terça-feira, 23 de agosto de 2011

LUTA, SUBSTANTIVO FEMININO

As mulheres torturadas pela repressão no Regime militar sofreram, além dos martírios físicos comuns aos homens, as torturas psicológicas e agressões a sua própria condição feminina.

Além das dores dilacerantes do corpo, as dores inomináveis na alma e na dignidade.

A seguir, alguns relatos, dessas mártires da luta contra a ditadura militar:

ROSE NOGUEIRA - jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje.

“Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele (delegado Fleury) ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’”.

IZABEL FÁVERO - professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no Recife, onde é docente universitária.

"Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.

HECILDA FONTELLES VEIGA - estudante de Ciências Sociais, presa em 1971, em Brasília. Hoje, vive em Belém, onde é professora da Universidade Federal do Pará.

“Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’.
Me colocaram na cadeira do dragão. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia.
Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição de Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia”.

IGNES MARIA RAMINGER - estudante de Medicina Veterinária presa em 1970, em
Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria de Saúde.

“Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. E eu fui muito torturada, juntamente com o Gustavo [Buarque Schiller], porque descobriram que era meu companheiro”.

DILEA FRATE - estudante de Jornalismo presa em 1975, em São Paulo. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde é jornalista e escritora.

“Dois homens entraram em casa e me seqüestraram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”.

CECILIA COIMBRA - estudante de Psicologia presa em 1970, no Rio. Hoje, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense.

“Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. ‘Isso não pode estar acontecendo: é um pesadelo… Eu não estou aqui…’, pensei. Vi meus três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram seqüestrados em suas casas, presos e torturados”.

MARIA AMÉLIA DE ALMEIDA TELES - professora de educação artística presa em
1972, em São Paulo. Hoje é diretora da União de Mulheres de São Paulo.

“Fomos levados diretamente para a Oban. Eu vi que quem comandava a operação do alto da escada era o coronel Ustra. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’. Ele disse: ‘Foda-se, sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio. Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques”.


São apenas alguns de mais de 500 relatos que você encontra no livro “LUTA, SUBSTANTIVO FEMININO”, coordenado pelo professor José Ribamar Bessa Freire.

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