O que os militares dessa geração pós golpe 1964 precisam enxergar é que
não há revanchismo nos trabalhos da Comissão da Verdade, nas denúncias
de tortura, assassinatos e nas várias ações para que a História de um
período brutal seja conhecida por todos os brasileiros.
Houve um golpe de estado em 1964, foi organizado e comandado por
potência estrangeira através de dois agentes, o embaixador Lincoln
Gordon e o general Vernon Walthers, contra um governo legítimo, dentro
de um processo maior, a guerra-fria. A máxima de Nixon “para onde se
inclinar o Brasil se inclinará a América Latina” foi dita anos depois,
mas não passou de uma constatação da realidade daquela época. E tanto é
assim que golpes semelhantes foram desfechados em países desta parte do
mundo, alguns, com níveis de estupidez absolutos. Caso da Argentina e do
Chile.
A ação dos governos gerados pelos golpes foi de caça pura e simples dos
adversários, inclusive e grande número de militares comprometidos com o
seu país. A forma de agir em momento algum fugiu do comando externo. O
que foi a Operação Condor? Uma aliança de governos golpistas do chamado
Cone Sul para promover o assassinato de líderes oposicionistas exilados
em qualquer parte do mundo. Orlando Letelier, ex-chanceler do governo de
Salvador Allende, foi morto em New York, onde ocupava um cargo de
funcionário nas Nações Unidas.
Os chamados projetos nacionais, ou seja, de busca do crescimento
econômico para esses países circunscreveram-se ao permitido por
Washington e às políticas de dominação impostas pelos EUA. Nada além
disso.
Deixar de lado as atrocidades cometidas por militares como Curió (ficou
milionário achacando garimpeiros em Serra Pelada), Brilhante Ulstra e
outros tantos é macular a história das forças armadas brasileiras e
transformá-las, hoje, em cúmplices de um tempo sombrio, cruel e
antinacional.
Puro espírito de corpo sem sentido e sem razão de ser, pois acaba sendo
mancha. Inserir as forças armadas no processo de construção democrática e
popular do Brasil, isso sim, dá um desenho claro das obrigações de
garantir a soberania nacional e a integridade de nosso território.
Ou os militares da nova geração entendem que os golpistas de 1964,
notadamente os torturadores, os assassinos, os estupradores, são
criminosos e praticaram crimes imprescritíveis – já denunciados por
organizações internacionais -, ou essa mancha vai atravancar o
cumprimento do real papel de uma força armada nacional. Têm que
responder pelos seus crimes. Esses enxovalham inclusive as forças
armadas através do falso patriotismo, aquele que Samuel Johnson chama de
“último refúgio dos canalhas”. Foi a estupidez dita por um general num
programa de televisão que “tortura existe em qualquer época, até hoje”.
Nesta semana a jornalista Hildegard Angel enviou uma carta a um ato de
homenagem às vítimas da ditadura militar onde fala de justiça. Sua mãe
Zuzu Angel foi morta pela ditadura ao buscar o paradeiro de seu filho
Stuart Angel, também executado pela ditadura. O prestígio internacional
de Zuzu e a mobilização que promovia, estavam incomodando e trazendo
transtornos a um regime que usou o pretexto de restaurar “a ordem e a
democracia”, para derrubar um governo legítimo.
Um documento comovente e repleto de sensatez.
Laerte Braga
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