segunda-feira, 22 de agosto de 2016

TRISTE ENCERRAMENTO DAS OLIMPÍADAS DO RIO


Publílio Siro foi feito escravo da República Romana na Síria, no primeiro século antes de Cristo, e enviado, ainda muito jovem, para a Itália. Revelou um talento tão grande para entender e explicar a vida, que seu senhor se tornou seu fã, libertou-o e lhe financiou toda a educação possível em sua época.


Tornou-se escritor, um dos maiores escritores latinos, cujas obras vivem até hoje.


Pois assistindo a cerimônia de encerramento das Olimpíadas do Rio de Janeiro, acabei lembrando dele.


Publílio disse, em uma de suas obras, que “os ouvidos suportam uma injustiça com mais facilidade que os olhos”.


Recordei o rosto faceiro de Lula quando depois de uma árdua disputa com países mais estruturados do que o nosso para grandes eventos, anunciou que as Olimpíadas seriam no Rio de Janeiro.


A dedicação de Lula para que as Olimpíadas fossem aqui foi decisiva para o que, na época, a mídia internacional descreveu como grande vitória política de um país em ascensão e que ocupava novo patamar entre as nações soberanas. 


Era, diziam organizações como o “Times”, uma grande demonstração de prestígio que o Brasil alcançava no mundo.


Lembrei também do jeito simples de Dilma Rousseff ao lado do então ministro dos esportes Aldo Rebelo. anunciando a criação do “Bolsa Atleta”, uma parceria entre o seu Ministério dos Esportes e as forças armadas para preparar melhor o jovem brasileiro que precisasse de apoio para se preparar minimamente para enfrentar os desafios dos jogos, algo inédito nos mais de cem anos de participação do Brasil nas Olimpíadas.


Então, ao perceber toda aquela festa colorida sem a presença e sequer menção aos nomes de Dilma e Lula, achei tudo muito triste e entendi melhor Publílio Siro.


A injustiça quando exposta aos olhos, mesmo que na forma de omissão, dói muito mais profundamente.


Imagino o quanto não terá doido em Dilma e Lula não poder, por força da repressão de um golpe, colher aquilo que plantaram com tanta dedicação.


É fato que todos aqueles capazes de se indignar com essa injustiça devem lutar pelo restabelecimento da verdade.


Afinal é também desse grande escritor latino outra frase dolorosamente verdadeira: “Calando-te sempre, darás lugar à injustiça”.


Prof. Péricles



domingo, 21 de agosto de 2016

LINCHAMENTO


Por Raduan Nassar

O inglês Robert Fisk, em artigo no jornal londrino "The Independent", afirma que, segundo as duras conclusões do relatório Chilcot sobre a invasão do Iraque, o ex-primeiro ministro Tony Blair e seu comparsa George W. Bush deveriam ser julgados por crimes de guerra, a exemplo de Nuremberg, que se ocupou dos remanescentes nazistas.

O poodle Blair se deslocava a Washington para conspirar com seu colega norte-americano a tomada do Iraque, a pretexto de este país ser detentor de armas de destruição em massa, comprovado depois como mentira, mas invasão levada a cabo com a morte de meio milhão de iraquianos.

Antes, durante o mesmo governo Bush, o brutal regime de sanções causou a morte de 1,7 milhão de civis iraquianos, metade crianças, segundo dados da ONU.

Ao consulado que representava um criminoso de guerra, Bush, o então deputado federal Michel Temer (como de resto nomes expressivos do tucanato) fornecia informações sobre o cenário político brasileiro. "Premonitório", Temer acenava com um candidato de seu partido à Presidência, segundo o site WikiLeaks, de Julian Assange.

Não estranhar que o interino Temer, seu cortejo de rabo preso e sabujos afins andem de braços dados com os tucanos, que estariam governando de fato o Brasil ou, uns e outros, fundindo-se em um só corpo, até que o tucanato desfeche contra Temer um novo golpe e nade de braçada com seu projeto de poder -atrelar-se ao neoliberalismo, apesar do atual diagnóstico: segundo publicação da BBC, levantamento da ONG britânica Oxfam, levado ao Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, a riqueza acumulada pelo 1% dos mais ricos do mundo equivale aos recursos dos 99% restantes. Segundo o estudo, a tendência de concentração da riqueza vem aumentando desde 2009.

O senador Aloysio Nunes foi às pressas a Washington no dia seguinte à votação do impeachment de Dilma Rousseff na exótica Câmara dos Deputados, como primeiro arranque para entregar o país ao neoliberalismo norte-americano.

Foi secundado por seu comparsa tucano, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, também interino-itinerante que, num giro mais amplo, articula "flexibilizar" Mercosul, Brics, Unasul e sabe-se lá mais o quê.

Além de comprometer a soberania brasileira, Serra atira ao lixo o protagonismo que o país tinha conseguido no plano internacional com a diplomacia ativa e altiva do chanceler Celso Amorim, retomando uma política exterior de vira-lata (que me perdoem os cães dessa espécie; reconheço que, na escala animal, estão acima de certos similares humanos).

A propósito, o tucano, com imenso bico devorador, é ave predadora, atacando filhotes indefesos em seus ninhos. Estamos bem providos em nossa fauna: tucano, vira-lata, gato angorá e ratazanas a dar com pau...

Episódio exemplar do mencionado protagonismo alcançado pelo Brasil aconteceu em Berlim (2009), quando, em tribunas lado a lado, a então poderosa Angela Merkel, depois de criticar duramente o programa nuclear do Irã, recebeu a resposta de Lula: os detentores de armas nucleares, ao não desativá-las, não têm autoridade moral para impor condições àquele país. Lula silenciou literalmente a chanceler alemã.

Vale também lembrar o pronunciamento de Lula de quase uma hora em Hamburgo (2009), em linguagem precisa, quando, interrompido várias vezes por aplausos de empresários alemães e brasileiros, foi ovacionado no final.

Que se passe à Lava Jato e a seus méritos, embora supostos, por se conduzirem em mão única, quando não na contramão, o que beira a obsessão. Espera-se que o juiz Serio Moro venha a se ocupar também de certos políticos "limpinhos e cheirosos", apesar da mão grande do inefável ministro do STF Gilmar Mendes.

Por sinal, seu discípulo, o senador Antonio Anastasia, reproduz a mão prestidigitadora do mestre: culpa Dilma e esconde suas exorbitantes pedaladas, quando governador de Minas Gerais.

Traços do perfil de Moro foram esboçados por Luiz Moniz Bandeira, professor universitário, cientista político e historiador, vivendo há anos na Alemanha. Em entrevista ao jornal argentino "Página/12", revela: Moro esteve em duas ocasiões nos EUA, recebendo treinamento. Em uma delas, participou de cursos no Departamento de Estado; em outra, na Universidade Harvard.

Segundo o WikiLeaks, juízes (incluindo Moro), promotores e policiais federais receberam formação em 2009, promovida pela embaixada norte-americana no Rio.

Em 8 de maio, Janio de Freitas, com seu habitual rigor crítico, afirmou nesta Folha que "Lula virou denunciado nas vésperas de uma votação decisiva para o impeachment. Assim como os grampos telefônicos, ilegais, foram divulgados por Moro quando Lula, se ministro, com sua experiência e talento incomum de negociador, talvez destorcesse a crise política e desse um arranjo administrativo".

Lula não assumiu a Casa Civil, foi rechaçado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Gilmar Mendes, um goleirão sem rival na seleção e, no álbum, figurinha assim carimbada por um de seus pares, Joaquim Barbosa, popstar da época e hoje estrela cadente: "Vossa Excelência não está na rua, está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro... Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar".

Sugiro a eventuais leitores, mas não aos facciosos que, nos aeroportos, torciam o nariz ao ver gente simples que embarcava calçando sandálias Havaianas, que acessem o site Instituto Lula - o Brasil da Mudança.

Poderão dar conta de espantosas e incontestes realizações. Limito-me a destacar o programa Luz para Todos, que tirou mais de 15 milhões de brasileiros da escuridão, sobretudo nos casebres do sertão nordestino e da região amazônica. E sugiro o amparo do adágio popular: pior cego é aquele que não quer ver.

A não esquecer: Lula abriu as portas do Planalto aos catadores de matérias recicláveis, profissionalizando-os, sancionou a Lei Maria da Penha, fundamental à proteção das mulheres, e o Estatuto da Igualdade Racial, que tem como objetivo políticas públicas que promovam igualdade de oportunidades e combate à discriminação.

Que o PT tenha cometido erros, alguns até graves (quem não os comete?), mas menos que Fernando Henrique Cardoso, que recorria ao "Engavetador Geral da República", à privataria e a muitos outros expedientes, como a aventada compra de votos para sua reeleição.

A corrupção, uma enfermidade mundial, decorre no Brasil do sistema político, atingindo a quase totalidade dos partidos. Contudo, Lula propiciou, como nunca antes, o desempenho livre dos órgãos de investigação, como Ministério Público e Polícia Federal, ao contrário do que faziam governos anteriores que controlavam essas instituições.

A registrar ainda, por importante: as gestões petistas nunca falaram em "flexibilizar" a CLT, a Previdência, a escola pública, o SUS, as estatais, o pré-sal inclusive e sabe-se lá mais o quê, propostas engatilhadas pelos interinos (algumas levianamente já disparadas), a causar prejuízo incalculável ao Brasil e aos trabalhadores.

Sem vínculo com qualquer partido político, assisto com tristeza a todo o artificioso esquema de linchamento a que Lula vem sendo exposto, depois de ter conduzido o mais amplo processo de inclusão social que o Brasil conheceu em toda a sua história.


RADUAN NASSAR, 80, é autor dos livros "Lavoura Arcaica" (1975), "Um Copo de Cólera" (1978) e "Menina a Caminho e Outros Textos" (1997). Recebeu neste ano o Prêmio Camões, principal troféu literário da língua portuguesa



quarta-feira, 17 de agosto de 2016

MENSAGEM DE DILMA ROUSSEFF


Brasília, 16 de agosto de 2016


Dirijo-me à população brasileira e às Senhoras Senadoras e aos Senhores Senadores para manifestar mais uma vez meu compromisso com a democracia e com as medidas necessárias à superação do impasse político que tantos prejuízos já causou ao país.

Meu retorno à Presidência, por decisão do Senado Federal, significará a afirmação do Estado Democrático de Direito e poderá contribuir decisivamente para o surgimento de uma nova e promissora realidade política.

Minha responsabilidade é grande. Na jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho.

Precisamos fortalecer a democracia em nosso País e, para isto, será necessário que o Senado encerre o processo de impeachment em curso, reconhecendo, diante das provas irrefutáveis, que não houve crime de responsabilidade. Que eu sou inocente.

No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a desconfiança política para afastar um presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.

Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo "conjunto da obra". Quem afasta o presidente pelo "conjunto da obra" é o povo e, só o povo, nas eleições.

Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de estado.

O colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria substituído, sem a devida sustentação constitucional, por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta.

Ao invés disso, entendo que a solução para as crises política e econômica que enfrentamos passa pelo voto popular em eleições diretas. A democracia é o único caminho para a construção de um Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social. É o único caminho para sairmos da crise.

Por isso, a importância de assumirmos um claro compromisso com o Plebiscito e pela Reforma Política.

Todos sabemos que há um impasse gerado pelo esgotamento do sistema político, seja pelo número excessivo de partidos, seja pelas práticas políticas questionáveis, a exigir uma profunda transformação nas regras vigentes.

Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um Plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral.

A restauração plena da democracia requer que a população decida qual é o melhor caminho para ampliar a governabilidade e aperfeiçoar o sistema político eleitoral brasileiro.

Devemos construir, para tanto, um amplo Pacto Nacional, baseado em eleições livres e diretas, que envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros. Um Pacto que fortaleça os valores do Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o desenvolvimento econômico e as conquistas sociais.

Esse Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social permitirá a pacificação do País. O desarmamento dos espíritos e o arrefecimento das paixões devem sobrepor-se a todo e qualquer sentimento de desunião.

A transição para esse novo momento democrático exige que seja aberto um amplo diálogo entre todas as forças vivas da Nação Brasileira com a clara consciência de que o que nos une é o Brasil.

Diálogo com o Congresso Nacional, para que, conjunta e responsavelmente, busquemos as melhores soluções para os problemas enfrentados pelo país.

Diálogo com a sociedade e os movimentos sociais, para que as demandas de nossa população sejam plenamente respondidas por políticas consistentes e eficazes. As forças produtivas, empresários e trabalhadores, devem participar de forma ativa na construção de propostas para a retomada do crescimento e para a elevação da competitividade de nossa economia.

Reafirmo meu compromisso com o respeito integral à Constituição Cidadã de 1988, com destaque aos direitos e garantias individuais e coletivos que nela estão estabelecidos. Nosso lema persistirá sendo "nenhum direito a menos".

As políticas sociais que transformaram a vida de nossa população, assegurando oportunidades para todas as pessoas e valorizando a igualdade e a diversidade deverão ser mantidas e renovadas. A riqueza e a força de nossa cultura devem ser valorizadas como elemento fundador de nossa nacionalidade.

Gerar mais e melhores empregos, fortalecer a saúde pública, ampliar o acesso e elevar a qualidade da educação, assegurar o direito à moradia e expandir a mobilidade urbana são investimentos prioritários para o Brasil.

Todas as variáveis da economia e os instrumentos da política precisam ser canalizados para o País voltar a crescer e gerar empregos.

Isso é necessário porque, desde o início do meu segundo mandato, medidas, ações e reformas necessárias para o país enfrentar a grave crise econômica foram bloqueadas e as chamadas pautas-bomba foram impostas, sob a lógica irresponsável do "quanto pior, melhor".

Houve um esforço obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos impostos à população. Podemos superar esse momento e, juntos, buscar o crescimento econômico e a estabilidade, o fortalecimento da soberania nacional e a defesa do pré-sal e de nossas riquezas naturais e minerárias.

É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade.

Povo brasileiro, Senadoras e Senadores,

O Brasil vive um dos mais dramáticos momentos de sua história. Um momento que requer coragem e clareza de propósitos de todos nós. Um momento que não tolera omissões, enganos, ou falta de compromisso com o país.

Não devemos permitir que uma eventual ruptura da ordem democrática baseada no impeachment sem crime de responsabilidade fragilize nossa democracia, com o sacrifício dos direitos assegurados na Constituição de 1988. Unamos nossas forças e propósitos na defesa da democracia, o lado certo da História.

Tenho orgulho de ser a primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Tenho orgulho de dizer que, nestes anos, exerci meu mandato de forma digna e honesta. Honrei os votos que recebi. Em nome desses votos e em nome de todo o povo do meu País, vou lutar com todos os instrumentos legais de que disponho para assegurar a democracia no Brasil.

A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade, que não há razão legal para esse processo de impeachment, pois não há crime. Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora.

Jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição. Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém.

Esse processo de impeachment é frágil, juridicamente inconsistente, um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente. O que peço às senadoras e aos senadores é que não se faça a injustiça de me condenar por um crime que não cometi. Não existe injustiça mais devastadora do que condenar um inocente.

A vida me ensinou o sentido mais profundo da esperança. Resisti ao cárcere e à tortura. Gostaria de não ter que resistir à fraude e à mais infame injustiça.

Minha esperança existe porque é também a esperança democrática do povo brasileiro, que me elegeu duas vezes Presidenta. Quem deve decidir o futuro do País é o nosso povo.

A democracia há de vencer.



Dilma Rousseff



terça-feira, 16 de agosto de 2016

O HOMEM QUE QUERIA MATAR GETÚLIO VARGAS



Por Apóllo Natali


Getúlio Dornelles Vargas chamou o cara e disse: vai ter uma revolução e eu quero que você fabrique bombas para mim. O homem que era especialista em fazer bombas, respondeu: eu vou fazer só uma bomba e é para te matar.

Getúlio Dornelles Vargas então arremessou o interlocutor ao solo com um empurrão e ordenou: levem esse sujeito para ser torturado. Concluída a tortura, o homem da bomba foi solto e se arrastou pelas ruas do Rio de Janeiro com o corpo em petição de miséria, tendo ainda debaixo das unhas os estiletes que os torturadores não quiseram se dar ao trabalho de tirar.

Bem antes disso, o tal do bombardeiro (cujo ofício, como se nota, é mesmo lidar com bombas) já havia sido preso e torturado a mando de Getúlio Dornelles Vargas, descoberto que foi fabricando bombas em sua própria residência.

Seu segredo veio à tona após uma explosão em sua casa. Sua mulher e a filha de nove anos sofreram sérias queimaduras nas costas. Foram levadas presas para um convento por ordem de Getúlio Dornelles Vargas. Lá eram arrastadas pelos cabelos e xingadas de comunistazinhas pelas freiras.

O cara que fabricava bombas era teimoso e colocou uma de sua autoria no vagão de um trem onde viajaria Getúlio.

De repente apareceu gritando um velho que, pela aparência desgrenhada, ninguém daria um centavo por ele.

Falou resfolegando para o bombardeiro e seus amigos agachados a uma certa distância do trem: alguém do Partidão [o Partido Comunista] nos denunciou. Precisamos tirar essa bomba daí logo para que ninguém nos identifique.

Era uma bomba à base de nitroglicerina. Pode explodir com uma respiração mais forte, um chacoalho ou mudança de temperatura. Olha o perigo de explosão fora de hora na fornalha Rio 40 graus (que era aquele vagão) antes de Getúlio Vargas entrar nele!

Outros amigos do Partidão chamados às pressas para tirar a bomba demoravam muito para chegar. Estavam aflitos os três ou quatro bombardeiros escondidos com as mãos apertando os ouvidos. Ufa, a bomba foi retirada e Getúlio Dornelles Vargas só morreu em 1954, por conta própria.

O bombardeiro de Getúlio Dornelles Vargas se chamava Francisco Romero.

O neto dele, já antigo trabalhador na construção civil, mora num bairro vizinho ao meu, em São Paulo. Ele me contou esta história às 11h30 do dia 16 de janeiro de 2016.

Sei que os doutos historiadores exigirão depoimentos de outrem e/ou quaisquer registros do passado, coincidentes em algum (uns) ponto (s) com estas lembranças, para se decidirem a encaixar o pequenino personagem Francisco Romeiro num cantinho da biografia de Getúlio Dornelles Vargas; lamentavelmente inexistem, ou nem o neto os tem, nem eu os encontrei.

Pensei numa foto do avô e família, esta sim disponível, mas logo aquilatei que não seria suficiente.

O seu falar fluía tranquilo e pausado. Ouvindo-o, não duvidei em momento algum da veracidade do que ele me narrava. E você, caro leitor ou prezada leitora, o que concluiu deste relato?


Apóllo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde. Escreve atualmete para diversos sites e blogs de notícia, como o Observatório da Imprensa.


sábado, 13 de agosto de 2016

AS RAZÕES DA ESQUERDA


Talvez o mundo esteja racional demais e sensível de menos.


Nada é mais desesperador para alguém que está deprimido, por exemplo, do que a lógica de quem não está e não enxerga os motivos ocultos de quem sofre.


Toneladas de lógica podem significar menos que algumas gramas de emoção.


Verdades as vezes plenamente reconhecidas podem ser perfeitamente evitáveis.


Um pouco de lúdico e subjetivo pode preencher vazios existenciais indefiníveis.


Os partidos de esquerda, por exemplo.


Às vezes são tão preparados para ocupar o poder que acabam fazendo acordos espúrios e esquecendo das próprias raízes.


O militante de esquerda é um ser intelectualizado. Invariavelmente já leu muitas obras que a maioria das pessoas não leem, já fiz comparações políticas necessárias que muitos nunca ousaram pensar.


O militante de esquerda tem sua utopia e acredita estar lutando por ela militando nesse ou naquele partido de esquerda.


Entretanto poucas coisas são mais frias do que uma reunião dessa militância.


Muito intelecto, pouca emoção.


Paradoxalmente o lúdico de cada utopia do militante iniciante vai dando espaço à uma lógica que oprime e é capaz de afastar cada vez mais o militante e a utopia que o levou ao partido.


Algo como o sonho fugindo diante de tanta estratégia lógica e tantos argumentos e hierarquias.


Existem rumores de militantes de grupos armados abandonados pelas direções de suas organizações à própria sorte durante a “Guerra Suja” contra a ditadura militar e isso é plenamente possível, já que essas agremiações são eminentemente lógicas.


A organização de esquerda possuí razão de mais e coração de menos.


E dessa forma torna-se arrogantemente certa em suas convicções intelectuais e talvez essa seja a razão de estarem sempre tão distantes do coração dos ilustrados que julga defender.


Na crise atual isso é, mais uma vez, perceptível.


Você não acha que a reação ao golpe está apática?


Temos, nós da esquerda, um exército de possibilidades de luta.


Onde estão?


Onde estão as lideranças mais populares do PT? Por onde anda Lula?


É provável que, cobertos de lógica eleitoral, a direção do PT já tenha feito uma espécie de combinação, não escrita, mas firmada nas atitudes, com os golpistas.


Uma combinação que garanta as eleições de 2018, que contaria com a possibilidade de vitória e volta de Lula.


Isso seria cruel e injusto com Dilma.


Mas, a esquerda brasileira possuí razão de mais e coração de menos, lembra?



Prof. Péricles





quinta-feira, 11 de agosto de 2016

MOMENTO ÚNICO


Por Luis Fernando Veríssimo


Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia?

Gustave Flaubert escreveu, numa carta para um amigo: “Quando os deuses tinham deixado de existir, e o Cristo ainda não viera, houve um momento único na História, entre Cícero e Marco Aurélio, em que o homem ficou sozinho”.

As divindades pagãs nunca deixaram de existir, mesmo com o triunfo do cristianismo, e a Roma evocada por Flaubert era apenas Roma, não era o mundo. Mas, no breve momento de solidão flagrado pelo escritor, o homem ocidental se viu livre da metafísica — e não gostou, claro. 

Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia? O monoteísmo paternal substituiu as divindades convivais da antiguidade, em pouco tempo Constantino adotaria o cristianismo como a religião do império e o homem perdeu o seu momento único, a oportunidade de se emancipar dos deuses.

A ciência, pelo menos até Einstein, nunca pretendeu desafiar a metafísica dominante, mesmo quando desmentia seus dogmas. 

Copérnico cumpria seus deveres de cônego da Catedral de Frauenburg enquanto bolava a heresia que destruiria mil anos de ensinamento da Igreja, e seu tratado revolucionário sobre o universo heliocêntrico foi dedicado, sem nenhuma ironia que se saiba, ao Papa Paulo III.

Galileu também foi inocentemente a Roma demonstrar na corte papal o telescópio com o qual confirmara a teoria explosiva de Copérnico, talvez o exemplo histórico mais acabado de falar em corda em casa de enforcado. Quando foi julgado pela Inquisição, Galileu concordou em renunciar à ideia maluca de que a Terra se movia em torno do Sol, para ficar vivo, e a frase famosa que teria dito baixinho — “E pur si muove” — só foi acrescentada ao relato do julgamento um século depois, quando provavelmente também se originou a frase “Se não é verdade, é um bom achado”.

Quando o astrônomo Joseph Halley, o do cometa, entusiasmado com a recém-publicada “Principia”, de Isaac Newton, quis dar uma ideia da importância da teoria newtoniana da gravidade e do movimento dos astros, disse que, com ela “fomos admitidos aos banquetes dos deuses” pois, até então, a ciência só especulara sobre a geometria celestial — algo como o Woody Allen dizendo que fazer cinema sério, ao contrário de comédias, era sentar-se na mesa dos adultos.

Com Newton, passamos a conversar seriamente com os deuses. Halley preferiu “deuses” a Deus, evocando o tempo pré-cristão em que as divindades andavam entre os homens e podiam até ser seus comensais. O trabalho de Newton fazia parte da “filosofia natural”, o pseudônimo com que, na Europa do século XVII, a ciência especulativa convivia com os dogmas religiosos.

Os banquetes com os deuses não eram exatamente atos de rebeldia contra a teologia, mas uma maneira de trazer a metafísica de volta a um plano humano.

Mas o momento único da emancipação possível já passara.


Luis Fernando Veríssimo, escritor.