundo. Não apenas o mais inteligente de sua pólis, mas de todo o mundo, e isso incluía os sábios do Egito, os mestres da Fenícia e da Núbia.
Seus discípulos, orgulhosos, andavam pelas ruas de Atenas empertigados, e acabaram levando essa opinião pública em comitiva ao grande filósofo.
Sócrates, segundo Platão, ficou muito abalado com aquela notícia, e após alguns minutos de silêncio, saiu sozinho, sem dizer para onde iria.
Voltou somente à noite, reuniu seus discípulos e pondo a destra sobre o ombro de Platão disse “amigos, o povo de Atenas está errado. Completamente errado. Eu, definitivamente, não sou o homem mais inteligente do mundo e peço-vos que não mais repitam essa inverdade”.
Apesar da noticia envaidecedora, Sócrates se negou um título que não poderia ser comprovado, embora, até mesmos seus alunos o aceitassem e repercutissem.
Platão sempre quis saber, e nos diz isso claramente, onde Sócrates foi naquele dia.
Perguntou ao mestre, mas dele nunca obteve uma resposta.
Certamente, mais do que o espaço físico, foi no seu próprio íntimo, na sua alma, as estradas que percorreu.
Na atualidade vivemos um mundo de aparências e de opiniões rápidas. Opiniões fast food.
A egolatria atingiu picos extremos com o desenvolvimeno de comunidades virtuais e a possibilidade de expor o que se pensa, e o que pensamos, geralmente consideramos verdades.
Praticamente com a mesma velocidade da informação temos a formação da opinião, e, geralmente, a aceitação tácita daquilo que lhe infla o ego ou que parece ser coerente com velhos conceitos.
Em cima do “ouvi dizer” se escreve tratados imutáveis sobre quase tudo.
É importante que as pessoas se informem e balizem suas idéias sobre fatos. Mas, para isso é necessário ir além da comodidade de ouvir sempre o mesmo jornal, ou ler sempre o mesmo articulista. É necessário se educar todos os dias.
Nos convencemos muito rápido que já ouvimos tudo e nos enganamos achando que já vimos todos os filmes.
Sempre haverá novos ângulos.
Importa que nossas opiniões não sejam tão inflexíveis e nossas conclusões menos intransigentes.
Menos certezas e mais espaço para a dúvida e o debate.
E se em dado momento nos achamos espertos, como os discípulos do sábio de Atenas, recordemos o passeio que ele deu e que o fez perceber suas limitações.
Devemos fazer o nosso próprio passeio para, provavelmente, descobrir que sempre é tempo para rever velhos dogmas, o quanto estão velhos nossos rótulos e como é manipulada nossa vaidade.
Não somos os mais bem informados e os mais espertos.
Menos, bem menos.
Prof. Péricles
sexta-feira, 14 de março de 2014
RAÍZES DA IMPUNIDADE
por Juremir Machado da Silva
Muito se fala de impunidade no Brasil. Tenho convicção de que a origem dessa impunidade está na ditadura imposta em 1964. Os ditadores nunca foram punidos. Muito menos os torturadores que fizeram o mais sujo dos serviço para o regime comandado por generais que jamais tiveram a chancela do voto direto.
O Brasil é um dos poucos países com ditadura recente a poupar os seus ditadores e os seus torturadores de qualquer punição.
Isso se deu pela Lei da Anistia, de 1979, lei de auto-anistia pela qual a ditadura aceitou a volta dos exilados em troca da auto-absolvição dos crimes dela mesma.
O problema é que os resistentes à ditadura foram punidos com exílio, prisão, tortura, cassações de mandato, mortes e, vale destacar, com processos julgados pelo Superior Tribunal Militar. Um lado foi julgado e condenado.
O outro, o dos ditadores e torturados, não.
O jornalista Luiz Cláudio Cunha resumiu: “A conta da ditadura de 21 anos prova que ela atuou sem o povo, apesar do povo, contra o povo. Foram 500 mil cidadãos investigados pelos órgãos de segurança; 200 mil detidos por suspeita de subversão; 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; 11 mil acusados nos inquéritos das Auditorias Militares, cinco mil deles condenados, 1.792 dos quais por “crimes políticos” catalogados na Lei de Segurança Nacional; dez mil torturados nos porões do DOI-CODI; seis mil apelações ao Superior Tribunal Militar (STM), que manteve as condenações em dois mil casos; dez mil brasileiros exilados; 4.862 mandatos cassados, com suspensão dos direitos políticos, de presidentes a governadores, de senadores a deputados federais e estaduais, de prefeitos a vereadores; 1.148 funcionários públicos aposentados ou demitidos; 1.312 militares reformados; 1.202 sindicatos sob intervenção; 245 estudantes expulsos das universidades pelo Decreto 477 que proibia associação e manifestação; 128 brasileiros e dois estrangeiros banidos; quatro condenados à morte (sentenças depois comutadas para prisão perpétua); 707 processos políticos instaurados na Justiça Militar; 49 juízes expurgados; três ministros do Supremo afastados; o Congresso Nacional fechado por três vezes; sete assembleias estaduais postas em recesso; censura prévia à imprensa, à cultura e às artes; 400 mortos pela repressão; 144 deles desaparecidos até hoje”.
Basta?
Como não houve punição aos criminosos do lado da ditadura, os saudosos dos anos sujos vão festejar os 50 anos do golpe de 1964. Esse o resultado da impunidade no Brasil. O homem comum se diz: se é permitido dar golpe de Estado, derrubar presidente, torturar, matar, armar atentados como o do Rio-Centro, sem qualquer punição, então a bandidagem está liberada.
Basta arranjar um pretexto como salvar o país do comunismo. O Brasil é mesmo original: aqui, torturador não se envergonha, não é punido, vive tranquilamente e ainda comemora. Mais do que isso, ainda encontra defensor na mídia com aquele discurso fraudulento: se é para punir, tem de punir os dois lados. Um lado já foi punido. Só falta o outro.
A impunidade no Brasil tem origem no regime militar.
domingo, 9 de março de 2014
PALANQUE VAZIO 01
Ela nasce num dia típico de primavera em 7 de maio de 1748.
Espírito rebelde, questionadora. Cabelo loiro eternamente desajeitado. Olhos redondos e inquietos. A boca produzia sorriso mais largo que a Franca conheceu.
Dizem de Marie Olympe Gouzel era uma linda mulher.
Muito jovem já militava politicamente pelos direitos das crianças ilegítimas, e eram muitas na França do século XVIII.
A partir de 1770 passou a escrever febrilmente sobre temos sociais que envolviam injustiças e abandonados.
L’Esclavage dês Nègres é um dos mais candentes livros contra a escravidão já escrito no mundo. Teve que lutar anos por sua publicação. Quem poderia querer publicar algo escrito por uma mulher?
Em 1789 emocionada com os caminhos da Revolução Francesa que visavam “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” valores que ela tanto amava, escreveu inúmeras obras de cunho feminista, abordando, o direito ao divórcio, ao prazer, o sexo e às relações sexuais fora do casamento.
São anos de liberdade e Olympe acredita que a liberdade é pra todos e que não se pode esquecer os direitos das mulheres.
“Para quer procriar sem amor? Acaso o alimento sem tempero te agrada?” dizia ela.
Estava feliz e sua felicidade se expande por cada palavra, em cada página, num desejo avassalador de igualdade. Ouçam a voz da mulher! Igualite, igualite!
Em pouco tempo a revolução lhe turva a alegria. A igualdade que pregam é apenas uma igualdade burguesa. A liberdade meramente de investimento e a fraternidade uma ilusão. A mulher? Permanece inalterável na mesma posição de inferioridade.
Mas não calam a sua voz, nem seu talento. “A mulher tem direito de montar o seu palanque” disse em 1791, para um público apaixonado por sua energia. Essa frase se tornaria célebre, até hoje citada quando se fala seu nome.
Também em 1791 cometeria o “crime” mais grave e revoltante para os homens de sua época. Redigiu de próprio punho a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” que expõem com ironia a hipocrisia de revolucionários que se dizendo libertários reforçavam a dominação e exploração feminina.
Encurrala miseravelmente o pensador Jan-Jacques Rousseau, autor do clássico “O Contrato Social” escrevendo uma obra com o mesmo título propondo o casamento com relações de igualdade entre o homem e a mulher.
Em 1793, em pleno inferno das prisões e execuções do período dos Jacobinos no poder, Olympe escreve “Les Trois Urnes” onde se coloca contra a pena de morte, contra a execução de Luis XVI e propõem um plebiscito para que o povo escolha a forma de governo.
É presa e julgada sumariamente.
Parabéns pra você Olympe de Gouges, mulher, cidadã, mártir da luta da liberdade, guilhotinada em 3 de novembro de 1793, aos 45 anos.
Seu palanque Olympe está vazio, mas cada vez mais mulheres do mundo montam seus palanques de onde bradam por igualdade e pelo respeito devido a sua condição de cidadã.
Porém, inspiradas em pessoas como você, cada vez mais Olympes enfrentam as guilhotinas das chacotas, das leis espúrias e da força bruta, tornando sua luta algo bem maior do que uma luta de gênero, mas, uma luta pela própria condição humana.
Parabéns a todas as mulheres no seu dia!
Prof. Péricles
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