Uma data decisiva para a segunda guerra mundial foi o 9 de novembro de 1938. Isso mesmo, uma data anterior ao início da guerra propriamente dita que foi em 1º de setembro de 1939.
Tornou-se comum a afirmação de que o espetáculo de horror do nazismo ocorreu à margem da aprovação da maioria dos alemães, ou mesmo, contra a vontade dessa maioria.
Isso é desmentido na eleição vencida pela frente de extrema-direita em 1933 que levou Hitler ao poder e pela noite do 9 de novembro de 1938.
Nessa noite, também chamada de “A Noite dos Cristais” (Kristallnacht) as consciências que faziam de conta não ver e nem ouvir o que acontecia com os judeus, tiveram que assumir a sua sua cota de responsabilidade no que estava acontecendo.
Foi a noite do fim da inocência e do “eu não sabia”.
Foi assim.
Como sempre, utilizando-se de uma desculpa (o assassinato do diplomata alemão Ernst von Rath, por num conhecido judeu maluco, Herschel Grynszpan, em Paris), Hitler ordenou que, sob as ordens de Goebbels, agentes da SA (usando trajes civis para parecer um movimento espontâneo) atacassem os judeus, especialmente as lojas e sinagogas.
Evidentemente Hitler esperava a adesão dos cidadãos nazistas, mas, mais profundamente, ele desejava colocar os indecisos e opositores numa situação de cumplicidade, o que é muito mais do simples aceitação.
Por toda aquela noite, estabelecimentos comerciais judeus e sinagogas foram atacados e, a maior parte, incendiada.
Naquela madrugada 91 judeus foram assassinados tentando defender seu patrimônio e meio de subsistência, 7500 lojas foram reduzidas a escombros e 267 sinagogas foram completamente destruídas.
Como se não bastasse, os judeus foram acusados pelo poder público da responsabilidade pelas desordens e multados em um bilhão de marcos. Cerca de 30 mil foram presos e levados para campos de concentração.
Imagine o pavor das famílias judias, apertadas nos fundos de suas casas, vendo suas economias serem destruídas pelo fogo, sem nenhuma defesa. Como o pai judeu poderia explicar às suas crianças assustadas e em lágrimas em lágrimas, o que estava acontecendo?
É instigante pensar de que forma o barulhos dos cristais e vidraças quebradas atingiram os ouvidos dos alemães não-judeus, mas também, não-nazistas?
E mais do que aos ouvidos, como feriram as consciências?
Quantos viveram o resto de seus dias ouvindo o trepidar das chamas?
Se até ali fosse possível não acreditar na violência fascistas. Se até então preferissem acreditar no sorriso do fhurer e vê-lo como uma pessoa comum e a consciência podesse ser enganada permitindo o sono tranquilo, como proceder agora, diante dos cacos, dos sons das pedras e picaretas batendo nas vidraças e da luz das chamas que iluminaram cidade alemãs e austríacas durante toda aquela histórica madrugada?
Porque normalmente é mais confortável fingir não ver, nem ouvir.
Esquecem ou procuram esquecer, os que assim agem, que seu silêncio e sua falta de ação, já representa uma opção em favor do arbítrio.
O silêncio diante da monstruosidade permitiu o crescimento do Terceiro Reich e a tragédia da Segunda Guerra Mundial.
Hoje, o Brasil passa por suas “noites dos cristais”.
O silêncio não pode persistir diante do crescimento evidente do fascismo e do golpismo.
Não é possível permanecer fazendo de conta não perceber a manipulação da notícia por parte de uma mídia interessada na quebra da normalidade.
Ou manter o discreto sorriso reprovador escondido no canto de boca diante do fascismo crescente expresso nas redes sociais, nas piadas homofóbicas, racistas e misógenas.
O fascismo tem que ser combatido todos os dias, o tempo todo porque ele não está apenas nas ruas e na rede de computadores, mas no interior de cada consciência.
Que nosso povo não faça de conta não ouvir a quebra dos cristas que maltratam pessoas e incendeiam índios e flagelados nas calçadas.
Muito menos aceitar o débil discurso do ódio que combatem as sociais que afastaram milhões da miséria. Que acusam de privilégios as cotas das políticas afirmativas negando qualquer reparação com as injustiçasm do passado. Que defendem com sofismas a intolerância e a exclusão.
Ódio que fulmina o pobre, capaz de comprar um automóvel ou seu filho por fazer um curso superior.
As ditaduras são filhas do golpismo.
O silêncio é cúmplice e os cristais se quebram mesmo que se faça de conta não estar ouvindo.
Depois, não há espaço para “eu não sabia” pois a consciência gritará pela condenação, já que somos todos responsáveis pelo país que criamos.
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