sábado, 13 de agosto de 2011

HERÓIS DO POVO

Cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Domingo, 1º de Maio de 1950. Dia do Trabalhador.
Barraquinhas coloridas e bandas de música animam a festa popular.
Gente animada, homens, mulheres, crianças.
E discursos, muitos discursos que não poderiam faltar numa festa organizada pelos comunistas para comemorar a data.

Criticavam a opção do governo brasileiro, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, em se atrelar ao bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos na Guerra Fria. Protestavam também contra a ameaça nuclear, o arrocho salarial e pela falta de liberdade.

Tentando esvaziar a festa, as autoridades locais organizaram uma partida de futebol entre o Esporte Clube Rio Grande, uma paixão local e o C.R. Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. É claro que uma multidão preferiu prestigiar a partida.

No meio da pequena multidão, sorridente, estava a jovem tecelã Angelina Gonçalves, sempre acompanhada de sua filhinha Shirley de 10 anos. Uma mulher feliz, no limite do que era permitido ser feliz a uma mulher trabalhadora em 1950.

Após os festejos os trabalhadores resolveram terminar as comemorações de seu dia com uma passeata que se dispersaria em frente à sede da União Operária, que havia sido fechada pelo governo que acusava a entidade de ser um “antro de comunistas”.

Punhos fechados a passeata seguiu seu rumo. Angelina carregava numa das mãos, uma enorme bandeira do Brasil, enquanto com a outra segurava Shirley.

"A Bandeira na frente, companheiros" gritou alguém, e abriu-se o espaço para que Angelina pudesse expor o estandarte nacional à frente dos companheiros.

Já próximo de seu destino um delegado do DOPS interceptou a marcha. Acompanhado de vários agentes armados da Brigada Militar, exigiu que dispersassem. Houve discussão, empurrões e o dia festivo virou dia de guerra.

Tiros, gemidos, gritos desesperados. Uma batalha campal.

Após um tempo que ninguém sabe determinar com precisão, um soldado da Brigada Militar estava caído no chão, gravemente ferido (morreria pouco depois no Hospital). Do outro lado, quatro operários jaziam mortos, atingidos por balas covardes. Ao lado de um dos corpos ensangüentados uma pequena menina, chorava copiosamente.

Segundo testemunhas, Angelina resistira bravamente, quando tentaram lhe tirar a bandeira de sua mão, e por isso foi mortalmente atingida.

No outro dia, enquanto muitos ainda convalesciam nos hospitais e as lideranças dos trabalhadores era perseguida, os jornais mancheteavam o enterro do soldado, morto pelos comunistas.

Sobre Angelina, Shirley e os outros três operários mortos, nenhum comentário.

Aos mortos pela repressão sempre pesa a condenação ao anonimato nos livros da história oficial.

A Angelina Gonçalves, heroína do povo, um túmulo com o nome mal rabiscado.
Uma filha, de nome Shirley, pra contar sua história.
E os versos, publicados em 1954, pela poetisa comunista Lila Ripoli:


Foi num primeiro de maio,
na cidade de Rio Grande.
O céu estava sem nuvens.
O mês das flores nascia.
O vento lembrava as flores
no perfume que trazia.

O povo reuniu-se em festa
pois a festa era do povo.

Crianças, homens, mulheres,
o povo unido cantava.
O povo simples da rua,
comovido se abraçava.

Foi num primeiro de maio,
de pensamento profundo.
"Uni-vos, ó proletários,
ó povos de todo o mundo".
(...)

A tecelã Angelina,
vivaz e alegre cantava,
Recchia - o líder operário
ria e confraternizava.

Era primeiro de maio,
dia de festa do mundo.
(...)

"Amigos, a rua é larga.
Unidos vamos partir.
A nossa 'União Operária'
nós hoje vamos abrir."
(...)

Alguém arrebata
das mãos de Angelina
a verde Bandeira
que ondula no ar.


O rosto em tormento,
cabelos ao vento,
retorna Angelina,
mais alta e mais fina.

"A nossa Bandeira,
nas mãos da polícia?"
E à luta regressa,
com febre no olhar.
(...)

A grande alegria caindo dos olhos,
Das vozes, das flores, do dia sem nuvens:
"Poder Popular!"
Num dia, tão perto, tão claro, tão certo,
Meus olhos verão.
Não morre a semente lançada na terra.
Os frutos virão!

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