terça-feira, 19 de janeiro de 2016
PODE SIM, DONA DESIDÉRIA!
Por José Ribamar Bessa Freire
Ninguém o chamava pelo seu sonoro nome de batismo: Rodolfo Dias. Para todos os efeitos era o Dasaguão, apelido proveniente do Departamento Das Águas, onde labutava como encanador na Estação do Bombeamento, lá na Ponta do Ismael.
Morava em Aparecida, bairro de Manaus no qual se vive um tempo mítico.
Já disse, mas como ninguém me escuta, repito: tudo o que acontece e ainda vai acontecer no planeta já ocorreu nas quinze ruas ou nos treze becos do bairro, como o que agora te conto, que pode ajudar a entender a atual violência nos Estados Unidos.
O filho primogênito do encanador – o Dasaguinha – era menino problemático, encrenqueiro, brigava diariamente, vivia todo esfulepado, cheio de cicatrizes adquiridas nas guerras travadas nas trincheiras dos becos.
Foi expulso em 1955 do Grupo Escolar Cônego Azevedo porque aos oito anos, com uma baladeira, atirou um arrebite quebrando a cabeça do Geraldo Pimbinha, que desmaiou, mas foi socorrido a tempo no SAMDU que ficava ali na Joaquim Nabuco.
Dona Desidéria, sua mãe, magérrima e anoréxica, ficou horrorizada:
– Não sei de onde esse menino tirou tanta agressividade – disse a mãe em depoimento à Polícia, no velho Casarão da Mal. Deodoro.
Ela não sabia? Santa Desidéria! Não relacionou o comportamento do filho com o do pai, que dias antes, com uma chave inglesa, causara lesão grave no Fernando Gogó.
Desaguão era devoto da cachacinha produzida no Beco da Bosta (o que motivou a mudança do nome daquela artéria – artéria é ótimo – para Beco da Indústria). Quando ficava de porre – e ficava um dia sim e o outro também – virava uma fera. Deixava de ser o cidadão cordial e prestativo que consertava torneiras dos vizinhos. Cheio do chá, esquecia canos, tubos, redes hidráulicas e saía pra porrada com Deus e o mundo.
Eis o que eu queria dizer. O Bairro de Aparecida é um retrato da sociedade americana, com uma diferença. Seus 6.996 moradores vivem em 2.222 casas, mas nenhum deles pode comprar armas legalmente, ao contrário da pacata cidadezinha de White Pine, no Tennessee, cujos 2.196 habitantes guardam armas nos 828 domicílios aonde residem.
No sábado (3/10), a população diminuiu. Um menino de 11 anos matou a tiros a vizinha de 8 anos, McKayla Dyer porque ela não o deixou brincar com seu cachorro de estimação. Alienado e perplexo, o xerife W. McCoig declarou:
– O menino é normal, não tem qualquer problema mental. Espero que nunca mais ocorra esse tipo de violência.
Espera sentado, porque vai ocorrer. Está ocorrendo. Todos os dias. O menino é normal, a sociedade onde ele vive é que não é.
O assassinato de uma criança por outra chocou o mundo, mas não é fato isolado. Recentemente foram vários massacres.
Christopher, 26 anos, matou nove pessoas numa escola de Oregon. Dylann Roof, 21 anos, assassinou outras nove numa igreja na Carolina do Sul. Adam Lanza, 20 anos, invadiu uma escola primária em Sandy Hook, disparou mais de 100 tiros e matou 28 pessoas, entre as quais 20 crianças entre seis e sete anos de idade.
Nos últimos mil dias, nos Estados Unidos, foram 994 ataques como esses, que mataram 1.260 pessoas e feriram mais de três mil, numa assustadora banalização da morte.
Na Nothern Arizona University, Steven Jones, 18 anos, matou um colega e feriu três; em Houston, o campus da Texas Southern University foi interditado, após tiroteio que deixou um morto e um ferido. Tiroteios em Denver, no Colorado e em Gret Falls, Montana. Tudo isso nessa sexta.
– É uma situação muito triste que ninguém pode explicar – disse o xerife do Tennessee.
Pode sim, dona Desidéria! Basta relacionar o fato de Tennessee com outro ocorrido no próprio sábado (3/10), na mesma hora, na cidade de Kunduz, no Afeganistão, quando ataque aéreo americano bombardeou um hospital mantido pela ONG humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), matou 22 pessoas e feriu 37: médicos, enfermeiras e pacientes, entre os quais três crianças.
– A decisão do ataque aéreo foi nossa, da cadeia de comando americano, mas atingiu o hospital por um erro. Lamento profundamente a perda de vidas inocentes. Nunca atacaríamos intencionalmente uma instalação médica protegida – declarou o general John F. Campbell, comandante das tropas da OTAN no Afeganistão.
O fipilhopó - Traduzindo na língua do “p”, o general é um fipilhopó da putapá. Premeditou o ataque. Achava que havia talibãs malocados no hospital e decidiu demoli-lo com bombas, “o que é um crime de guerra e exige investigação independente”, declarou a médica Joanne Liu, presidente da MSF.
O general Campbell, que pratica terrorismo de Estado, é um Desaguão? A Pátria dá mau exemplo ao Desaguinha do Tennessee? Parece que o cidadão comum acaba se espelhando na máquina de matar montada pelo complexo industrial-militar.
O presidente Obama confessou sua impotência diante da Associação Nacional de Rifles (NRA), que controla a bancada da bala no Congresso, tem quase 5 milhões de membros pagantes e impede qualquer regulamento de posse e uso de armas nos Estados Unidos.
Se o Geraldo Pimbinha fosse Gerald Little Cock, em vez de um arrebite de baladeira, teria pegado um tiro nos cornos. Welcome to city of White Pine.
José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio).
sábado, 16 de janeiro de 2016
SUPLÍCIO DE TÂNTALO
“Como pode” dizia a tiazinha na fila do caixa do supermercado, falando com
a “vizinha” da frente, “como pode gente tão rica roubar tanto?”
“Verdade” diz a “vizinha”, já ganham tanto pra trabalhar tão pouco e querem
mais e mais... “senador, deputado, governador, empresário... o que mais eles querem”?
Para responder as tiazinhas talvez o melhor fosse contar a história de
Tântalo.
Tântalo era um rei da Lídia (ou
Corinto). Filho de Zeus com uma princesa terrena, não era imortal.
Mas, por ser filho de Zeus, além de justo e leal com seu povo, tornou-se o
preferido dos deuses e o único mortal a ser admitido à mesa dos olímpicos, onde
desfrutava de todas as frutas, do néctar e da ambrosia.
Os deuses não escondiam sua predileção e isso foi parindo no íntimo de
Tântalo, uma vaidade que não parou mais de crescer, sufocando as suas virtudes
sem que ele percebesse.
Cego pela soberba, passou a se imaginar um igual entre os deuses.
Resolveu confirmar sua superioridade, enganando os próprios deuses.
Convidou a todos do Panteão para um banquete em seu palácio e, pondo em
teste a onisciência divina, lhes ofereceu o alimento terrestre sob sua forma
mais abjeta: a carne humana, de seu próprio filho, Pélops.
Mas os deuses, são sim oniscientes e reconheceram a blasfêmia jogando pra
longe seus pratos.
Apenas a Deméter (deusa da agricultura) perturbada pelo recente desaparecimento de sua filha Perséfone, estava tão desatenta que ingeriu um pedacinho da carne.
Apenas a Deméter (deusa da agricultura) perturbada pelo recente desaparecimento de sua filha Perséfone, estava tão desatenta que ingeriu um pedacinho da carne.
Furioso, Zeus ressuscitou Pélops, que retornou à vida faltando apenas um
pequeno pedaço no ombro, reconstituído com mármore (marca), que passará a ser a
marca do pecado da vaidade (tal qual o pecado original de Adão e Eva).
Como castigo Tântalo foi lançado ao Tártaro, onde, num vale abundante
em vegetação e água, foi sentenciado pela eternidade a não poder saciar sua
fome e sede, visto que, ao aproximar-se da água esta escoava e ao erguer-se
para colher os frutos das árvores, os ramos moviam-se para longe.
Sabiam os deuses que muito dói estar
tão próximo e ao mesmo tempo tão distante e que as vezes só a dor faz germinar
a humilde.
O mito aborda o eterna inconformidade com
o que é possível e o eterno desejo de ser maior e de como isso pode ser
destruidor.
A cobiça incoerente de quem já tem
tanto e mesmo assim corrompe-se.
O ser humano busca a felicidade suprema, não a felicidade possível.
Quer o máximo, podendo esse máximo estar o Olimpo, o nirvana, o céu, ou um simples copo d’agua.
Quer o máximo, podendo esse máximo estar o Olimpo, o nirvana, o céu, ou um simples copo d’agua.
Sempre se considera merecedor, sem
perceber que esse “merecimento” é um mito que cria sobre si mesmo e com valores
próprios à sua psique, não necessariamente reais a quem está ao lado.
Conforme o mito, talvez muitos personagens envolvidos na corrupção
grotesca de nossos dias possam até fugir da condenação da frágil justiça
brasileira, mas, de um jeito ou de outro, nos dizem os gregos, não fugirão do seu Suplício de Tântalo.
Afinal, para esses, tudo é vaidade.
Prof. Péricles
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
POLACAS ETERNAS
Por Moisés Rabinovici
As polacas estão ressuscitando.
Párias em vida, abandonadas por 30 anos no gueto em que se enterraram judias, em Cubatão, elas começam a renascer dos túmulos restaurados até junho pela Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, já personagens de quatro livros; estrelas de três projetos teatrais; tema de monografia, tese e conferências.
As polacas do “povo da Bíblia” estavam confinadas ao Deuteronômio: “Não haverá dentre as filhas de Israel quem se prostitua no serviço do templo, nem dentre os filhos de Israel haverá quem o faça” (23:17).
Um “aluvião de Messalinas” invadiu o Rio de Janeiro em 1872. “A horda de judias russas, alemãs e austríacas começou a aparecer na roda cortesã, nos teatros de última classe, nas ruas mais concorridas, mulheres de ademanes desembaraçados, rostos formosos, trajando com luxo e levando presa no olhar a atenção dos transeuntes que as observavam”, como registrou Os Cáftens, um folheto de Clímaco dos Reis.
Elas “paravam nas esquinas, nos corredores e jardins dos teatros, em toda parte e, com uma desenvoltura até então desconhecida, distribuíam bilhetes com seus nomes e moradias…” O Estado de 25 de julho de 1879.
A Província de São Paulo, publicou a notícia de que “duas alegres raparigas deliberaram dar algumas voltas na cidade em um elegante carrinho particular de passeio, tirado por um cavallo, e guiado por uma dellas, de nacionalidade russa, ao que ouvimos contar, e entendida naquellas façanhas hyppicas”.
Nas ruas da Liberdade (“ironias do acaso!”), as duas foram presas e levadas ao chefe da polícia, que as libertou “provando que aqui no Brazil, como na Rússia, é permitido à mulher guiar um carro particular”.
“Abre-se a porta e aparece a mulher, vestindo camisa de cores berrantes”, ele continua. “O freguês que foi despachado passa sem lhe dizer palavra; e o próximo entra, a porta se fecha.” Atônito, conclui: “Tão incrível é o número de fregueses recebidos num único dia que, antes de o revelar, necessário se faz dizer que ele foi confirmado pelas autoridades, pela sociedade judaica de socorros Ezras Noshim e pelos investigadores da Liga das Nações.”
Historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Margareth Rago “morreu de medo” ao penetrar no mundo misterioso das polacas e de seus rufiões para o livro Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo, 1890-1930 (Paz e Terra, 1991).
“Fui assustada por gente da comunidade judaica que não queria desenterrar o assunto.” Perguntavam-lhe: “Mas por que você quer mexer com isso?”
Ao saber agora das obras de restauro no cemitério de Cubatão, ela se mostra curiosa e irônica: “Redenção?”
Seguindo o rastro deixado há 50 anos no livro Le Chemin (O Caminho) de Buenos Aires, pelo poeta e famoso repórter Albert Londres, queimado como um arquivo num suspeito incêndio de um navio em 1932, ela identifica no Brasil os tentáculos dos poderosos “maquereaux”, os gigolôs franceses, e dos “polaks”, traficantes de judias das aldeias pobres do Leste Europeu.
Quando perseguidos na Argentina, os rufiones refugiavam-se nas filiais paulista ou carioca, onde mantinham até “escolas de prostituição”.
As máfias francesa e polaca importariam para a América do Sul cerca de 1.200 mulheres por ano, embarcadas nos portos de Gênova, Marselha, Anvers e Hamburgo.
Mas “dificilmente saberemos quantas vieram por vontade própria, ou iludidas com promessas de casamento e perspectivas estimulantes de enriquecimento”
Nos bordéis distinguiam-se as estrangeiras, “embora as raras estatísticas disponíveis registrem uma porcentagem superior de brasileiras”.
Madame O, de 80 anos, testemunhou a belle époque paulista como costureira francesa. E nunca encontrava brasileiras nos bordéis.
“Por quê?”, perguntou-lhe Rago, numa entrevista em 1989. “Porque elas não eram disso no meu tempo”, respondeu. “Quando cheguei ao Brasil, não havia mulheres (brasileiras) não… tudo francesas e polacas, muitas.”
Os judeus brasileiros não queimaram as “curves” (prostitutas, em iídiche) de Santos, do Rio e de São Paulo. Mas lhes reservaram, “impuras”, o mesmo chão dos suicidas que ousam findar a vida dada, e então só tirada por Deus: junto aos muros dos cemitérios.
“Die linke”, esquerdistas, marginalizadas, ou “as outras”, na tradução do jornalista Alberto Dines, as “curves” abriram seus próprios cemitérios, rezaram em sinagogas próprias e congregaram-se em sociedades de assistência mútua. Viveram e morreram judias. Mais do que esquecidas, expiaram. Abolidas, perpetuaram-se.
Eternas polacas.
As polacas estão ressuscitando.
Párias em vida, abandonadas por 30 anos no gueto em que se enterraram judias, em Cubatão, elas começam a renascer dos túmulos restaurados até junho pela Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, já personagens de quatro livros; estrelas de três projetos teatrais; tema de monografia, tese e conferências.
As polacas do “povo da Bíblia” estavam confinadas ao Deuteronômio: “Não haverá dentre as filhas de Israel quem se prostitua no serviço do templo, nem dentre os filhos de Israel haverá quem o faça” (23:17).
Um “aluvião de Messalinas” invadiu o Rio de Janeiro em 1872. “A horda de judias russas, alemãs e austríacas começou a aparecer na roda cortesã, nos teatros de última classe, nas ruas mais concorridas, mulheres de ademanes desembaraçados, rostos formosos, trajando com luxo e levando presa no olhar a atenção dos transeuntes que as observavam”, como registrou Os Cáftens, um folheto de Clímaco dos Reis.
Elas “paravam nas esquinas, nos corredores e jardins dos teatros, em toda parte e, com uma desenvoltura até então desconhecida, distribuíam bilhetes com seus nomes e moradias…” O Estado de 25 de julho de 1879.
A Província de São Paulo, publicou a notícia de que “duas alegres raparigas deliberaram dar algumas voltas na cidade em um elegante carrinho particular de passeio, tirado por um cavallo, e guiado por uma dellas, de nacionalidade russa, ao que ouvimos contar, e entendida naquellas façanhas hyppicas”.
Nas ruas da Liberdade (“ironias do acaso!”), as duas foram presas e levadas ao chefe da polícia, que as libertou “provando que aqui no Brazil, como na Rússia, é permitido à mulher guiar um carro particular”.
“Abre-se a porta e aparece a mulher, vestindo camisa de cores berrantes”, ele continua. “O freguês que foi despachado passa sem lhe dizer palavra; e o próximo entra, a porta se fecha.” Atônito, conclui: “Tão incrível é o número de fregueses recebidos num único dia que, antes de o revelar, necessário se faz dizer que ele foi confirmado pelas autoridades, pela sociedade judaica de socorros Ezras Noshim e pelos investigadores da Liga das Nações.”
Historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Margareth Rago “morreu de medo” ao penetrar no mundo misterioso das polacas e de seus rufiões para o livro Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo, 1890-1930 (Paz e Terra, 1991).
“Fui assustada por gente da comunidade judaica que não queria desenterrar o assunto.” Perguntavam-lhe: “Mas por que você quer mexer com isso?”
Ao saber agora das obras de restauro no cemitério de Cubatão, ela se mostra curiosa e irônica: “Redenção?”
Seguindo o rastro deixado há 50 anos no livro Le Chemin (O Caminho) de Buenos Aires, pelo poeta e famoso repórter Albert Londres, queimado como um arquivo num suspeito incêndio de um navio em 1932, ela identifica no Brasil os tentáculos dos poderosos “maquereaux”, os gigolôs franceses, e dos “polaks”, traficantes de judias das aldeias pobres do Leste Europeu.
Quando perseguidos na Argentina, os rufiones refugiavam-se nas filiais paulista ou carioca, onde mantinham até “escolas de prostituição”.
As máfias francesa e polaca importariam para a América do Sul cerca de 1.200 mulheres por ano, embarcadas nos portos de Gênova, Marselha, Anvers e Hamburgo.
Mas “dificilmente saberemos quantas vieram por vontade própria, ou iludidas com promessas de casamento e perspectivas estimulantes de enriquecimento”
Nos bordéis distinguiam-se as estrangeiras, “embora as raras estatísticas disponíveis registrem uma porcentagem superior de brasileiras”.
Madame O, de 80 anos, testemunhou a belle époque paulista como costureira francesa. E nunca encontrava brasileiras nos bordéis.
“Por quê?”, perguntou-lhe Rago, numa entrevista em 1989. “Porque elas não eram disso no meu tempo”, respondeu. “Quando cheguei ao Brasil, não havia mulheres (brasileiras) não… tudo francesas e polacas, muitas.”
Os judeus brasileiros não queimaram as “curves” (prostitutas, em iídiche) de Santos, do Rio e de São Paulo. Mas lhes reservaram, “impuras”, o mesmo chão dos suicidas que ousam findar a vida dada, e então só tirada por Deus: junto aos muros dos cemitérios.
“Die linke”, esquerdistas, marginalizadas, ou “as outras”, na tradução do jornalista Alberto Dines, as “curves” abriram seus próprios cemitérios, rezaram em sinagogas próprias e congregaram-se em sociedades de assistência mútua. Viveram e morreram judias. Mais do que esquecidas, expiaram. Abolidas, perpetuaram-se.
Eternas polacas.
OBS. Para saber mais sobre o assunto leia o texto "POLACAS" de março/2015, aqui no Blog.
Moisés Rabinovici, jornalista e grande repórter, correspondente durante muitos anos do Estadão em Israel, redator da Agência Estado, diretor dez anos do Diário do Comércio de São Paulo, até o fechamento da edição papel do jornal pela Associação Comercial de São Paulo.
Moisés Rabinovici, jornalista e grande repórter, correspondente durante muitos anos do Estadão em Israel, redator da Agência Estado, diretor dez anos do Diário do Comércio de São Paulo, até o fechamento da edição papel do jornal pela Associação Comercial de São Paulo.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
NOSSAS NOITES DE CRISTAIS
Uma data decisiva para a segunda guerra mundial foi o 9 de novembro de 1938. Isso mesmo, uma data anterior ao início da guerra propriamente dita que foi em 1º de setembro de 1939.
Tornou-se comum a afirmação de que o espetáculo de horror do nazismo ocorreu à margem da aprovação da maioria dos alemães, ou mesmo, contra a vontade dessa maioria.
Isso é desmentido na eleição vencida pela frente de extrema-direita em 1933 que levou Hitler ao poder e pela noite do 9 de novembro de 1938.
Nessa noite, também chamada de “A Noite dos Cristais” (Kristallnacht) as consciências que faziam de conta não ver e nem ouvir o que acontecia com os judeus, tiveram que assumir a sua sua cota de responsabilidade no que estava acontecendo.
Foi a noite do fim da inocência e do “eu não sabia”.
Foi assim.
Como sempre, utilizando-se de uma desculpa (o assassinato do diplomata alemão Ernst von Rath, por num conhecido judeu maluco, Herschel Grynszpan, em Paris), Hitler ordenou que, sob as ordens de Goebbels, agentes da SA (usando trajes civis para parecer um movimento espontâneo) atacassem os judeus, especialmente as lojas e sinagogas.
Evidentemente Hitler esperava a adesão dos cidadãos nazistas, mas, mais profundamente, ele desejava colocar os indecisos e opositores numa situação de cumplicidade, o que é muito mais do simples aceitação.
Por toda aquela noite, estabelecimentos comerciais judeus e sinagogas foram atacados e, a maior parte, incendiada.
Naquela madrugada 91 judeus foram assassinados tentando defender seu patrimônio e meio de subsistência, 7500 lojas foram reduzidas a escombros e 267 sinagogas foram completamente destruídas.
Como se não bastasse, os judeus foram acusados pelo poder público da responsabilidade pelas desordens e multados em um bilhão de marcos. Cerca de 30 mil foram presos e levados para campos de concentração.
Imagine o pavor das famílias judias, apertadas nos fundos de suas casas, vendo suas economias serem destruídas pelo fogo, sem nenhuma defesa. Como o pai judeu poderia explicar às suas crianças assustadas e em lágrimas em lágrimas, o que estava acontecendo?
É instigante pensar de que forma o barulhos dos cristais e vidraças quebradas atingiram os ouvidos dos alemães não-judeus, mas também, não-nazistas?
E mais do que aos ouvidos, como feriram as consciências?
Quantos viveram o resto de seus dias ouvindo o trepidar das chamas?
Se até ali fosse possível não acreditar na violência fascistas. Se até então preferissem acreditar no sorriso do fhurer e vê-lo como uma pessoa comum e a consciência podesse ser enganada permitindo o sono tranquilo, como proceder agora, diante dos cacos, dos sons das pedras e picaretas batendo nas vidraças e da luz das chamas que iluminaram cidade alemãs e austríacas durante toda aquela histórica madrugada?
Porque normalmente é mais confortável fingir não ver, nem ouvir.
Esquecem ou procuram esquecer, os que assim agem, que seu silêncio e sua falta de ação, já representa uma opção em favor do arbítrio.
O silêncio diante da monstruosidade permitiu o crescimento do Terceiro Reich e a tragédia da Segunda Guerra Mundial.
Hoje, o Brasil passa por suas “noites dos cristais”.
O silêncio não pode persistir diante do crescimento evidente do fascismo e do golpismo.
Não é possível permanecer fazendo de conta não perceber a manipulação da notícia por parte de uma mídia interessada na quebra da normalidade.
Ou manter o discreto sorriso reprovador escondido no canto de boca diante do fascismo crescente expresso nas redes sociais, nas piadas homofóbicas, racistas e misógenas.
O fascismo tem que ser combatido todos os dias, o tempo todo porque ele não está apenas nas ruas e na rede de computadores, mas no interior de cada consciência.
Que nosso povo não faça de conta não ouvir a quebra dos cristas que maltratam pessoas e incendeiam índios e flagelados nas calçadas.
Muito menos aceitar o débil discurso do ódio que combatem as sociais que afastaram milhões da miséria. Que acusam de privilégios as cotas das políticas afirmativas negando qualquer reparação com as injustiçasm do passado. Que defendem com sofismas a intolerância e a exclusão.
Ódio que fulmina o pobre, capaz de comprar um automóvel ou seu filho por fazer um curso superior.
As ditaduras são filhas do golpismo.
O silêncio é cúmplice e os cristais se quebram mesmo que se faça de conta não estar ouvindo.
Depois, não há espaço para “eu não sabia” pois a consciência gritará pela condenação, já que somos todos responsáveis pelo país que criamos.
sábado, 9 de janeiro de 2016
ARISTEU, A GENTE COLHE O QUE PLANTA
Artêmis |
Aristeu, filho de Apolo e da ninfa Cirene, foi, em parte, responsável pela morte de Eurídice na véspera do casamento com Orfeu. Ao tentar fugir de sua sedução, Eurídice acabou sendo picada por uma serpente.
Era adorado como protetor dos caçadores, pastores e como o pai da apicultura, sendo senhor e mestre de todas as abelhas.
Apesar de filho de Apolo, não possuía (como Orfeu e Eurídice) a imortalidade.
As ninfas, companheiras e amigas de Eurídice, ficaram com tanta raiva de Aristeu que atacaram seu ponto mais fraco, aquilo que mais amava, suas abelhas, matando-as sem deixar sobrevivente.
O primeiro apicultor do universo entrou em estado de prostração e pediu ajuda para sua mãe, que por sua vez indicou-lhe pedir ajudar a Protheus, o velho e sábio profeta.
Bom destacar que todos estavam indignados com Aristeu, até sua mãe, pois o amor verdadeiro de Orfeu e Eurídice, que ele destruíra, embelezava o seu mundo e agora apagara-se deixando apenas tristeza.
Depois de uma luta enorme, em que teve que superar seu próprio medo, Aristeu conseguiu obter os conselhos de Protheus: “Deves reconhecer a besteira que fez interferindo no amor alheio, depois disso render homenagens fúnebres a Eurídice, e finalmente, sacrificar quatro dos mais belos touros e quatro de suas melhores novilhas e deixar as carcaças no bosque, cobrindo-as com folhas. Volte lá apenas depois de nove dias.
O apicultor seguiu as instruções e os próximos nove dias foram de expectativa e ansiedade. Mas ao retornar ao bosque encontrou um enxame de abelhas e uma nova colmeia.
Mas, suas tragédias ainda estavam longe de terminar.
Teve apenas um filho, Acteon. Um dia, enquanto caçava no bosque Acteon deparou com Artêmis, banhando-se totalmente nuas num lago.
Artêmis, a deusa da caça, uma das filhas diletas de Zeus, sempre foi famosa por sua castidades e timidez, preferindo a solteirice e a reclusão das matas. Ao perceber que era espionada ficou furiosa, segurou um pouco da água nas mãos e a soprou no espião, que se transformou, na hora, em um... veado.
Depois disso, o pobre Acteon teve pouco tempo de vida, pois foi perseguido e morto pelos seus próprios cães de caça.
Segundo o mito, Aristeu jamais se recuperou da perda do único filho, recolheu-se num monte na Itália, onde viveu muitos anos e onde morreu na mais completa e triste solidão.
O mito de Aristeu nos transporta à necessidade de todos nós de recomeçar, em algum momento de nossas vidas.
Assim como Aristeu somos frágeis, expostos e traídos pelos instintos e pelas paixões, aprendendo, às vezes, da forma mais cruel que, podemos fazer coisas num instante do qual nos arrependemos o resto de nossas vidas.
Recomeçar pode implicar em saber esperar e ter humildade e paciência. Assim como Aristeu esperou nove dias para ter suas abelhas de volta, nós, às vezes, podemos ter que esperar uma vida inteira até aprender onde erramos com nossos semelhantes.
O protagonismo das abelhas consideradas símbolo de castidade e de Artêmis, indica, de alguma forma, a importância do respeito ao direito feminino sobre seu corpo e seus desejos e suas escolhas.
Aristeu nos ensina, ainda, a importância de reconhecer nossos próprios erros.
Diziam os gregos que ele, inicialmente, se considerava vítima de Eurídice que lhe arrebatara o coração a ponto de nunca mais querer outra mulher, e de ter passado a maior das humilhações ao ser preterido por outro (Orfeu) e a aceitação de seus erros aconteceu apenas no final de sua existência.
Finalmente, sua morte melancólica, longe dos olhos dos simples mortais e na mais completa solidão nos recorda que cada ação, seja ela boa ou má, implica numa reação, que as vezes nos faz sofrer, mas que é na verdade, um aprendizado e simples consequência daquilo que plantamos.
Prof. Péricles
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
ISRAEL E O EMBAIXADOR DA DISCÓRDIA
Desde
a Guerra dos Seis dias, em 1967, Israel ocupa a região da Faixa de Gaza e da
Cisjordânia que, conforme a ONU ao criar o próprio estado de Israel em 1948, é
território da Palestina independente.
Para
solidificar a ocupação, Israel criou os nefastos “assentamentos” que são pequenas,
mas confortáveis vilas habitadas apenas por judeus.
Isso
define claramente a ocupação não como temporária, mas como colonial.
É
claro que tal situação irrita profundamente os palestinos (imagine você se um
estado estrangeiro ocupasse o Rio Grande do Sul e passasse a criar vilarejos lá
pelos pampas).
Os
assentamentos representam a maior dificuldade para qualquer processo de paz. É
o estigma mais cruel do invasor e a humilhação maior para os invadidos.
Com
relação aos assentamentos observam-se diferentes olhares e consequentes ações
por parte dos israelenses.
Há
os que reconhecem que o primeiro passo para a paz deve ser dado por Israel com
o fim dos assentamentos, como Itzak Rabbin primeiro-ministro assassinado por um
jovem judeu ortodoxo na década de 90.
Tem
os que reconhecem a arbitrariedade e não esquecem que uma moção da ONU
determina a imediata desocupação dessas áreas (mas vetada pelos Estados Unidos),
porém, por terem interesses diretos ou indiretos nos assentamentos, ou mesmo
por medo de que isso fortaleça os palestinos recusa a idéia de avançar nesse
sentido.
Há
também israelenses que negam qualquer direito aos palestinos, não reconhecem os
assentamentos como focos de crise e são contra qualquer medida séria que busque
a solução do problema.
Entre
esses últimos um sujeito bem conhecido é Dani Dayan.
Esse
político nem chama a Faixa de gaza e a Cisjordania mas de Judéia e Samaria, os
nomes bíblicos da região.
De
fato, Dayan se declara abertamente contrário à solução de dois Estados,
aprovada na ONU sendo totalmente contrário à existência de um Estado Palestino.
Na
verdade, ele não acredita, nem apóia, qualquer solução pacífica para a questão
e defende a dominação através da força, chegando a ameaçar, num passado
recente, o próprio governo israelense contra qualquer concessão aos palestinos.
Pois
agora, essa flor de criatura foi designada como embaixador de Israel no Brasil.
Detalhe:
o procedimento usual entre todos os países é que o governo que indica um novo embaixador consulte antes o governo que
vai recebe-lo para evitar qualquer tipo de contrariedade com o nome indicado, e
isso, Israel não fez, em mais uma demonstração de falta de ética e respeito às
normas internacionais.
Só
que o Brasil hoje, é governado por gente vertebrada que defende o processo de
paz na região e o respeito aos palestinos, e, dessa forma, o Itamaraty recusou
a imposição de Dani Dayan guela abaixo e já declarou que espera um embaixador
que não represente a colonização da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
Em
resposta com o velho estilo truculento sionista, a vice-ministra das relações
exteriores Tzipi Hotovely, ressaltou que Israel não enviará outro
embaixador e que seu país está “lidando
com o caso de forma discreta, mas que adotará ferramentas alternativas públicas
para repreender o Brasil”.
Incentivado
pela arrogância de seu governo o próprio Dayan fez questão de mostrar sua
soberba em relação ao nosso país declarando que “Netanyahu não pressionou o
governo brasileiro o suficiente para forçar a minha nomeação”, e complementou
em entrevista ao jornal Haaretz: "Não sei se serei o embaixador no Brasil
e, pessoalmente, não me importa muito. Aliás, isso tornaria as coisas muito
mais fáceis para mim [não ir para o Brasil], mas estou lutando pelo próximo
embaixador que venha a ser um colono".
Israel,
mais uma vez, demonstra seu estilo grotesco, belicoso e autoritário de ver o
mundo além do seu umbigo e suas relações políticas.
Que
o povo brasileiro saiba reconhecer a grandeza do gesto de seu governo através
do Ministério das Relações Exteriores que, certamente, deverá ser aplaudida
pelas demais nações latino-americanas além de todas aquelas que respeitam as
resoluções da ONU, a 4ª Convenção de Genebra e as decisões da Corte
Internacional de Justiça, que asseguram a soberania das nações.
Prof.
Péricles
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