domingo, 25 de maio de 2014
SAÚDE, BRASIL - PARTE 2
Após a segunda Guerra Mundial o mundo do capital ficou preocupado com a melhoria de vida dos povos sob regime comunista e desenvolveram melhorias sociais com o objetivo de contrapor os avanços sociais “do inimigo”. Assim, ocorreu o que chamamos de “o estado de bem estar”.
Entre outras coisas, isso implicou na troca do seguro social pela seguridade social, que deixava de ter um caráter de individualidade para beneficiar um coletivo de pessoas, além de maiores investimentos com assistência médica. Essa mudança, claro, deveria ser patrocinada pelos respectivos governos.
No Brasil, em 1960 é proposta a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que propunha a unificação de todos os IAPs e estendia assistência médica a toda à população trabalhadora, mas isso não obteve grande aceitação, pois os IAPs mais fortes e que já tinham hospitais próprios, por exemplo, o IAPTEC, se sentiam prejudicados.
Cresce no Brasil os serviços médicos contratados por empresas insatisfeitas com o atendimento prestado pelos IAPs (ou não prestados). Além disso, a saúde é pensada unicamente em termos de assistência hospitalar, esquecendo-se da prevenção e da atenção primária. Crescem os convênios privados.
Entre as famosas Reformas de Base, propostas pelo presidente João Goulart defendia-se uma reforma sanitária consistente e inovadora, mas Jango e suas reformas foi violentamente derrubado do poder pelo golpe militar de 1964 que daria início a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).
Durante os governos militares, cristalizaram-se relações autoritárias, mercantilizadas e tecnocratas na área da saúde. Foi o período áureo do complexo médico-hospitalar com lucros exorbitantes a partir de um sistema que pagava bem por procedimentos desordenados, que não resolviam os problemas de saúde das pessoas, mas enriqueceram interesses de multinacionais.
Foi também o período de criação da imagem de um médico que, consciente ou inconscientemente, reproduzia a imagem do ditador que tudo sabia, tudo podia e que não precisava dividir qualquer conhecimento.
Em 1966, ainda no governo do General Castelo Branco, todos os IAPs foram fundidos dando origem a um gigante, o INPS (Instituto Nacional da Previdência Social). Enquanto se alegava estar dando fim ao populismo getulista dos Institutos comandados pelos sindicatos, manteve-se o assistencialismo pois tudo vinha do governo “preocupado com a saúde e a previdência do cidadão”.
Enquanto se pagava caro pela saúde a laboratórios, fornecedores de equipamentos e hospitais que vendiam atendimento, novas epidemias vieram demonstrar a precariedade do sistema sanitário nacional. Uma delas, a Epidemia de meningite na década de 70, tentou ser escondida, tendo a censura impedido a divulgação, fundamental para os cuidados que requeria, para não demonstrar o fracasso no coração do “milagre brasileiro”.
Os aumentos dos gastos e das fraudes forçaram a extinção do INPS em 1978 e a criação do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), cujo filho pródigo seria o INAMPS (Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social). Julgavam que, com a criação de uma autarquia menor e mais ágil, seria possível diminuir custos e combater as fraudes na área da saúde.
O INAMPS jamais foi um sistema de saúde. Na verdade, era um sistema de doença, que atuava como repositório de gente doente e que não via a pessoa na sua integralidade, mas, por suas partes necessitadas de ação médica.
Centralizada na esfera federal surda e onipotente, a política do INAMPS se processava de acordo com os ventos políticos não sendo a assistência ao cidadão a sua prioridade.
O atendimento era restrito apenas a quem tivesse “carteirinha do INAMPS” e essa carteirinha só era confeccionada mediante análise da carteira profissional devidamente assinada e contribuição sindical em dia. A margem da assistência oficial o desempregado (e esses foram tempos de índices recordes de desemprego devido à recessão econômica) ficava sujeito apenas às ações de filantropia.
Mas a grande noite da Ditadura Militar, mesmo que lentamente, chegou ao fim em 1985, e a volta para a normalidade democrática, atingiu todos os setores do país com a elaboração de uma nova Constituição.
Como toda Constituição promulgada “democraticamente”, nossa atual se deu a partir de trabalhos e debates amplos realizados em Assembléia Nacional Constituinte. A luta por um sistema de saúde novo se transferiu para esse fórum.
Em 1986, na cidade de Brasília, realizou-se a 8ª Conferência Nacional da Saúde, culminância de outras conferências municipais e estaduais. Essa Conferência contou com a participação de trabalhadores, políticos de vários matizes, usuários e prestadores de serviços de saúde. Nessa Conferência nasceu a proposta da criação de um sistema de saúde único, descentralizado, democrático, participativo e de atendimento a todos os brasileiros.
Tal proposta foi levada para a Constituinte. Seus defensores tiveram que enfrentar outras vertentes, cujas propostas mais significativas eram, de um lado, manter o sistema existente, porém com reformas e melhorias para evitar fraudes e gastos exagerados e de outro, a proposta de adoção de um sistema parecido com o modelo norte-americano do seguro-saúde.
Depois de ampla discussão que contou com a participação de inúmeros grupos de interesses, concretizou-se a idéia da saúde no Brasil com uma visão totalmente nova.
O SUS (Sistema Único de Saúde) tem sua certidão de nascimento no Artigo 196 da Constituição Federal que dispõem “A Saúde é direito de todos e dever do estado”. Frase simples, mas preciosa, que em si mesma abarca mais de 100 anos de lutas, desde os tempos em que doente era confundido com bandido e atenção sanitária vista caso de polícia, contando com pé na porta do barraco e vacinação obrigatória.
Os princípios do SUS são hoje, inspiração para a maior parte dos povos do planeta pois defende a Universalidade do atendimento (para todos), a equidade (igualdade na assistência, sem privilégios), Integralidade (considera o todo, a inserção da saúde ou falta dela em contexto amplo de existência), a hierarquização (atenção à saúde conforme quadro específico de gravidade, sem massificação), a descentralização (trazendo o gerenciamento para perto do cidadão) e a participação social.
Países como a África do Sul e o próprio Estados Unidos (pelo menos o Partido Democrata), entre muitos outros, consideram o SUS o melhor modelo de saúde pública do mundo e ambicionam criação similar.
Num país de 190 milhões de pessoas que vivem em fronteiras imensas de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, sua implantação, execução e controle é um enorme desafio, que, só terá sucesso com a participação popular cúmplice e totalmente interessada em que o sistema dê certo.
Os desafios são imensos.
Grupos que com o modelo antigo lucravam de forma exacerbada ainda estão atuantes em busca de um retorno ao passado.
O desconhecimento da própria população brasileira do que seja o SUS potencializam os problemas existentes e criam outros imaginários.
Ao pensar saúde lembrando INAMPS as pessoas não se desfazem do passado, identificam qualidade a partir de critérios ultrapassados desconhecendo novos conceitos como prevenção e insistem com a idéia paternalista de um estado que deve fazer tudo, prover tudo, enquanto vê a si mesmo apenas como objeto da atenção e não como veículo de ação.
Para isso a mídia, dirigida por pessoas que definitivamente não precisam dos serviços do SUS, mas que, ao contrário, identificam no fracasso da saúde pública, o fracasso de um governo a que fazem oposição, contribui com a exposição apenas do que está errado, difícil ou incompleto, não divulgando os acertos e os avanços.
Coisas de uma sociedade ainda convalescendo da grave doença do autoritarismo que por 20 anos relegou o cidadão a um papel de mero espectador da sua própria vida.
O SUS não é de um governo, de uma mente, de um pensador. O SUS é o ápice de uma longa estrada, doloroso e difícil caminho, mas alimentado por sonhos e utopias de uma sociedade igualitária.
Saúde, Brasil.
Prof. Péricles
sábado, 24 de maio de 2014
SAÚDE, BRASIL - PARTE 1
A história da saúde pública no Brasil é dolorosa, e coerente com uma história escrita pelas elites no exercício do poder.
Sua evolução sempre obedeceu à ótica do avanço do capitalismo internacional.
A saúde, ao menos a pública, nunca ocupou o lugar central das políticas oficiais.
Nossos governantes, se preocupavam com as epidemias pelo potencial prejuízo a seus governos e à política externa do país, mas deixavam de se preocupar quando as epidemias tornavam-se endemias, pois, os males crônicos, vistos como doenças de pobre não tinham o mesmo potencial de desgaste de suas administrações.
Em 1789, ano da implosão da inconfidência mineira em março e da queda da Bastilha na França, em julho, havia, no Rio de Janeiro, capital da colônia, apenas quatro médicos.
As primeiras duas escolas de medicina só foram construídas quando a família real portuguesa veio para cá, o Colégio Médico-Cirúrgico no Hospital Militar de Salvador e a Escola de Cirurgia no Rio de Janeiro.
Até 1850 as atividades de saúde pública se limitavam as atividades sanitárias das juntas municipais e ao controle de navios e saúde dos portos.
Já na República Velha, o Presidente Rodrigues Alves (1902 a 1906), preocupado com a péssima imagem do Brasil na Europa, que retratavam o país como um gigantesco foco de doenças, que, entre outros prejuízos dificultava sua política de atrair imigrantes europeus para trabalhar aqui, resolveu combater as epidemias, e para isso designou o sanitarista Oswaldo Cruz como comandante em chefe de uma verdadeira campanha militar – combater os vírus que infestavam as zonas mais pobres do Rio de Janeiro, especialmente as favelas.
Os comandados de Oswaldo Cruz invadiam as “regiões inimigas” e usavam de enorme virulência para vacinar as pessoas mesmo sem seu consentimento e queimar colchões e trastes que pudessem servir de incubadora dos insetos transmissores.
A esse sistema violento e autoritário de intervenção sanitária chamamos de “Modelo Campanhista” e uma de suas conseqüências mais graves foi a “Revolta da Vacina”, quando o cidadão se armou do que pode e passou a se defender dos homens do “papa-rato” que era como chamavam Oswaldo Cruz.
Por três dias a capital do Brasil ardeu numa febre de guerra, caótica e insana.
A ordem pública foi recuperada e os bons resultados da vacinação se fizeram sentir, mas o povo não esqueceria facilmente o fato de não ser visto como vítima, e sim, como um inimigo, o causador da péssima imagem do Brasil lá fora.
Em 1920 Oswaldo Cruz foi substituído por Carlos Chagas que reestruturou o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça e introduziu a propaganda e a educação sanitária, inovando a forma de ver saúde.
Criaram-se órgãos especializados na luta contra algumas moléstias como as doenças venéreas. Expandiram-se as atividades de saneamento para outros estados, além do Rio de Janeiro e criou-se a Escola de Enfermagem Anna Nery.
Isso em se tratando de saúde pública, pois, no campo da assistência individual, os filhos das classes dominantes continuavam assistidos pelos “médicos de família”, enquanto o povo era atendido pela filantropia de hospitais mantidos pela Igreja.
Com as mudanças trazidas pelo pós-I Guerra Mundial (1914-1918) e ao crescimento do sindicalismo, foi promulgada em 1923 a Lei Eloy Chaves. A partir de então nasce a Previdência Social no Brasil e, a saúde, permanecerá desde então atrelada à previdência.
Nesse primeiro momento, advindo da Lei Eloy Chaves, serão criadas as CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões). O governo não participa do rateio que é gerado pela contribuição vinculada ao faturamento das empresas, num acordo entre empregadores e empregados.
O tempo de existência do modelo CAPs foi relativamente curto para uma análise mais abrangente, pois, as mudanças que ocorreram em todos os setores da vida pública, trazidas pela revolução de 30, também ocorreram na área da previdência, e, a reboque, na atenção à saúde pública.
Coerente com suas características centralizadoras que sempre buscavam o controle do processo político, o Getulismo daria origem aos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões, sistema totalmente submetido ao controle dos sindicatos e dependente do Imposto Sindical. Desde seu nascimento os IAPs significaram o apoio tácito dos sindicatos a Getúlio Vargas e seu governo. Com uma mão o presidente fortalecia essas organizações, mas exigia que a outra fosse beijada, configurando a imagem amplamente difundida na história do Brasil dos “sindicatos pelegos”.
Para ratificar essa submissão, os IAPs eram dirigidos por um presidente indicado pelo chefe do executivo, no caso, Getúlio Vargas.
A quarta letra, posterior aos IAP designava o setor econômico-sindical que representava. Um dos mais famosos, o IAPI, por exemplo, era o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. O IAPM era o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos, IAPTEC Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transportes de carga, e assim por diante.
Em 1953, depois de derrubado como ditador, mas ressurgir das urnas como presidente eleito, o gaúcho de São Borja criou o Ministério da Saúde, desmembrando-o do Ministério da Educação.
Prof. Péricles
sábado, 17 de maio de 2014
MEDO, AMOR E DOR DE CABEÇA
Certa vez Zeus estava com enorme dor de cabeça.
Sua dor era tamanha que ele perdeu a vontade de fazer qualquer coisa, até transar (coisa que todos achavam impossível em se tratando de Zeus).
A dor de cabeça continuou aumentando e não havia analgésico que a pobre divindade já não tivesse experimentado, sem sucesso.
Em um dado momento, o Deus dos deuses não agüentou mais. Chamou Hefesto, deus do fogo e seu filho com Hera (segundo alguns, apenas de Hera com o auxílio do vento... bem, mas isso é outra história) e pediu para que esse utilizasse sua bigorna divina, para, com uma só pancada abrisse sua cabeça para ver o que provocava tamanha dor (procedimento cirúrgico exclusivo de imortais, infelizmente).
Hefesto, que já não curtia muito o velho, cumpriu com bom gosto a ordem e deu uma porrada titânica que, de fato, abriu o crânio do seu pai.
Para surpresa de todos que assistiam a cena, de dentro da cabeça de Zeus saiu um feto que, enquanto caía em direção ao oceano se transformava numa mulher. E das espumas das ondas, nas praias da ilha de Chipre (segundo Homero), surgiu Afrodite, a deusa da beleza, da forma feminina perfeita, a deusa do amor, do sexo e de todas as transas desde a mais rapidinha até a divinal.
Dessa forma, os gregos explicavam que, a mulher perfeita só existe mesmo na cabeça dos homens, especialmente dos homens que só pensam em sexo, como nosso insaciável Zeus.
Talvez tentassem nos dizer, ainda, que o mal da sedução não está na beleza feminina, mas na idéia que o homem faz diante da sedução que pode até, atormentá-lo com a mais viva das dores.
Seria interessante essa leitura pelos muçulmanos ortodoxos que proíbem as mulheres de mostrar até o rosto, com medo da sedução que os leva ao pecado.
Afrodite, por sua vez foi uma deusa agitada que aprontou todas e mais algumas.
Sua beleza era inebriante, irresistível e representou de várias formas, o direito a plenitude do prazer sexual que foi negada às mulheres reais durante séculos, na história humana.
Teve uma rivalidade imensa com as deusas e suas manas, Hera e Atena. Uma rivalidade tão grande que deu origem à Guerra de Tróia (mas essa, também é outra história).
Seu marido titular era seu irmão Hefesto (aquele mesmo da bigornada), mas teve vários filhos, com inúmeros deuses e até mortais. Deusas, definitivamente, não tinham estrias por causa da gravidez.
Com Ares, deus da guerra, teve vários filhos como Eros, Harmonia e Pothos, mas dois deles chamam a atenção – Fobos e Deimos.
Eram gêmeos.
Fobos era o Deus do medo. Temido pelos soldados, sua presença no campo de batalha, despertava a vontade de fugir do perigo iminente que viria. Seu irmão, Deimos, era o Deus do pânico.
Os guerreiros rezavam para que Deimos não aparecesse na guerra, pois o pânico trazia a fuga, a derrota e a morte diante do inimigo.
Ao que tudo indica, Deimos e Fobos andavam sempre juntos e divertiam-se que os estragos que causavam nos corações mais corajosos que encontravam.
Não resta dúvida que a mensagem mitológica nesse caso é uma das mais intrigantes pois coloca o medo e o pânico como filhos do amor (Afrodite).
Queriam nos dizer que o amor enfraquece e deixa escapar a coragem? Será que após encontrar a pessoa amada e formar família o homem pensa melhor sobre as conseqüência de seus atos e, torna-se mais prudente?
Os gregos nos dizem que o que mais desejamos quando encontrado, nos traz o pior dos medos, que é perdê-lo.
Talvez isso explique porque a oposição brasileira, mesmo com o apoio extraordinário da mídia não consiga convencer o brasileiro que ele vive mal e precisa mudar seu voto nas próximas eleições.
É que quem nunca teve, quando tem sofre um enorme medo de perder.
Boa parte desse povo nunca teve acesso a tratamento médico. Casa própria. Bens de consumo como automóvel ou mesmo, convênio privado de saúde.
Muitos nunca tiveram luz elétrica em seus lares, nem água tratada.
Para uma grande parcela de nosso povo, submerso abaixo da linha da miséria uma volta ao passado representa o retorno ao inferno.
E todos lembram do tamanho das filas por emprego.
Fobos e Deimos visitam as casas mais humildes do Brasil e o poder de suas presenças é muito mais verdadeiro do que as falácias disseminadas pela mídia. Entender isso faria bem à oposição estimulando uma mudança de discurso e de postura.
Na astrologia Deimos e Fobos são as duas luas de Marte (Ares para os romanos), e, assim como pai e filhos, vagueiam juntos, eternamente, no espaço.
Na Terra, mamãe Afrodite ainda nos desafia a não temer o amor.
Prof. Péricles
TORCIDA DE TIME PEQUENO
Por Ricardo Kotscho
O que aconteceu? Anunciadas pomposamente como o "Dia Internacional de Lutas Contra a Copa" por líderes sem cara e sem nome, as manifestações de protesto programadas nesta quinta-feira em todo o País e até no exterior, terminaram num retumbante fracasso e, mais uma vez, em atos de vandalismo. Luta mesmo se deu apenas entre black blocs e policiais, um vexame.
Aconteceu que este foi apenas mais um factoide midiático. Não apareceram mais do que 1.500 combatentes no Rio e em São Paulo; outros 2.000, em Belo Horizonte, 100, em Curitiba, 200, em Porto Alegre, 300, em Fortaleza, 100, em Salvador, e por aí foi. Ou seja, somando tudo, tinha menos gente do que num jogo da Portuguesa e mais policiais e jornalistas do que manifestantes.
Estão desmoralizando até os protestos. Agora, qualquer um, por qualquer motivo, pode fechar a avenida Paulista, região onde fica o maior complexo hospitalar do País. Logo de manhã, um grupo de ex-funcionários do Idort, que cuida dos telecentros da prefeitura paulistana, achou-se no direito de desfilar pela avenida, no horário de maior movimento, para cobrar salários atrasados. E o que nós temos a ver com isso?
Claro que, criado o clima e montado o cenário, movimentos de sem-teto e diversas categorias profissionais em campanha salarial, de policiais a professores, passando por metalúrgicos arrebanhados pelo impagável Paulinho da Força, principal aliado do candidato Aécio Neves, aproveitaram-se da ampla cobertura da imprensa para fechar ruas e avenidas em mais um dia de baderna e caos nas principais cidades do País.
Em Recife, foi pior. A exemplo do que já havia acontecido na Semana Santa em Salvador, durante a greve da Polícia Militar, em poucas horas, sete pessoas foram assassinadas, começaram os saques e o pânico tomou conta das ruas, com comércio e escolas fechando as portas. Foram convocadas tropas da Força Nacional e, mais uma vez, o Exército, enquanto o candidato Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, postava na rede social uma foto da família viajando de jatinho a caminho de São Paulo.
Vamos ter Copa, mas não vamos ter mais nenhum dia de paz até as eleições. São tantos interesses em jogo nesta antevéspera da Copa, juntando os político-eleitorais com os daqueles que querem apenas azucrinar a vida dos outros e aos que se aproveitam do momento para chantagear os governos, que o direito de ir e vir está provisoriamente suspenso. Nada indica que, apesar do fracasso de ontem, as manifestações possam parar por aí.
Policiais de todo o País, civis, militares, federais e rodoviários, já estão ameaçando fazer uma greve conjunta na próxima quarta-feira, dia 21. Em Pernambuco, os PMs pedem módicos 50% de aumento, ao passo que no Rio motoristas e cobradores se contentam com 40%. Num país em que a inflação está abaixo do teto de 6,5%, caso as reivindicações de todas as categorias em greve sejam atendidas, o que é inviável, os aumentos provocariam uma disparada nos preços para a alegria da turma que joga no quanto pior, melhor, que sabemos bem maior do que a torcida da Portuguesa. Aí certamente serão programadas novas manifestações, agora contra a inflação.
Aonde querem chegar? Só espero que outubro chegue logo.
terça-feira, 13 de maio de 2014
INSEGURA SEGURANÇA
As primitivas coletividades do período pré-histórico surgiram pela necessidade dos homens de se sentirem seguros. Sozinhos percebiam-se frágeis diante das ameaças do ambiente e as possibilidades de sobrevivência eram escassas.
As primeiras civilizações tiveram a questão da segurança no núcleo original de sua formação. O rei teocrático era a expressão da união que gerava o estado e o estado, a repressão e a força que dele emanava, proporcionava a sensação de segurança pessoal e de sua prole.
Roma que teve um período mais ou menos longo de decadência, teve na insegurança e na incapacidade do estado de manter a ordem, um dos mais dramáticos dos motivos de sua queda, e quando os primeiros bárbaros invadiram suas fronteiras os romanos já haviam iniciado a fuga, abandonando o estado e buscando proteção em áreas menores, mas de poderosos proprietários rurais, trocando salário por trabalho gratuito, na instituição denominada de colonato. Ou seja, já haviam abandonado o estado.
No longo período feudal, os servos submetiam-se a uma vida miserável de exorbitante exploração de seu trabalho pelos donos de terra, simplesmente porque o feudo e a ordem feudal mantinham uma segurança vital para a vida de seus pobres. Quando, exauridos daquela vida infeliz, o servo pensava e ir embora, olhava para as grossas paredes e muralhas dos castelos, pensava no mundo inseguro que lhe aguardava lá fora e mudava de idéia. E assim, gerações ficaram, por 10 séculos, trocando trabalho sem salário, mas com segurança.
A partir do século XIV, quando os senhores da nobreza e da riqueza foram incapazes de impedir as mortes crescentes devido às pestes, e as guerras entre eles tornou seu mundo inseguro, os nobres perderam seus servos, e o feudalismo ruiu.
As unificações nacionais trouxeram a figura onipotente do estado, e velhos valores apenas trocaram de roupagem. O nobre foi substituído pelo rei centralizador e o exército local substituído por um grande exército nacional. Mas alguns valores não se alteraram, como a necessidade do povo de se sentir seguro, e, então, o estado nacional se consolidou, como patrocinador da ordem e da manutenção da nacionalidade.
Hoje, vivemos numa sociedade onde o medo se destaca.
Nunca fomos tantos e isso também explica porque nunca tivemos tantos crimes e atos violentos, que são, pelo poder da proliferação quase instantânea da notícia, amplamente divulgados.
A violência invade nossas casas pela Televisão, pela internet, por todos os meios e lados. Nos oprime, nos amassa e pesa mais nossos corações a cada crime hediondo, a cada crueldade aparentemente inexplicável que de tão detalhado, fotografado, filmado, acaba se tornando um pouco nosso também.
Somos todos vítimas e todos nós nos sentimos cúmplices.
O maior perigo, que não pode, de forma alguma, passar despercebido, é o fato que tudo isso abre frestas nas estruturas do nosso jeito de viver e na funcionalidade do próprio estado.
Quando permitimos que veículos concessionários do poder público divulguem idéias de vingança, disfarçadas ou não, arriscamos repetir a nobreza que não percebeu que a peste vinha de dentro de seu mundo e não de qualquer poder externo.
Quando achamos que é válido fazer justiça com as próprias mãos nos aproximamos, perigosamente, dos bárbaros que entendiam o saque como direito de vingança pelos muitos séculos submetidos à Roma.
Seria muito bom que houvesse o entendimento que a questão da violência que aflige a população brasileira é muito mais grave do que fatos episódicos e transitórios.
Historicamente foi a necessidade de segurança que uniu e a falta dela que aniquilou com sociedades e modos de vida.
Prof. Péricles
sábado, 10 de maio de 2014
ATIRE A PRIMEIRA PEDRA
“Disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?
Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.
Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.
E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.
Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.
Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
Respondeu ela: Ninguém, Senhor! Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais”.
Lembrei imediatamente dessa narrativa do evangelista João (VIII, 3-11) quando vi a foto de Fabiane.
Uma mulher apedrejada, caída ao chão. Na foto dá pra ver os pés dos que a cercam sob pequeno círculo. Os apedrejadores.
É uma imagem que a gente logo percebe que é daquelas que jamais se conseguirá esquecer.
Fabiane Maria de Jesus, mãe de dois filhos, está sentada com a face direita coberta de sangue que parece ter origem num enorme ferimento na boca.
Blusinha branca, estampada com detalhes laranja, bermuda azul, certamente quando a colocou pela manhã não pensava que seria fotografada e que sua imagem se espalharia por todo o Brasil.
Sentada no chão, Fabiane chora.
Não sei se chora pela dor dos ferimentos no corpo. Se chora de medo que lhe machuquem ainda mais, ou se chora de indignação.
Seu olhar é de uma criança assustada que teme a surra prometida pelos pais.
Olhos grandes e apavorados. Parecem procurar algo que lhe salve a vida.
Ela havia sido atingida por incontáveis socos e ponta-pés disparados por centenas de bons cidadãos da “Pérola do Atlântico” como gosta de ser chamada a cidade paulista de Guarujá.
Pouco antes, uma multidão estimada em mais de mil pessoas havia invadido a comunidade de Morrinhos, para fazer justiça. Uma notícia plantada na internet identificava Fabiane como a perigosa seqüestradora de crianças que apavora a região de Morrinhos, naquele município.
A multidão inflamada pelas notícias da internet da página “Guarujá Alerta” encurralou Fabiane.
Ali mesmo, sob a terra vermelha e sem formalidades, ela foi julgada e condenada.
Mas, o pior viria depois da foto. Após novas agressões que não se intimidaram com suas lágrimas, nem com seu olhar de criança assustada, foram marretadas que lhe atingiram o crânio e provocariam a morte imediata, calando seu choro e fechando seus olhos assustados para sempre.
O corpo seria jogado numa vala fétida sujando de barro a blusinha branca de detalhes laranja e a bermuda azul já empapadas de sangue.
Segundo testemunhas anônimas, foram duas horas de execução, desde o primeiro soco na cara até o corpo fazer splash na água apodrecida da vala.
Fabiane chorou muito. Nas duas horas de execução esteve consciente em praticamente todos os momentos, até que a marretada final, disparada de cima para baixo provocou a hemorragia fatal.
Segundo a prefeita de Guarujá, Maria Antonieta de Brito que conhecia Fabiane da Igreja que ambas freqüentavam, ela sofria de depressão pós-parto. Tinha problemas psiquiátricos, mas era mãe extremada, participava sempre da Igreja São João Batista do bairro, sendo do grupo de jovens católicos daquela Igreja.
Segundo a prefeita qualquer um que a conhecia saberia que ela jamais faria mal a uma planta, imagina, a uma criança.
E a polícia concorda com a prefeita. Não só concorda como demonstrou com fatos que Fabiane era completamente inocente das acusações de ser a temida seqüestradora.
Sim, Fabiane era absoluta, concreta, completamente, inocente.
Não deixa de ser curioso que nossa civilização, a civilização ocidental se denomine de “cristã” sendo Cristo aquele moço que desenhando na areia exortou ao perdão.
Mas, se somos a civilização cristã, quando foi que endurecemos mais do que a própria pedra arremessada e deixamos de exercer a empatia para ouvir as vozes sensacionalistas do ódio?
Fabiane, vítima de linchamento cruel, foi apedrejada até a morte e era inocente.
Segundo seu marido há 15 dias não tomava os remédios e estava mergulhada em profunda tristeza. Passava a maior parte do dia circulando pela cidade e pela praia, a pé ou de bicicleta, em profunda solidão.
Ficou assim desde a depressão pós-parto.
Agora, Fabiane não chora mais. Mas, bem que poderíamos chorar por nós e pela civilização que construímos, onde, surda aos conselhos do mestre, ousamos, todos os dias, contra muitas outras Fabianes, lançar da primeira a última pedra.
que falta nos faz aquele moço desenhando na areia.
Prof. Péricles
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