sexta-feira, 24 de junho de 2016
O DEDO DE LULA
Por EMIR SADER
Dois ídolos do ódio racista que a direita promoveu no Brasil, Bolsonaro e Moro, usaram o dedo do Lula para expressar seus valores.
Bolsonaro imprimiu e difundiu camisetas em que aparece a mão do Lula com quatro dedos, explorando o defeito físico do maior líder popular que o Brasil já teve. Moro, conversando com seus comparsas, se refere ao maior dirigente político que o país tem como "nine", uma forma depreciativa de mencionar Lula.
São duas formas de expressão em que se revelam personalidades desprezíveis, odiosas execráveis, de preconceito e de tentativa de desqualificação de um líder popular, de um operário, de um imigrante nordestino.
Expressam bem o que é a elite branca brasileira do centro sul, que se considera dona do país e sempre tratou de tratar aos outros – os de origem popular, os do nordeste, os trabalhadores – como bárbaros, selvagens, "mal informados", como disse o outrora líder dessa gente, o FHC.
A sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como estratificação social e como ideologia.
Uma sociedade que nunca foi majoritariamente branca teve sempre como ideologia dominante a da elite branca. Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia, na direção dos clubes, nas universidades, nos governos – em todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.
A elite paulista e do sul do país representa, melhor do que qualquer outro setor, esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revolução de 30, menos ainda o governo de Getúlio.
A ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo "a locomotiva da nação", o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil.
Os trabalhadores imigrantes, que construíram a riqueza de São Paulo, eram todos "baianos" ou "cabeças chatas", trabalhadores que sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em São Paulo.
A elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a "salvação do Brasil"- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.
Terminada a ditadura, tiveram que conviver com Lula como líder popular e o Partido dos Trabalhadores, para quem canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista, líder popular.
Não bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da super exploração dos trabalhadores. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite branca brasileira.
Essa elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora, a Dilma. Teve que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.
O ódio a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e do centro sul do país e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos foram sua representação política e a mídia privada, seu porta-voz.
Na crise atual, a burguesia e setores da classe média do centro sul protagonizaram algumas das cenas mais vergonhosas da história brasileira, nas manifestações contra a democracia, a favor do golpe e da ditadura militar, exibindo suas dimensões mais fascistas e discriminatórias.
Colocavam pra fora o ódio contra os que tinham regulamentado o trabalho das empregadas domésticas, que já não serviriam à opressão e à exploração indiscriminada das patroas. Contra os que tinham transformado o Nordeste, que tinham aberto as universidades para os jovens pobres, contra os que tinham permitido aos pobres de viajar para ver seus parentes ou para fazer turismo. Contra os que fizeram do Brasil um país menos injusto, menos desigual, contra os que tiraram o país do Mapa da Fome, a que as elites brancas tinham condenado o povo para sempre.
E Lula sempre foi e continua sendo a expressão mais alta desse movimento de democratização social do Brasil.
Gente como Bolsonaro e Moro ofendem a Lula porque sabem que assim ofendem ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos. Tentam desconhecer que a indústria brasileira foi construída com as mãos de operários como o Lula, que os carros em que eles passeiam foram construídos por trabalhadores como o Lula. Que o dedo que Lula perdeu são os muitos dedos que os acidentes diários de trabalho provocam nos trabalhadores, para sobreviver com baixos salários e produzir as riquezas do Brasil.
Bolsonaro e Moro são os herdeiros do político do sul que disse que "iam acabar com essa raça por décadas". Deveriam ser processados por racismo, ao exibir essas camisetas com Lula sem um dedo e ao falar de Lula como "nine". São seres desprezíveis, odiosos, execráveis, do pior que o Brasil tem, pelo ódio de classe ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos, pelo ódio ao Brasil.
Nós nos orgulhamos de Lula como eles não podem se orgulhar de seus ídolos, promotores do estupro de mulheres e agentes fascistas contra os partidos e líderes de esquerda, contra a própria democracia, que é e será fatal para eles.
Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
quarta-feira, 22 de junho de 2016
O RISCO É HILLARY PERDER
Por José Inácio Werneck
Há pouco mais de um ano era quase certo que a disputa pela presidência dos Estados Unidos seria entre membros de duas ilustres dinastias: Jeb Bush, pelos republicanos, e Hillary Clinton, pelos democratas.
Jeb Bush cedo sucumbiu, esmagado pelo terrível legado da Guerra do Iraque, deixado por seu irmão George, e pelo apelido de “Low Energy Jeb” que lhe foi dado por Donald Trump.
Hillary Clinton porém está próxima de conquistar a indicação pelo Partido Democrático.
Seu adversário será exatamente Donald Trump que, ao anunciar sua candidatura, era considerado pouco mais do que uma figura cômica, quase um palhaço, famoso por sua insaciável sede de publicidade, por seu programa The Apprentice e pela ridícula campanha em que insistia que o presidente Barack Obama tinha nascido no Quênia.
A escolha de Hillary Clinton era considerada quase uma “coroação”, pois não haveria entre os democratas um candidato que pudesse superá-la.
Mas o senador por Vermont, Bernie Sanders, que não pertence ao Partido Democrático, apresentou-se como independente em suas primárias e conseguiu o que parecia impossível, pois lutava contra a máquina do partido: endureceu a campanha contra Hillary Clinton.
Hillary ganhará a escolha na convenção, mas sua eleição à presidência, que parecia certa, é agora uma grande dúvida: as pesquisas de opinião apontam um empate virtual entre ela e Donald Trump e a tendência é para o crescimento deste.
A eleição de Trump, boquirroto, demagogo, irresponsável e fascitóide, seria ou será uma tragédia para os Estados Unidos e para o mundo: todas as suas promessas (ou ameaças), como uma guerra comercial contra a China, o muro na fronteira mexicana (com a conta enviada ao governo do país vizinho), a proibição da entrada de muçulmanos no país, a promessa de reativar as poluentes minas de carvão, a ameaça de usar bombas atômicas, são irresponsáveis – além de provavelmente irrealizáveis.
É difícil acreditar que um país adiantado como os Estados Unidos possa eleger uma pessoa como Trump, mas Hitler e Mussolini, em suas épocas, também conquistaram imensa popularidade na Alemanha e na Itália.
O problema de Hillary Clinton, porém não é Trump, é ela mesma, Hillary.
A cada dia que passa as pesquisas de opinião revelam que mais e mais eleitores desconfiam de seu caráter.
Hillary é cada vez mais uma pessoa vista como pouco confiável, capaz de mentiras e tergiversações que vão desde negócios duvidosos ao tempo em que seu marido Bill era governador de Arkansas e depois presidente dos Estados Unidos, até os tempos atuais, com suas palestras secretas para os banqueiros de Wall Street, em troca de 11 milhões de dólares, aos e-mails em seu provedor particular enquanto foi Secretária de Estado de Barack Obama.
Mesmo o eleitorado feminino confia pouco em Hillary Clinton, achando que ela sempre foi conivente, omissa e até cúmplice (pelo menos cúmplice a posteriori), encobrindo as conhecidas aventuras extraconjugais de seu marido e culpando as parceiras.
Em suma, como ela demonstrou ao apoiar George W. Bush em sua decisão de invadir o Iraque (enquanto Bernie Sanders e Barack Obama se opunham), a impressão geral é de que Hillary toma posições com base em um único critério: o que ela julga mais conveniente para sua carreira.
No caso da invasão do Iraque, ela não queria ficar fora do que achava seria uma “marcha triunfal” dos americanos no país.
A história provou que foi um erro colossal.
Por isto muita gente não votará em favor de Hillary Clinton no próximo mês de novembro: sufragará o nome de Hillary Clinton como único jeito de votar contra Donald Trump.
Assim está a eleição no país mais rico do mundo: entre um pilantra e uma oportunista.
Dos males, o menor.
Resta saber se será o suficiente para dar a vitória aos democratas.
José Inácio Werneck, jornalista e escritor é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.
sábado, 18 de junho de 2016
O ACABA BAILE
Uma das figuras mais conhecidas das histórias que se contam nos pagos do Rio Grande é do “Acaba Baile”.
O “Acaba Baile” era o índio guapo barbaridade, que se achegava nos bares para tomar uma canha, já olhando com o canto do olho para a assistência e, em dia de festa, já chegava no baile armado de facão.
Bastava um olhar atravessado que o cuera já se atacava e o buchichim estava feito.
Érico Veríssimo descreveu em “Um Certo Capitão Rodrigo” o seu personagem principal como um autêntico “Acaba Baile”.
Quando o Capitão Rodrigo chega em Santa Fé vai direto para o bolicho e ao entrar solta a pérola: “"Buenas e me espalho, nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!".
Como todo bom fanfarrão o Capitão Rodrigo está se apresentando e dizendo que nos mais fracos bate pouco (nos pequenos dou de prancha, isso é, com o lado do facão) mas nos grandes bate muito (nos grandes dou de talho, ou, com o fio do facão).
Claro, criaturas assim fazem parte das lendas pampeanas e são assunto para causos e risos em roda de chimarrão.
Eles existem a séculos no imaginário que moldou a lenda do gaúcho corajoso e desafiador que não teme a nada sendo figuras queridas do folclore gaúcho.
Mas não é que pros lados dos esteites, um lugar exemplar para muitos, apareceu um acaba baile, pior, muito pior do que qualquer Capitão Rodrigo?
Trata-se de Omar Mateen, um jovem de 29 anos, homofóbico e simpatizante do radicalismo islâmico representado pelo Exército Islâmico (EI).
Armado com um rifle de repetição um revólver e um "aparelho suspeito", que teve uma explosão controlada, que não foi mais detalhado pela polícia, o rapaz conseguiu entrar numa boate de público majoritariamente gay e passou a disparar a torto e a direito, matando indiscriminadamente ao seu redor.
Foram 49 vítimas fatais e mais de 50 feridos.
Longe de ser fruto de uma lenda urbana ou alimentar causos e risos Omar é bem real.
Suas origens não estão no folclore, mas na intransigência do ocidente para com os de orientação sexual diferente da sua.
Estão na competição avassaladora dessa sociedade que rotula cada um como vencedor ou derrotado desde a mais jovem idade.
Estão na exclusão e na solidão que acompanha os que se sentem menores mesmo que cercado por milhões.
Na hipocrisia de uma sociedade que em nome dos lucros imensos da indústria da bala, permite que armas e munição sejam vendidos por atacado ou a varejo nos balaios de liquidação.
O Acaba Baile norte-americano não acabou apenas com o baile em que pessoas se divertiam e gastavam o seu dinheiro arduamente conquistado, mas com as vidas dessas pessoas que ele sequer conhecia.
O pior nem é a existência de um “Acaba Baile” que não conseguiu controlar suas próprias carências e instintos e num misto de moralismo e religiosidade extrapolou suas emoções e partiu para a ação enlouquecida.
O pior é que muitos outros “Omares” permanecem silenciosos nas mentes reacionárias de muitos homens de bem e de poder, capazes de esconder seu ódio.
São esses "Omares" que se divertem com as piadas racistas, o comportamento homofóbico e impedem que qualquer lei que dificulte o acesso às armas nos Estados Unidos seja aprovada.
O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.
O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.
Prof. Péricles
quinta-feira, 16 de junho de 2016
RUÍNA DE UMA TRAIÇÃO
Por Max Cavalera
Esfacela-se, miseravelmente, toda a rede conspiratória que culminou em uma das mais vergonhosas e indecentes traições da nossa breve e frágil história democrática.
Sob à luz dos fatos, desmantela-se uma quadrilha de hipócritas que se utilizou da intolerância e do preconceito de uma sociedade branca, elitista e machista para se locupletarem num ciclo de corrupção, impunidade, poder e dinheiro.
A sequência dos fatos é estarrecedora tanto do ponto de vista prático quanto simbólico.
Uma vez afastada a presidenta Dilma, vimos, num misto de espanto e horror, surgir um ministério de velhos burgueses onde a diversidade de gênero, de raça e de ideias se fez tão escasso quanto a dignidade dos que protagonizaram a verdadeira falência desse tão celebrado Estado Democrático de Direito.
A partir desse monstro criado da mentira e da desonra, pôs-se em prática a retomada de um Status Quo que em certo dia um metalúrgico ousou subverter.
Com o cínico discurso da moralidade, tudo a que se referia social foi revisto, diminuído ou simplesmente extinto. Assim manda o capital.
A questão é que não importa o quão dissimulado esse governo interino possa ser, a marca de sua ilegalidade é gritante. E logo fez suas primeiras vítimas.
Como num câncer que corrói de dentro pra fora, os primeiros sinais de podridão foram sentidos já nos primeiros dias. Temer se viu obrigado a cortar na carne para salvar as aparências.
Como a metástase de sua delinquência moral é incontornável, assumiu de vez o caráter puramente corruptor e corruptível de sua equipe e já não se constrange em manter ao seu lado a leva de denunciados que se somam a cada dia.
No caminho percorrido que levou à completa desmoralização de todos aqueles que apoiaram o golpe, chegamos ao dia em que é solicitada a prisão da nata dos golpistas. Jucá, Sarney, Renan e Cunha na cadeia criam um retrato fiel do que representa Michel Temer na presidência da República.
Que jamais esqueçam, cada lágrima derramada pela traição regará a força e a razão necessárias para impor a ruína dos traidores.
Max Cavalera, nome artístico de Massimiliano Antônio Cavalera, é um cantor e guitarrista brasileiro. Formou a banda de thrash metal Sepultura juntamente com seu irmão, Igor Cavalera.
terça-feira, 14 de junho de 2016
AMANHÃ HÁ DE SER OUTRO DIA
Por André Roberto de A. Machado
Logo depois da votação do impeachment de Dilma Roussef na Câmara dos Deputados, cheguei em casa e peguei o único Hemingway da prateleira. Não sou um grande conhecedor de Hemingway, nem mesmo um profundo admirador da sua literatura. Mas foi um ato imediato, impensado. Larguei inacabado o romance do português Lobo Antunes que tinha me acompanhado na viagem, uma história engenhosa de um homem velho entre o delírio e a vida em seus dias finais, e agarrei uma narrativa solar. Mas não era a literatura que eu buscava.
Afinal, nós somos a exceção da história da humanidade: excetuando os anos finais da Ditadura começada em 1964
Depois de algum tempo, entendi que eu buscava mesmo era a companhia de Hemingway, como a de um amigo mais velho que talvez me explicasse o que estava acontecendo.
A verdade é que nos últimos dias tenho pensado muito na vida de Hemingway que, na verdade, é muito parecida com a maior parte da história dos homens de todos os tempos: um indivíduo que saltou de uma guerra para outra, de um desastre para outro até desembocar em um suicídio, ironicamente repetindo a atitude do pai. Exceção mesmo só foi o sucesso literário e o fato de que, no meio tempo entre tudo isso, até teve a chance de viver em uma Paris que faz inveja a todos nós.
Acredito que para nenhum outro grupo o Golpe de Estado que está acontecendo é pior do que para a geração que, como eu, está chegando hoje aos 40 anos. Não tenho dúvidas de que é algo terrível para aqueles que viveram a repressão da última ditatura e conheço relatos muito tristes de pessoas que começam a ter reminiscências desse tempo. No entanto, para aqueles que estão próximos dos 40 e não tiveram pais ou pessoas próximas diretamente atingidos pela repressão, encarar o avanço assustador do conservadorismo, aqui coroado com um golpe parlamentar muito semelhante a de outras partes da América Latina, é difícil de assimilar por falta de repertório.
Afinal, nós somos a exceção da história da humanidade: excetuando os anos finais da Ditadura começada em 1964, quando éramos muito novos para compreender o que estava acontecendo, a nossa vida foi toda percorrida em um regime democrático. Não aconteceu nada parecido como esta tentativa de inversão de um resultado eleitoral, quando o programa de governo derrotado está prestes a ser implementado por via de uma espécie de “indiretas já”.
Ao contrário disso, os resultados eleitorais, ao menos no plano nacional, foram não só respeitados, como é inegável uma melhoria do país e avanços à esquerda em quase todas as áreas, mesmo que sempre insuficientes para o nosso gosto. Da mesma forma, nunca vivenciamos pessoalmente uma guerra, a não ser nas redes sociais. Não choramos a dizimação do país por uma peste ou desastre natural de enormes proporções.
Mas parece que agora as coisas mudaram e talvez tenhamos que cada vez mais pensar naqueles que admiramos e passaram por adversidades como as que estão nos obrigando a viver agora.
De relatos de amigos a resumos que li sobre a recente entrevista do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, para a imprensa alternativa em São Paulo, o que mais me chamou a atenção foi a incompreensão dele ao nosso sentimento de “fim da história”. Apoiado em tantas lutas, Mujica só lembrava a todos nós que nenhuma vitória ou derrota é definitiva. Por isso, venho insistindo aos meus companheiros de geração: vamos lutar até o fim, mas, se o golpe prevalecer, vamos ter que encarar as consequências que virão de frente, como fizeram os que vieram antes de nós. Essa será a nossa vida.
A miséria política brasileira não é um discurso só de ódio ao PT, mas à política em geral.
Logo após a votação do impedimento de Dilma Roussef, muitos se perguntaram: é possível resistir? Como resistir? Vladmir Saflate poucos dias antes, na Folha de São Paulo, indicou uma direção: a desobediência civil.
Vários outros escreveram nos dias seguintes sobre o direito histórico de resistir a governos considerados ilegítimos. Isso acontecerá nestes termos? Não sei. A desobediência civil parece um ato simples, mas não é por acaso que é rara na história e, via de regra, mortal para os regimes políticos. Na falta de um Gandhi ou de um Luther King, fica a pergunta do que traduzirá para os demais esse sentimento difuso de que está tudo fora dos seus lugares.
Além disso, não se trata apenas do mandato de Dilma Roussef. É preciso resistir a uma onda conservadora, dessas que se espalham pelo Brasil afora.
Acredito que para nenhum outro grupo o Golpe de Estado que está acontecendo é pior do que para a geração que, como eu, está chegando hoje aos 40 anos. Não tenho dúvidas de que é algo terrível para aqueles que viveram a repressão da última ditatura e conheço relatos muito tristes de pessoas que começam a ter reminiscências desse tempo. No entanto, para aqueles que estão próximos dos 40 e não tiveram pais ou pessoas próximas diretamente atingidos pela repressão, encarar o avanço assustador do conservadorismo, aqui coroado com um golpe parlamentar muito semelhante a de outras partes da América Latina, é difícil de assimilar por falta de repertório.
Afinal, nós somos a exceção da história da humanidade: excetuando os anos finais da Ditadura começada em 1964, quando éramos muito novos para compreender o que estava acontecendo, a nossa vida foi toda percorrida em um regime democrático. Não aconteceu nada parecido como esta tentativa de inversão de um resultado eleitoral, quando o programa de governo derrotado está prestes a ser implementado por via de uma espécie de “indiretas já”.
Ao contrário disso, os resultados eleitorais, ao menos no plano nacional, foram não só respeitados, como é inegável uma melhoria do país e avanços à esquerda em quase todas as áreas, mesmo que sempre insuficientes para o nosso gosto. Da mesma forma, nunca vivenciamos pessoalmente uma guerra, a não ser nas redes sociais. Não choramos a dizimação do país por uma peste ou desastre natural de enormes proporções.
Mas parece que agora as coisas mudaram e talvez tenhamos que cada vez mais pensar naqueles que admiramos e passaram por adversidades como as que estão nos obrigando a viver agora.
De relatos de amigos a resumos que li sobre a recente entrevista do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, para a imprensa alternativa em São Paulo, o que mais me chamou a atenção foi a incompreensão dele ao nosso sentimento de “fim da história”. Apoiado em tantas lutas, Mujica só lembrava a todos nós que nenhuma vitória ou derrota é definitiva. Por isso, venho insistindo aos meus companheiros de geração: vamos lutar até o fim, mas, se o golpe prevalecer, vamos ter que encarar as consequências que virão de frente, como fizeram os que vieram antes de nós. Essa será a nossa vida.
A miséria política brasileira não é um discurso só de ódio ao PT, mas à política em geral.
Logo após a votação do impedimento de Dilma Roussef, muitos se perguntaram: é possível resistir? Como resistir? Vladmir Saflate poucos dias antes, na Folha de São Paulo, indicou uma direção: a desobediência civil.
Vários outros escreveram nos dias seguintes sobre o direito histórico de resistir a governos considerados ilegítimos. Isso acontecerá nestes termos? Não sei. A desobediência civil parece um ato simples, mas não é por acaso que é rara na história e, via de regra, mortal para os regimes políticos. Na falta de um Gandhi ou de um Luther King, fica a pergunta do que traduzirá para os demais esse sentimento difuso de que está tudo fora dos seus lugares.
Além disso, não se trata apenas do mandato de Dilma Roussef. É preciso resistir a uma onda conservadora, dessas que se espalham pelo Brasil afora.
Na contramão do mundo, não bastavam as antigas pautas como leis homofóbicas, contra o aborto e o uso de drogas que já são legais em boa parte dos países tão admiradas por nossas mentes colonizadas.
sábado, 11 de junho de 2016
CHAMA PELA MÃE
Toda criança sabe que quando a coisa estiver preta, não houver mais esperanças, estiver perdido... resta a opção mágica que é gritar com toda a força dos pulmões pela mãe.
Funciona.
Mãe é super-heroína e, mesmo sem a gente saber como, aparece em qualquer lugar naquele pior momento de aflição.
O brasileiro sempre teve uma mãezona que aprendeu a confiar e esperar nos piores momento e, talvez, o mais triste dessa crise que nos tirou tantas coisas, foi perder essa última esperança.
Os tribunais de justiça, seus rituais sempre alimentaram o mito da justiça cega e do juiz imparcial, que não olha a quem dar razão e a concede aquele que verdadeiramente merece.
O mito de que todos somos iguais perante a Lei faz parte da inocência de acreditar num país igual para todos.
Numa cadeia de esperanças dá para dizer que o supremo do supremo, isso é o STF sempre foi a verdadeira mãe pela qual se grita e confia na intervenção segura quando em perigo.
As atitudes parciais e partidárias do supremo trazem um peso muito maior para nossa história já que a justiça deixou de ser cega para se tornar vesga.
De certa forma o brasileiro perdeu a mãe pela qual sempre gritava quando tinha medo. O medo agora é da própria mãe, ou seja, da própria Lei.
Por isso, o pior do pior, em toda essa crise moral que o país passa, foi perder a fé na justiça.
Mesmo não conhecendo os meandros processuais o povo se pergunta como pode um ministro ficar mais de cinco meses de posse de um processo contra alguém que era chave na aceitação do impeachment da presidente, sem se pronunciar.
Obviamente responde de si para si ele queria o afastamento da presidente e por isso não fez seu trabalho.
No popular, Dilma gritou pela mãe quando se sentiu cercada de criminosos... mas a mãe não ouviu.
O que aconteceu para que um juiz federal estadual abandonasse a discrição e o anonimato que eles fazem questão de criar sobre si e sua vida privada para virar protagonista, aparecer na televisão, ganhar prêmio, ver a esposa postar vídeo enaltecendo suas qualidades?
Como acreditar novamente?
Tem coisas que ninguém deveria ter o direito de tirar das pessoas.
Uma delas é a ingênua idéia de que a justiça é soberana e está acima de qualquer outro interesse.
Outra e acreditar que mãe nunca falha.
MÃEEEEE....
Prof. Péricles
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